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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24547: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (3): EPC - Escola Prática de Cavalaria - Santarém: Especialidade

Caldas da Rainha - João Moreira, em primeiro plano, no dia do juramento de bandeira


"A MINHA IDA À GUERRA"

3 - EPC - ESCOLA PRÁTICA DE CAVALARIA - ESPECIALIDADE

João Moreira


Mas, como eu não tinha "cunha" atribuíram-me a especialidade de atirador de cavalaria e lá segui eu para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde se repetiu o meu martírio.

Passados poucos dias fui ao médico da EPC. Consultou-me e ouviu as minhas queixas. Mandou-me logo para o Hospital Militar de Tomar.

Após os exames e reconfirmada a minha "Espinha Bífida", mandaram-me para o Hospital Militar Principal, em Lisboa, por ser o único hospital militar que podia resolver os processos dos milicianos.

Em Lisboa confirmaram a minha deficiência... e deram-me alta. Voltei a Santarém. Como já tinha ultrapassado o número de faltas permitido mandaram-me para casa, com a especialidade perdida. (Era a segunda Especialidade perdida).

Em Outubro de 1969 voltei à Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
Falei com o 1.º sargento enfermeiro que ficou surpreendido por o Hospital Militar Principal, em Lisboa não me ter reclassificado ou mandado para casa, livre da tropa. Disse-me que ia pedir a minha ida a uma junta médica no Hospital Principal, em Lisboa, para resolverem a minha situação que já se arrastava havia 6 meses e, se perdesse a terceira especialidade, ia para o contingente geral.

Chegado ao Hospital Militar em Lisboa, fui à secretaria entregar a documentação que levava.
Disseram-me onde funcionava a Junta e para ir para lá e esperar que me chamassem.
Quando já era o único militar por chamar, e os médicos começaram a sair constatei que algo estava errado.

Dirigi-me a um médico que saiu e expliquei-lhe o que se estava a passar. Ele identificou-se como sendo o subdirector do Hospital e disse para ir com ele à secretaria para tratar do meu internamento.

Aí tocaram as "campainhas". Expliquei-lhe que não ficava internado, porque a perda da terceira especialidade significava a minha ida para o contingente geral. Por isso ia regressar a Santarém.
Ele garantiu-me que ia à Junta antes de acabar o prazo de faltas, e que não perdia a especialidade.

Também me disse que eu ia ser internado no Hospital Anexo, em Campolide, e que ele ia lá todas as manhãs. Disse para quando eu chegasse ao Anexo perguntasse onde era o gabinete do director do Hospital e fosse falar com ele às 10 horas da manhã seguinte, para pôr o meu processo a andar com urgência.

Na manhã seguinte, fui falar-lhe e ele chamou logo um 1.º sargento enfermeiro, e deu-lhe indicações para ele acompanhar o processo de forma a estar pronto a tempo de eu ir à Junta na semana seguinte.

A mim disse para ir todas as manhãs falar com ele, para o informar do que tinha feito, e chamava o 1.º sargento para confirmar se estava tudo a rolar para ir à Junta na semana seguinte. Na semana seguinte, antes de atingir o limite de faltas que originava a perda da especialidade, fui à Junta.

Quando fui chamado, o diretor do Hospital pegou no meu processo e disse que continuava com a mesma especialidade.

O subdirector, que tinha acompanhado o meu processo e sabia a gravidade da minha deficiência perguntou aos outros médicos se eles tinham lido o processo e se sabiam qual era a gravidade do meu problema.

Eles não responderam, e o director tomou a palavra e disse que "se eu fosse soldado ia já para casa", mas como era miliciano continuava como atirador de cavalaria porque havia falta de milicianos.

Com esta resposta dum coronel médico, director do Hospital Militar Principal, eu fiquei sem fala. Foi um choque tão grande que eu não consegui reagir.

Penso que se o subdirector reagisse adequadamente, a Junta tinha-me mandado para casa, ou no mínimo tinha-me reclassificado para uma especialidade que não tivesse actividade física.

Voltei à EPC em Santarém e falei com o 1.º sargento enfermeiro, que ficou incrédulo com o sucedido, e tomou a iniciativa de ir falar com o meu comandante de pelotão para me dispensar das provas físicas.

Como tinha boas notas nos testes, compensava para as provas físicas. E assim acabei a especialidade com aproveitamento.
Caldas da Rainha - Da esquerda para a direita: em pé: Seco, Castro, Daniel e João Moreira. Dos deitados não lembro os nomes.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24531: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (2): CIOE / Rangers - Especialidade em Lamego (Parte 2)

domingo, 12 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20851: Efemérides (322): O meu domingo de Páscoa de 1968 (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG)

Ressurreição de Cristo - Rafael


1. Em mensagem de hoje, dia 12 de Abril de 2020, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), lembra o seu dia de Páscoa de 1968.


O Domingo de Páscoa de 1968

Já estava na tropa desde Outubro de 67 quando no dia 10 daquele mês assentei praça na EPC em Santarém, de má memória, onde chumbei no CSM e mais 200 camaradas – sim chumbámos 201 em 360 - tendo passado para o Contingente Geral e no início do ano de 68 sido transferido para o RTM no Porto onde tirei a especialidade de Operador de Mensagens bem como a Escola de Cabos.

Mal acabada a especialidade, fui transferido para o BT na Graça em Lisboa, mas rapidamente colocado a prestar serviço na Delegação do STM – Serviço de Telecomunicações Militares – no Quartel General da 2.ª Região Militar, em Tomar.

Estava desarranchado, dormia num quarto com mais dois camaradas em três divãs separados, em casa do Cabo RD Almeida, como também ali dormiam noutros quartos mais camaradas de armas. Aquilo não era bem um quartel, mas principalmente de manhã, apesar de não haver toque de alvorada, todos nos movimentávamos bem e depressa.

Comia no Restaurante Diamante Verde, na Rua dos Arcos, por trás do Quartel General. Acho que o desarranchamento eram 500$. Do quarto pagava 120$ e do Restaurante pagava 500$. Mas como “matava” alguns serviços de camaradas que se podiam safar e pagar, a coisa compunha-se.

Todos estes serviços de “matança” eram “coordenados” pelo Sargento, chefe do Posto do STM.
O STM era nas águas furtadas do QG onde, para além do Centro de Mensagens (a minha especialidade), existiam a Central de Teleimpressores com contacto com o Batalhão de Telegrafistas em Lisboa e com o QG do Campo Militar de Santa Margarida, bem como com os outros Quartéis Generais do País e, claro, o Posto de Rádio, em grafia, que comunicava com as mesmas entidades.

Existia ali ainda um aparelho do tempo da 2.ª Grande Guerra, um fac-simile da altura, marca Siemens, que todos os dias era posto à prova com uma transmissão de exploração para o BT e a devida resposta. Aquilo era mesmo antigo. A técnica era baseada num cilindro onde se acoplava o documento a transmitir e ia rodando, depois de se fazer a ligação telefónica para transmitir o documento. Usava um tinteiro e um sistema com um aparo que ia impressionando o papel conforme a imagem do documento. Claro que por vezes borrava-se a pintura… mas aquilo tinha que ser posto à prova todos os dias como mandavam as normas.

