Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
Guiné 63/74 - P16891: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (20): Estudo sobre o bi-grupo de Mário Mendes
1. Em mensagem de hoje, 28 de Dezembro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos a sua opinião a propósito do tema tratado no Poste 16865 - (D)o outro lado do combate - Mário Mendes... da autoria do Jorge Araújo, para integrar a sua série: "A Minha Guerra a Petróleo".
A Minha Guerra Petróleo (20)
Estudo sobre bi-grupo de Mário Mendes
Olá Camaradas
Parece-me de realçar vários aspectos, partindo da mesma hipótese "académica" que o Araújo aceitou como verdadeira[1].
Tenho para mim, sem hipótese de confirmação, que o PAIGC, tinha relativa dificuldade no recompletamento das suas unidades. Assim, acho importante considerar os seguintes aspectos:
A baixíssima preparação literária. Nesse caso poderemos perguntar donde vinha a sua ânsia e convicção para combater? Aqui reside o cerne da questão e a prova de que havia razões que atingiam as camadas muito pobres da população. Creio que o racismo estaria presente. No fundo os portugueses (brancos) eram os detentores do poder que eles combatiam. A difícil Incorporação mais forte entre os nascidos entre 1941 e 1947 e muito reduzida entre os mais velhos (nascidos antes de 1941) e baixa entre os mais novos (nascidos depois de 1947). Acho natural. A "maturidade" (idade, constituição de família, conformismo) afastou-os mais velhos da luta. Os mais jovens, além de não terem o Partido por perto, já tinham "visto e sentido" a guerra e não estavam dispostos aos sacrifícios que a guerrilha impunha e que eles bem conheciam, por terem ouvido falar nas conversas de tabanca e imaginavam. A não incorporação de nascidos em 1948 não tem significado, por ser meramente casual.
A idade de adesão ao PAIGC segue mais ou menos uma tendência parecida. Os miúdos (13 e 14 anos) aderiram pouco. Eram miúdos e não teriam interesse para a "causa". A subida começa aos 15/16 anos e entra em declínio nos mais velhos (22 anos) que não se sentiam "com vida para aquilo".
Todas as outras considerações do Araújo são pertinentes. Por mim atrever-me-ia a considerar este bi-grupo como uma unidade-tipo semelhante a tantas outras e, sendo assim, poderemos questionar o que sucederia com a pouca "incorporação" que o PAIGC estava a ter. Poderia raptar rapazes e usá-los como combatentes, mas os resultados seriam pobres. No entanto, parece-me que o factor "experiência" fazia, cada vez mais a diferença, uma vez que as nossas unidades, na sua rotação constante, nunca atingiriam igual grau de experiência. Desta experiência vinha a capacidade de sobrevivência no campo de batalha de cada combatente que era cada vez maior e as unidades tendiam a manter o seu efectivo, A isto teremos que adicionar o material utilizado, cada vez mais sofisticado e em maiores quantidades e o apoio dos "internacionalistas". A guerrilha tornar-se-ia numa força militarmente muito eficaz, embora, do ponto de vista de enquadramento à população que detinha não se afirmasse senão pela coacção. Disto não temos dúvidas.
A baixa preparação literária, bem confirmada após a independência, impediria um bom enquadramento da população e o empenhamento nas tarefas do desenvolvimento sempre prometido, mas nunca realizado, e facilitaria a instalação da corrupção e do nepotismo. Poderemos afirmar que, à data do fim da guerra, o PAIGC seria uma força militar de bastante valor, mas que, na paz, viria revelar-se uma direcção política muito deficiente, como a História comprova.
PS: - Os cabo-verdianos, literariamente mais evoluídos, estão ausentes da lista nominal. E isto é um aspecto que dirá qualquer coisa. Tive dificuldade em a ler, mas creio que é assim.
António J. P. Costa
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Notas do editor
[1] - Vd. poste de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16865: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (3): Mário Mendes (1943-1972): o último cmdt do PAIGC a morrer no Xime... Elementos para a sociodemografia do seu bigrupo em 1972: tinha 27.9 anos de idade e 8.9 anos de experiência de conflito...
Último poste da série de 4 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16558: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (19): Ainda a definição de literatura da Guerra Colonial ... e a crítica do filme "Cartas da Guerra"
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5 comentários:
Olá Camaradas
Em complemento quero dizer que a inexistência de cabo-verdeanos no bi-grupo poderá confirmar que o seu número entre os guerrilheiros era mínimo. Havia-os na Guiné, mas não eram muitos e viviam tendencialmente em Bissau. A sua adesão ao partido seria uma mais-valia, mas tirando um pequeno número de "quadros" que rapidamente subiram na hierarquia e não se afirmaram como guerrilheiros. Poderiam ter "ligações" à guerrilha, mas não se empenhariam e é até provável que tenham seguido as leis estatísticas que o Araújo indicou.
Não estive na descolonização, mas creio que o número de cabo-verdeanos que emergiram do mato foi residual...
