sábado, 31 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16899: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (23): Que seja realmente um "Bom Ano Novo"... Se continuarmos a ser espectadores (e "reclamadores passivos") não vai acontecer nada, mais correctamente, vai acontecer o que 'os outros' determinarem para nós, por nós (Hélder Sousa)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 27 de dezembro de 2016 > O sobreiro de Candoz... Em terra roubada à floresta de castanheiro, a 300 metros acima do nível do mar, o sobreiro  adapta-se bem; cresce em altura, mas não dá cortiça de jeito... Este tem 50 anos, ainda me lembro dele, pequeno mas com vontade de vingar, aproveitando as condições de clima favoráveis à vida vegetativa (calor e humidade no verão. temperatura não muito baixa no inverno)... Há alguma analogia com a mensagem do nosso camarada Hélder Sousa: não basta estarmos vivos e ativos, é preciso sermos...proativos! (Ativo= Que exerce ação, oposto de passivo; proativo=Que não se baseia na reacção a algo, mas toma iniciativa de acção.)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso colaborador permanente Hélder Valério de Sousa (ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72, ribatejano a viver em Setúbal):

Data: 29 de dezembro de 2016 às 10:37
Assunto: Que seja um "Bom Ano Novo"

Meus caros amigos e amigas

Já passou o período do "Bom Natal". Aproxima-se rapidamente o momento de se brindar ao "Ano Novo"... Estão então quase a serem consumados os votos de "Festas Felizes", na esmagadora maioria dos quais esses 'votos' são mera formalidade e rotina.

Este ano não vos incomodei com as minhas más recordações de Natal mas também por isso não fui distribuidor de votos para os quais não me sentia motivado.

Mas agora estamos quase no despertar de um novo ano. É certo que a passagem de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro é idêntica a tantas mudanças de mês no calendário, mas aqui a psicologia funciona
de tal maneira que nos impele a formular desejos, propósitos, 'determinações'.

Então, associando-me ao momento, também eu vos desejo saúde, sorte, prosperidade, longevidade, sucesso...
É claro que se não nos comprometermos com esses propósitos, tais votos não passarão de intenções ou mesmo até de simples 'palavras'. Será preciso que nos empenhemos de modo sério e activo na construção das nossas vidas: pessoais, familiares, profissionais, sociais, grupais.

Se continuarmos a ser espectadores (e "reclamadores passivos") não vai acontecer nada, mais correctamente, vai acontecer o que 'os outros' determinarem para nós, por nós.

Desejo-vos então um "Bom Ano Novo".

Abraços e beijinhos, conforme as circunstâncias.
Hélder Sousa
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Guiné 63/74 - P16898: Memória dos lugares (355): Matosinhos, e a cantiilena de caserna "Oh! Xenhôr dos Matosinhos, / Oh! Xenhôra da Boa-Hora, / Ensinai-nos os caminhos / P'ra desandarmos daqui p'ra fora!",,, (Fotos de Luís Graça)



Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio atlântico: vista da praia e do porto de Leixões



Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio atlântico: entrada de um navio petroleiro no porto de Leixões


Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio atlântico:



Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio marítimo: Placas informativas da responsalidade da CM de Matosinhos.


Matosinhos > 28 de dezembro de 2016 > Av Serpa Pinto, onde se situa o "ventre da cidade",,, ou seja, a avenida dos restaurantes de peixe e marisco.


Matosinhos > 28 de dezembro de 2016 > A Marisqueira dos Pobres, no nº 33 da Av Serpa Pinto...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Para além dos muitos amigos e camaradas da Guiné que aqui vivem,  na cidade e no resto do concelho, e de ser a sede da nossa querida Tabanca Pequena, Matosinhos (*) vinha-nos sempre à lembrança quando, cacimbados, apanhados do clima, velhinhos (leia-se: com pelo menos seis meses de comissão), costumávamos gritar, alto e bom som, em Buba, em Bambadinca, em Guileje, por todos os buracos da Guiné, em "noites palúdicas":

"Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
 Oh! Xenhôra da Boa-Hora, 
Ensinai-nos os caminhos 
P'ra desandarmos daqui p'ra fora!"  (**)

Não sei se o santo e a santa cumpriram a sua obrigação ante tão veementes súplicas, a verdade é que nem os matosinhenses regressaram... Houve pelo menos 65 que morreram, em combate, ou por acidente ou por doença, na guerra do utramar / guerra colonial.

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Guiné 63/74 - P16897: Parabéns a você (1185): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16886: Parabéns a você (1184): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 4745/73 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16896: Memória dos lugares (354): Matosinhos é uma terra de gente laboriosa, que merece uma visita com tempo e vagar e que tem a sua importante quota-parte na nossa história trágico-marítima...É também sede da famosa e hospitaleira Tabanca Pequena (Fotos de Luís Graça)







Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > "Tragédia do mar" (grupo escultórico de José João Brito, evocando uma série de naufrágios de embarcações de pesca, na noite de 1 para 2 de dezembro de 1947, que vitimaram, 152 pescadores, deixando na então vila piscatória 72 viúvas e 154 órfãos). (*)

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Matosinhos é uma terra de gente laboriosa, que merece uma visita com tempo e vagar. A cidade tem cerca de 30 mil habitantes e o concelho 175 mil, segundo o último censo. 