No 1.º andar, para além dos Gabinetes do Brigadeiro Comandante da Região Militar e do Coronel Chefe do Estado-Maior e outras repartições, havia o Centro de Cripto onde, nós quando recebíamos alguma mensagem classificada, íamos ao postigo daquele Centro entregar a mesma por protocolo e eles, depois de fazerem a passagem a cifra, vinham ao postigo do nosso Posto entregá-la para ser encaminhada e transmitida para o ou os destinatários. Era assim o dia a dia.

No Rés do Chão, para além dos serviços do quartel General e as instalações da PM, havia a Central Telefónica do QG, com uma Central Civil e outra Militar que eram operadas por telefonistas do STM. Era dali que de vez em quando, sem grandes abusos, conseguíamos fazer uma ou outra chamada para casa, para dar notícias, ou para algum dos nossos vizinhos que tivesse telefone porque naquela altura esses aparelhos eram raros.

Era assim a vida dentro daquelas quatro paredes. Falta dizer que no Rés-do-Chão, virado para uma pequena parada interna, havia a Cantina muito frequentada por todo o pessoal do QG, do STM e da PM que ali estava instalada.

A comida no Restaurante não podia ser muita nem nós podíamos ser exigentes dado o preço que se pagava. Mas comia-se sempre uma boa sopa, um prato de peixe ou de carne, pouco abundante para se manter a linha, um jarrinho de vinho e algumas vezes uma peça de fruta.

Ora, no Domingo de Páscoa de 1968, estava de serviço e lá fui almoçar. A senhora D. Rosa avisou-me que havia rancho melhorado. De facto, veio uma canjinha de galinha apetitosa e depois arroz com frango corado no forno. O arroz estava muito bom, mas o frango ou a galinha vinha aleijado. Só havia patas e pescoços… pelo que perguntei se ela tinha ido comprar o frango ao Entroncamento que nessa altura estava na sua grande época dos fenómenos. Ainda bem que fiz aquela pergunta pelo que a senhora sempre me arranjou uns bocados de carne para ajudar a empurrar o arroz.

Coisas da tropa, neste caso passadas fora do Quartel, mas mesmo ali ao lado.

Boa Páscoa para todos os amigos e, já agora cuidem-se e não façam aventuras porque a Pandemia está bem viva, anda por aí cheia de força, a fazer a vida negra a uma população indefesa. Por isso temos que nos resguardar em casa, nada de visitas, nada de cumprimentos mesmo que ocasionais, porque todo o cuidado é pouco. Mas temos que ter esperança e esperar melhores dias porque depois da tempestade vem sempre a bonança. Esperamos que desta vez também seja assim. Mas, entretanto, toca a recolher em casa.

Um abraço colectivo para todos os amigos.

Carlos Pinheiro
12.04.2020
Domingo de Páscoa caseiro…
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20812: Efemérides (321): No dia 4 de Abril de 1970, saiu a CCAV 2721 do cais de Alcântara em direcção a Bissau (Paulo Salgado)

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18803: Estórias avulsas (89): A noite mais longa da recruta… e não só (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG do STM/QG/CTIG)

1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2018, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), revive os tempos inglórios da sua Recruta do CSM na Escola Prática de Cavalaria de Santarém.


A noite mais longa da recruta… e não só

Carlos Pinheiro

Tínhamos assentado praça no dia 10 de Outubro de 1967 na EPC (Escola Prática de Cavalaria), em Santarém, em conformidade com a Lei do Serviço Militar Obrigatório.
O país estava em guerra em três teatros de operações, envolvendo todos os meios humanos e materiais possíveis, Angola, Moçambique e Guiné. Mas também tinha tropas destacadas em Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e até em Macau e em Timor, tudo isto depois do desastre da Índia, pelo que o destino da juventude daquele tempo estava traçado.

Na noite desse dia 10, depois de nos terem sido indicadas as instalações, nomeadamente a caserna com sessenta camas, mais uma do plantão, dois chuveiros, duas sanitas e meia dúzia de lavatórios, e de nos ter sido fornecido o fardamento, depois de termos ido ao refeitório tomar a 3.ª refeição, fomos a esse mesmo refeitório passar uma parte importante do serão para aprendermos o que era a tropa. Foi uma conversa aberta e franca onde ficámos a saber, minimamente, quem é que mandava e quem é que tinha que obedecer. Ficámos a saber também que o porta-voz do Comando do Grupo de Esquadrões era o Tenente Sentieiro que ali fez todas as apresentações.

- Ficámos saber que só podíamos sair do Quartel depois de sabermos bem todos os distintivos dos vários postos da hierarquia militar para evitar que fossemos fazer continência ao porteiro do Hotel Abidis, que tinha uma farda parecida com a de um Marechal.

- Ficámos a saber que aquela coisa, onde estávamos a depositar a cinza e as beatas dos cigarros – naquele tempo podia-se fumar em todo o lado – a servir de cinzeiro, de manhã, ao pequeno-almoço, era, como se fosse, uma chávena de Vista Alegre para o café com leite e ao almoço era, como se fosse, um copo de cristal para o vinho, para a água ou para a água com algum vinho.

- Ficámos a saber que tínhamos que comer pão duro todos os dias porque, apesar da Escola receber todos os dias pão fresco da Manutenção Militar do Entroncamento, havia sempre dois dias de pão de reserva para evitar qualquer imprevisto que prejudicasse o nosso direito ao “casqueiro” diário.

- Ficámos ali a saber que passávamos a ser um número e mais nada. Mas foi útil essa conversa.

Logo no dia 11, pela manhãzinha, pela fresca, formámos na parada e marchámos para a terraplanagem, no quartel Sede, onde começámos a tomar contacto com a vala, com as barreiras, com a ponte interrompida, com o galho, com o pórtico, com o slide, e acima de tudo com a lama constante e em todo o lado da tal terraplanagem.

Durante a recruta tivemos de tudo um pouco. Muitas instruções nocturnas pelo Monte do Zé Morto, pelas Ómnias, deslocações diárias pelos arredores da cidade, sempre a marchar com a cadência militar, fosse a subir a Calçada do Monte, fosse a caminho da Carreira de Tiro, fosse a caminho da Escola, a caminho do Campo da Feira, fosse para onde fosse.

Logo no terceiro dia de tropa, uma quinta-feira dia 13, fomos confrontados com uma situação tão inesperada como impensável. Estávamos, como disse, no terceiro dia de tropa. Tínhamos regressado da terraplanagem e tínhamos dez minutos para tomar banho, fazer a barba, fazer a cama e apresentarmo-nos impecavelmente fardados na Parada, mesmo que enlameados mas com as botas devidamente engraxadas e a luzir e os talabartes também a brilhar. Nesse entretanto, eis que um camarada nosso, que terá conseguido tomar banho, ao fardar-se em cima da cama terá dito, mais ou menos isto:
- Eh malta, ninguém faz as camas, não temos tempo, não somos escravos.

