terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16888: Camaradas da diáspora (14): Amigos, por aqui, aos trancos e barrancos mas metendo o peito... (Augusto Mota, Brasil)

1. Mensagem de Augusto Mota, com data de 22 do corrente:



[foto à esquerda: ex-1º cabo, Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, QG, CTIG, 1963/66); viveu em Bissau até 1974,  e depois no Brasil, até hoje; natural do Porto, tem a dupla nacionalidade: é o nosso grã-tabanqueiro nº 6«726, desde 6/9/2016] (*)

Amigos, por aqui, aos trancos e barrancos mas metendo o peito.

Quero apenas agradecer a paciência que tiveram comigo ao longo do ano que agora se vai.
FELICIDADES para vocês no ano que se avizinha.
Dos alforges em um velho baú, mando alguns rabiscos...

Um abraço para todos! (**)
Mota

O SERTANEJO

por Augusto Mota

Lá na casa de taipa onde nasceu,
grosseira, velha,
triste,
poeirenta,
parida pelo chão seco,
nativo...

Nada de pilão.
Pau-a-pique nu,
suado
por mãos calejadas,
rudes,
duras,
sofridas,
mãos cansadas...

à porta, dizia,
dessa casa miserável,
isolada,
espraia o olhar pela imensidão
despida,
aguardando a noite

- ASSUSTADORA!

Pavorosa!
Noite de preces,
de murmúrios,
de silêncios que
gritos esfrangalham,
arautos da morte
e sua corte,
clamores desvairados
de impotência,
brados de insanidade,
uivos de agonia...

Naquela condição de
alma perdida,
aborto inesperado,
assustador,
submisso ao cansaço,
à desilusão,
pensa e repensa
em seus pedaços perdidos
por entre duendes,
relíquias,
fantasias,
orgasmos desvairados.

                                         - TUDO EM VÃO!

Ali
sepultou o pai, amargurado,
ali, também,
aquela a quem rasgou o ventre minguado...


- MAS MINHA MÃE, DEUS!
SUBLIME, ABNEGADA...
QUANTOS PECADOS DELA,
SIM!...
SÃO SEUS?...


Mais além,
naquele mato ressequido
de pontas para o céu
vermelho brasa,
jaz o filho famélico,
mirrado,
que o sol inclemente despia,
enlutava os olhos desmedidos,
quebrava a pele,
escravizava,
dominava...
até quedar de mãos abertas,

- SUPLICANTES!

apanágio desta terra madrasta de seus filhos.

A mulher o sepultou,
muda e mecânica,
guardando a dor no olhar
desesperado,
desvairado,
acusador...

Olha as gretas no solo
como veias...
são toalhas rendilhadas no capricho
por bruxas que pululam sorridentes.

- AQUI SATÃ FESTEJA SEUS DELÍRIOS
E DEUS RECOLHE AS PRECES DOS FINADOS!

Tudo quanto é vivo se apressa neste
satânico terreiro
onde mirabolantes vultos dançam,
pulam, festejam um
momento derradeiro...

Morreu a plantação
já faz tempo.
tinha um bode que vendeu,
chorou o jumento...
a léguas a caveira da vaquinha...

Xiquexique não tem mais.
Macambira,
Mandacaru,
Palma,
qualquer raiz...
a seca matou rato e urubu,
calango,
porco espinho e tatu...
restou sua loucura para alimentar
a teimosia
e a boca de palavras entupida.
Dizem velhos vizinhos de infortúnio:


- DEUS ASSIM O QUER.
                                          É NOSSO DESTINO.

                                          - QUE JUSTIÇA GRANDIOSA SERÁ ESSA
                                          QUE DÁ VIDA,
                                          QUE MATA,
                                          FAZ SOFRER?!...

QUE PAI É ESSE DE UM FILHO INOCENTE
QUE AFINAL NEM PEDIU PARA
NASCER?!...
QUE SÁDICO IMPRESTÁVEL
SE SATISFAZ
SOBRE A BRUTA NATUREZA?!...

Ao despertar,
sol matinal,
cenário de Dali.
Tela grotesca,
mágoa ,

- HUMILHAÇÃO.

Segue arquejando
pelo caminho imenso
tal braseiro inclemente,
tenebroso.
Sobraçando a enxada,
ossudo,esquálido,
esfarrapado,
sujo, 
débil,
pálido,
busca um local onde cavar.
Não a última morada de seus ossos
mas uma cova de onde brote
a vida.
Um barreiro milagroso
em que gente e bicho
comunguem na terra.