A autarquia é dinâmica, tem forte sentido de responsabilidade social  e tem vindo a valorizar os nossos grandes arquitetos da Escola Porto, através de obras, públicas e privadas,  onde estão representados dois Prémios Pritzker da arquitetura, o equivalente ao Nobel (Siza Vieira, 1992; Eduardo Souto Moura, 2011)... 

Em 2017 Matosinhos vai inaugurar um centro de referência, a Casa da Arquitectura: Centro Português de Arquitectura.

Para além da gastronomia, ligada aos produtos do mar, Matosinhos é também terra com história, lendas, narrativas, tragédia e magia... Faz parte integrante da nossa história trágico-marítima e está ligada ao culto de Santiago.

Sem esquecer que é aqui, na cidade de Matosinhos, que tem também sede a famosa, amiga, hospitaleira e solidária  Tabanca Pequena, ou simplesmente Tabanca de Matosinhos. Desde há largos anos que os nossos camaradas desta Tabanca (a primeira a surgir, oriunda do universo da Tabanca Grande) se reúnem todas as quartas-feiras, no restaurante Milho Rei (R Heróis de França 721, 4450-159 Matosinhos,  telef 22 938 5685), para almoçar, conviver e angariar fundos para ações de solidariedade para com os nossos amigos e irmãos da Guiné-Bissau.


Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Porto de Leixões > Terminal de Cruzeiros, visto do passeio marítimo.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]

Estive aqui num fim de tarde de 27 de dezembro de 2016, vinha com ideia de conhecer de perto o Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões... Ainda meti uma "cunha" ao Carlos Vinhal... mas ele disse-me que agora, reformado ou aposentado, já não manda nada, o que não é verdade, ele manda no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...

O Carlos, como é sabido, trabalhou uma vida inteira na Administração dos Portos do Douro e Leixões... Há um dia por ano, o Dia do Porto de Leixões, em que se organizam visitas guiadas ao belíssimo terminal de cruzeiros... Este ano que está a terminar foi a 16 de setembro...

No dia seguinte, 28 de dezembro, 4ª feira, fui almoçar à Tabanca de Matosinhos, que é ali mesmo, a escassos 200 metros da praia, do posto de turismo e do grupo escultórico a que nos referimos acima, "Tragédia do Mar"... Obrigado ao Zé Teixeira e ao Eduardo Moutinho pela hospitalidade... Obrigado aos novos camaradas que conheci como o António Vale (ex-alf mil, CCAÇ 2464 (Biambe, Encheia, Bula, Binar, Nhala, Nhamate,  Mangá, 1969/70): é de Vila Real e trabalhou no Banco de Portugal. Convidei-o  a integrar a nossa Tabanca Grande. Tivemos uma longa conversa sobre o seu/nosso tempo de Guiné. Desta companhia é o nosso grã-tabanqueiro António Nobre.

Obrigado pelos vossos comentários, Carlos, Henrique e Felismina...
Boas saídas, e melhores entradas (*)...
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Guiné 63/74 - P16895: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (37): 1 - O amigo Mohammed de Canquelifá

1. Em mensagem do dia 26 de Dezembro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos esta história destinada à sua série com o mesmo nome:

Caros amigos.

Junto a história de "O amigo Mohammed".

Trata-se da primeira das quatro que tenciono publicar. Esta, a primeira, relaciona-se com o Mohammed da Guiné. A segunda será dedicada ao Mohammed da Mauritânia, a terceira ao Mohammed de Marrocos e a quarta ao Mohammed de Santa Maria da Feira.

Espero que todas elas mereçam a vossa habitual atenção.

Grande abraço

José Ferreira Silva


Memórias boas da minha guerra

37 - O amigo Mohammed

1 - Da Guiné

Nos primeiros dias de Agosto de 1968, voltámos a passar por Fá Mandinga, primeiro local onde pernoitámos na chegada à Guiné (1 de Maio de 1967). Desta vez seguíamos lá mais para o norte, para Canquelifá, onde prevíamos passar pacificamente os últimos meses da nossa guerreira missão.


Vista do aquartelamento de Fá Mandinga

Todavia, o meu pelotão ficaria no Destacamento de Dunane, cerca de 2 meses, portanto afastado dos outros camaradas da Companhia. Se, por um lado, manteria uma forte ligação permanente ao meu grupo, por outro, ficava afastado dos camaradas mais chegados, especialmente dos outros graduados, com quem convivia mais de perto.

Por isso, quando segui para Canquelifá, levei uns dias a actualizar as conversas e a retomar aquele relacionamento intenso a que estava habituado.

Uma das coisas que me surpreenderam foi o facto do Furriel Enfermeiro ter passado a dormir na Enfermaria. Mas, como se dizia que o “Dotô” passava o tempo a atender os doentes, era evidente que pouco tempo lhe sobrava para relaxar/descansar na cama, perto dos outros Furriéis. Aliás, só o víamos a comer e a jogar um pouco às cartas, logo após o almoço.

Tive a oportunidade de verificar a fila de doentes que se estendia diariamente, logo de manhã, por boas dezenas de metros, junto da Enfermaria, à espera de serem atendidos. Também me apercebi de que, em pouco tempo, o “Dotô” ultrapassara tudo que era normal e razoável na competência e capacidades de um Furriel Enfermeiro a gerir a assistência a milhares de pessoas dispersas por uma zona num raio de várias dezenas de quilómetros.

