terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

Guiné- Bissau > Região de Bolama > Ilha das Galinhas >  "Galinhas é a ilha mais a nordeste do Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, com 50 km2 de área e uma população estimada de 1 500 habitantes. Está situada a sudoeste da Ilha de Bolama, da qual está separada por um canal com 4,5 km de largura,e a cerca de 60 km a sudoeste de Bissau, a capital da Guiné-Bissau. Os principais povoados da ilha são Ambancana, Ametite, Acampamento, Ancano e Anchorupe. Durante o período colonial funcionou na ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas", entretanto abandonada."

Fonte:  Wikipédia > Galinhas (Guiné-Bissau) (Reprodução, com a devida vénia). Inagem do domínio público, editada.

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 29 de Novembro de 2013:

A minha passagem pela Ilha das Galinhas ou mais correctamente Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas.


Ao fim de 20 meses de mato fui enviado para Bolama e daí para a Ilha das Galinhas. Desconhecia por completo o que aquilo era, quando cheguei em meados de Junho de 1968.

O destacamento era composto por um Furriel, um cabo e 3 soldados.
Na parte civil e a comandar o campo tinha um chefe que era o Chefe Joaquim,  um homem de poucas conversas.


De vez enquanto encostava uma lancha LDP com um carregamento de prisioneiros, sempre em mau estado,  que vinham das prisões de Bissau, escoltado sempre por dois Pides, que entregavam os presos ao chefe e desandavam para Bissau.

Os prisioneiros andavam pela ilha soltos, mas soube que alguns passavam por ali em trânsito para o Tarrafal [, Ilha de Santigao, Cabo Verde].


Na altura não me despertava muito a curiosidade e as conversas com os prisioneiros eram poucas, a maioria trabalhava na bolanha e nas sementeiras de ananás e mancarra que havia pelo campo.

O povo Bijagó era muito afável. Passei quatro meses e acabei a minha comissão em Setembro de 68 com 25 meses de Guiné.











Guiné > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Junho/setembro de 1968. Fotos de José António Viegas, sem legenda.

Fotos: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12318: Memória dos lugares (255): Missirá, Zacarias Saiegh e Jobo Baldé em 1968 (Mário Beja Santos)

5 comentários:

antonio graça de abreu disse...


Um bom tema este das ilha da Galinhas.
Creio que todos sabemos pouquíssimo sobre a forma como eram aí tratados os prisioneiros do PAIGC. Andavam à solta, mas "guardados" por meia dúzia de militares. A crer nas
fotografias os nosso soldados eram amigos das bajudadas mais lindas da ilha,
de "virgíneas tetas como dois limões"
como escreve o nosso Luís de Camões no Canto IX de "Os Lusíadas" --, mas limões cobertos de chocolate.

Abraço e mandem novas sobre a ilha da Galinhas.
Deverá ter havido muito sofrimento e muito aviltamento do ser humano nessa ilha.


Abraço,

António Graça de Abreu

Luís Graça disse...

Sabe-se pouco sobre a "colónia penal agrícola" (sic) da Ilha das Galinhas (, fundada em 1934).

Por lá passaram muitos dirigentes e militantes do PAIGC, incluindo um dos seus fundadores, Rafael Barbsa.

Há uma referência à ILha das Galinhas por parte do Leopoldo Amado, historiador guineense e membro da nossa Tabanca Grande, num dos seus postes aqui publicados:


22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte
.

(...) "Ora, para lá do provável ou mesmo real empolamento de Pindjiguiti e da justeza ou não das formas e conceitos, sempre discutíveis, sobre a forma como Pindjiguiti foi etiquetado (contenda laboral, massacre ou carnificina) ou ainda do quantitativo de mortes que se saldou na decorrência do acontecimento enquanto tal, temos para nós que o que se afigura importante é o reconhecimento da importância e o alcance históricos que o mesmo teve, à jusante e à montante da guerra colonial/guerra de libertação, no contexto do processo libertário do povo guineense.

"Aliás, não foi por acaso que depois de Pindjiguiti o PAIGC logrou atingir uma assinalável mobilização que permitiu o desencadeamento da luta armada de libertação. Também, não foi por acaso que no decorrer da guerra colonial/ guerra de libertação, invariavelmente, o PAIGC normalmente assinalava a efeméride com ataques simultâneos a várias localidades, inclusivamente os centros urbanos, sobretudo a partir de 1968.

