domingo, 1 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12373: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (26): Nós, tugas, somos mesmo estranhos...

1. Comentário, de 30 de novembro último,  ao poste P12369 (*), assinado por de António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961, foto à esquerda; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer, colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993]

Lá terei que meter o bedelho novamente.(*)

Mais do que chefes de posto, governadores, ou mesmo missionários,  eram os comerciantes, fazendeiros e gente que vivia isolado com os africanos que sabiam lidar com brancos e com pretos.

A tropa metropolitana quando terminava os 24 meses de arame farpado e Unimog, saía das colónias sem ter conhecido na realidade os brancos,  antigos colonos.

E como vinha instruído pelos milicianos em geral contra o salazarismo/colonialismo, via estes colonos como o causador de ela [, tropa,] estar ali de arma na mão.

Como tal evitava o diálogo aberto e franco com os "civís"

Os meus treze anos de guerra em Angola dão-me o direito de dizer que os militares portugueses viam os futuros "retornados" com gente a evitar.

Foi triste esta realidade, e hoje (este poste) vemos este diálogo a perguntarmo-nos quem era o comerciante Teófilo como sendo alguém em quem não se podia confiar.

Se este Teófilo foi um deportado ou não, eram conhecidos vários deportados desde o histórico Zé do Telhado, por exemplo. Mas as deportações últimas foram as da revolta de 1926,  mas que não têm a ver com Estado Novo/Salazar. Este foi o Tarrafal [1936].

Os meus treze anos de guerra de ultramar dizem-me que a maioria dos comerciantes das ex-colónias, em que alguns eram já naturais de lá, podiam já ter filhos brancos ou mestiços que podiam ser "anti-salazaristas/colonialistas", mas eram admiradores da política colonial de Salazar.

Eles sabiam que aquela política estava a evitar a desgraça dos países já independentes. Os comerciantes tinham o povo africano do lado deles, e eles confiavam e tinha a protecção do povo. O povo protegia-os dos turras.

Nem a PIDE, profissão de ganha-pão, nem a tropa chegou a entender os velhos colon.

Nos, tugas, somos mesmo estranhos. (**)

[Foto, à esquerda, de Fernando Gouveia, c. 1970: casa e café do sr. Teófilo - 3 -, com camião basculante estacionado em frente]

Em tempo: A camionete vermelha que se vê estacionada na Foto é um camião basculante Magirus Deutz.de transporte de terras. Provavelmente seria da Tecnil, pois Bafatá- Gabu-Pitche e Bambadinca foram estradas deles.

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Notas do editor:

7 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro "Mais velho"

Normalmente acompanho os teus comentários com interesse.
Normalmente procuro 'ler', aprendendo, com as tuas opiniões, as tuas intervenções, os teus pontos de vista.
Umas vezes concordo.
Outras vezes, discordo.
Gosto de tentar perceber como as opiniões se podem formar, de como as vivências de cada um contribuem para a 'visão' que se pode ter dos acontecimentos.
Por norma não comento ou não faço observações, limito-me a aprender.

Mas hoje sinto que devo, tal como tu, "meter o bedelho".

Nada de grave, só para dizer que discordo do que implica a tua frase "E como vinha instruído pelos milicianos em geral contra o salazarismo/colonialismo, via estes colonos como o causador de ela [, tropa,] estar ali de arma na mão."

Isso é muito redutor. Na realidade não me parece, aliás recuso essa 'verdade', de que 'os milicianos' instruíam o pessoal contra o 'salazarismo/colonialismo'. Não haviam assim tantos 'milicianos' capazes de o fazer. Não havia 'ambiente' nem oportunidade para tal. Essa tese tem vindo a ser espalhada para 'justificar' o ambiente desfavorável à continuação do 'estado de guerra', para os tempos do 'fim do Império'.
A expressão de que os militares tinham sido obrigados a ir para África defender a Pátria ameaçada (eu já cheguei a estar convencido
pelos discursos dos patrioteiros que o grosso dos mancebos tinha ido para África de 'peito feito' e cheio de fervor patriótico, mas às vezes fico com dúvidas...) pela cobiça das potências estrangeiras e pela actuação de agentes a soldo dessas potências e para fins inconfessáveis, foi uma coisa que cheguei a ouvir muitas vezes, mas mesmo muitas! E havia muitas 'almas boas' que estavam convictas disso e se calhar ainda hoje...
Considerar que a 'culpa' seria dos 'colons', que teriam séculos de culpas pelo tratamento dado aos autóctones foi uma tese já mais trabalhada e que não podia colher na Guiné, na medida em que naquele 'fim de mundo' haviam muitos poucos colons...