Pois o “Dotô Berguinhas” era incansável e, após várias intervenções na salvação de casos perdidos, adquiriu o estatuto de santidade (ou de bruxedo). É que os milagres aconteceram mesmo!

Naquela região eram inúmeros os casos de lepra, uns mais avançados que outros, mas todos com o rótulo da previsível fatalidade. Mas o Berguinhas não se conformava. Ele esforçava-se, experimentava, arriscava. Mesmo que, porventura, tenha causado alguma morte antecipada, foi com boas intenções, pois gozava de uma reputação granjeada à custa dos seus vários “milagres”.

Eu sempre me relacionei muito bem com ele. Dizia-se que parecíamos “duas putas”, sempre unidos, sempre na brincadeira e sempre na procura de uma boa ambiência. Por isso, acompanhei bastante essa fase do melhor “Doutor” que jamais passou por Canquelifá.


O “Dotô Berguinhas” animava os serões com a sua teimosia em recitar o seu poema “A Formiga vai à Serra” (que nunca conseguia lá chegar)


Porém, um dia, após várias insistências, confessou-me a razão da sua quebra de alegria. Andava preocupadíssimo porque o filhote do amigo Mohammed estava muito doente e percebia que nada o iria salvar. Já tinha experimentado tudo e mais alguma coisa mas o miúdo não melhorava.



Funeral em Canquelifá

A criança morreu. Penso que consegui tirar alguma foto a esse funeral. Vi o Berguinhas a ser reconfortado pelo próprio pai do miúdo. Também vi, mais vezes, o Mohammed a inteirar-se da situação de outros doentes. Apesar de não ser habitual o meu envolvimento ou preocupação de maior com os nativos, esse Mohammed ficou-me “registado”.

Aproximou-se o final da comissão de serviço. Dali, de Canquelifá, iríamos viajar até Bissau, local que a maioria de nós nunca havia pisado. Estava a chegar a CArt 2439 para nos substituir, a fim de seguirmos para Bambadinca e aguardarmos o transporte fluvial até Bissau.

Foram dias de grande entusiasmo e alegria, contrastando com a tristeza e apreensão dos nossos substitutos. E para alegrá-los, lá surgiu a ideia do Berguinhas: - fazer uma recepção de “boas-vindas” aos graduados dessa Companhia.

No serão de 1 de Dezembro, vestimos os balandraus, com os gorros a preceito, enfiámos algum ronco nos braços e no pescoço e lá fizemos o nosso papel de simpáticos anfitriões. Virados para os periquitos, eu “lia” em “árabe” a mensagem desejada e o Cepa, que já, nesses tempos, evidenciava uma certa capacidade oratória, fazia a “rigorosa” tradução. E eu dizia:
- Shalalamagrramalgrraminchal ala grram… echegrram… (etc.,etc.)

O Cepa, traduzia:

"Caros amigos, colegas de infortúnio, 
nós compreendemos bem a vossa triste condição de periquitos.
 Já passámos por isso 
e sabemos quanto é doloroso aguentar as saudades dos nossos familiares, 
das nossas namoradas e dos nossos amigos.
Sabemos o que é sangrar do coração.
Sabemos também o que é chorar de raiva e desespero.
Isso terá que passar.
Alegrai-vos porque isto não vai durar sempre.
Não vai piorar e o tempo vai passar.
Procurai dar o vosso melhor, 
especialmente na camaradagem, na solidariedade e na compreensão.
Ajudai-vos mutuamente, para que o tempo passe o melhor possível.
Do fundo do coração, desejamos que tudo vos corra bem 
e, se possível, melhor do que correu a nós."

Abismados com tanta eloquência extraída de um escrito árabe, os periquitos interrogavam:
- Como conseguiram aprender árabe?

O Machado lá ia esclarecendo:
- Não é muito difícil. O maior problema é aspirar o “erre”, porque a malta tem tendência a escarrar sem querer. Além disso, juntando o AL às palavras, aprendemos muita coisa. Por exemplo: - Algarve, Almería, Algeciras, Almalaguês, Almeirim, Alcácer, Alfarroba, Alcagoitas… etc., etc.

E o Miranda acrescentava:
- É mesmo fácil. Vocês, ao fim de um mês, já podem manter conversa com os gajos.

No dia seguinte:
- Ó Silva, anda comigo devolver os balandraus que nos emprestaram - disse o Berguinhas.
- Mohammed, queremos agradecer-te o favor de emprestares este material. Aqui está.

O Mohammed aproveitou a oportunidade para tecer grandes elogios ao Berguinhas, a quem lhe disse:
- Foste o melhor “Doutor” que passou por Canquelifá. O pessoal deve-te muito e eu fico muito contente com teu trabalho.

Ia invocando o nome de Alá, ligando-o a esse trabalho e a esse sucesso. Encaminhou-nos para uma tabanca maior e mostrou-nos o seu interior. Era uma biblioteca impressionante. Ele era o responsável por ela. Além do Alcorão, mostrou-nos várias obras de grande interesse para ele e para o seu povo. Contou-nos que já tinha ido a Meca duas vezes e esperava lá voltar.