"Não foi igualmente por acaso que em 1962, os vários partidos e movimentos de libertação que pululavam em Dakar e Conakry (mais contra o PAIGC do que contra o colonialismo português) decidiram criar a 3 de Agosto desse mesmo ano uma frente de luta, a FLING.
"Por fim, não foi também por acaso que Spínola, por ironia do destino, mas com objectivos claramente à vista, procedeu, no âmbito da sua política da Guiné Melhor, a 3 de Agosto de 1969, a uma espectacular libertação de cerca de uma centena de prisioneiros políticos guineenses, dos quais Rafael Barbosa, ex-Presidente do PAIGC, bem como todos os que se encontravam na colónia penal d da Ilha das Galinhas, da Colónia Penal de Tarrafal em Cabo Verde e os que se encontrvam no Forte de Roçadas, em Angola, em pleno deserto de Moçamedes" (...).


Também José Carlos Schwarz, o pai fundador da moderna música guineense, esteve desterrado na Ilha das Galinhas.

Poeta, músico, compositor e intérprete, Schwarz nasceu na capital em 6 de Dezembro de 1949. Fez os seus estudos em Bissau e Dacar. Preso político, foi deportado para a Ilha das Galinhas (, durante 3 meses). Após a independência, foi director do Departamento de Arte e Cultura do Comissariado da Juventude e Desportos e encarregado de negócios da Guiné-Bissau em Cuba. Foi, de resto, aqui que encontrou a morte, num dedsastre de aviação, ocorrido a 27 de Maio de 1977...

Vd. mais aqui:

http://guinela.blogs.sapo.pt/478.html

Luís Graça disse...

Sonbre a "colónia penal agrícola" (sic) da Ilha das Galinhasm, vd.

Casa Comum > Arquivos > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral
02. Antecedentes
Administração Colonial


Citação:
(1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

Luís Graça disse...

Estou grato ao Zé António Viegas por nos mandar estas curtas memórias da Ilha das Galinhas... Não imaginava que lá houvesse tropa... Um ano depois, em finais de 1969, haveria lá uma guarnição a nível de pelotão, conforme se pode ler no seguinte documento, consultado no Arquivo Amílcar Cabral, portal Casa Comum:

(...) "9) Ilhéu das Galinhas – Tem um Quartel. Tem 25 soldados armados de G3, granadas, tem bipé [sic]. Tem Polícia de Segurança. Tem Pide tuga e africana. Há 1 Pide tuga. O Chefe de Tabanca da Ilha das Galinahs, de nome Ansumane Bêcó [sic], é um Pide, Está junto com a sua família.
No quartel há um só carro: um Enimog [sic] [Unimog]. Há algumas pessoas favoráveios ao Partido. Por exemplo, a tabanca de Amitite. Há uma pessoa favorável ao Partido, de nome Curancô, chefe de Amitite. Tem campo de aviação grande. Pousam lá os aviões que vêm de Bissau


Citação:

(1969), "Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41391 (2013-12-3)

Casa Comum
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=07073.128.006#!5

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.128.006
Título: Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos BijagósAssunto: Informações de carácter militar, extraídas da audição com os "camaradas" vindos dos Bijagós, sobre Soga, Bubaque, Formosa, Uno, Caravela, Orango, Orangozinho, Canhabaque, Galinhas e Uracane. Organização e formação política e ideológica dos Bijagós, manuscritos por Vasco Cabral.
Data: Terça, 2 de Dezembro de 1969.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: DocumentosDireitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Luís Graça disse...

Sabe-se que em 4/9/1962 são deportados para o Tartrafal 100 guineenses, vindos da Ilha das Galinhas, e indo juntar-se aos 107 angolanos que já lá estavam.

Os guineenses foram alojados numa ala separada. Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sem qualquer culpa formada nem julgamento, sendo os restantes libertados em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor", do Governador Geral e Com-Chefe António Spínola.

Recorde-se que, ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um dos históricos do PAIGC, Rafael Barbosa (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós.

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estavam ainda vivos, em 2009.

No 1º período do Tarrafa (1936-1954) , o número de presos foi de cerca de 340, todos eles portugueses, opositores ao regime de Salazar, literalmente desterrados, presos arbitrariamente, sem direito a defesa nem a cuidados de saúde...