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domingo, 21 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19705: A galeria dos meus heróis (28): Alfa Baldé, apontador de dilagrama, morto por "fogo amigo"... (Luís Graça)

A Galeria dos Meus Heróis > Alfa Baldé, apontador de dilagrama, morto por "fogo amigo"


por Luís Graça 




1. A guerra. Essa coisa tão primordial que é a guerra. Que estaria inscrita no teu ADN, a acreditar nos sociobiólogos para quem o  comportamento humano seria geneticamente determinado.

A guerra é a continuação da evolução por outros meios, dirão os entomólogos, especialistas em insetos sociais,  para quem a morte de um ou de um milhão de formigas ou de seres humanos, é-lhes totalmente indiferente. Desde que triunfe o ADN, um projecto de ADN musculado,uma "raça" nova e superior...

Para ti, a guerra é a aprendizagem da morte. Aos vinte e dois anos. É a inocência que se perde para sempre, ao ver morrer pela primeira vez um homem. Como o teu camarada, Alfa Baldé, que morreu a teu lado. A guerra... é o impossível luto. É a descoberta do mal absoluto.

Fight or flight. Luta ou foge. Não precisaste de fugir nem de lutar. Recusaste o egoísmo genético. Recusaste a lógica absurda de matar ou morrer. Recusaste o cinismo. Recusaste a G3 em posição automática. Recusaste a fria e calculista resignação com que se juntavam e amortalhavam os cadáveres seguintes. E se contavam nas paredes da caserna os dias que faltavam para a peluda.

Cinquenta anos depois, meio século, dois terços da esperança média de vida de um homem do hemisfério norte, vens dizer as palavras que ninguém disse ao Alfa Baldé, no  grotesco enterro que lhe fizeram em Sinchã qualquer-coisa, a sua terra natal.

2. Descansa em paz, Alfa Baldé, meu herói, soldado do 2º pelotão da minha companhia, de tropa-macaca, a minha companhia, os meus camaradas, o meu bando de primatas sociais, territoriais, predadores, filhos das mais desvairadas gentes.

Fazíamos parte da nova força africana, de Herr Spínola, o prussiano, como eu gostava de chamar-lhe, ao nosso Comandante-Chefe. Lembras-te ainda do "Caco Baldé" e da sua voz de ventríloquo ? Tinha o teu apelido, e usava um monóculo, ridículo...

Não, não tens que te lembrar, não ligues a esta minha provocação, são outros contos, outras estórias, outras lendas e narrativas, outros ajustes de contas com as nossas doridas memórias.

Descansa em paz, Alfa Baldé, debaixo do poilão secular, na tua tabanca, no chão fula, belíssimo poilão de uma triste tabanca fula, cercada de arame farpado, trincheiras e valas de abrigo, por causa do Mamadu Indjai, o Terrível, que jurou pôr o teu "chão" a ferro e fogo.


Julgo que eras do regulado de Badora. Ou seria Cossé, lá para os lados de Galomaro? Desculpa-me ter esquecido o nome da tua tabanca. E a cara dos teus filhos. E o rosto das tuas mulheres, agora órfãos e viúvas, sozinhos neste mundo. Ou talvez não: ficaram a cargo do teu mano mais novo, seguindo os usos e costumes do teu povo.


Apercebi-me que os teus campos estavam tristes e inférteis. Já não davam o milho painço nem o fundo, nem a mancarra, nem a noz de cola, nem o arroz de sequeiro. Os homens partiram para guerra. E os mais velhos eram milícias, na tua tabanca organizada em autodefesa. A guerra era agora a principal ocupação de todos. Compravam o arroz ao Rendeiro com o "patacão" da guerra. Nem os "djubis" guardavam já os campos de mancarra, das investidas dos macacos-cães. De Mauser em punho, que a milícia agora usava a G3.

Alguns dos jovens guerreiros, como tu, voltavam agora numa caixão de pinho. Restavam os macabros "jagudis" poisados no alto da morança dos mortos, cheirando a morte, pressagiando a desgraça.

Setembro de 1969. Operação Pato Marreco. Ou era a Ganso Pimpão ? Ou a Pavão Real ? Que importa, agora, o nome de código da operação!... Morreste em linha. Aprumado como o teu poilão. No assalto a um aquartelamento temporário do IN ("barraca", diziam eles), próximo do Poindom / Ponta do Inglês, o "matadouro" do Xime.

IN ? Que estranho termo ou expressão… Uso-o por força do hábito, por comodidade, por lassidão, por economia de análise. IN, abreviatura de inimigo. Para ti, era o "turra". Para muitos de nós, "tugas", era o "turra".

Curioso, nunca soube a tua idade, mas eras dos mais velhinhos, dos que não tinham idade bem definida. Não tinhas bilhete de identidade de cidadão português. Eras um fula preto, um fula forro, não creio que fosses futa-fula. Mas eu levei-te a enterrar na tua aldeia, mais os nossos camaradas do 2º pelotão, fomos dizer-te o último adeus. Com honras militares, tiros de salva, e a bandeira verde-rubra dos "tugas" por cima do teu caixão. De pinho. Do verde pinho de Portugal. Talvez do pinhal de Leiria, que ardeu no verão passado.

Nem isto te deixaram fazer à maneira dos teus. Afinal, eras um soldado, regular, do exército português. Colonialista, dizia a "Maria Turra", na rádio lá de Conacri... Cumprias o teu serviço militar obrigatório, como qualquer cidadão português. Eras do recrutamento local. 


Todos os exércitos têm normas, regulamentos, protocolos... O teu enterro fez-se segundo a NEP não sei quantas... Mas tenho uma dúvida: não chegaram a chumbar o teu caixão, não houve de esperar pelo "coveiro" de Bissau, fomos no "gosse gosse", a caminho da tua aldeia, em dois ou três Unimog, com medo que o teu cadáver começasse a cheirar mal. E o "pavão real" do teu "alfero", ia à frente, de peito feito ao vento, pela estrada fora... Na brincadeira, chamávamos-lhe também o "Pimpão"... E ele até nem desgostava do epíteto...Fez um discurso patriótico, que ninguém terá entendido, crianças, mulheres e velhos da tua aldeia: "Honra e Glória ao bravo soldado Alfa Baldé, que deu a vida pela Pátria!"...

Portugal ? Ainda te lembras ? Os senhores que vieram do Norte e do lado mar ? Não, não vieram pelo deserto. Esses, foram outros, árabes, bérberes, tuaregues, mandingas do reino do Mali, abrindo as rotas subsarianas do ouro e da escravatura. Depois é que vieram os "tugas" e os outros europeus... Os teus antepassados foram escravizados, muitos foram parar ao Novo Mundo, aos engenhos de açúcar e às plantações de algodão. Outros, quiçá, trabalharam nos arrozais do rio Sado. Ou eram escravos domésticos em Lisboa.

Não, não tens que saber de geografia. Nem de história. Nem de geopolítica. Nem de antropologia. No sítio onde tu agoras moras, debaixo do teu poilão, já não te servem para nada os conhecimentos de geografia, história, geopolítica ou antropologia. Só espero que algum senhor da guerra, do teu país, não venha um dia destes autorizar o abate do teu poilão, a troco de um punhado de iuanes, o patacão chinês.  Sabes, dizem que estão a dar cabo das florestas da tua terra, da tua África. O deserto do Saara já espreita às portas do "chão" felupe, mais a Norte. Os "madeireiros" não têm pátria nem ideologia.

Bolas!, mas eu, mesmo ao fim destes anos todos, eu deveria recordar-me do nome da tua aldeia, no "chão" fula. Passámos lá uma semana ou duas, com a nossa secção, um mês antes de morreres. Já não te lembras ? Creio que a tua tabanca, pelas notas,amarelecidas,  do meu diário, ficava no limite do regulado de Badora, a sul, já a confinar com o regulado do Corubal.