Explicou as origens do seu povo Mandinga e a sua ligação ao império Mali e do seu grande rei Sundiata Keita. Esse império, do grupo etno-linguístico Mandê, fundado no Século XIII, que se estendeu ao longo da costa da África Ocidental. Migraram para oeste a partir do Rio Niger. Dos conflitos com os Fulas, absorveram a sua ligação religiosa ao islamismo. Diz-se que hoje, cerca de noventa e nove por cento dos Mandingas seguem o Alcorão. Nos Séculos XVI, XVII e XVIII os Mandingas foram sendo capturados como escravos e vendidos para a América.

O Mohammed era um Senhor!


O Provérbio árabe

Quando nos despedíamos, pedi-lhe para nos dizer o que estava escrito naquele papel que eu “lera” aos periquitos. E ele leu-o pausadamente:

Provérbio árabe

Não digas tudo o que sabes
Não faças tudo o que podes
Não acredites em tudo que ouves
Não gastes tudo o que tens

Porque:

Quem diz tudo o que sabe,
Quem faz tudo o que pode,
Quem acredita em tudo o que ouve,
Quem gasta tudo o que tem;

Muitas vezes diz o que não convém,
Faz o que não deve,
Julga o que não vê,
Gasta o que não pode.
___________

Nota: - Vim a saber que o reconhecido apoio ao “Dotô Berguinhas” partira do Mohammed, quando fez destacar a “empregada da Enfermaria”, a tempo inteiro.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16641: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (36): O guerreiro da minha rua

Guiné 63/74 - P16894: Notas de leitura (915): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Fica bem começar com uma declaração de interesses. Conheci Paulo Salgado na cidade de Bissau, em 1991, ele cooperante no Ministério da Saúde, eu cooperante no Ministério da Indústria e Recursos Naturais. Fomos consolidando estima, e depois de muita conversa avulsa veio à tona de água a guerra de cada um. Levou-me ao Olossato, senti que estava em Sintra, tal o deslumbramento que me suscitou aquela verdura e o frescor, estávamos na época das chuvas. Falei-lhe do comandante do PAIGC da minha zona, agora coronel, Mamadu Jaquité, que me deixava na picada advertências extremosas, tais como "meu alferes de merda, se fores vivo para o teu país, será a minha vergonha".
Quis conhecer Mamadú Jaquité, e o Paulo Salgado levou-me ao Cumeré, foi cena inesquecível, dela já aqui falei, naquele local alguém que fora encarregado de me matar pedia-me ardentemente uns escassos pesos para comprar arroz, óleo e sabão, foi naquele preciso instante que me apercebi, graças à ajuda do Paulo Salgado, que nem sempre de uma vitória de libertação e independência saímos vitoriosos - nada mais custa que pedir ajuda a quem nos colonizou e a quem mandámos embora.

Um abraço do
Mário


Guiné, crónicas de guerra e amor, por Paulo Salgado (1)

Beja Santos

Creio tratar-se do livro de estreia nas lides espaçosas da literatura da guerra colonial de Paulo Salgado. O seu “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, Lema d’Origem Editora, 2016, é o produto, como ele próprio observa, da sua comissão na Guiné entre 1970/1972, a sua experiência como cooperante na Guiné-Bissau por dois largos períodos e muitas interrogações sobre a presença portuguesa num local que se convencionou chamar Terra dos Negros, Senegâmbia, Rios da Guiné de Cabo Verde, nos primeiros séculos da chegada, da presença na orla, com tráfico de escravos e uma escassa missionação à mistura.

A estrutura da obra é de uma literatura de regressos: 20 anos depois de ali ter feito guerra, é tempo de relembrança de locais onde se experimentou a solidariedade e o sofrimento e que também dão pelo nome de Maqué ou Olossato ou Bissorã, por exemplo Paulo Salgado agora chama-se Alberto e comporta-se afim a quem aqui combateu, guarda imagens e odores que jamais se diluíram, na passagem do tempo: “os mil odores da floresta densa, do capinzal crescido, da bolanha encharcada, da terra lavrada aqui e ali; mas sempre a humidade levemente pegajosa. Redescobria o centro verde, intensamente verde das variadas árvores e arbustos, o constante castanho-avermelhado da terra; e remirava a estreiteza da picada longilínea sobre a qual pendiam os ramos frondosos de poilões soberbamente grandiosos; e vislumbrava estreitos carreiros semelhantes àqueles que calcorreara anos antes e que saíam da picada em direção aos longes”. É a relembrança de todos nós que tivemos a dita de ali voltar, décadas depois, impossível apagar aquele verde tropical, os sons da noite, o afogueado do amanhecer, a angústia daquele sol que cai a pique e nos deixa mergulhados no túnel da escuridão vegetal. Alberto interroga-se, como qualquer combatente na hora do regresso: “Com que direito venho aqui recordar factos, vasculhar misérias, relembrar horrores, levantar fantasmas, lembrar conflitos antigos e recentes?”. Então, as lembranças da guerra fazem caminho, fala-se de Bissancaje, surgem os primeiros nomes dos companheiros da guerra, Incanha é guia ou pisteiro do grupo de combate, é ali que surge a morte, a tão próxima morte, naqueles seis ou sete homens que eles vão foguear, um fica estendido no trilho, “dentro da bolsa, caída ao lado da espingarda, um passarinho morto, para dar sorte”. Há histórias como a de Bacar, que muitas vezes se sentia português, que faz frequentemente os longos 17 quilómetros do Olossato a Bissorã, a picar a estrada, é destro, parece não deixar um milímetro por picar até que se ouve um estrondo, um pedaço da sua perna esquerda voou. Por onde param os sonhos deste Bacar, tão diligente e tão companheiro?