Só que na Caserna estava um Cabo Miliciano, de Sargento de Dia, que trocou algumas palavras, mais ou menos azedas, com o tal instruendo. Mas tudo acabou, melhor ou pior, todos nos apresentámos na formatura dentro dos tais 10 minutos. Então, o Oficial porta-voz, dirigindo-se às forças em parada, ordenou que o tal instruendo saísse da formatura e acompanhasse o Sargento da Guarda. E o nosso camarada lá foi e esteve preso até Domingo, em prisão particular, tendo na segunda-feira saído à Ordem a sua detenção durante 18 dias, o que lhe deu 54 dias de dispensas cortadas e assim impedido de ir a casa durante esse período. Mas esse nosso camarada aproveitou o tempo de semiclausura e preparou-se para ir fazer duas cadeiras que lhe faltavam, dum bacharelato, num Instituto qualquer em Lisboa. E fez as cadeiras e passou para o COM. Mais tarde foi parar à Guiné, como eu fui, como foi o tal Cabo Miliciano e também o porta-voz. Penso que nunca nos encontrámos todos na Guiné mas eu encontrei, separadamente, o nosso camarada, já como Alferes Miliciano e o referido Cabo Miliciano, já como Furriel. Coisas da vida militar daqueles tempos.

Não foi só a última noite da recruta que foi longa, como lá mais para a frente referirei, mas ali tudo era longo. Os dias, as marchas, as noites, as instruções, especialmente na terraplanagem, as noites a engraxar as botas de sair e os talabartes para as revistas, sempre longas e rigorosas, o rigor da disciplina, a espera pelo fim-de-semana quando havia e só esse é que era sempre curto. A Cavalaria não era melhor nem pior do que as outras armas. Era diferente.

Um dia ao subirmos a Calçada do Monte, a descer ia o Major Duarte Silva, Director da Instrução, a conduzir o seu jeep Austin e porque o nosso Comandante de Pelotão não mandou olhar à esquerda, tivemos um fim-de-semana diferente. Ordem unida no sábado das 10 às 12 e das 15 às 17 e no domingo o calendário repetiu-se.

Foi durante a recruta que aconteceu a tragédia das grandes inundações da grande Lisboa, concretamente no dia 25 de Novembro de 1967, onde morreram largas centenas de pessoas e ficaram desalojados alguns milhares. Não tivemos intervenção directa nesta tragédia, mas muitos dos nossos camaradas que viviam na zona de Alverca, Carregado e Vila Franca, foram atingidos pela tragédia e chegaram com atrasos significativos naquele princípio de semana e contaram-nos episódios terríveis.
Nesse fim-de-semana, a Especialidade de Atiradores de Cavalaria, que tinha entrada no 3.º Turno, estava na semana de campo e também sofreu as consequências daquela intempérie.

Também fizemos a nossa semana de campo com tempo horrível. Na primeira noite a água chegou a congelar nos cantis que tínhamos à cintura. Nunca montámos tenda porque o “inimigo” estava por ali. Passámos frio, mas frio a sério, tudo para lá da Chamusca. Sempre a pé, a marchar, a andar e até a correr.
Mas algo de diferente parecia estar guardado para o fim da recruta, e estava mesmo.

Foi na última noite. No outro dia era o Juramento de Bandeira, mas o meu pelotão teve que cumprir nessa noite mais uma instrução nocturna visto que tinha faltado, com a devida autorização, a uma dessas instruções, dias antes quando nos juntámos, com o Comandante do pelotão, o Aspirante Maciel, para festejarmos o aproximar do final da recruta. E as contas tinham que se acertar. Não podia haver um pelotão beneficiado e não fazer aquela instrução que estava no calendário. E nós fizemos. O pior foi o resto.
A instrução correu bem dentro das normas estabelecidas e regressámos ao Destacamento da EPC, o nosso Quartel, já depois da uma da madrugada. Estava tudo em silêncio e nós respeitámos todos que estavam a descansar. Porém, quando chegámos ao nosso “quarto particular” com 60 camas – dois pelotões – e nos preparávamos para descansar, verificámos que as nossas camas estavam todas armadilhadas, à espanhola, trabalho efectuado certamente pelos camaradas do outro pelotão.

O meu pelotão no campo, mais propriamente nas Ómnias
Foto de autor desconhecido – Direitos reservados

Começou então a barafunda. Cabeçalho para ali, cabeçalho para acolá, alguns iam-se abrindo e espalhando a palha pelo chão, mas eis quando um desses cabeçalhos bate num pequeno vaso de flores que havia por cima da cama do Plantão, e o tal vaso partiu-se. Foi uma chatice. O Plantão levantou-se, fardou-se e desceu as escadas e foi participar o sucedido ao Oficial de Dia. Passado pouco tempo, com a confusão a complicar-se, já com colchões a voarem e a palha a espalhar-se cada vez mais pelo chão da caserna, entra o Oficial de Dia que ordenou que os responsáveis se apresentassem imediatamente na Parada. A barafunda acabou, mas ninguém se mexia para se apresentar na Parada. Então, três voluntários encheram-se de coragem e lá foram. Mas o Oficial exigiu que eles fossem buscar os outros responsáveis, porque aquilo que viu não era “trabalho” só de três instruendos. E assim, dos tais sessenta, viemos trinta e seis em cuecas, uns descalços, outros em botas e foi-nos tirado o número para não haver mais confusões. Voltámos à caserna e lá limpámos, impecavelmente, aquilo que parecia um palheiro mal organizado. Quando nos deitámos já seriam mais de quatro da matina e a Alvorada tocou à hora regimental.

O dia começou como habitualmente com a formatura geral, a toque de caixa, para o pequeno-almoço e de seguida subimos à caserna para nos barbearmos e fazermos a higiene pessoal possível, visto que só havia dois chuveiros para sessenta homens e o tempo estava cronometrado como acontecia todos os dias.

Aula técnica na Parada do Destacamento da EPC com o Comandante do Pelotão, Aspirante Maciel, a supervisionar os resultados

Mas à hora marcada, lá estávamos devidamente fardados e equipados na Parada, com os talabartes e as botas a brilhar, com o grande capacete na cabeça e a companheira Mauser à mão, a aguardar ordens.
E então, o Porta-voz do Comando do Grupo dos dois Esquadrões – trezentos e sessenta homens – lá deu os avisos da praxe, salientando e passo a citar de memória “que este era o dia mais solene da vossa vida militar pelo que estão autorizados a ir almoçar fora com a família, com as noivas, as mulheres ou as namoradas, à excepção daqueles trinta e seis “gabirus” que ficam detidos até novas ordens”.