O teu nome, esse não esqueci, Alfa Baldé, apontador de dilagrama, o melhor da companhia. Esqueci foi o lugar onde nasceste, talvez Sinchã ou Saré qualquer-coisa, mas não faz mal.

Passei lá uns belos dias, contigo e a nossa secção. Felizmente que o Mamadu Indjai não nos importunou nessa altura, mas andou a pôr o regulado do Corubal a ferro e fogo, como ele jurou, cumpriu e fez cumprir. Mamadu Indjai, um senhor da guerra do PAIGC, que acabará também miseravelmente fuzilado nas matas do Boé, depois de atentar contra a vida do seu chefe, o "pai da Pátria"... Mas era um "cabra" valente, "herói da luta de libertação"...É assim, querido Alfa, todas as revoluções devoram os seus filhos: Cabral, Indjai, Mané, 'Nino'... Ontem, como hoje. Na tua terra ou na minha.

Lembro-me que o chefe da tua tabanca deu-me uma morança e arranjou-me uma espécie de "impedida", que tu me apresentaste como sendo tua "irmãzinha". Vinha-me acender o lume à ao fim da tarde. (À noite apagágavmos todas as fogueiras, por causa dos "snippers" do Mamadu Indjai. Estava em vigor o "black out" total. Até o cigarro era proibido.)


Não falava uma única palavra de português, a minha "impedida". Não cheguei a perceber qual o seu papel naquele filme. Creio que era uma das quatro mulheres do chefe das milícias. Já devia ter sido mãe, já não tinha a "mama firme" das bajudas. Mas foi amorosa e gentil comigo. Tratei-a sempre, delicadamente, como uma "irmãzinha", tua, e minha. Nunca esquecerei a massagem que me fez à coluna, com mezinhas tradicionais, depois de uma estúpida queda que eu dei na cambança de um riacho que corria ali perto, quando fomos os dois à caça, tu e eu.

Pude também, na ocasião, aperceber-me como eras um exímio caçador, e um terrível "snipper"... Das lebres às galinhas do mato, dos javalis às gazelas, não falhavas um tiro, emboscado na orla da bolanha, ao lusco-fusco. Eu, que sempre detestei a caça, acompanhei-te pelo menos uma vez, ao fim da tarde.

Mas o que agora queria dizer-te, e é isso que importa, é que chorei por ti, confesso que chorei por ti, que morreste a meu lado,e que levavas um prisioneiro, teu irmão, pela mão. E tu que nem sequer eras meu irmão, nem grande nem pequeno. Eras apenas meu camarada de armas. Nem tinhas a mesma cor de pele. Nem a mesma religião. Nem a mesma língua. Nem talvez a mesma pátria. Nem o mesmo continente. Não comias carne de porco. Nem bebias "água de Lisboa". Eras apenas um guinéu, soldado de 2ª classe, exímio caçador e o melhor apontador de dilagrama da companhia. E o primeiro a morrer em combate, "vítima de fogo amigo", que estranha ironia!

Ganhavas 600 pesos de pré, o equivalente a um saco de arroz por mês para alimentar a tua família, mais 24$50 por dia, por seres desarranchado. 

Não eras homem de grandes falas, e o teu léxico em português era bem escasso para a gente poder manter um diálogo aprofundado sobre a tua vida e a do teu povo. Eu fazia muitas perguntas, às quais nem sempre sabias responder.

Para mim, eras apenas um homem, da subespécie Homo Sapiens Sapiens. A única que chegou até aos nossos dias. E que, convém recordá-lo, nasceu na Mãe África. Somos todos descendentes de africanos que acabaram por colonizar e povoar o planeta.

Tu foste o primeiro homem, género Homo, espécie Homo Sapiens,  subespécie Homo Sapiens Sapiens, que eu vi morrer a meu lado. Nunca mais chorei por ninguém, por mais nenhum morto, acredita. Chorei por ti, Alfa Baldé. Chorei de raiva, de impotência e de dor.

Nascemos meninos, tu e eu, mas fizeram-nos soldados. Azar o meu e o teu, por termos nascido no sítio errado, no tempo errado.
Imagino-te "djubi", à volta da fogueira, na morança do marabu ou do "cherno" da tua tabanca, decorando o Corão. Uma das cenas mais lindas que eu trouxe da tua tabanca, e que eu guardo na minha memória, os "djubis" à volta da fogueira, ao fim da tarde, soletrando as letras das tabuínhas em árabe. 

E tu, seguramente, nunca me viste "menino de coro", a cantar, de sobrepeliz branca, nas cerimónias da Semana Santa na igreja matriz  da minha terra, "reconquistada aos mouros", em 1147, que eram tão seguidores de Alá como tu e os teus.

Lembro-me de ainda teres querido aprender as letras dos "tugas", o alfabeto latino, para poderes ser soldado arvorado e um dia chegares a 1º cabo como o Suleimane Baldé, fula-fula, ou o Vitor, que era mancanha de Bissau, o Lopes, que era cabo-verdiano da ilha da Brava. Mas a nossa atividade operacional era intensa e muito pouco tempo sobrava para poderes frequentar a escola, o posto escolar militar, do furriel Veloso. Além disso, tinhas uma família, duas mulheres, dois filhos... Chegavas cansado e esfomeado à tua morança, fora do quartel onde estávamos sediados.

3. E de repente, o capim. O capim alto. O sangue. O capim pisado e empapado de sangue. Pobre Alfa, morto por um dilagrama dos nossos. Alguém branqueou a tua morte no relatório da operação. Alguém salvou a honra da companhia. Alguém safou o teu/meu comandante de uma porrada do Spínola. Um dilagrama rebentou no ar, na tua cara, nas nossas caras. Um dilagrama dos nossos. O teu dilagrama, empunhado pelo nosso "alfero"... 


Não, não sei o que lhe deu, ao "alfero", para à última hora ter decidido tirar-te o dilagrama e ter-te confiado o prisioneiro, que estava à guarda do Mamadu Camará.

Não posso julgá-lo, era um meu superior hierárquico, meu e teu, nosso comandante de pelotão. Mas só sei que vai morrer na cama, ele (e o nosso capitão...), sem qualquer remorso na consciência "por te ter morto", e ter provocado vários feridos graves, quando estávamos em linha no assalto a uma "barraca" dos "turras"... 

"Homicídio involuntário" ? Não, "acidente com arma de fogo", é mais indolor... Muito provavelmente vai morrer em paz e contar aos netos que foi um "herói de guerra"...

"Acidente com arma de fogo" (segundo o relatório elaborado pelo capitão...) no auge da batalha, quando avançávamos em linha, no assalto ao acampamento do IN, levando tu pela corda o teu turra, o teu guia, o teu prisioneiro, que te fora confiado à última hora. Porque o teu posto era o de soldado apontador de dilagrama. E eras o melhor da companhia. O que se passou na cabeça do "alfero" que empunhou indevidamente o teu dilagrama e largou-o no ar quando, inadvertidamente,  saltou a cavilha de segurança ?... Podia ter-nos morto a todos!...

Ainda mais jovem do que tu, o teu "turra" era um jovem mandinga, que apanháramos a norte do Enxalé, tão crente como tu, tão observador dos preceitos corânicos como tu, meu querido "nharro". (Desculpa tratar-te assim, sei que o termo tem hoje uma conotação racista, mas era coloquial entre nós, "tuga" e "nharro" eram usados sem sentido de ofensa...)

Rebentou, de imediato, a fuzilaria quando o dilagrama explodiu nas nossas caras. A nossa secção já não pôde avançar mais. Tu tiveste morte quase instantânea, ainda balbuciaste umas palavras em fula, que eu mal consegui ouvir e muito menos fixar. Quando chegou o 1º cabo auxiliar de enfermagem, para te estancar o sangue e pôr o soro nas veias, já era tarde demais... Um estilhaço varara-te o coração. O "turra" mandinga, esse, ainda sobreviveu e foi depois evacuado de helicóptero com mais alguns feridos nossos...