Entremeiam-se episódios históricos, não há dúvida que a Crónica da Guiné, de Zurara, entusiasmou Paulo Salgado, seguir-se-ão outros autores, vêm ao de cima histórias avulsas de descobridores, de companheiros e de lugares, é o caso de a Ponte de Maqué, um local obrigatório a proteger, vários autores já classificaram esta referência, convém reter o que dela conserva a memória de Paulo Salgado: “No exterior, em largo amplo, que se destina a estacionamento das viaturas militares e a heliporto, separado do forte, um barraco para banhos e latrina. À volta, a cerca de 100 metros, duas fiadas de arame farpado, entre as quais armadilhas, minas e garrafas partidas servem para afastar ou ferir ou matar eventual intromissão. A estrada que vem de Bissorã para o Olossato atravessa o riacho, passando sob a pequena ponte e em frente do forte. A estrada é fechada, ao fim do dia, através de armadilhas, e com cavalos de pau, para ser reaberta, pela madrugada, desarmadilhando o que fora armadilhado. No destacamento, os soldados vigiam, os soldados armadilham e desarmadilham, indiferentes à guerra que se faz a 5 quilómetros, no Olossato, ou a 15 quilómetros em Bissorã, ou a 30 quilómetros em Mansabá, ou sabe-se lá onde por essa Guiné fora".

Sucedem-se os relatos em pequenos trechos: advertência do comandante de companhia quanto ao respeito que é devido às lavadeiras e nas aquisições de víveres, as ações psicológicas junto da população, os medos da mata, a história de um alferes que se afeiçoa por Rosa, uma bajuda de lábios carnudos perfeitos, de seios direitos e que bamboleava as cochas debaixo da pequena saia, a lembrança daquele rei de Bermoim que é trazido por Pêro Vaz da Cunha à Corte de D. João II, aqui batizado e que no regresso à Guiné o mesmo Pêro Vaz da Cunha matou à punhalada e que o monarca depois mandou enforcar, o interrogatório a Kadi, uma enfermeira do partido, na região do Morés, procedeu-se ao aliciamento, ela parecia anuir até que fugiu para a sua terra livre.

Há cartas de amor, há o soldado Julião, aparece o alferes Boaventura que, em 1917, se irá confrontar com o soberbo e delinquente régulo Abdul Indjai. Momentos há em que os retratos desses combatentes ganham um vigor inusitado, estou a pensar no que o autor nos descreve de Horácio, Moita, Zé Faquista e o Ratão, quedemo-nos neste último:  
“De doces era perfeito conhecedor, o rapaz. Transmontano de nascença, aos dez aos, feito o último ano da escola primária, que esperteza tinha o ganapo, o mandaram para a capital na mira de empreguinho em mercearia que um familiar lhe aprontara. Tinha tanto de esperto como de franzino e como de malandreco, o Ratão, como lhe chamavam os camaradas, fazedores de alcunhas. Em Lisboa, àquela data, empregos não faltavam a quem queria dar o corpo ao manifesto, a quem se sujeitasse a recados e mandiletes, a quem não custasse aturar patrão, capataz ou vigilante. Emprego aqui, emprego ali, sempre na busca de melhores dias. E quem porfia sempre alcança. Caiu finalmente no local certo: uma pastelaria onde aprendeu rapidamente a confecionar deliciosos doces, servidos a preceito no salão de chá, à hora do lanche, às madamas que acorriam e que os saboreavam acompanhados de chazinho cheiroso.
Calhou-lhe diversas vezes atender essas diversas senhoras, nas folgas dos empregados de mesa, algumas verdadeiras senhoras, outras nem tanto, e foi-lhe adivinhado as origens, descobrindo as fraquezas e os desgostos, e conquistando a sua amizade e estima e respeito, e até confidências. Não tardou que se travasse de relações com uma senhora, cinquentona da idade, queixosa do marido idoso e mais interessado nos negócios de ferragens na Baixa. Primeiro, foi no dia de folga, em casa da dona, que o recebia em roupão transparente, e, pegando-lhe na mão o transportava para a alcova adulta, deliciando-se com a carne tenra, virgem, do jovem imberbe. Depois, os encontros repetiram-se à hora em que ele, oferecendo-se ao patrão para tal tarefa, e entregar ao domicílio os bolinhos encomendados. Finalmente, o desejo tornou-se forte e exigente – foi então que o moço abandonou o ofício de pasteleiro para abraçar a profissão de amante.
Mas a carne mais velha enfastia, as exigências mútuas, cada qual com seu sentido, tornaram-se insuportáveis, a desconfiança do velho e atraiçoado marido cresceu, a dependência em relação à amante era grande, e o cansaço físico e espiritual, verdade seja dita, fizeram-no fugir para a zona de Alvalade onde um amigo o empregou em pastelaria aberta recentemente.
Franzino, traquina, vaidoso do seu passado femeeiro, gabarola bastante, o Ratão, não leva bolinhos ao domicílio, não atende as madamas na sua pastelaria. Transporta a G3 derreado, afogueado, de canseira que cansa”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16883: Notas de leitura (914): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16893: Fotos à procura de... uma legenda (79): Adoradores do sol ?...Adivinhem onde foram tiradas estas fotos!... (Luís Graça)







Portugal >Algures, costa norte > 27 de dezembro de 2016 > Adoradores do sol ?....Talvez o último pôr do sol que vou fotografar este ano... São imagens inspiradoras para quem se despede do ano de 2016...