Era tudo apurado. O do meio calçava 35 e andou em sapatilhas a recruta toda porque não havia botas para ele. Mas foi apurado

Nós, os tais trinta e seis, ficámos detidos – detenção particular – naquele dia e mais dois dias para não esquecermos onde nos tínhamos metido.
Entretanto, o pior estava para vir. Fomos de férias, por volta das vésperas do Natal desse ano de 1967, e regressámos no dia 4 de Janeiro de 1968, para sabermos a especialidade que nos caberia em sorte e a Unidade para onde iríamos. Mas de facto o pior estava para vir. Nesse dia soubemos que a maior parte da malta – 201 em 360 - chumbou no CSM e passou para o Contingente Geral. E eu fui um deles.

Mais tarde, já na Guiné, no ano de 1970, em data que não posso precisar, mas de certeza ainda no 1.º semestre, encontrei no Cais o Capitão Carvalho de Andrade que tinha sido Comandante do Grupo de Esquadrões na minha recruta em Santarém em 1967. Conheci-o à distância, e com a devida vénia prestei-lhe a continência a que ele correspondeu e disse-me que lhe parecia que me conhecia de qualquer lado. Respondi-lhe que também o conhecia, mas sabia de onde era. Então ele perguntou-me de imediato – estava a ver as minhas divisas de Cabo – se eu tinha sido um dos lixados do 4.º Turno de 67 de Santarém. Claro que lhe respondi que sim, que tinha sido um dos 201 que tinham chumbado. Então, com o vagar que havia, pois estávamos à espera dum barco que nunca mais chegava, penso que era o Carvalho Araújo, disse-me que tudo aquilo aconteceu porque terá havido um erro na classificação das pautas de tiro e o Comandante, porque o Tiro dependia da Direcção de Arma de Infantaria, não quis pedir a revisão das provas pelo que os chumbos calharam quase todos a Santarém onde só estavam 360 instruendos, ao passo que no CISM em Tavira e no RI5 nas Caldas da Rainha estariam cerca de 1200, em cada lado, e onde os chumbos não teriam chegado às duas dezenas. Era a tropa a funcionar no seu melhor.

Porque as conversas são como as cerejas, aproveito para recordar que o Capitão Carvalho de Andrade que acima referi, morreu na Guiné em 25 de Julho de 1970, num desastre do helicóptero, que vinha a voar em linha – eram três helis - e que caiu no Rio Mansoa devido a um tornado. Naquele helicóptero vinham quatro Deputados à Assembleia Nacional - Dr. James Pinto Bull, Dr. José Pedro Pinto Leite, Dr. Leonardo Coimbra e José Vicente de Abreu que também morreram nesse acidente assim como a tripulação do Heli.
As buscas duraram vários dias, com trabalho exaustivo de forças da Marinha, e só foram recuperados dois corpos, sendo um do Dr. Leonardo Coimbra e o outro do Capitão de Cavalaria Carvalho de Andrade, cujo corpo esteve em câmara ardente passados uns dias na Sé de Bissau, onde eu tive oportunidade de lhe prestar as minhas últimas homenagens.

Três dias depois da tragédia do Heli, em 28 de Julho de 1970, morre Salazar, e as atenções da Comunicação Social, apesar de nunca terem sido muito activas, porque a censura escondia tudo e mais alguma coisa que se referisse à guerra, aos mortos e aos acidentes, mesmo assim passam para segundo plano o impacto com o desastre da Guiné e creio que foi mais um assunto que caiu no esquecimento.

Para terminar, eu que só queria contar a história da noite mais longa da minha recruta, acabei por me esticar desde o 4.º trimestre de 1967 até ao último de 1970. Aliás, sempre foram mais de 38 meses de tropa, dos quais mais de 25 na Guiné.

As minhas desculpas a quem teve a coragem e a paciência suficientes para ler todo este escrito. Obrigado.

Carlos Pinheiro
16.06.18
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18026: Estórias avulsas (88): Recordações da minha passagem por terras da Guiné, vaca morta junto ao arame farpado (Abel Santos, ex-Soldado Atirador Art.ª)

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17592: Efemérides (260): O dia em que entrei para a tropa... Foi há 50 anos, em 10/7/1967, na EPC, Santarém (Valdemar Queiroz, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]



Samtarérm > Escola Prática de Cavalaria > Abril 1971. Junto à entrada da EPC,  o Augusto Silva Santos, ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2014). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O DIA EM QUE ENTREI PRÁ TROPA


[, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]



Quem, de nós, não se lembra do dia em que entrou prá tropa?

Eu lembro-me. Faz agora 50 anos.

Foi no dia 10 de Julho de 1967, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para o CSM [, Curso de Sargentos Milicanos]. Já tinha 22 anos e, até hoje, não sei a razão por ter sido chamado tão tarde.

Tinha estado, uns dias antes, na Portugália, em Lisboa, a jantar ou, melhor, a comer o bife ‘à Portugália’ com um amigo que ia para Santarém horas depois ou, talvez fosse a um sábado, não me lembro bem. Contou-me que estava na EPC. no Curso de Sargentos Milicianos.
− Eu, também, vou pra lá no dia 10 −  digo-lhe eu. 
− Estás lixado, tens que ser engraxador, polidor de metais e soldadinho de chumbo como o ‘Mouzinho’ e explicou-me o que devia levar e o que lá devia fazer, senão, depois, não ‘vens a fim de semana’, disse ele.

Cheguei a Santarém.  Fui o primeiro a entrar ao Quartel ‘Destacamento’ da EPC., cá em baixo na cidade, na parte da tarde. Levava escovas e latas de graxa prás botas e solarine prós amarelos, na bagagem. 

O Cândido Cunha, que eu não conhecia e que havia de me acompanhar na recruta, na especialidade e até ao fim da tropa, incluindo na mesma CArt. na Guiné [, a CART 2479 / CART 11], também fazia parte deste grupo de recrutas. Fomos encaminhados prós testes psicotécnicos dos dominós e outros pra saberem as nossas capacidades. 

Depois fomos receber o fardamento. Deram-nos o fardamento adequado com a particularidade de nos ser fornecido umas fitas vermelhas/verdes largas e compridas para serem cosidas na boina, assim como um cartão para ser colocado na parte interior/superior da boina para suporte das Espadas de Cavalaria e, também, uns elásticos para segurar/enrolar o final das calças entre as fivelas das botas pra ficarem a ‘golf à Mouzinho’. 

Depois, no final da tarde, já com tudo organizado e equipado viemos prá parada e eis que surge a primeira tropa a sério: 
− Quem dos presentes percebe de laranjas? − foi perguntado. 
− Nós!− , responderam alguns,  e lá foram estes descascar batatas no refeitório pró jantar. 

Espectacular!!!... Até dá gosto ter estado na tropa. Com as botas bem engraxadas e com os ilhós dos atacadores e das duplas fivelas dos plainitos brilhantes/reluzentes como as Espadas da Cavalaria da boina começamos a sair prá cidade e a visitar a família aos fim de semana.

Quem me dera ter agora vinte e dois anos.