Portanto, amigo Rosinha, discordo dessa expressão que usaste como explicação para a 'animosidade' dos tropas para com os colonos, particularmente na Guiné. Mas até podia ser....

Abraço
Hélder S.

Antº Rosinha disse...

Isso é muito redutor. Na realidade não me parece, aliás recuso essa 'verdade', de que 'os milicianos' instruíam o pessoal contra o 'salazarismo/colonialismo'.

Helder, isto tudo que digo, é ao correr da pena.

Evidentemente que milicianos eu devia dizer os oficiais Unversitários, e devia dizer que seria uma minoria e devia dizer que também muitos oficiais do quadro já vinham politizados contra os "os brancos que tratavam mal os pretos"

E devia dizer que já em 1961, no início da guerra colonial já "Nambuangongo foi invadido pelo Alferes miliciano Manuel Alegre"

Helder, penso que és um herói aceitares sentares-te onde eu abusivamente me sento, porque penso que já alguns daqui se levantaram porque não se querem sentar ao lado de colonialistas, imperialistas e fantoches como eu.

Sou escandalosamente anti-militarista e sofro de claustrofobia, e uma das imagens mais violentas que vi em Angola, foi viajar e ver companhias enclausuradas, dentro das casernas no mato em Angola, dias e dias de chinelos sem sairem do arame farpado sem se comunicarem nem com brancos nem com pretos.

Eu com vinte e poucos anos, embora pensasse pouco, lembro-me hoje daquela "merda de vida" .

Helder,conheci a minha guerra, a tua guerra, a guerra de vários e anónimos "Manueis Alegres" e os primeiros capitães portugueses a fazer a guerra sem grevas.

Cumprimentos

Luís Graça disse...

Rosinha... Agora sou eu que discordo de ti (vd. citação em baixo)... Tu estás e estarás aqui, sempre de pleno direito, sob o poilão, fraterno, da Tabanca Grande. E sabes que tens o nosso apreço... Um alfa bravo. Luis
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"Helder, penso que és um herói aceitares sentares-te onde eu abusivamente me sento, porque penso que já alguns daqui se levantaram porque não se querem sentar ao lado de colonialistas, imperialistas e fantoches como eu."

Hélder Valério disse...

Olá António Rosinha!

Bom dia, e boa disposição!

Nã, nada de 'herói'.
Deixa-me que te diga que aprecio imenso a tua forma frontal, de 'coração na boca' com que te expressas, com que, 'ao correr da pena', como dizes, vais expondo as tuas opiniões e pontos de vista.

Deixa-me que te diga, também, que um grande mérito teu (na minha opinião) é o que está subjacente à tua frase "Eu com vinte e poucos anos, embora pensasse pouco, lembro-me hoje daquela "merda de vida"". Na realidade, 'pensar' é indispensável. Por isso reconheço e reafirmo o teu mérito nesse sentido pois se foi natural que uma boa (grande, imensa) parte da juventude 'não pensou' em tempo próprio, a verdade é que não se 'deu ao trabalho' de 'olhar, ver, e reflectir' e ainda hoje 'não pensa'.
Como te parece que a actual situação política e económica do País (de que não iremos falar aqui) se mantém e se arrasta nesta alternância estéril (estéril apenas do ponto de vista do progresso, porque do ponto de vista dos 'interesses instalados' ela é muito 'produtiva')?
A maioria dos 'utilizadores da democracia' vivem os partidos como 'clubes de futebol', pensam pouco e gostam mais de se entreter com os engodos que lhes lançam, dos 'big brothers' às 'casas dos segredos', das vidas desastradas das 'figuras públicas' às 'doses de futebol', nos jogos, nos comentários, nas antevisões, etc.

Não sei a que concretamente te referes quanto a 'saídas' ou 'afastamentos' mas não acho que isso seja assim.
Repara, dizes que és 'escandalosamente anti-militarista e que sofres de claustrofobia'. Isso, por si só, não originará nenhum mal ao mundo.

Olha, amigo, continua a verter as tuas opiniões. Uns, gostarão. Outros, não. É a vida! Mas pelo menos serás genuíno, 'inteiro' e todos podemos, de uma maneira ou de outra, beneficiar dos teus pontos de vista, pela concordância ou pelo contraditório.

