Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72) > Janeiro de 1971 > Cemitério de viaturas de Bambadinca... O estado em que ficou o "burrinho", o Unimog 411, conduzido pelo sold cond auto, da CCAÇ 12, António Manuel Soares, que teve morte imediata.
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. (Editada e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
1. O António Fernando Marques, empresário, reformado, natural de Abrantes, residente em Cascais, nosso grã-tabanqueiro, faz hoje 73 anos...
Foi meu camarada de infortúnio, era fur mil at inf, pertencia como eu à CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Vivemos no mesmo quarto, fizemos muitas operações juntos. É um amigo que muito prezo.Chamava-lhe, por brincadeira, o "Marquês sem acento circunflexo".
Esteve 17 dias em estado de coma, no HM 241, e 2 anos hospitalizado, em Bissau e em Lisboa, em 1971/72... Penitencio-me de nunca o ter ido ver ao Anexo do Hospital da Estrela, em Campolide, durante anos perdemos o contacto!... Voltei a revê-lo em 1994, no 1.º encontro do pessoal de Bambadinca, em Fão, Esposende. O nosso blogue ajudou-o a reconstituir esses 17 dias que passou no inferno, um presente envenenado do comandante do PAIGC, Mário Mendes (que morreria mais tarde de morte matada, em 1972, sem completar as 28 luas). Trágica ironia: foi morto pelos mesmos homens, os do nosso 4.º Gr Comb / CCAÇ 12, a quem calhou uma das minas A/C mandadas pôr por ele, à porta do reordenamento de Nhabijões. Se fosse vivo, diria, em conversa connosco, em Bissau, com a voz de guineense: "Mas... guerra era guerra!"... "Pois é, Mário, sempre e em toda a parte, guerra é guerra!"...
Ele, Marques, acha que me deve a vida, a mim, e eu, Henriques, estou-lhe grato pelas mesmas razões. Afinal, se estou vivo, é porque, suprema ironia, eu ia no "lugar do morto"... Fui eu que o levei, num correria louca, até ao heliporto de Bambadinca... No lugar dele, não sei se teria sobrevivido... Além disso, ele teve um extraordinário anjo da guarda, de nome... Gina! (*)
Um minuto antes da fatídica mina A/C que nos ia mandando para os anjinhos, disputávamos amigavelmente o "lugar do morto", ou seja, discutíamos sobre quem ia à frente, na GMC, ao lado do condutor... Depois da habitual cantilena, "vais tu, vou eu, vais tu"... ele foi para trás, e eu sentei-me à frente... Azar o dele, sorte a minha: ele ia justamente por cima da dupla roda da GMC do lado direito, que fez accionar a maldita mina... Em 13 de janeiro de 1971, aos 20 meses de Guiné. Aqui fica, em sua homenagem, o filme dos acontecimentos (**).
Recordar é viver duas vezes, e blogar é três (***).
Recordo que foi o comandante Mário Mendes, em pessoa, e com o sapador do seu bigrupo, que nos pôs essas duas minas A/C, à saída do reordenamento de Nhabijões, acionadas por viaturas nossas em 13/1/1971... Para o Marques a guerra iria durar mais 2 anos, no calvário dos hospitais... Por sorte, esse não foi o meu dia de azar: ia à frente, o Marques ia atrás, em cima da viatura com 2 secções... Eu estava na altura no 4.º Gr Combate, o mesmo que nos vingaria, matando o Mário Mendes num duelo fatal, em pleno mato... Um ajuste de contas, a lembrar os filmes do faroeste da nossa infância... 16 meses depois, já eu estava há muito na metrópole!... O Marques está vivo, e tem filhos, netos e amigos que lhe dão hoje os parabéns por estar vivo e de boa saúde... O Mário Mendes, que lhe rouba 17 dias de hoje (em que o Marques esteve em coma), já não está entre os vivos... Será que tem alguém, na sua Guiné natal, que se recorde dele ? (****).
História da CCAÇ 12 (1969/71) > (19) Janeiro de 1971: 1 morto de 6 feridos graves aos 20 meses
O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:
Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos António F. Marques e Luís M. Graça Henriques, da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor).
Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. (Editada: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
(i) às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli [, subsetor do Xime,] vestígios dum grupo IN de 20 elementos vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT;
(ii) às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo sold comd auto Manuel da Costa Soares, da CCAÇ 12, que ia buscar, a Bambadinca, a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C;
(iii) o condutor teve morte instantânea: ficaram gravemente feridos um oficial (CCS / BART 2917), o alf mil Luís sapador Luís R. Moreira, um sargento, o fur mil Joaquim Fernandes (CCAÇ 12) e uma praça (CCS / BART 2917);
(iv) imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.
Ao chegar junto da viatura minada, o cmdt do 4° Gr Comb, o alf mil cav José António G. Rodrigues, [, já falecido, depois do regresso a Portugal, era funcionário da Segurança Social, em Lisboa] deixou duas praças a fazer a deteção, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento de Nhabijões, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.
Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe, um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões, entretanto transferidos para o reordenamento, mas nas proximidades do reordenamento, em Bolubate, aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalhava na bolanha.
Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos fur mil António Fernando Marques e Luís M. Graça Henriques], entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado traseiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detetada pelos picadores.
Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o fur mil Marques e os sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane, todos do 4º Gr Comb / CCAÇ 12.
Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o alf mil Rodrigues, o sold trms Pereira e os sold Cherno e Samba.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12583: Manuscrito(s) (Luís Graça) (17): À uma e meia da tarde quando o relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, no dia 13 de janeiro de 1971... Homenagem a um grande sobrevivente, António Marques
(**) Vd. poste de 11 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12139: A minha CCAÇ 12 (29): 1 morto e 6 feridos graves em duas minas A/C, no reordenamento de Nhabijões, Bambadinca, em 13/1/1971, aos 20 meses de comissão (Luís Graça)
(***) Último poste da série > 26 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20012: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (12): Comemorando os 20 mil postes, com um excerto das memórias (boas e más) do Paulo Santiago, no Saltinho, como comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72)... Em que se fala dos banhos à fula no Corubal, de uma perna esfacelada por um coice de morteiro e cosida a sangue frio, e ainda dos foguetões 122mm...
(****) Vd. poste de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16865: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (3): Mário Mendes (1943-1972): o último cmdt do PAIGC a morrer no Xime... Elementos para a sociodemografia do seu bigrupo em 1972: tinha 27.9 anos de idade e 8.9 anos de experiência de conflito...