Valdemar Queiroz

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17498: Efemérides (259): Dia do Combatente Limiano - 6.ª Homenagem do Concelho de Ponte de Lima aos seus 79 Heróis Militares caídos em combate pela Pátria, 27 na I Grande Guerra e 52 durante a Guerra do Ultramar (António Mário Leitão, ex-Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda)

sábado, 19 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15510: Memória dos lugares (326): Fui destacado várias vezes para o Depósito Disciplinar no Forte de Elvas. Subia e descia o morro a cavalo e dormia lá quando calhava ser oficial de serviço (Marques Leandro, ex-Tenente Miliciano, 1953/55)

1. Comentário, deixado no Poste Guiné 63/74 - P10734: Memória dos lugares (197): Elvas, património mundial da humanidade - Forte de Nossa Senhora da Graça (ou Forte Lippe) - A barrilada (António José P. da Costa), pelo nosso leitor, José Manuel Marques Leandro1, ex-Tenente Miliciano, que entre outros quartéis conheceu, nos anos 50, o Forte de Elvas.

CAROS AMIGOS
Não fiz parte do vosso batalhão, mas admiro-vos. Prestei serviço militar como oficial miliciano de cavalaria no ex-Regimento de Lanceiros 1 em Elvas nos anos de 1953, 1954 e 1955.
Fui destacado várias vezes para o Depósito Disciplinar no Forte de Elvas. Subia e descia o morro a cavalo e dormia lá quando calhava ser oficial de serviço.
Há dias enviei um texto2 sobre essa minha experiência ao Senhor Presidente da CM Elvas que muito amavelmente me respondeu que esse texto seria integrado no site do Forte da Graça. Ali conto peripécias no Forte, na barrilada, na cidade e em Badajoz onde folgávamos a nossa juventude. Vi a vossa fotografia da barrilada. Confirmo.
Peço-vos que me cedam essa foto o que desde já muito agradeço3.
Solicito resposta para o endereço que indico.

Desejo a todos Boas Festas com um abraço.
JM Marques Leandro

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2. Entretanto recebemos o texto que agora publicamos


Trunfo era espadas

O Exército não me dispensou logo que terminei o curso em 1953. Eu e a maior parte dos meus colegas fomos incorporados nas Forças Armadas, na Escola Prática de Cavalaria, então em Torres Novas, para ali frequentarmos o curso de oficiais milicianos. Depois, já como oficial, mandaram-me para o Regimento de Lanceiros 1, em Elvas. Nesse tempo, Elvas ficava muito longe de meus pais e a tropa não concedia facilidades, de modo que raramente ia a casa. Contudo, foi um período de que guardo boas recordações. O Alentejo ficou para mim a região de eleição. O Alentejo, Badajoz e as espanholas. A guerra civil em Espanha tinha terminado havia menos de vinte anos, tempo insuficiente para curar feridas e nós bem sentimos isso. Sentimos quando nos contavam os horrores dessa guerra, principalmente, a queda de Badajoz perante as tropas de Franco, em Agosto de 1936. Nessa altura, centenas de habitantes de Badajoz, fugindo aos bombardeamentos e à irracionalidade da guerra civil, atravessaram a fronteira e espalharam-se pelas planícies do Caia. Deste lado, essa gente foi internada no Forte da Graça, fortaleza no cimo de um morro que domina a cidade. Entretanto, o regime de Salazar entendeu-se com o regime de Franco e as pessoas internadas no Forte da Graça foram devolvidas a Badajoz. As camionetas espanholas que as transportavam despejavam-nas na praça de touros e ali eram fuziladas. Um major do meu regimento era nesse tempo alferes e fora encarregado de ir a Badajoz colher informações. Assistiu a fuzilamentos, mas nada podia fazer para evitar o massacre. No meu tempo de tropa, muitos habitantes de Badajoz não esqueciam isso e, sabendo que nós éramos militares, recebiam-nos com alguma animosidade. O que nos valia eram os militares da cavalaria espanhola sediada em Badajoz, os jovens espanhóis e principalmente as espanholas, que nós presenteávamos com pacotes de café, produto muito apetecido em economia depauperada pela guerra. O Forte da Graça, no meu tempo, era uma prisão militar e os oficiais do quadro permanente não paravam lá quando destacados para a guarnição, de modo que o comando territorial ordenava o destacamento de oficiais milicianos do meu regimento para ali prestarem serviço. Fui sujeito a esse destacamento várias vezes. Subia e descia a cavalo o morro íngreme do forte. Dormia lá quando me calhava ser o oficial de serviço. À tardinha, chegavam novos militares presos que marchavam a pé durante vários quilómetros a partir da estação do caminho-de-ferro, cada um deles escoltado por um cabo e dois soldados.

Forte da Graça - Elvas

Os militares marinheiros tinham mais sorte, eram transportados em viaturas da Marinha. Também havia oficiais e sargentos presos no Forte. Os oficiais e só esses, mantinham o direito a continências e honras militares. No Forte não havia água canalizada. Todos os dias, de manhã e à tarde, organizava-se uma coluna de vinte ou trinta soldados e marinheiros presos, com barril de madeira de vinte litros às costas e escolta à vista. Desciam o morro, enchiam os barris em fonte improvisada e regressavam ao Forte, carregando a água. Trabalho penoso, trabalho forçado! Alguns dos militares integrados nessas colunas tentavam fugir e vários conseguiam. A escolta dava muitos tiros, mas não acertava em ninguém. Confidenciavam-me que não acertavam porque não queriam. Cada fuga ou tentativa de fuga era uma carga de trabalhos para o oficial de dia que era obrigado, imediatamente, a tomar providências para a captura, lavrar autos, fazer inquérito, eu sei lá!

A barrilada

Nesse tempo, trunfo era espadas. Os militares é que suportavam o regime, de modo que tudo era mais ou menos militarizado. A Cidade de Elvas era um modelo dessa cultura. Centro urbano sem grande expressão demográfica, mas com grande concentração de tropas, por causa do inimigo espanhol, troçávamos nós. A cidade tinha um estatuto especial na orgânica do Exército. Designava-se Praça Militar de Elvas. Tinha um governador militar, integrava vários regimentos e serviços. O Forte de Elvas, então prisão, tinha também alguma autonomia honorária, como Governo Militar do Forte de Elvas, no meu tempo personalizado por coronel de cavalaria na reserva, bem conhecido na cidade pelo seu aprumo militar e farda permanente e integrava uma prisão militar designada Depósito Disciplinar. Organização militar sobrante das preocupações de Salazar durante a 2ª guerra mundial, 1939 – 1945, quando se tomaram providências em face de iminente invasão por Espanha aliada à Alemanha, o que, felizmente, não aconteceu. Havia o culto das fardas e os civis iam adoptando essa cultura. Recordo que eu e os meus colegas, quando chegamos a Elvas, entramos sem farda no Clube Elvense para o visitarmos, porque sabíamos que ali era o local de frequência das elites da terra. Fomos bem recebidos por um director que nos convidou a associarmo-nos aquela instituição. Como nos interessava frequentar os bailes e outras diversões, aceitamos os impressos-propostas para associados, mas o tal director perguntou se todos nós éramos oficiais. Dissemos que todos menos um, esse era sargento miliciano, embora com curso superior. Então ele esclareceu que os oficiais poderiam ser sócios, mas não o nosso companheiro sargento. Perante isso, recusamos a inscrição e manifestamos a nossa surpresa pelo facto de um clube civil adoptar praxes militares. Ficamos queimados naquela sociedade elvense e fomos criticados, já no quartel, por alguns oficiais do regimento. Foi bom assim, porque isso soube-se na cidade, o que levou o Grémio, instituição não elitista, a eleger-nos amigos e frequentadores especiais. E gozamos bem essa facilidade.

