domingo, 18 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20070: Blogpoesia (633): "Desengano", "Surpresas da vida" e "Espaços quebrados", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Desengano

Quem teve a desdita de, um dia, enganar alguém não espere ficar igual para quem foi enganado.

A confiança é um sentimento muito sensível.
Se embota com uma ligeira aragem, fria e inesperada.
É traição quebrá-la sem outro motivo que não o interesse próprio.

Ninguém perdoa radicalmente, por mais que queira.
Ficará sempre na posição de ferido e incurável.
Uma mancha indelével. Nada a tira.

A lealdade não tem preço nem remissão.
É a plataforma indispensável da convivência humana.

Um valor sagrado. Sem cotação no mercado.

Ouvindo Khatia Buniatishvili - Schubert: Impromptu No. 3 in G-Flat Major, Op. 90
Bar 7 Momentos em Mafra, 12 de Agosto de 2019
9h9m
Jlmg

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Surpresas da vida

A vida é surpreendente. Vai escrevendo uma folha em cada dia.
Segundo um nexo que nos transcende.
Por vezes, nos apanha desprevenidos.
Acontece o inesperado.
Umas vezes, bom. Outras, não.
Só no final se vê a razão de ser.
Porque não vamos sós.
Não somos geração espontânea.
Somos teclas dum piano que só um Artista toca.
Como num ensaio.
Por vezes, desafinadas.
O pior é que, por vezes, reagimos a que nos afine...

Ouvindo Dvorak - New World Symphony
Mafra, 13 de Agosto de 2019
8h51m - dia de sol
Jlmg

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Espaços quebrados

Há cacos espalhados a esmo pelo caminho deserto.
Nas bermas escuras, brotam herbáceas, sem rosto nem nome.
Pendem ramos à solta das hortas cercadas de muros.
Às vezes, as silvas vorazes invadem a estrada e picam.
Mas oferecem ladinas amoras bem doces.
Ninguém lhes resiste.

De hora a hora, passam jumentos com sacos no dorso.
Fazem os fretes que o moleiro precisa e trabalha.
Tisnado de branco, reluzem-,lhe os olhos azuis, e uma alma de santo no rosto.
E a mó de pedra de mármore não pára, roda que roda, à força do rio.
Passam as horas e o tempo não conta.

O telhado de palha, molhado da chuva, serve de albergue gratuito às pombas sem beira nem dono.
Às vezes, cansado, pega nas contas e reza pelas almas perdidas.
Assustada com o negro da noite a coruja lá fora, se lamenta da sorte que teve.
Para ela a noite é o dia.
Por isso, vive triste e sozinha.

Mafra, 15 de Agosto de 2019
16h2m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20051: Blogpoesia (632): "A pouco e pouco..., "Cobardia" e "Brotam do chão e da erva...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

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