Pertinho dum juazeiro paladino,
senhoril,
seco mas imponente,
majestoso,
que ninguém sabe como ali nasceu...
vovô dizia:
- aqui corria um rio...

lança o ferro ao solo.
Cava, esburaca,
fura sem parar.
Ao lado,
de olhar mortiço,
lazarento,
o cachorro.
Um amigo da infância,
fiel até nas desventuras.
Alimenta-se com a própria fome...

enquanto o sol
hercúleo, vil, gigante,
aquele mesmo que mata e consola,
que nos alegra,
humilha,

- VIOLA...


brutal e fero cobre suas costas...


- NERO RESSUSCITOU NESTE SERTÃO!


desfere golpes, golpeia a terra
seca.
Há labaredas no aço da enxada...

Esta terra que tanto tem de valioso,
petróleo,
ouro,
turmalina,
água-marinha,
feldspato,
lítio e diamante ,
não tem, afinal, nada.
Não tem da vida o mais

- IM – POR – TAN – TE!!!...

E quando o desalento
o toma de loucura,
desnorteia
a mente conturbada,
surge então uma gotinha
que a terra sorve,
pingo de suor,
sangue,
até de lágrimas...
num frenesim de raiva,

- DESVARIO,

Cava mais forte,
cava mais profundo,
teimoso
sem parelha neste mundo,
quando então, o barreiro

- NASCE,
CHORA!

Por entre aquela terra
calcinada,
aparece uma sombra de umidade
que lentamente veste a cor do barro.

Cai de joelhos
e, molhando a boca
sôfrega, gretada,
aquele herói
surrado do sertão
apenas balbucia:

- Á G U A ! ! !


augusto mota
Vertentes do Lério

11/1990 
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...

8 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16465: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, nascido no Porto, a viver no Brasil há mais de 40 anos, grã-tabanqueiro nº 726: "Não fui Cabo Cripto, fui sim do Grupo de Material e Segurança Cripto: éramos cinco a trabalhar num 'cofre' [bunker], no Quartel General, em Bissau (1963/66)... Já não me lembro do nome desses camaradas"... (E, depois como civil, até 1974, foi o homem dos sete ofícios!)

12 de setembro de 2016 >Guiné 63/74 - P16477: História de vida (11): Augusto Mota: nasceu no Porto, começou a trabalhar aos 10 anos, foi 1º cabo do Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, 1963/66), foi homem dos 7 ofícios em Bissau, como civil, foi para o Brasil em 1974, tem hoje dupla nacionalidade, tendo-se formado em ciências económicas... Trabalhou como gerente de empresas, foi empresário, entrou por concurso para a função pública, está reformado...

7 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16570: Blogpoesia (473): Peregrinação (Augusto Mota, camarada da diáspora no Brasil; ex-1º cabo, Grupo Material e Segurança Cripo , Bissau, QG, CTIG, 1963/66)

(**) Último psote da série > 23 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16874: Camaradas da diáspora (13): O ativista João Crisóstomo (EUA) visitou a nossa Tabanca Grande... e já tem causas para o ano de 2017... Um delas é a continuação das celebrações dos 225 anos do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque... Para ele e a Vilma, desejamos "Merry Christmas and Happy New Year".. Mas também para o Eduardo Jorge e a São que desta vez foram consoar para Londres...(O que os pais fazem pelos filhos, camaradas!)

2 comentários:

Anónimo disse...

Augusto Mota, obrigado pelos votso de Novo Ano, em nome de toda a Tabanca Grande!... O melhor ano possível, em 2017, também para ti e para os teus.... Obrigado pelo poema, fortísismo, sobre o Sertanejo... O segundo, que mandaste, será publicado mais tarde.-

Achei curiosa a expressão "aos trancos e barrancos", que é nossa, popular, mas se calhar com mais uso hoje no Brasil... Quer dizer, de maneira desajeitada, tosca, improvisada... Mas, o que importa é, como dizes, ir metendo o peito!... Força para ti!

http://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/aos-trancos-barrancos.htm

Anónimo disse...

Parabéns pelo grandioso poema ao Sertão, Sr. Augusto Mota!

Abraço fraterno

Felismina mealha