sábado, 1 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8844: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Os Bravos do 13.º Pelotão sob o Comando do Furriel Montana

1. Em mensagem do dia 28 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos estas boas memórias da sua guerra.


Memórias boas da minha guerra - 24

Os Bravos do 13º Pelotão sob o Comando do Furriel Montana

Parada actual do ex-GACA 3 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves)

Para quem prestou um pouco de atenção ao assunto da formação dos Pelotões, sabe que eles eram organizados conforme a chegada dos mancebos ou militares. Preenchia-se o 1º Pelotão, depois passava-se para o 2º e daí para o 3º etc., etc..

Desta forma, os últimos a chegar integravam o último Pelotão. Assim, por coincidência ou não, tínhamos os mais pacatos (e obedientes) e mais interessados nos primeiros e os arrastados e contrariados, a chegarem “à força” (alguns com dias de atraso) no último pelotão. Tive essa experiência, logo na recruta em Santarém.

No Verão de 1966, no GACA 3, em Espinho, quando se organizava mais uma incorporação de mancebos, verificámos que os “restos” ficaram para o 13º Pelotão. E como não havia mais que 12 Aspirantes, este Pelotão foi comandado pelo Furriel de Cavalaria, José Montana.

Como as exigências do programa da recruta se baseavam na “Ordem Unida”, o trabalho era focado essencialmente nessa preparação. Aliás, as apreciações da tutela vinham sempre após o desfile no Juramento de Bandeira.

Ora, está-se mesmo a ver que o Furriel era mais experiente que os Aspirantes. Daí que o seu 13º Pelotão acabasse por dar muito mais nas vistas. Apanhou com os tais “retardados” ou “inadaptados” mas com a sua experiência e o apoio dos seus Cabos Milicianos rapidamente dominou a situação.


O Geninho

Um dos seus recrutas era o “Geninho” que, devido à baixa estatura, andava à civil, por não existirem, no quartel, fardas para... crianças. Parecia um miúdo da escola primária. Tinha 1,37 de altura. A espingarda Mauser, pousada, com a coronha no chão, a sua frente, dava-lhe pelos olhos. O curioso é que ele era um jovem socialmente bastante desenvolvido e de trato muito agradável. Quando o mandaram embora, ele lamentava-se dizendo:
- Vou triste, porque eu até gosto disto e gostaria imenso de servir a minha Pátria.


O Coiro

O Carlos Costa, que levou logo o apelido de “Coiro”, por ser de Paredes de Coura e por não se “mexer para nada”, apresentou-se com quatro dias de atraso. Alegou que no Domingo não havia carreira para Viana do Castelo, na Segunda chegou atrasado à paragem do autocarro e na Terça deixou-se adormecer.

- Mas tu pensas que isto é uma brincadeira, ou quê? - gritou-lhe o Montana, para o amedrontar.

O “Coiro”, achou muita piada à observação e riu-se, ao mesmo tempo que respondeu:
- Olhe que, por aquilo que vejo aqui, eu não estava a fazer falta alguma. Falta, falta, fiquei eu a fazer lá em casa, para ajudar o meu velho a tratar do gado. Oh Senhor Chefe, há-de dizer-me como vou para a baixa, porque eu tenho um problema aqui nas cruzes e não posso vergar-me muito.

O Montana, não esteve com meias medidas, mandou-o logo para a enfermaria, a fim de se ver livre dele rapidamente.


O Mangualde

O Fernando Mangualde era meu vizinho. Já era casado e tinha 2 filhos. Logo que me viu lá no quartel, veio dizer-me:
- Trata da minha situação, junto dos teus amigos que fazem Sargento Dia, porque tenho que ir trabalhar todos os dias, para sustentar os meus meninos e a minha Rosinha.

O certo é que compreenderam a situação e ele passou a andar desenfiado e a trabalhar em Lourosa.


O Gonçalves

Parecia um indivíduo normal. Todavia, dava a ideia de que “não batia bem da tola”. Na hora de executar os movimentos da arma, na Ordem Unida, ele não ligava ao que se lhe dizia quanto aos movimentos, espreitava para o lado e punha a arma na posição final como via nos outros. Ora, como ele não progredia, foi mais um que o Montana despachou para... “tratamento psicológico”.