Terminei o serviço militar em Abril de 1955.

Marques Leandro
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Notas do editor

1 - Licenciado em Gestão e Administração Pública pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, trabalhou em Angola, onde nasceu, e continuou a sua carreira na Administração Pública até se reformar na Inspecção Geral de Finanças. Foi Secretário de Estado da Administração Regional e Local dos III e IV Governos Constitucionais chefiados, respectivamente, pelos Eng.º Alfredo Jorge Nobre da Costa e Prof Dr Carlos Alberto Mota Pinto. Foi ainda dirigente da ARCIL (Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã).

3 - O editor enviou em devido tempo a foto da "barrilada" ao Dr. Marques Leandro

Último poste da série de 7 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15453: Memória dos lugares (325): Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo: o N/M Uíge em janeiro de 1967, no meu regresso a Lisboa (Virgínio Briote, ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil comando, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá, 1965/67)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12956: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (26): Leiria, o pior tempo do meu início de vida militar; Santarém onde a Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente; Tavira, onde ia morrendo; Carregueira do bidonville; Mafra onde a instrução era levada a sério (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 5 de Abril de 2014:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Antes de mais, faço votos sinceros para que esteja tudo bem contigo e família. 
Inserido no tema em epígrafe, junto texto e fotos relacionados com o mesmo, que desde já agradeço revejas para possível publicação.
No caso de algo não estar correcto ou não te facilitar o teu trabalho de editor, solicito / agradeço que me informes para a respectiva correcção.
Como sempre, estás à vontade para editar quando bem entenderes ou alterar o que achares por bem. 

Recebe Um Grande e Forte Abraço com votos de muita saúde.
Augusto Silva Santos


A CIDADE OU VILA QUE EU MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA, ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG


LEIRIA

Bandeira da Cidade de Leiria


Vista parcial da Cidade de Leiria

Assentei praça no RI 7 (Regimento de Infantaria 7) em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, haveria de ser transferido para a EPC mas, no escasso tempo que estive nesta cidade, poderei dizer que foi onde passei o pior tempo do meu início de vida militar.

Logo no primeiro dia roubaram-me o colchão da cama e um cobertor, pelo que tive de dormir vestido em cima de outro cobertor, numa caserna que na altura nem luz tinha. Parte das coisas eram feitas com luz das lanternas ou das velas.

Na primeira semana fui designado para fazer faxina à cozinha / refeitório, onde assisti a coisas para mim absolutamente impensáveis, desde levar os panelões com as vassouras de varrer o chão, e a comida a ser confeccionada nas piores condições de higiene. Até uma aranha eu apanhei na sopa. Escusado será dizer que, a partir daí, poucas mais vezes eu voltei a comer do rancho. Só mesmo quando não tinha outra alternativa.

Ainda me lembro que, muito perto do quartel, havia um talho onde se comprava a carne para ser cozinhada no tasco que ficava ao lado. Era muitas vezes a nossa safa. Foi uma cidade que me marcou pela negativa, mas não ao ponto de a odiar.


Janeiro 1971. 2ª Companhia / 6º Pelotão. Sou o terceiro de pé, da direita para a esquerda.

J
aneiro 1971. Na caserna com o camarada de beliche.


SANTARÉM

Bandeira da Cidade de Santarém


Vista parcial da Cidade de Santarém

Felizmente que, passado pouco tempo, efectivou-se a minha transferência para a EPC (Escola Prática de Cavalaria), onde haveria de concluir a recruta. Aqui tudo era de facto muito diferente, daí é o lema por todos assumido de: “A Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente”.

Desde as condições das instalações, à comida, à disciplina, era tudo um mundo à parte, tendo em conta a minha primeira e traumatizante experiência. Foram 3 meses de intensa e particular actividade, que me haveriam de marcar para o resto da minha vida militar, pela positiva. Foi uma recruta difícil, debaixo de muita chuva e frio, sempre de capacete na cabeça (era uma das partes mais difíceis de aguentar), por vezes passada nas valas de esgoto a céu aberto, e de seguida lavagens à mangueirada em plena parada para limpar a lama agarrada à farda.

Acordar às tantas da madrugada com músicas da Tonicha, e apresentar-se em poucos minutos na parada invariavelmente com umas das fardas, era outra das situações que nos punha em “ponto de rebuçado”. Nunca mais me esqueci da frase, “terreno semeado é terreno minado”, quando colocados a uns bons quilómetros do quartel, e tínhamos de lá chegar sem ser detectados. Pela estrada também não era possível ir por estarem constantemente patrulhadas. Era um grande desafio…

Também não foi fácil assumir que não queria ir para os Comandos, apesar de me ter sido apresentada a possibilidade de ir frequentar o COM (Curso de Oficiais Milicianos), se a resposta fosse sim.

Foi uma cidade de que muito gostei, e tive pena de não ter feito aqui a especialidade. A população era extremamente agradável e compreensiva para com os militares. E Almeirim ficava ali tão perto, com os seus bons “tascos”…


Fevereiro 1971. 5º Esquadrão / 5º Pelotão. Sou o quarto sentado, da direita para a esquerda. O primeiro de pé é o Vicente “Passarinho” (Piu), e o segundo sentado é o Daniel Matos.


Março 1971. Eu em pose no Destacamento da EPC


Abril 1971. Junto à entrada da E.P.C., ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.


TAVIRA

Bandeira da Cidade de Tavira


Vista parcial do Quartel da Atalaia

Sou entretanto colocado no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Também aqui tive bons e maus momentos, mas efectivamente senti um pouco a diferença do ambiente vivido na arma de Cavalaria, embora a adaptação tenha sido feita rapidamente.

A formação trazida da EPC ajudou muito. Foi igualmente fácil, porque muitos dos camaradas que constituíam a Companhia, tinham vindo de Santarém. Foi aqui que voltei a encontrar o Daniel Matos e o Vicente “Passarinho” (Piu), também eles mais tarde mobilizados para a Guiné. Infelizmente ambos já não estão entre nós.

A situação mais traumatizante que aqui passei, relacionou-se com uma questão de saúde, que por pouco não viria a ter consequências graves para mim. Tendo na semana de campo apanhado uma forte gripe com febres altas, apesar de eu ter avisado os enfermeiros de que era alérgico à penicilina, foi-me dado algo relacionado com aquela droga, pelo que por pouco não bati as botas, como se costuma dizer.