Fotos (e legenda): © Luís Graça  (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]

1. Feita a análise SWOT, foi um ano, em termos individuais e coletivos, que teve os seus pontos fortes (Strengths, em inglês), os seus pontos fracos  (Weaknesses), as suas Oportunidades (Opportunities) e as suas Ameaças (Threats).

Caro leitor, vê se adivinhas onde foi que o fotógtrafo estava (*)...  Imagens como estas fascinam os seres humanos desde há muitos e muitos milhares de humanos... É o sol que faz com que sejamos circadianos..."Vamos indo, um dia de cada vez", é uma expressão que já usávamos na Guiné (**)...

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16835: Fotos à procura de...uma legenda (78): velhas placas com sinais de trânsito... encontradas no mato (António Murta, ex-alf mil linf, MA, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

(**) Vd. poste de 28 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16425: Manuscrito(s) (Luís Graça) (93): A vida, de fio a pavio


(...) Circadiana a vida!...
Depois do solstício do inverno,
virá o solstício do verão
e aos dias suceder-se-ão
as semanas,
os meses,
os anos.

Circadiana a vida!...
Pior que o suplício do inferno
é o pavor, imagino, do eterno
retorno.
É eternidade, dizem,
que nos move
ou demove
ou comove,
a eternidade ou a sua cruel ilusão,
os seus sucedâneos,
efémeros,
a fama,
a glória,
a vaidade,
o ouro,
os diamantes,
o elixir da juventude,
o amor até que a morte nos separe,
o poder, orgástico,
talvez a paternidade,
e o egoísmo genético.

Circadiana a vida!...
Afinal todos os anos é Natal
e todos os anos pela tua casa passa
o compasso pascal.
Aleluia, aleluia,
Cristo ressuscitou,
a vida triunfa sobre a morte.


Circadiana a vida!...
Todos os anos, com sorte…
Exceto quando deixaste a tua terra
e foste para a guerra:
perdeste a noção do dia e da noite,
dos dias,
das semanas,
dos meses,
e das estações,
que eram duas,
a do tempo seco e a das chuvas. (...)

Guiné 63/74 - P16892: Memória dos lugares (353): Destacamento de São João, localizado em frente a Bolama (José Câmara)

Localização do Destacamento de São João

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 26 de Dezembro de 2016, a propósito do Poste 16719, foram publicadas fotos do destacamento de São João como sendo Bolama.

Mano Carlos,
Desde ontem, espero que tudo esteja bem convosco. E desde já agradeço as vossas simpáticas palavras[1].

Na nossa conversa falámos um pouco sobre o Destacamento de São João e de algumas situações.
No Post P16719[2] havia algumas dúvidas sobre se de facto o Destacamento referido como de Bolama não seria São João. De algumas fotos não tenho dúvidas que foram tiradas em São João. Junto outras duas para serem confrontadas com as que foram publicadas.

Assim, a tirada no Porto de São João, posso confirmar que aqueles postos, já muito carcomidos pelo tempo, ficavam cobertos quando a maré estava cheia. Seguindo os postos em linha recta para o outro lado tínhamos o Porto de Bolama.

Destacamento de São João
Foto: © Luís Mourato Oliveira (P16719)

1 - Destacamento de São João - Repara na foto que agora de mando e a floresta (tarrafo) é consistente com a foto publicada no Post referido. 
Foto: © José Câmara

2 - São João - Na foto, ao fundo da estrada, como que apenas se vê o firmamento e assim é. No fim do arvoredo estava precisamente a Porta de Armas do Destacamento de São João. Assinalada com a seta amarela.
Foto: © José Câmara

3 - Um facto que me chamou a atenção quando lá estive, essa estrada que começava no porto de São João e que vai dar à Porta de Armas do Destacamento passava por dentro deste e seguia para Nova Sintra através do "cavalo de frisa". 

Destacamento de São João
Foto: © José Câmara

4 - Destacamento de São João - Na foto do poço repara na "evolução" desde quando eu lá estive, aquele tanque de água. 
Foto: © Luís Mourato Oliveira (P16719)

5 - Outro reparo, vê a limpeza que nós tínhamos e compara com o matagal da foto publicada. 

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Isto complementa parte da conversa que tivemos ontem. Muitos de nós que andamos dizer mal de tudo e de todos fomos os grandes culpados de muito do que nos aconteceu.
Não havia frescos, mas nada nos impedia de termos as nossas hortas.
Não havia carne, mas nada nos impedia de termos os nossos animais para abate.
Não havia limpeza, mas nada nos impedia de sermos limpos.
Éramos atacados ao arame farpado, mas nada nos impedia de andarmos lá fora.

Eu nem queria acreditar nas respostas sobre o inquérito "batota". Nem respondi, teria que desancar (em ferro frio). Desculpa mano, eu também não era perfeito. Acredito que na minha Companhia também havia falhas, mas repara na foto 4 e terás uma ideia daquilo que se fazia em matéria de acção militar.