E agora, Alfa Baldé, que foste poupado à humilhação da "derrota" e não viste o teu país sentar-se de pleno direito à mesa do mundo... Que farias tu com esta independência e com esta bandeira, a da Guiné-Bissau, contra a qual lutaste sem querer, sem saber, sem poder ?

Onde estarão os teus filhos, e as tuas mulheres ? E os teus netos ? E os homens grandes da tua tabanca de Badora ? E os líderes do teu povo que te obrigaram a combater ao lado dos "tugas" ?

Herr Spínola, o homem grande de Bissau, esse já morreu há uns largos anos atrás, ainda no século passado. Há vinte e tal anos.

Não lês os jornais, não chegaste a aprender o alfabeto latino e a juntar as letrinhas e a poder ler o livro da 3ª classe, com a torre de Belém ao fundo: "Esta é a minha pátria amada"…

Pois é, o homem grande de Bissau morreu, não de morte matada, como a tua, ou a do Amílcar Cabral ou a do 'Nino' Vieira, mas de acordo com a lei natural das coisas, com 86 anos. Soubeste, com certeza, da morte do Cabral e do 'Nino'. Ou talvez não.

Quanto ao teu régulo, sei que foi miseravelmente fuzilado na parada de Bambadinca, o poderoso régulo de Badora, tenente de milícias, Mamadu Bonco Sanhá, que havia trocado o cavalo branco da gesta heróica do Futa Djalon, por uma prosaica motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos... 

Não sei se foi oferta do Schulz ou do Spínola (que chegou à tua terra em meados de 1968). Pois o Mamadu Bonco Sanhá, dizia-se, era dono de centenas de cabeças de gado e de um harém, mas era mentira, de cinquenta mulheres, uma em cada aldeia de Badora… Fantasias dos "tugas" que pouco ou nada sabiam da história e da cultura do teu povo.

Também se dizia, mas era mentira, que o puto Demba era filho dele,o Demba e mais outros "djubis" da nossa companhia. O Demba já morreu, também, o puto Demba, não sei se sabias. Era de Taibatá e andou fugido pelo Senegal e por todo o Norte de África até chegar a Portugal. Acabou por morrer cá, na minha terra, no hospital, o terminal da morte.

Hoje os heróis do passado sucumbem sob o peso das cruzes de guerra. Ou pedem esmola nas ruas de Bissau, tal como os teus filhos e netos. Ou morrem de desespero e insolação às portas do templo da deusa Europa, em Ceuta, em Melilha, em Lampedusa...

Que voltas o mundo deu, meu soldado, desde esse dia já distante em que a tecnologia da guerra ou a lotaria do ADN ou a insensatez de um oficial "tuga" te ceifou a vida.

Porquê tu, meu herói, três meses depois de jurares bandeira, em Bissau, na presença do general Spínola, e te comprometeres, por tua honra, a defender uma pátria que, afinal,  não era a tua, até à última gota do teu sangue ?

E do "turra" mandinga não tenho notícias, se é isso que queres saber, mas a princípio duvidava que ele tivesse podido sobreviver, aos graves ferimentos do teu dilagrama, mal manejado pelo "alfero", comandante do nosso pelotão. Mas parece que sim, safou-se pelo menos daquela vez: alguém o viu no hospital, em Bissau, ainda no 4º trimestre de 1969. Foi tratado no hospital como um dos nossos, e o Spínola deve ter mandado libertá-lo, depois de jurar arrependimento e prometer nunca mais pegar numa Kalash ou num RPG 2.

Afinal, a avaliar pela idade dele, mais novo do que tu, devia ter sido arrebanhado pelo Mamadu Indjai, o Terrível.

E agora deixa-me dizer-te, amigo,à laia de despedida: não sei se um dia ainda terei forças para voltar à tua terra, ao teu chão. Já estou a ficar velho demais para poder viajar para esses sítios de África. Mas se porventura o fizer, gostaria de perguntar pela tua aldeia, e de procurar-te e de ter tempo para conversar contigo, só tu e eu, debaixo do teu poilão. Nunca mais lá voltei, à Guiné, à tua terra.  Ando a ver se ainda arranjo uns restos de coragem e de dignidade. Tenho uma dívida para contigo.
 
© Luís Graça (2019).

Última vetrsão: 12/6/2023

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19683: A galeria dos meus heróis (27): Éramos todos bons rapazes!...(Luís Graça)

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18533: (D)outro lado do combate (27): A mobilidade das populações por efeito da guerra: o caso de Quitafine, com 41 tabancas que foram riscadas do mapa (ou cuja população foi deslocada), segundo relatório de cabo-verdiano, comissário político, José Araújo (1933-1992), casado com a Amélia Araújo, a nossa "Maria Turra" (Jorge Araújo)


Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira" [dois cérebros da guerra, sendo o primeiro, cabo-verdiano, com formação universitária portuguesa], CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/ visualizador?pasta=11025.008.026 (2018-4-13) [ Fonte:  Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral...com a devida vénia]



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  
(Xime-Mansambo, 1972/1974).


Mensagem do nosso editor, Jorge Araújo, com data de 13 do corrente:

Caro Luís, boa tarde.

Perdi a cabeça... numa 6.ª feira, treze.

Fiz mais um texto... deixando para trás outros mais antigos... é a vida!

No final do documento coloquei mais três fotos para, caso entendas escolher alguma, ou todas, as poderes utilizar.

Até breve. Bom fim-de-semana.


Ab. Jorge Araújo.

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A FISIONOMIA HUMANA NO SECTOR DE QUITAFINE [FRENTE SUL] APRESENTADA POR JOSÉ ARAÚJO À DIRECÇÃO DO PAIGC EM RELATÓRIO DATADO DE 16OUT1971: A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES POR EFEITO DA GUERRA 


1.  INTRODUÇÃO



Porque tudo na vida é processo e projecto, conceitos que se reformulam na dialética "ordem / desordem" para dar lugar a uma nova "ordem", apresento hoje no fórum mais um tema novo, se a memória e a investigação não me atraiçoam, este relacionado com a "mobilidade das populações da Guiné, do nosso tempo, por efeito da guerra". (*)

É que, de facto, o comportamento psicossocial das populações no início do conflito ficou marcado, ou foi influenciado, inexoravelmente, pela sucessão de acontecimentos, que deram lugar a uma inevitável "desordem" social e étnica, alguns ainda antes do 23 de janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite, localizado na região de Quínara, e que depois se alargaram cumulativamente a todo o território.

A oportunidade desta apresentação, a meu ver, enquadra-se nas imagens que o nosso camarada tertuliano, o ex-alf mil inf Luís Mourato Oliveira,  tem vindo a partilhar neste espaço colectivo que é a «Tabanca Grande», e que estiveram guardadas durante mais de quatro décadas no seu baú de memórias. (**)

Por isso é justo e oportuno agradecer-lhe essa disponibilidade e atenção, ele que ficou também na história da guerra por ter sido, em função dos acontecimentos do "25 de Abril", o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74) antes da proclamação da independência da Guiné, declarada em 23 de Setembro de 1974.

Por outro lado, as últimas imagens postadas nos P18504 e P18517, tendo por pano de fundo a delegação do PAIGC que visitou Missirá em julho de 1974 no âmbito dos acordos de cessar-fogo, e com as quais se fecharia o ciclo temporal deste conflito armado, que uns chama(ra)m «guerra do ultramar», outros "guerra de África", outros "guerra colonial"  e outros  ainda  «guerra de libertação», conforme a sua posição no cosmo, continuam a suscitar novas reflexões, sinal que se mantêm bem vivas, em cada um de nós, algumas das memórias gravadas ao longo das múltiplas vivências desses tempos ultramarinos, independentemente do lugar, época e contexto.