Um dia, já estávamos na cama e o Gonçalves fez questão em vir agradecer-nos ao quarto, o facto de o termos ajudado a livrar-se da tropa. Veio de táxi, directamente do Hospital Militar do Porto e seguia para a sua terra, perto de Vila Real. Ficámos de boca aberta.

- Como é que este morcom se safou? – Perguntou o Nora.

Ele ouviu e respondeu logo:
- Os médicos eram uns nabos. Então não é que eles me perguntaram quantas patas tinha uma vaca?

E logo eu, curioso, perguntei:
- E que é que você lhes respondeu?

- O que havia de responder? Disse logo que tinha três. Não, ia dizer-lhes que tinha quatro?!


Chico Perna

Outro caso de referir, foi o do Francisco Oliveira, conhecido por “Chico Perna”. Tinha uma perna mais curta dois dedos que a outra. O Montana disse-me:
- Não sei o que vou fazer com este gajo. Já lhe disse para ir à enfermaria arranjar uma consulta para o mandarem embora e ele ficou ofendido. Diz que é um homem igual aos outros.

Como eu conhecia o Francisco e a sua humilde família, fui incentivá-lo a ir-se embora. Naquele tempo, um indivíduo saudável que se livrasse da tropa, era um “caso de lotaria”. Pois o Chico Perna, todo resmungão, não abdicou da sua teimosia em continuar na tropa. Porém, o Montana não contou com ele para o desfile. Falou com o “Sargento das Hortas” e pô-lo lá a tratar dos porcos e das galinhas até ao Juramento de Bandeira.

Quando regressei da Guiné, 34 meses depois, perguntei pelo “Chico Perna” e disseram-me que estava preso em Elvas, por ter andado à pancada com um Cabo Miliciano.

Os bravos do 13.º Pelotão

O dia do Juramento de Bandeira

Foi um sucesso.
Familiares, namoradas e amigos dos militares acotovelavam-se à volta da rede para poderem ter uma visão total do desempenho do seu ente querido. Ao som da fanfarra, os Pelotões desfilavam, por sua ordem numérica, de norte para sul e entravam na grande parada, de fronte das casernas. Mais que todos os galões exibidos, botas engraxadas, metais reluzentes e discursos inflamados, foi muito apreciada a entrada do último - o 13º Pelotão. É que o Furriel Montana, fez-se atrasado propositadamente e vinha atrás do seu Pelotão, em passo normal, a vê-lo desfilar e a executar todas as manobras “automaticamente”, assinaladas com o bater certeiro da bota direita no chão, apresentando-se na sua posição final, ao lado dos outros, voltado para o Comando e em posição de sentido, aguardando a sua ordem.

Então, já no seu lugar, o Furriel Montana faz a continência e, no meio de um silêncio sepulcral, grita em voz sonante:

-Vooossa Seenhoriiia, meu comaaandaante, dá liceeença?

- Siiiimmm – ouviu-se, também por toda a parada.

Então assistiu-se a uma enorme ovação, emotiva e carregada de admiração, sem dúvida causada pela “cagança” demonstrada pelos “Bravos do 13º Pelotão”.

Silva da Cart 1689

Nota: Mais tarde, informaram-me que o Montana, que não chegou a ir à guerra, veio a ocupar um lugar importante num organismo público da Capital, talvez devido ao seu currículo, de onde se destacavam os louvores que foi acumulando na preparação dos nossos militares.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8810: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (23): O mergulhador do Funchal

2 comentários:

Luis Faria disse...

Ferreira da Silva

Há coisas do "caraças"!Hoje "plantei" no "Facebook"uma foto da minha Cª Instrução do RI 5 (C Rainha)e recordei alguns dos instruendos.Deles havia um,que recordo afvel e bem disposto,de quem não recordo o nome,que mediria um metro e meio e pesaria uns quarenta quilos se tanto.
Atendendo à sua estatura e leveza,era o meu ´5º passageiro nas vindas de fim-de-semana ao Porto,já que sendo o banco da frente corrido e a alavanca no volante,ele não estorvava e pagava tanto como os demais!!!
Um abraço
Luis Faria

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Ferreira da Silva

Boa memória. Casos pitorescos bem interessantes, a fazerem-me interrogar de como teria sido divertido se a guerra tivesse sido feita pelos entusiásticos defensores da justeza da mesma...

Abraço
Hélder S.