Recordo ainda uma ocasião em que toda a Companhia foi formada, para que alguém do sexo feminino passasse “revista” à formatura… Tal só não aconteceu, porque o possível “infractor” ao ver a pessoa em questão, resolveu por antecipação dar o corpo ao manifesto. Mas deu para perceber que havia algum pessoal igualmente muito nervoso.

Gostei da cidade e das suas gentes. Sempre que possível uma ida à praia na Ilha de Tavira, era um bom escape.


Abril 1971. Na Caserna com mais três camaradas. Eu sou o primeiro da esquerda e o Vicente “Passarinho” (Piu) é o terceiro, de garrafa na mão.


Junho 1971. No centro da cidade com outro camarada.


Junho 1971. Na Ilha de Tavira, em pose.


SERRA DA CARREGUEIRA, SINTRA

Bandeira da Vila de Sintra


Vista parcial da Serra da Carregueira

Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (atirador especial de G3 e atirador de 1ª classe em HK 21), sou colocado no CTSC (Campo de Tiro da Serra da Carregueira), como Cabo Miliciano, para dar recrutas e instrução de tiro.

Foi aqui que vivi das situações mais caricatas na tropa, desde ver um Tenente a matar ratazanas a tiro de pistola Walter, a ter de dormir calçado com medo que aqueles roedores nos viessem morder os pés.
Era frequente vê-las passar por cima dos camaradas que estavam a dormir, e não menos frequente aparecerem peças de fardamento roídas.

Tirando esta parte mais ou menos “lúdica”, também assisti à situação mais estúpida.

Era hábito no Bar dos Sargentos (principalmente para assustar os recém chegados), alguém por brincadeira atirar uma granada de instrução para o meio da sala gritando “granada”, obrigando a que todo o pessoal saísse em correria mas, certo dia, alguém por engano ou ignorância atirou uma granada com detonador e descavilhada, que um camarada pensando tratar-se do habitual, agarrou… Pode-se imaginar o que aconteceu a seguir e as graves consequências de tal disparate.

Era um quartel estranho e sem grandes condições, na altura situado no meio da serra sem habitações por perto… Recordo-me que, na época, não existiam quaisquer muros ou vedações para além do pouco que era visível perto da porta de armas. Era uma unidade do tipo “campo aberto”, delimitado apenas por grandes silvados, arvoredo, e moitas. Escusado será dizer que só não entrava ou saía quem não queria, e os “desenfianços” eram o pão nosso de cada dia.

Os Cabos Milicianos dormiam em camaratas tipo “bidonville”. A parte melhor desta passagem pela Carregueira, foi a de poder ir jantar e dormir a casa, sempre que não estava de serviço, pois tínhamos transporte para o efeito.


Novembro 1971. Já como Cabo Miliciano, na instrução do 6º Pelotão da 2ª Companhia. Sou o quinto de pé, da direita para a esquerda.


MAFRA


Bandeira da Vila de Mafra


Entrada do Quartel do CMEFED

Algum tempo depois rumo ao CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), para ficar na EPI (Escola Prática de Infantaria) como instrutor de educação física. Com muita pena minha não viria a concluir este curso, por ter sido entretanto mobilizado para a Guiné.

Em Mafra, como se costuma dizer, nem deu para aquecer, pois só lá estive cerca de 2 meses, mas ainda passei as “passinhas do Algarve” na Tapada de Mafra.

Quem passou pelo CMEFED (mais conhecido pelo se me f….), sabe bem a que me refiro… Para a época, era já uma unidade muito à frente e com óptimas condições sobre todos os aspectos.

Tal como na EPC em Santarém, aqui não havia “baldas”. A instrução era levada muito a sério e com rigor. Curiosamente, na minha vida civil e trabalhando na Marinha Mercante, andando embarcado nos navios Rita Maria, Alfredo da Silva, e Niassa, já havia passado uma boa dezena de vezes pela Guiné, mais propriamente por Bissau. Tinha o destino marcado…


Abril 1970 (faz agora precisamente 44 anos), a bordo do N/M Alfredo da Silva, no porto de Bissau, com o restante “pessoal das máquinas”. Sou o primeiro da direita, ainda de barba.


Dezembro 1971. Pronto a seguir viagem para CTIG. Foto tirada com farda emprestada pelo fotógrafo. Julgo que acontecia com todos os Furriéis Milicianos obrigados a tirar esta foto.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)

domingo, 9 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12815: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (23): Santarém, onde volto por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências (Hélder Valério de Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 2 de Março de 2014:

Caro Editores

Já faz tempo que não colaboro com nenhum escrito para o Blogue.
Coisas da vida! Mas hoje resolvi enviar-vos este texto para ser enquadrado no tema da "Cidade ou Vila que mais amei ou odiei antes da mobilização".
Trata-se de Santarém e da sua EPC e Destacamento.
Ainda não tinha visto por aqui ninguém recordar essa passagem e entendi por bem fazê-lo. O problema é que não tenho fotos da época e por isso o texto pode ser pouco apelativo. Afinal tratam-se das minhas recordações e isso pouco pode interessar a terceiros, no entanto acho que por lá passou também muito boa gente e pode ser que se sintam encorajados a trazer a público as suas lembranças.

Abraços
Hélder Sousa


A CIDADE OU VILA QUE MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA ANTES DE SER MOBILIZADO

SANTARÉM


Vista aérea da cidade de Santarém. Foto: InLut, com a devida vénia


Responder a esta questão não é fácil, porque as circunstâncias eram diferentes conforme se estava na recruta ou com uma ocupação mais ‘folgada’, aliás conforme já foi possível verificar por recordações de outros camaradas. Mas é uma boa questão, para se perceber melhor como é que nos relacionamos com essas recordações e se elas ainda ‘mexem’ connosco. Por isso, vou também entrar no jogo.

O meu percurso militar, antes de ser mobilizado, portanto, na “Metrópole”, foi Santarém, Lisboa (Batalhão de Telegrafistas), Tancos, novamente Lisboa, Porto e Lisboa (Adidos). Porque de todos esses locais guardo recordações, vou cingir-me hoje a Santarém.

E faço-o com muito gosto porque ainda não vi por aqui recordações da Escola Prática de Cavalaria [EPC], o que lamento, sabendo da importância que tal Escola teve nas nossas vidas, esperando sinceramente que possam surgir mais depoimentos.

Como o objectivo é saber, no fundo, como é que nos relacionámos ou interagimos com as terras e suas gentes, isto podia ser muito simples: antes de ir para Santarém, gostava muito, enquanto lá estive fui ganhando saturação ao ponto de pensar que “Santarém, nunca mais!” e hoje volto a ir lá por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências. É preciso dizer que sou ribatejano, que fui Furriel e até aqui estou coincidente com o Armando Pires, mas depois não fui enfermeiro nem fadista o que, valha a verdade, ainda bem, pois não tenho jeito.