Porque nos postes acima se referem as imagens de alguns dos actos finais ocorridos na mata do interior do território (Missirá, sector L1, região de Bafatá. zona leste, "chão fula"...), proponho voltar ao início do conflito, apresentando um pedaço da "geografia social e étnica" dessa época, em particular da região da Frente Sul [, segundo o dispositivo do PAIGC], especificamente do Sector de Quitafine, por onde tenho "circulado" nos últimos tempos (entenda-se, em termos de investigado), de modo a fazer-se a ponte temporal de mais de uma década.

Em função do exposto, é difícil não concordar que a mobilidade das populações, por efeito da guerra, foi uma realidade, obrigando-as a tomar opções concretas no imediato, cujas decisões só tinham três hipóteses principais: a primeira, ficando sob o controlo da "ordem instalada" (a administração portuguesa); a segunda, transitando para além das fronteiras (exterior); e a última, aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista.

Para a elaboração deste trabalho socorri-me, uma vez mais, de um documento existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), disponível na Casa Comum – Fundação Mário Soares, intitulado «Relatório sobre o Sector de Kitáfine», assinado por José Araújo, Comissário Político e Produção para a Frente Sul, datado de 16 de Outubro de 1971, com trinta e nove páginas (sitio: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40058).





Folha de rosto e introdução do relatório do José Araújo, "O Sector de Kétafinme" (sic), datilografado, 39 páginas, datado de 16 de outubro de 1971, e feito na base de Kandiafara (Guiné-Conacri). Fomte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


Quanto ao perfil de José Araújo, de seu nome completo José Eduardo de Figueiredo Araújo (1933-1992), à data do relatório, ele era também membro do Conselho Superior da Luta e do Comité Executivo da Luta. 

À laia de resenha biográfica, acrescente-se que este dirigente do PAIGC nasceu em 1933 na cidade da Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi aí que fez os seus estudos primários. Em 1942, com apenas 9 anos, seguiu com a família para Angola, uma vez que o seu pai era funcionário da Fazenda (Finanças). Com uma bolsa de estudos atribuída pelos Correios de Angola, José Araújo desloca-se para Lisboa com o objectivo de realizar os seus estudos universitários na Faculdade de Direito de Lisboa, onde, em 1961, concluiu a sua licenciatura em Direito. 

Porém, no ano anterior tinha-se tornado militante do MPLA na clandestinidade, depois de ter-se envolvido numa intensa actividade associativa universitária. Em 1961 faz parte do grupo de africanos,  universitários, que decidem fugir para França. Seguiu-se depois o Gana. Após ter militado no MPLA, associa-se ao PAIGC, vindo a instalar-se em Conacri, com a sua família, dois anos depois, em 1963.

Com a independência da Guiné-Bissau, as suas novas funções políticas foram desenvolvidas como ministro do Secretariado. Entre 1975 e 1980, foi ministro sem pasta. Após essa data transferiu-se para Cabo Verde, onde desempenhou as mais elevadas responsabilidades políticas no novo contexto, em particular o cargo de ministro da Educação. Viria a falecer na sua terra natal, exactamente dezanove anos depois do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1992 (Fonte: adapt. de pascal.iseg.utl.pt/~cesa/images/files/ diaspora2016_texto4.pdf).

À data da sua morte era casado com Amélia Araújo, a locutora da "Rádio Libertação", conhecida entre nós como "Maria Turra"  (vidé P15434).


2. A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES NO SECTOR DE QUITAFINE POR EFEITO DA GUERRA – 41 TABANCAS DESAPARECIDAS


A propósito do conteúdo do "relatório" elaborado por José Araújo, este refere que ele tem por base a sua missão ao Sector de Quitafine [, Kétafine, sic, como vem grafado no relatório], realizada entre 14 de setembro e 8 de outubro de 1971. Aí teve a oportunidade de contactar com todos os responsáveis desse sector, incluindo a visita a duas bases do Exército (em Comissorã e em Cabonelo), ao Hospital (em Campo, ou Campum, no relatório) e ao Posto Civil (em Cassacá), local histórico para o PAIGC, pois foi aí que realizou o seu 1.º Congresso, que decorreu entre 13 e 16 de fevereiro de 1964.

Acrescenta que o Sector de Quitafine foi dos primeiros em que se fez a mobilização e se instalou a luta armada. Foi aí, no mato de Campo, que, dizem os pioneiros, nasceu a primeira "barraca" [acampamento] do partido no Sul, ainda antes da guerra.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine (falta-nos  a carta de Cassumba, com a ponta sul de Quitafine, que não está "on line"... Ver também carta de Cacoca.)

Fonte: Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

"A situação criada à aviação inimiga [NT] com a instalação de antiaéreas em Quitafine e as pesadas derrotas que sofreu na sua tentativa de recuperação dessas armas, talvez expliquem a sanha com que se dedicou à destruição de tudo quanto via mexer em Quitafine, nos anos 68 e 69. A partir de 69 (fins), Quitafine começou a "arrefecer". […]

"É preciso ter-se em conta este passado para se compreender muito da actual fisionomia de Quitafine e os seus problemas. Quitafine, que era das áreas mais povoadas do Sul, só tem hoje [1971] 12 tabancas, organizadas em 9 comités. Repare-se que aquilo a que hoje se chama Tabancas e a que se dão nomes antigos, pouco tem a ver com as antigas tabancas. As populações, que conservaram os nomes das suas antigas tabancas, estão dispersas nos tarrafos e num ou noutro mato mais favorável. 

Além disso, grande parte (se não a maioria) da população das tabancas antigas ainda "presentes" dispersou-se pelas tabancas fronteiriças da República da Guiné, quando não foi juntar-se aos tugas. Penso também que alguns erros cometidos no trabalho político inicial devem explicar a actual fisionomia humana de Quitafine" (op. cit., pp 2/3).


No Relatório estão identificados os nomes de quarenta e uma Tabancas que deixaram de existir na região de Quitafine, e que serão referidas abaixo.

A organização da sua apresentação contém alterações em relação à original. Como metodologia seleccionada, optámos pela ordenação alfabética para melhor localização da ordem estabelecida. Quanto ao conteúdo textual, existem algumas (pequenas) correcções, particularmente no que concerne à construção semântica e unificação da descrição, mas que não alteram o sentido apresentado.

Eis, então, os nomes da Tabancas desaparecidas por efeito da guerra no Sector de Quitafine (n=41)

● BANERE –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CAMABANGA e SATENIA, na República da Guiné. O chefe – Mamassalu – encontra-se na segunda destas tabancas.

● BIRCAMA –> Tabanca de Beafadas. Foram todos para os tugas.

● CABOBAR –> Tabanca de Nalús, pequena. Uma morança só. Toda a gente retirou-se para GÃ BIT FONE, CARAQUE e BISSAMAIA, na República da Guiné.

● CABOXANQUE –> Tabanca de Fulas. Foram todos para a República da Guiné, tendo-se instalado em várias tabancas, em especial na de CUN-HA e CAMABANGA. [Não confundir eventualmente com Caboxanque, no Cantanhez, na oputra margem do Rio Cacine]

● CABOXANQUEZINHO –> Tabanca de Fulas e Tandas. Os tandas espalharam-se na República da Guiné, longe da fronteira. Os Fulas foram para os tugas, à excepção de duas pessoas (Beila  Baldé e a irmã), que foram para CALAFIMETE, na República da Guiné.

● CABOMA –> Tabanca de Sossos. Só duas pessoas foram para os tugas. O resto juntou-se à população de CAMISSORÃ.

● CABONEPO –> Tabanca de Sossos e Beafadas. Havia também um cabo-verdiano de nome Leão Gabriel. O caboverdiano foi para Dacar (ao que parece). O resto foi para CARATCHE, GAFARANDE e CABACO, na República da Guiné. Só ficou um Homem Grande, de nome Idrissa Keita, que se instalou no mato, em CASSACÁ.