Abraço
Hélder S.

JD disse...

Queridos camaradas,
Quero manifestar o meu apreço pela vossa exposição de pontos de vista, afinal, não tão distantes quanto possa parecer.
Já fiz um comentário no post que terá originado este, e não vou repetir-me. Porém, quero reter o que me parecem duas ideias principais:
1 - A certa altura da nossa permanência, surgiam dúvidas e interrogações sobre a necessidade de passarmos dois anos de ausência, em situações impróprias, que muitas vezes contrariavam os princípios educativos que receberamos. E, nas nossas inocências ainda jovens (eram poucos os que tinham alguma formação política, e ainda menos os que formulavam projectos de sociedade com conhecimento de causa), reflectíamos que estávamos ali a defender interesses que não eram os nossos, e os cantineiros vendiam a cerveja por alguns cobres a mais do que a cantina, o que nos levava a confundir interesses (os dos cantineiros, com os dos monopolizadores e dos "trusts");
2 - "Como te parece que a actual situação política e económica do País se mantém e se arrasya nesta alternância estéril?", questiona o Helder. Pois é Rosinha, salvaguardadas as diferenças, até parece que não aprendemos nada com as "lavagens ao cérebro" com a propalada visão democrática caída dos céus, e não fomos capazes de erradicar o "colonialismo" interno, que permite a uma minoria desenvolver a exploração sobre os restantes. Ora, como adianta o Helder, e eu concordo, obviamente, "parte da juventude não pensou em tempo próprio... não se deu ao trabalho de olhar, ver,e reflectir, e ainda hoje 'não pensa'".
Eu atribuo esta constatação à ausência de educação cívica, susceptível de estimular o sentido crítico e de exigência, que, naturalmente, não convém aos nossos 'colonizadores' e seus sequazes, aqueles em quem persistimos em 'confiar' pela entrega de cheques em branco.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Caríssimo.."Colon" Rosinha


MITOS E MATIZES

Colonizador e colonizado..feitos da mesma massa..quando o dito aí chegou já o colonizado escravizava..tribos que dominavam outras.

O dito "miliciano"..estudante universitário..incluo-me nesse "especimen"..tinham na grande maioria uma visão marxista..e nunca tiveram uma acção preponderante sobre os oficiais do quadro como se diz..é que uma grande maioria destes também sabia pensar..

As populações civis hostilizavam, quase sempre de uma forma passiva, a tropa, porque onde viviam não havia "merda" de guerra nenhuma (Angola e Moçambique)..só nas pré-independências e quando mais necessitaram de protecção a "tropa" já não estava para aí virada.

Os bons eram os colonizados..pois...pois..viu-se antes e após as independências.

Cantineiros exploradores ..alguns seriam..faz parte da condição humana.

O ser humano é potencialmente mau..independentemente da cor da pele..só depende muitas vezes das circunstâncias..

Somos todos feios porcos e maus...

C.Martins

Antº Rosinha disse...

Meus amigos, passados tantos anos após a guerra, já se pode fazer uma análise sobre quem era quem, naqueles tempos em que a maioria eramos oriundos do mundo rural,

É mais difícil sabermos hoje quem é quem é quem, quando são todos "a geração mais preparada".

E C. Martins Sobre "comerciantes" e "milicianos" coloniais, havia comerciantes que só pensavam no rol, os mais novos e aqueles antigos que sabiam o que queriam para a sua terra e admiravam o Salazar, mas sonhavam com uma independência.

E os "milicianos" havia os que já nasceram com os livros de baixo do braço, e havia os que nasceram com o cajado nas mãos.

Mas no caso da Guiné, a concentração da guerra colonial foi tão intensa que não dava para haver muitas diferenças.

Quem nos conhece bem eram e são os caboverdeanos e a mestiçagem guineense e angolana.

Com eles, que muitos são portugas também, é que eu soube algumas coisas sobre nós.

Ainda agora nos baralham, a jornalistas a ministros a políticos e a empresários.

Cada cena, que só nos faltam "asinhas".

Mas sobre os "comerciante dos pretos" ainda um dia escreverei sobre o que foi essa gente que a tropa não teve tempo de compreender.

Nem a tropa nem muitos brancos que não conheciam o interior das colónias. E se eu sei alguma coisa foi porque "pernoitei" anos seguidos em casa de muitos, mas como nunca falei dialectos continuo sempre meio ignorante.

Cumprimentos