Na Mata dos Madeiros foi bem pior que isso. Dois grupos constantemente fora, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 30 dias por mês. E o resto que se juntava, a saber: a picagem diária da estrada nova por um dos grupos que regressava, a lenha, a água, o correio, as evacuações e, se a memória não me falha, 12 postos de sentinela com três elementos em cada posto. Podes imaginar!!!

No Destacamento de São João tentei, sempre sem sucesso, levar os nossos alferes a criarem as condições acima referidas. A resposta que sempre tive foi que não valia a pena porque apenas ali estaríamos algum tempo e não iríamos desfrutar as colheitas. A tal atitude de quem quem venha atrás que feche a porta.

Sabia e compreendia que as coisas para terem sucesso tinham que ter continuidade. Mas foi nessa falta de confiança que andamos sempre a dar tirinhos nos nossos pés e a culpar os outros. Maneira típica da nossa maneira de ser.

As fotos são para serem usadas como muito bem te aprouver, incluindo uma achega ao tal Post. Fica contigo.

Grande abraço do mano José
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Notas do editor:

[1] - O José Câmara teve a gentileza de telefonar ao seu editor, a partir dos EUA, para desejar, não só a ele mas como a todos os camaradas da tertúlia, um Santo Natal.

[2] - Vd. poste de 14 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16719: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-al mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (2) - Bolama, Centro de Instrução Militar (parte II)

Último poste da série de 9 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16818: Memória dos lugares (352): Ilhéu de Caió, a sudoeste da Ilha de Jeta, região do Cacheu: um local muito bonito onde, para o ano, quero vir passar umas férias (Patrício Ribeiro, Bissau)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16891: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (20): Estudo sobre o bi-grupo de Mário Mendes


1. Em mensagem de hoje, 28 de Dezembro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos a sua opinião a propósito do tema tratado no Poste 16865 - (D)o outro lado do combate - Mário Mendes... da autoria do Jorge Araújo, para integrar a sua série: "A Minha Guerra a Petróleo".



A Minha Guerra Petróleo (20)

Estudo sobre bi-grupo de Mário Mendes

Olá Camaradas

Parece-me de realçar vários aspectos, partindo da mesma hipótese "académica" que o Araújo aceitou como verdadeira[1]

Tenho para mim, sem hipótese de confirmação, que o PAIGC, tinha relativa dificuldade no recompletamento das suas unidades. Assim, acho importante considerar os seguintes aspectos:
A baixíssima preparação literária. Nesse caso poderemos perguntar donde vinha a sua ânsia e convicção para combater? Aqui reside o cerne da questão e a prova de que havia razões que atingiam as camadas muito pobres da população. Creio que o racismo estaria presente. No fundo os portugueses (brancos) eram os detentores do poder que eles combatiam. A difícil Incorporação mais forte entre os nascidos entre 1941 e 1947 e muito reduzida entre os mais velhos (nascidos antes de 1941) e baixa entre os mais novos (nascidos depois de 1947). Acho natural. A "maturidade" (idade, constituição de família, conformismo) afastou-os mais velhos da luta. Os mais jovens, além de não terem o Partido por perto, já tinham "visto e sentido" a guerra e não estavam dispostos aos sacrifícios que a guerrilha impunha e que eles bem conheciam, por terem ouvido falar nas conversas de tabanca e imaginavam. A não incorporação de nascidos em 1948 não tem significado, por ser meramente casual.

A idade de adesão ao PAIGC segue mais ou menos uma tendência parecida. Os miúdos (13 e 14 anos) aderiram pouco. Eram miúdos e não teriam interesse para a "causa". A subida começa aos 15/16 anos e entra em declínio nos mais velhos (22 anos) que não se sentiam "com vida para aquilo".

Todas as outras considerações do Araújo são pertinentes. Por mim atrever-me-ia a considerar este bi-grupo como uma unidade-tipo semelhante a tantas outras e, sendo assim, poderemos questionar o que sucederia com a pouca "incorporação" que o PAIGC estava a ter. Poderia raptar rapazes e usá-los como combatentes, mas os resultados seriam pobres. No entanto, parece-me que o factor "experiência" fazia, cada vez mais a diferença, uma vez que as nossas unidades, na sua rotação constante, nunca atingiriam igual grau de experiência. Desta experiência vinha a capacidade de sobrevivência no campo de batalha de cada combatente que era cada vez maior e as unidades tendiam a manter o seu efectivo, A isto teremos que adicionar o material utilizado, cada vez mais sofisticado e em maiores quantidades e o apoio dos "internacionalistas". A guerrilha tornar-se-ia numa força militarmente muito eficaz, embora, do ponto de vista de enquadramento à população que detinha não se afirmasse senão pela coacção. Disto não temos dúvidas.

A baixa preparação literária, bem confirmada após a independência, impediria um bom enquadramento da população e o empenhamento nas tarefas do desenvolvimento sempre prometido, mas nunca realizado, e facilitaria a instalação da corrupção e do nepotismo. Poderemos afirmar que, à data do fim da guerra, o PAIGC seria uma força militar de bastante valor, mas que, na paz, viria revelar-se uma direcção política muito deficiente, como a História comprova.

PS: - Os cabo-verdianos, literariamente mais evoluídos, estão ausentes da lista nominal. E isto é um aspecto que dirá qualquer coisa. Tive dificuldade em a ler, mas creio que é assim.