● CACAFAL –> Tabanca de Nalús. Toda a gente foi para os tugas, à excepção do camarada Ansumane Djassi, do Exército, que está em FULA MORI.

CACOCA –> Tabanca de Sosso, Nalús, Bagas, Fulas e Lândumas. Só se retirou uma família (Canforseco Keita), que está em CAPOQUENE. O resto ficou com os tugas.

● CADUCÓ –> Tabanca essencialmente de Nalús. Foram para a fronteira, tendo-se instalado em CAN-HOR, uma parte, e a outra em CATCHIQUE.

● CAIANQUE –> Tabanca de Nalús. Refugiaram-se em CAMAÇO e CATCHIQUE, na República da Guiné,

● CAIÂNTICO –> Tabanca de Beafadas. Foi gente para os tugas e o resto para HAMDALAYE e CABUM-ANE, na República da Guiné.

● CALAQUE –> Tabanca de Sossos, Fulas, Manjacos e Lândumas. À excepção de duas moranças de Manjacos, toda a gente retirou-se para tabancas fronteiriças da República da Guiné. As duas moranças de Manjacos instalaram-se no mato de CALAQUE.

● CAMBAQUE –> Tabanca de Nalús. A maioria da população foi para os tugas. Alguns elementos foram para CASSAMA e CARAQUE, na República da Guiné. 

● CAMBEQUE –> Tabanca de Nalús. Retirou para BAKILONTON E IAMAN, na República da Guiné. Alguns foram depois daí para os tugas.

● CAMBRAZ –> Tabanca de Mandingas. Toda a população juntou-se aos tugas.

CAMECONDE –> Tabanca de Nalús. Só retiraram duas famílias (Almani Keita e Braima XCamaré), que estão em CASSANSSANE, na República da Guiné. O resto ficou com os tugas.

● CAMISSORÃ –> Tabanca de Sossos, Nalús, Mandingas, Beafadas e Fulas. Os Fulas foram todos para a República da Guiné. Houve também gente de outras tribos que se refugiou. Ficou pouca gente, que se refugiou nos tarrafos de CAMPUM [ou Campo], e que tem o seu comité.

● CAMPEANE –> Tabanca de Nalús e Sossos, essencialmente. Refugiaram-se igualmente em CAIETCHE e CATCHIQUE.

● CAMPEREMO –> Tabanca de Nalús e Beafadas. Uma morança de beafadas está em Hamdalaye. Uma outra (Mamadu Dabo) está para os lados de CANELAS. Duas famílias estão em CARATCHE (Ansumane Dabo e Tomás Dabo). O resto foi para os tugas.

● CAMPO –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CASSEMAQUE, BAGADAYE, e outras, na República da Guiné.

● CANDEMPANE –> Tabanca de Nalús. Só ficou o camarada Ansumane Dabo, que é actualmente instrutor das FAL no sector. O resto foi para os tugas.

● CANFEFE –> Tabanca de Sossos e Nalús. Retiraram-se todos para tabancas da República da Guiné.

● CANTEDE –> Tabanca de Nalús. Toda a população juntou-se aos tugas.

● CANTOMBOM –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CARIMPIM –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● CASSENTEM –> Tabanca de Nalús e Balantas. Os Nalús foram para CALAFIMET e CAMAÇO, na República da Guiné. Os Balantas mantiveram-se no interior, tendo-se instalado nos tarrafos de TAFORE e CASSEBETCHE.

● CASSOME –> Tabanca de Nalús. Instalaram-se em CARAQUE, na República da Guiné.

● CATONAIE –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CATRIFO –> Tabanca de Nalus. Toda a população foi para os tugas, à excepção da família Ali Keita, que retirou-se para MAMADIA, na República da Guiné.

● CATUNAIE –> Tabanca de Nalús. Ficou uma família (Abdu Camará) nos tarrafos de CASSEBETCHE. O resto refugiou-se em CASSEMAQUE, na República da Guiné.

● CATUNGO –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, à excepção de uma mulher, Mama Camará que está em CARATCHE, na República da Guiné.

● CAULACA –> Tabanca de Sossos e Nalús. Dessa tabanca, que se tinha retirado para a fronteira com a República da Guiné, toda a gente voltou para dentro. Estão instalados nos matos de CASSACÁ.

● CUGUMA –> Tabanca de Nalús. Foram todos para CACINE.

● CUNFA –> Tabanca de Nalús. Toda a tabanca foi para os tugas, à excepção de uma família (Amadu Dabo), que retirou-se para IAMANE, na República da Guiné.

● DÉBIA –> Tabanca de Nalús. Alguns elementos refugiaram-se em TANENE e IAMANE, outros foram para os tugas.

● MANSABATÚ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, só tendo ficado uma pessoa – um camarada, o enfermeiro do bigrupo em missão na área, de nome Mamadu Keita, mais conhecido por Tam Atna. [Este bigrupo tinha como Cmdt Cinur N'Tchir, natural de Cafine, onde nasceu em 1943. Actuava na Frente «Buba – Quitafine»[

SANCONHÁ –> Tabanca de Beafadas. Foram poucos para os tugas, os outros estão para os lados de SANSALÉ, na República da Guiné.

● TADI –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● TARCURÉ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● TUBANDI –> Tabanca de Djacancas [um subgrupo da etnia Mandinga]. Retirou para CAPOQUENE e N'DJAILÁ, na República da Guiné.

Será que alguém ouviu falar ou esteve em alguma destas tabancas? [Há referências no nosso blogue a algumas destas tabancas, não fiz unma pesquisa exaustiva.]

Aguardo. Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
13ABR2018.



Citação: (s.d.), "Tabanca no interior da Guiné, ao fundo distinguem-se mulheres cozinhando", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_43022 (2018-4-13) (com a devida vénia).



Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43109 (2018-4-13) (com a devida vénia).

_______________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 12 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16428: Convívios (766): Os "tugas" de Bafatá... Agosto de 2016, restaurante "Ponto de Encontro", do casal Célia e João Dinis a quem prestamos uma emocionada homenagem (Patrício Ribeiro, Impar Lda)




Guiné-Bissau > Bafatá > Agosto de 2016 > Restaurante "Ponte de Encontro" > João e Célia Dinis, os donos anfitriões, e os tugas mais antigos




Guiné-Bissau > Bafatá > Agosto de 2016 > Restaurante "Ponte de Encontro" > Foto nº 2 > Da direita para a esquerda, Célia, Dinis, Sebastião, Nuno, Aprilio e Patrício...  


Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro  (2016) Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Patrício Ribeiro [, da empresa Impar Lda]

[Foto à direita: Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas; é de há muito tratado carinhosamemte como o ´pai dos tugas´, pelo apoio que dá aos mais jovens que chegam à Guiné-Bissau, em visita ou em missões de cooperação]


Data: 28 de agosto de 2016 às 22:55
Assunto: Os "tugas" de Bafatá


Homenagem:

Junto fotos do nosso almoço de jhm domingo de Agosto, com o petisco que nos brindou a Célia [Dinis].

Este grupo é frequente (, quase todos os dias),  no Restaurante Ponto de Encontro,  de Bafatá.

Somos tugas que por lá trabalhamos há muitos anos e,  como habitualmente, o nosso convívio é no Ponto de Encontro.

Quase todos os dias telefonamos de Pirada, Buruntuma ou Canquelifa.

Depois do nosso almoço, "lata de atum com pão"...
- Ó Célia, hoje à noite há sopa?

Ela lá responde que alguma coisa se há-de arranjar...

Assim sendo, aqui vai uma homenagem a este casal que,  de dificuldade em dificuldade, adoram a sua cidade de Bafatá. Fazem todos os sacrifícios para poderem ajudar os tugas que por lá trabalham, ou que apenas estejam de passagem...