Embora o partido visasse igualmente a independência de Cabo Verde, era na Guiné que tudo se jogava, e a independência do arquipélago seria uma espécie de "efeito secundário" da da Guiné, uma vez que nas ilhas a guerrilha sobrevive mal, por falta de apoios.
Um Ab.
António J. P. Costa
Caro António J. P. Costa,
Por falares em cabo-verdeanos nas forças do PAIGC, no PelCaçNat 66, sediado no Destacamento de São João, havia um soldado de origem cao-verdeana. Isso também não era muito normal.
A CCaç 3327/BII17 recebeu informações de rapto de jovens no subsector de Bissássema e que estão devidamente referenciadas na Hitória da Unidade. Num dos casos foram 11 rapazes que conseguiram fugir já em Jabadá.
Por todos os motivos que foram apontados no teu artigo, comparativamente com as aspirações políticas dos nossos jovens distribuídos pelas aldeias e cidades do continente, Açores e Madeira, que eram quase nenhumas, de uma maneira geral bem mais evoluídos que os jovens das tabancas guinenses, confesso que sinto muita dificuldade em aceitar que os jovens guineenses de 14, 15 e 16 anos fossem voluntários nas fileiras do PAIGC.
Um abraço.
José Câmara
Tó Zé:
Recordo, entre outros, este poste que já tem 2 anos:
15 DE NOVEMBRO DE 2014
Guiiné 63/74 - P13898: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XVI: maio de 1973: o IN recruta coercivamente mancebos nas tabancas sob seu controlo (Poindom, Ponta Varela, Ponta Luís Dias e Ponta do Inglês): um dos recrutas era informador das NT
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/11/guiine-6374-p13898-historia-do-bart.html
(...) O único destaque do mês de maio de 1973, vai para: (i) a fraca atividade do IN no início do tempo das chuvas; e a (ii) a informação de que está a "recrutar coercivamente" mancebos nas populações sob o seu controlo (Ponta Varela, Poindom, Ponta do Inglês. Ponta Luís Dias) (pp. 55/57)
Dez anos depois do início da guerra, o PAIGC continua a manter, sob o seu controlo, um importante núcleo populacional, espalhado pelo sector L1 (subsetores do Xime, Mansambo e Xitole: Cancodea Befada, Cancodea Balanta, Mina, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Satecuta. Mangai) e estimado em 4100 pessoas, em 1970, pelo comando do BART 2917, a que se deverá juntar mais 1900, a norte do Rio Geba, nas regiões de Madina e Banir). Contas feitas, no setor L1, o IN teria uma população de 6 mil sob o seu controlo. Em contrapartida, a populção sob controlo das autoridades portuguesas andaria à volta das 20 mil, também segundo a mesma fonte.
Ainda de acordo com a história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), "na área do sector do Bart [2917] existem muitas bolanhas ricas, verificando-se no entanto que estas, com excepção das do Enxalé, Nhabijões e Finete, ou estão abandonadas (Samba Silate, São Belchior, Saliquinhé, etc.) ou são exploradas por populações sob controlo IN (todas as bolanhas da margem direita do Rio Corubal e margens do Rio Malafo)." (LG).
Maio de 1973: o IN recruta coercivamente mancebos nas tabancas sob seu controlo (Poindom, Ponta Varela, Ponta Luís Dias e Ponta do Inglês): um dos recrutas era informador das NT. (...)
Temos, em julho de 1972, o caso do rapto de jovens da população de Mero, que no meu tempo (1969/71) era considerada estar "sob duplo controlo"...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/08/guine-6374-p13488-historia-do-bart-3873.html
12 DE AGOSTO DE 2014
Guiné 63/74 - P13488: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte VI: Julho de 1972: o insólito rapto, no dia 24, às 9h00 da noite, de 25 rapazes e 8 raparigas da tabanca balanta de Mero, nas proximidades de Bambadinca, efetuado um grupo IN estimado em 30 elementos
Olá Camaradas
Estes "raptos" são muito suspeitos. E a população sob duplo controlo também me levantou grandes suspeitas, mas lá que ela existia, isso era verdade. Hoje creio que era uma área que nos devia ter merecido uma grande atenção... teríamos tido alguns resultados.
É um facto que "voluntários da corda" não dão bom resultado e o PAIGC sabia disso, mas os raptos de que começamos a falar, se analisados em detalhe, podem ser uma mistura de "deserção" mais ou menos consentida e de rapto mais ou menos esperado.
Hoje é difícil obter referências a este tipo de acção.
Pode ser que na Fundação Mário Soares haja qualquer coisa... mas o PAIGC se se referir a este tipo de acções, irá disfarçá-la de deserção das tabancas e campos entrincheirados sob controlo dos "colonialistas" e nunca a raptos.
Por mim continuo a achar que o PAIGC tinha dificuldades de recrutamento e era uma força militar muito considerável. Para além disso, nada mais tinha para dar à população pela qual dizia bater-se
Um Ab.
António J. P. Costa
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