António J. P. Costa
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16865: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (3): Mário Mendes (1943-1972): o último cmdt do PAIGC a morrer no Xime... Elementos para a sociodemografia do seu bigrupo em 1972: tinha 27.9 anos de idade e 8.9 anos de experiência de conflito...

Último poste da série de 4 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16558: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (19): Ainda a definição de literatura da Guerra Colonial ... e a crítica do filme "Cartas da Guerra"

Guiné 63/74 - P16890: Os nossos seres, saberes e lazeres (192): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Não era sem tempo que se conhecesse uma instituição de gabarito, o Jardim Botânico de Meise, a umas dezenas de quilómetros de Bruxelas. A sorte não favorece só os audazes, põe-se do lado dos turistas num cálido dia de Verão, por ali se cirandou bisbilhotando escultura, herbários, um palácio de plantas, um castelo onde viveu uma imperatriz do México, estufas e fósseis. A primeira imagem calou fundo o viajante, é uma escultura que data de 1898 e se intitula "O tempo guia a juventude", de Pierre van der Stappen. Aqui se vai falar de mais coisas até partir para Zaventem, não é agradável partir e muito menos num aeroporto em atmosfera parente da guerra. Tudo fruto daquele terrível atentado que vitimou inocentes que partiam ou chegavam.

Um abraço do
Mário


De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5)

Beja Santos

De há muito que se impunha visitar o Jardim Botânico, situado em Meise, qualquer coisa como a 40 km do centro de Bruxelas. É uma atração cultural e científica de alto nível: 18 mil espécies de plantas, dispersas por 92 hectares, um local cheio de história, espécies arbóreas fabulosas, estufas, um empolgante palácio das plantas, uma portentosa estufa em metal e vidro em Arte Nova e lá dentro o castelo de Bouchout, começado e construir no século XIV, renovado no século XIX em estilo neogótico, aqui viveu a imperatriz Carlota do México, mulher de Maximiliano da Áustria, fuzilado pelos republicanos mexicanos em 1867, a viúva viveu neste palácio até 1927. O viandante começou por namoriscar a arte pública, toda ela muito bela.



Com tanto hectare e tanto palácio, tanta árvore monumental, a estufa Arte Nova restaurada, a possibilidade de haver fósseis vivos e plantas pré-históricas, nenúfares e lótus, impunham a prudência. Os nenúfares gigantes atraem a pequenada, são muito resistentes e podem suportar pesos até 40 kg. O nenúfar é uma planta que deve a sua celebridade à floração, têm flores de 40 cm que só abrem à noite, é um branco cintilante e um odor doce. O jardim botânico é de facto uma instituição única na Bélgica e figura entre as dez instituições mais importantes do mundo na sua categoria e pelo preenchimento das suas três missões: investigação científica, conservação das espécies e partilha de conhecimentos.



Já se deambulou pelo palácio das plantas, viram-se catos, flores tropicais e plantas carnívoras, e até mesmo plantas medicinais. O ar livre reserva surpresas magníficas, os jardins estão muito bem tratados, há rosas selvagens e há rododendros de cortar o fôlego. E quem quiser comprovar a investigação científica que se faz no Jardim Botânico de Meise é ver a imensidade de publicações sobre plantas e jardins. O viandante gosta de ver árvores deslumbrantes, como a que fica na imagem.


Findo o passeio a Meise, resta ao viandante umas escassas horas antes de partir para Zavantem, os embarques são agora mais demorados, há muita tropa e muita vigilância, circula-se por tendas gigantescas e no percurso muitos jovens com crachá ao peito vão indicando o itinerário dos passageiros até chegarem ao controlo. Antes disto se passar em Zavantem, o viandante especa-se em frente de edifícios e locais de património, regista as suas recordações, o que está a fotografar conhece há muito, mas, passe o paradoxo, é quase como uma sensação pura, um primeiro confronto com o prazer estético. E antes de partir para um museu, entra na catedral de S. Miguel e procura, sem êxito, captar o esplendor barroco de um púlpito, mas como gosta muito, mesmo do que não cabe na imagem, partilha com os outros.




Um amigo alertou-o para uma exposição bizarra no Museu de Ixelles, que ele tanto aprecia. Trata-se de uma exposição da cineasta Agnès Varda, laureada com a palma de honra do festival de Cannes de 2015, por toda a sua obra cinematográfica. A exposição de Agnès Varda não é pacífica, houve mesmo críticos que a depreciaram. Fala de batatas, revela imagens da terra, do vento e das praias, é um reencontro com paragens e caminhos rurais que ficaram na imaginação da artista. Exposição composta de instalações, fotografias e vídeos, por ali cirandou o viandante confirmando que a velha Agnès Varda continua generosa misturando humoristicamente a infância e produções recentes, como se quisesse comprometer o visitante entre o imaginário e a realidade. Se era esse o seu objetivo, foi atingido. Por ali reina a sobriedade mas que em todas as circunstâncias supera o temível território do banal e do já visto.



Bela exposição, deixa saudades. Mas como a viagem nunca acaba há que ter fé noutras agradáveis surpresas, confiando que um dia destes, imprevistamente, se regressa a Bruxelas, impossível esquecê-la, tantas foram e continuam a ser as suas dádivas e oferendas.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16861: Os nossos seres, saberes e lazeres (191): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (4) (Mário Beja Santos)