Fotos : 1. João e Célia Dinis; 2. Célia, Dinis, Sebastião, Nuno, Aprilio e Patrício.

Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guiné Bissau
Tel, 00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com

PS - Neste almoço, não estiveram presentes os tugas que trabalham nas ONG, porque já estavam de férias em Portugal

2. Comentário do nosso editor LG:

Patrício(s):

Ficamos sem palavras... A milhares de quilómetros de Portugal, essa é seguramente uma "casa portuguesa"... E de repente salta-nos à mente a letra e a música da Amália, tão "maltratadas" antes do 25 de abril... No fundo, podia parecer que esse famoso fado, da Amália, era o elogio, miserabilista,  da pobreza honrada associada ideologicamente ao Estado Novo...

Camarada e amigo Patrício Ribeiro, diz ao nosso camarada João Dinis e à sua companheira Célia que eles já ganharam o direito de figurar, a partir de hoje, e com todo o mérito, no quadro de honra da Tabanca Grande, passando a ser os grã-tabanqueiros nºs 724 e 725. Diz-lhes que é a nossa singela homenagem, a do blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, não só ao seu portuguesismo como também  à sua grande capacidade de  trilhar as duras picadas da vida, e de sobreviver as todas as minas e armadilhas. O seu exemplo comove-nos e honra-nos... Um abraço fraterno para todos os  demais "tugas" de Bafatá. Um xicoração para ti,  que és o "pai dos tugas" da Guiné-Bissau....LG
_____________


[Imagem à esquerda: cartaz de propaganda do Estado Novo, Cortesia de Susana Simões]


Uma casa portuguesa

Música: V. M. Sequeira; Artur Fonseca

Letra: Reinaldo Ferreira [Barcelona, 1922- Lourenço Marques, 1959]



Numa casa portuguesa fica bem
Pão e vinho sobre a mesa,
E, se à porta humildemente bate alguém,
Senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem esta franqueza, fica bem,
Que o povo nunca desmente,
A alegria da pobreza
Está nesta grande riqueza
De dar, e ficar contente.

Refrão:

Quatro paredes caiadas,
Um cheirinho à alecrim,
Um cacho de uvas doiradas,
Duas rosas num jardim,
Um são josé de azulejo
Mais o sol da primavera,
Uma promessa de beijos
Dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!


No conforto pobrezinho do meu lar,
Há fartura de carinho
E a cortina da janela é o luar
Mais o sol que bate nela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
Uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
E um caldo verde, verdinho
A fumegar na tigela


Refrão:

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14617: Questões politicamente (in)correctas (46): "Não sou 'tuga', sou português"... (António J. Pereira da Costa) / "Confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por 'tuga' pelos guineenses" (Francisco Baptista)...

1. Comentário (*) do António José Pereira da Costa
nosso grã-tabanqueiro [, Coronel art ref, ex-alf art.  CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art,  CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; é prortanto oriundo da Academia Militar, e não vem de oficial miliciano, como por lapso é referido mais abaixo, no comentário de outro dos nossos grã-tabanqueiros, o Francisco Baptista. ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

Olá, Camaradas

Pese embora a justeza do assunto tratado, considero ofensivo o nome da organização que procura os pais dos filhos dos militares portugueses que prestaram serviço na Guiné.

Não sou "Tuga", sou Português e só fui assim chamado no contexto diferente pelos guerrilheiros do PAIGC. Acho de péssimo gosto que se persista na utilização de uma alcunha do tempo da Guerra.

Não vejo bem o que esta organização espera obter. Se é ver quem foi o pai de quem não tenho nada contra, se calhar, antes pelo contrário. Contudo, parece-me excessivo que se espere mais do que isto.
Excluindo casos de violação, de que nunca ouvi falar, estamos perante leviandades de juventude das quais hoje, se calhar, ninguém sai bem...

Confesso que sempre ouvi chamar aos ciganos "filhos do vento" por não terem terra e andarem sempre e movimento, comerciando.

Mas posso aceitar a designação que foi estabelecida. Uma organização para a procura de pais cujo nome contem uma alcunha de guerra é verdadeiramente inaceitável...

Um Ab.
António J. P. Costa


2. Comentário de Francisco Baptista (*)


Camarada António Costa;

Apesar de algumas clivagens sociais e militares que herdamos da nossa sociedade pequena e demasiado escalonada, confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por tuga por naturais da Guiné Bissau. Se pensares bem no dialecto crioulo que eles falavam não existe a palavra inteira "o português" que tu desejavas.

Pessoalmente agradeço-te a ti que talvez tenhas subido a hierarquia militar a partir de oficial miliciano a consideração pelos milhares e milhares de tugas milicianos que mesmo em percentagem,foram o grosso dos mortos, feridos e combatentes das três guerras de Àfrica. Tu sabes isso, amigo e camarada, porque a tua guerra não começou pelos gabinetes de ar condicionado como a de muitos dos nossos superiores, a quem não podemos chamar camaradas mesmo depois de reformados.
O processo de democratização civil e militar deste grande general que se chama Luís Graça é o possível, não é o desejável.

Um dia numa operação em Mansabá, com dois ou três pelotões, eu muito próximo do chefe da mílicia, um guineense alto e atlético, percebo que se cruzam com formigas das mais chatas de lá, seriam as formigas "correção", não sei. Sei, ele disse a pensar que eu não ouvia ; vamos deixar as formigas para os "tugas".

Estavamos de passagem, íamos corrigir a linguagem ou a mentalidade deles? 

Não quero tirar conclusões, todos os que me lêem são homens inteligentes.

Um abraço a todos,

Francisco Baptista

3. O que o dizem os dicionários  e os linguistas...


3.1. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

tu·ga
(redução de portuga)

adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros

[Informal] O mesmo que português. = PORTUGA

"tuga", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/tuga [consultado em 15-05-2015].


3.2. Infopédia

tu.ga
[ˈtuɡɐ]
nome masculino

1. Guiné-Bissau soldado português
2. Guiné-Bissau designação dada a qualquer português
3. Guiné-Bissau designação dada a qualquer indivíduo de raça branca

tuga in Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-05-15 10:31:08]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/tuga

3.3. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

À volta dos termos galego, portuga e brasuca
Ida Rebelo #

Sobre o termo portuga, convém fazer um comentário que, certamente, não se encontra nos dicionários, mas pode ser verificado em meios digitais de publicação como blogues e também em jornais escritos ou falados.

O termo já foi muito usado no Brasil de forma pejorativa, mas galego é bem mais agressivo e antigo. Galego era a forma de se referirem aos imigrantes portugueses para ofendê-los, enquanto portuga era uma redução deportuguês que, hoje, é usada no mesmo tom que brasuca em Portugal, creio eu.

É possível, também, que, por falta de outro termo para designar informalmente o grupo, se tenha passado a utilizar esse termo em outros contextos que não incluem um tom pejorativo. Cabe aos portugueses dizerem como é usado o termo brasuca em Portugal…

Com o advento da Internet e de grupos como Yahoo, Orkut e os blogues, esses termos passaram a fazer parte de uma espécie de intercâmbio cultural e lingüístico entre integrantes das duas comunidades, portuguesa e brasileira. Hoje, os portugueses referem-se a si mesmos como portugas ou tugas, parecendo ser este último uma indiscutível redução do outro termo.

Acredito, pois, que há mais a dizer sobre o uso do que o que os dicionaristas são capazes, até mesmo devido à rapidez com que os termos são difundidos na Internet, com agilidade/tempo difíceis de ser igualados pelos meios tradicionais de publicação.

(#) Ida Rebelo é uma linguista brasileira. Doutora e mestre em Estudos da Linguagem, Descrição do Português para o Ensino de Português Língua Estrangeira, pelo Departamento de Letras, da PUC - Rio de Janeiro; licenciada em Letras Português-Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte:  Ciberdúvuidas da Lín gua Portuguesa > Artigo 1393  [Reproduzido com a devida vénia)...

3.4. Wikipédia

Tuga
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Tuga(s) é uma expressão utilizada para designar o(s) portugues(es), tal como acontece com Lusitanos, ainda que este último seja um termo mais erudito ou literário. Tuga é uma abreviatura de Portuga que, por sua vez, é uma derivação regressiva de português, com fontes registadas desde 1899.1

"António Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 2.ª edição, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, ISBN 85-209-0846-2, p. 625

Tuga na Guerra colonial (...) 

O termo tuga popularizou-se durante os anos 1960, no decurso da dita "Guerra Colonial", como expressão para designar os portugueses por parte dos guerilheiros e oposição independentista africana em geral. Tinha como contraponto o termo turra (para terrorista, influenciada por gíria turra (andar às turras), usado pelos portugueses para designar os guerrilheiros independentistas. Ambas as expressões foram, nessa época, entendidas como depreciativas, por serem usadas pelo inimigo. (...)

3.5. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Abreviaturas, siglas,  acrónimos, gíria, calão, expressões idiiomáticas, crioulo...

Tuga - Português, branco, colonialista (termo depreciativo) (crioulo)
Turra - Terrorista, guerrilheiro, combatente do PAIGC (termo depreciativo)

Temos muitas  referências ao termo "tuga" e/ou  aos "filhos do vento"... Ver aqui alguns postes, a título exemplificativo  (***).


20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)

19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”



12 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11377: (Ex)citações (218): Sexo em tempo de guerra... e brancos mpelelé no pós-independência (Cherno Baldé / José Teixeira / António Rosinha)

12 de julho de  2013 > Guiné 63/74 - P11829: Os filhos do vento (12): "Em busca do pai tuga" ou "Os filhos que os portugueses deixaram para trás"... Reportagem de Catarina Gomes, Manuel Roberto e Ricardo Rezende, a sair no Público, domingo, dia 14

domingo, 1 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12373: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (26): Nós, tugas, somos mesmo estranhos...

1. Comentário, de 30 de novembro último,  ao poste P12369 (*), assinado por de António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961, foto à esquerda; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer, colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993]

Lá terei que meter o bedelho novamente.(*)

Mais do que chefes de posto, governadores, ou mesmo missionários,  eram os comerciantes, fazendeiros e gente que vivia isolado com os africanos que sabiam lidar com brancos e com pretos.

A tropa metropolitana quando terminava os 24 meses de arame farpado e Unimog, saía das colónias sem ter conhecido na realidade os brancos,  antigos colonos.

E como vinha instruído pelos milicianos em geral contra o salazarismo/colonialismo, via estes colonos como o causador de ela [, tropa,] estar ali de arma na mão.

Como tal evitava o diálogo aberto e franco com os "civís"

Os meus treze anos de guerra em Angola dão-me o direito de dizer que os militares portugueses viam os futuros "retornados" com gente a evitar.

Foi triste esta realidade, e hoje (este poste) vemos este diálogo a perguntarmo-nos quem era o comerciante Teófilo como sendo alguém em quem não se podia confiar.

Se este Teófilo foi um deportado ou não, eram conhecidos vários deportados desde o histórico Zé do Telhado, por exemplo. Mas as deportações últimas foram as da revolta de 1926,  mas que não têm a ver com Estado Novo/Salazar. Este foi o Tarrafal [1936].

Os meus treze anos de guerra de ultramar dizem-me que a maioria dos comerciantes das ex-colónias, em que alguns eram já naturais de lá, podiam já ter filhos brancos ou mestiços que podiam ser "anti-salazaristas/colonialistas", mas eram admiradores da política colonial de Salazar.

Eles sabiam que aquela política estava a evitar a desgraça dos países já independentes. Os comerciantes tinham o povo africano do lado deles, e eles confiavam e tinha a protecção do povo. O povo protegia-os dos turras.

Nem a PIDE, profissão de ganha-pão, nem a tropa chegou a entender os velhos colon.

Nos, tugas, somos mesmo estranhos. (**)

[Foto, à esquerda, de Fernando Gouveia, c. 1970: casa e café do sr. Teófilo - 3 -, com camião basculante estacionado em frente]

Em tempo: A camionete vermelha que se vê estacionada na Foto é um camião basculante Magirus Deutz.de transporte de terras. Provavelmente seria da Tecnil, pois Bafatá- Gabu-Pitche e Bambadinca foram estradas deles.

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Notas do editor:

terça-feira, 16 de julho de 2013

Guimé 63/64 - P11846: Filhos do vento (16): Os filhos que os soldados portugueses deixaram para trás, em Fajonquito: Cadija Seidi, 39 anos, Kumba Seidi, 39 anos, Ivo da Silva Correia, 38 anos... Ainda com a esperança de um reencontro com os seus progenitores... Sonhos e desilusões (Cherno Baldé)




(1) Cadija Seidi, 39 anos, natural de Fajonquito, Sector de Contuboel, região de Bafatá.


Filha de Egue Seidi, conhecida no meio da tropa por Espanhola, nasceu em Fajonquito em 1974, o pai, soldado portugues da Companhia de Caçadores n.º 3549, “Deixos Poisar”,  comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, que esteve sediada em Fajonquito de Maio 1972 a Junho de 1974. 

Não tem informação certa, a mãe nunca lhes falou dos pais portugueses, mais tarde por volta dos anos 80 sentiu necessidade de saber a verdade e procurou informar-se junto de antigos soldados que tinham servido o exército portugues, falaram-lhe de dois nomes provaveis (D... ou P...).

(2) Kumba Seidi, 39 anos, natural de Fajonquito, Sector de Contuboel, região de Bafatá. 


Ela [, a Cadija,] é irmã mais nova de uma outra, Kumba, também ela, filha de um soldado português, da mesma companhia ou da anterior, a Companhia de Artilharia n.º 2742, comandada pelo Capitão de Artilharia Carlos Borges de Figueiredo, que esteve sediada em Fajonquito entre 1970-1972.

Recentemente (2010?),  dois homens brancos visitaram Fajonquito na companhia de um Guineense, sabe-se que eram portugueses, mas ninguem conseguiu saber de onde vinham nem o que queriam, no entanto visitaram o local onde antigamente se situava a morança da mãe, a bela e irreverente Egue, vulgo Espanhola. Seriam os pais ou o pai de uma delas?

Não estão desesperadas na vida, mas gostariam de conhecer os seus progenitores. 



 (3) Ivo da Silva Correia, 38 anos, natural de Fajonquito

Filho de Sona Baldé,  conhecida entre os soldados por Sonia,  filha de Sadjo Balde, antigo cozinheiro da tropa, nasceu em Fajonquito em 1975. O pai, de nome  C...,  não chegou a conhecer o filho, com o fim da comissão a Companhia de Caçadores n.º 3549, “Deixos Poisar”,  comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, deixou Fajonquito em Junho de 1974, o pai nunca mais deu sinais de vida.

Não está desesperado da vida, simplesmente gostaria de conhecer a cara do pai, pois dizem que são muito parecidos. A única referência que tinha do pai era uma fotografia que entretanto se deteriorou com o tempo.

Texto e fotos: © Cherno Baldé (2013). Todos os direitos reservados

1. Duas mensagens de hoje  de Cherno Baldé 

[, foto à esquerda, em Kichinev, Moldávia, ex-URSS, Dezembro de 1985, quando estudante]:


(i) Caro amigo Luis,

Concordo com a tua sugestão de dar nacionalidade a todos os «filhos de vento» ou «filhos de cabeças de vento« bem como os vossos antigos camaradas de armas [, guineenses,]  que assim o queiram.

Pode-se emendar a história, sim senhora, se houver carácter e boa vontade.

Junto envio  fotos de filhos de portugueses, meus irmãos que, na sequência da visita da jornalista, Catarina Gomes, solicitaram-me fazer publicar suas fotos e o desejo longamente acalentado de um dia conhecer os pais ou seus familiares.

Com o reconhecimento de sempre,

Um abraço amigo.

PS. Vi o poste sobre os "filhos de vento", podem fazer a leitura que entenderem da minha opinião, o problema é que nós,  africanos,  nunca fugimos nem nos escondemos dos nossos familiares. Para um africano a família é a melhor coisa que um ser humano pode ter na vida.

Os pais que estão a tentar proteger não protegeram nem sequer se preocuparam com as consequências dos seus actos. Não sabia que havia leis que protegiam aos infractores.

(ii) A Catarina [Gomes, jornalista do Publico,] pediu-me que enviasse para ela informações de pessoas que tenham dados concretos sobre os seus pais e que queiram encontrá-los. Acontece que são poucos os filhos que foram deixados com dados concretos e em muitos casos ou se deterioraram ou se extraviaram com o tempo. Infelizmente ainda nao tenho o seu email, para o fazer directamente, pelo que agradecia encaminhar a primeira mensagem com as fotos. 

Muito obrigado e um abraço,

Cherno Baldé
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Nota do editor:

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

1. Mensagem do António Rosinha, de 13/1/2007, que esteve para ser publicada na série Questões politicamente (in)correctas, sob o poste P1426, e que por qualquer razão (falha técnica ou erro humano, os dois bodes expiatórios do costume) não o foi... 

O poste  [ Guiné 63/74 - P1426: Questões politicamente (in)correctas (17): A origem da palavra Turra (António Rosinha)] estava em rascunho, em fase de edição, creio até que chegou a ser publicado... O nº 17 da série acabou por ser atribuído a um poste do Amílcar Mendes (*). E o texto do Antº Rosinha acabou por ir para ao "limbo" (, mas não para o lixo)... Cinco anos no limbo!...  Fomos recuperá-lo. Vê agora a luz do dia, com outra numeração por causa da cronologia... . Com o nosso pedido de desculpas ao Antº Rosinha (que está connosco, de pleno direito, desde 29 de novembro de 2006) (**) e,claro,  também aos nossos leitores. Na numeração dos nossos postes fica em branco o nº 1426... (LG)


2. A origem da palavra Turra,
por António Rosinha

Tuga, portuga, caputo, chicoronho, cabeça de porco, baranco, chindele, e por fim cubano, já ouvi esses nomes dirigidos a mim e a outros,  ao vivo e a cores. In loco. Nem todos eram depreciativos, mas alguns eram. Logo que sejam ditos em português, ou crioulo, madeirense ou carioca ou baiano, para mim é fabuloso.

Isto tudo para dizer qual o mês e o ano em que surgiu uma palavra que para muita gente não tem justificação: TURRA (terrorista) e a sua motivação. Pois, apesar da muita informação descarregada neste Blogue, penso que esta explicação que vou dar, e é dos livros, não foi lida aqui.


15 de Março de de 1961. Pois houve um movimento, União dos Povos do Norte de Angola, UPNA, depois UPA, depois FNLA, que provocou actos de terrorismo, contra brancos, mulatos, negros que não fossem Bacongos (***), que a par de outro terrorismo que se desenvolvia nos vizinhos Congo Belga, Ruanda e Burundi, explica uma grande parte do apoio popular que o Governo Português teve em todas as frentes, que sem esse apoio não aguentaríamos...13 longos anos.

Para quem assistiu "tudo a meter o rabo entre as pernas"e a fazer as malas, eu não era excepção, e saber que o 1º classificado do meu pelotão do CSM, angolano, mestiço, uma simpatia, já na sua actividade civil, foi na leva, toda a gente tinha alguém conhecido que tinha morrido (nem descrevo os processos usados, e depois a reacção).


Para quem assistiu, ficou no ar a palavra terrorismo (TURRA). E por uns pagam outros. Foi tão revoltante que todos os mestiços, negros assimilados com estudos que já enchiam as repartições e escritórios, brancos angolanos, guineenses e moçambicanos de várias gerações, e que todos eram pela independência das colónias - não o escondiam, tanto na tropa como no desporto como no ambiente profissional (posso noutro ambiente mencionar nomes públicos, vivos uns e falecidos outros)- , todos se viraram contra as independências de qualquer maneira, e não alinharam com Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Chipenda, etc. Até porque todos os vizinhos independentes viviam em constantes matanças étnicas.(Será que acabou?).

A origem da palavra foi só esta, e justificadíssima. Essa palavra foi aproveitada para todos os fins. Muitos conhecem esta história,  concerteza. Outros, verifico que não (****).
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

Último poste da série > 15 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)
(**)  Vd. poste de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(***) Etnia do norte de Angola, que outrora (antes da conferência de Berlim, de 1885, que retalhou o continente africano pelas principais potências coloniais europeias, era o povo que vivia no Reino do Congo):

(...) "A luta anticolonial divide-se em três grupos que refletem diferenças étnicas e ideológicas: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), multirracial e marxista pró-URSS, com predomínio da etnia quimbundo; a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), anticomunista, sustentada pelos EUA e pela República Democrática do Congo (ex-Zaire), com base na etnia bacongo (norte do país); e a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), com forte presença da etnia ovimbundo (centro e sul), inicialmente de orientação maoísta, que depois se torna anticomunista e recebe o apoio do regime sul-africano do apartheid. Independência" (...).

Fonte: Sítio brasileiro Mulheres Negras: do umbigo para o mundo > Angola

Segundo o sítio da CIA, com dados estatísticos sobre Angola,  
os bacongos representariam 13% da população. Restantes: Ovimbundos: 37%; quimbundos: 25%; mestiços: 2%; Europeus: 1%; outros: 22%. [Consult. em 4/11/2012].

(***) Vd. também a opinião do linguista Rui Ramos, colaborador do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:


(...) [Pergunta] Li algures que a palavra tuga era pejorativa. Não a encontro em nenhum dicionário mas de facto tornou-se conhecida pois foi o nome dado à Selecção Nacional aquando do Mundial 2002.  A pergunta é: a palavra existe? E é pejorativa? Manuela Couto, Portugal
[Resposta] A palavra «tuga» é de facto pejorativa. Surgiu em contraponto à palavra «turra» («terrorista») que os colonos portugueses em África usavam para designar os que, com armas, se opunham ao colonialismo. 

Surgiu na década de 60, já em plena luta armada de libertação nacional. Eu próprio a usava, já inserido na luta clandestina do MPLA em Luanda, para falar dos «soldados portugueses em Angola». «Turra-Tuga» é uma dicotomia que faz parte integrante da luta anticolonial e que, já se vê, define o «lado mau» da luta.

Por isso eu desde o início considerei que a palavra tinha sido muito mal escolhida para a selecção portuguesa devido à carga guerreira, colonial e incivilizada, porque parece homenagear um dos períodos mais tristes da História de Portugal.

Em sentido mais amplo temos a expressão «pula» (os imigrantes africanos tratam, invariavelmente, os brancos por esta palavra) (*****). 
Rui Ramos (2003) (...) 



(*****) Vd. poste de 26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

(...) Pula. Pessoa branca (pejorativo). O mesmo que braga, cangando, tuga.(...)

O termo "turra" já está  grafado nos dicionários de língua portuguesa (por ex., o Priberam) como substantivo, com o significado de "guerrilheiro dos movimentos independentistas africanos nos tempos da guerra colonial portuguesa".

Vd.  também a Infopédia:  Turra, forma de turrar;

(i) turra, nome feminino: 1. popular, pancada com a testa; cabeçada; marrada; 2. figurado,  teima; birra; disputa (...)

(ii) turra, nome masculino: gíria, depreciativo, nome atribuído pelos militares portugueses aos combatentes independentistas africanos, durante a guerra colonial portuguesa;
(iii) andar às turras, andar desavindo

(Derivação regressiva de turrar) (...)