Bissau - Bar de Sargentos. Santa Luzia. O Hélder Sousa com o Boavida, do seu tempo de recruta na EPC.

Ir a Santarém, antes da tropa, era normal. Ia lá muitas vezes, principalmente quando estava a passar alguns dias na minha aldeia. Fui lá às “sortes”. E apresentei-me no dia 15 de Julho de 1969 para integrar a 3.ª incorporação no 1.º Ciclo do CSM. Foi no Destacamento da EPC.

Durante esse tempo da recruta foram muito poucas as folgas, os dias em que se podia sair, dar uma volta pela cidade ou arredores, para que assim se pudesse conhecer melhor e dar agora a opinião. Como noutros locais em que se tinha que produzir rapidamente militares ‘prontos’, a formação era acelerada. E tenho a ideia que havia uma espécie de competição para ver quem fazia mais e melhores ‘sargentos milicianos’, nomeadamente entre a Cavalaria (Santarém), a Artilharia (Vendas Novas) e a Infantaria (Tavira), já que as Caldas da Rainha, não sei se só com fama se também com proveito, não contava para isso.

Essa competição fazia com que as recrutas fossem duras, por si mesmas, ou até por algum exagero para maior diferenciação. Devido às constantes actividades saía-se pouco à noite. O pessoal era fortemente castigado do ponto de vista físico, portanto tinha que descansar e as actividades nocturnas não eram raras. Daí que, para a generalidade dos ‘soldados-recrutas’, acredito que o conhecimento da cidade não pudesse vir a ser muito profundo. Já aqueles que depois, terminado esse 1.º ciclo, ficaram na própria EPC em qualquer das especialidades da Cavalaria, tiveram mais tempo e talvez mais oportunidades.

Não sei como era no curto tempo do fim-de-semana pois consegui vir sempre a casa, já que a distância não era muita (45 km) e havia ligações por camioneta e comboio. Quando se saía, os mais afortunados iam até Almeirim, às febras e à ‘sopa da pedra’. Fui lá 2 ou 3 vezes por força das amizades que sempre se vão fazendo com camaradas do Pelotão e que eram de lá, caso do Aranha Figueiredo e do Boavida, cujos conhecimentos ajudavam a ‘abrir portas’.

Refiro estes dois camaradas porque o Aranha, que foi para Moçambique, encontrei-o naquela “clara e límpida madrugada”, no Terreiro do Paço, onde pensávamos que íamos apanhar o barco das 07:00 para a Margem Sul onde trabalhávamos e o Boavida porque mais tarde me veio a encontrar em Bissau conforme foto anexa tirada no Bar de Sargentos em Santa Luzia.

A maior parte das vezes, quando havia dispensa de recolher, ficava-se ali perto, no “Verde Gaio”. Também ia até ao “Quinzena”. Visitar a “Adibis”, pastelaria fina, da elite ‘scalabitana’, das meninas estudantes, era quase proibitivo já que também estava ‘infestada’ de Oficiais. Enquanto civil, fui lá várias vezes, Enquanto militar, acho que só entrei uma vez e… chegou!

Santarém tem a particularidade de se espraiar por um planalto o que faz com que fosse para onde se fosse, para a carreira de tiro com acesso pela EN 3 a caminho do Cartaxo, para a outra carreira de tiro em Vale de Estacas, para a estrada da Estação da CP e ponte de Almeirim, fosse pelo “Colégio Andaluz” para a Quinta das Ómnias, à ida era sempre a descer e depois de completamente estoirados, o regresso seria naturalmente a subir, mas parecia sempre muito mais íngreme do que na descida. E quantas vezes, para ‘abreviar tempo’, se tinha que o fazer em ‘passo de corrida’? Daí que quando saí de Santarém tivesse pensado de forma determinada que nunca mais voltaria lá. Claro, puro engano!
Voltei lá, sim senhor, para tratar assuntos pessoais, para jantares de convívio, para rever locais, para visitar a minha mãe no Hospital e assisti-la no falecimento.

Tudo o que atrás disse tem a ver com a relação com a cidade, com os locais e as pessoas. Mas foi tudo condicionado pela actividade militar. Não será esse o tema mas não posso deixar de referir alguns apontamentos que me parecem relevantes ou interessantes. Muitas vezes tenho lido que o pessoal foi, na generalidade, mal preparado para a guerra, para o tipo de guerra que acabou por encontrar, principalmente na Guiné. A experiência que tive em Santarém diz-me o contrário. Lá, pelo menos naquele 3.º Turno do CSM, a preparação foi dura, exigente (talvez nada que se parecesse com os “especiais”, mas teve alguns pontos comuns), e fortemente voltada para o tipo de situações semelhantes à Guiné.

Claro que na altura não podíamos saber, mas eles, os instrutores, esforçavam-se por nos incutir a ideia que esse seria o nosso destino. Diziam isso amiudadamente e as nossas constantes idas às Ómnias podem hoje testemunhar como isso era verdade. Nas Ómnias, na orla do Tejo, com terrenos alagados, em charcos, em terrenos enlameados, em lagoas (numa das quais, mais funda do que se pensava, um dos instruendos do meu Pelotão ia lá ficando) encontrava-se e praticava-se em locais que quem teve o ‘privilégio de usufruir’ das bolanhas não deve ter achado estranho.

Particularmente duras foram as “24 horas de Santarém”, já no final da formação, em Setembro.
Nesse ‘evento’ todos os Pelotões saíram para um local comum, no Paúl, onde lhe foi dada a possibilidade de participar e assistir a progressões, emboscadas, golpes de mão, confrontos. Após isso, em que enquanto participantes estávamos lá em baixo no terreno cada vez mais enlameado por força da chuva e revolvido pelos passos dos ‘actores’ e enquanto espectadores estávamos num plano mais acima donde se podia assistir ao desenrolar dos acontecimentos, fomos agrupados em diferentes secções para desempenharmos as missões que nos foram dadas e das quais só podíamos regressar ao Destacamento às 08:00 do dia seguinte.

Como começou a chover uma chuvinha miudinha, mas persistente, praticamente desde que saímos do Quartel e que foi progressivamente engrossando e que durou todo o ‘santo dia’, aliviando já só sobre a madrugada alta, foram realmente umas “24 horas” de grandes dificuldades, em que se pode dizer que fomos ‘ensopados até aos ossos’. Recordo que cerca das 23:00 entrámos, o meu grupo (7?, 9?, não recordo) em Alcanede e habitantes apiedados da nossa situação e estado lastimoso, convidaram-nos a entrar para uma espécie de adega onde tinham um lareira e várias coisas para comer que nos facultaram. O pão soube divinamente, os chouriços, morcelas, queijos, etc., também, mas o que recordo ainda é o fumegar das nossas roupas, a evaporação da água incorporada, pois tirámos o que pudemos e ficou tudo junto à tal lareira.

Ficámos por lá até quase à madrugada e, conhecedores da região, foi então mais fácil dar conta da missão e chegar a horas ao Destacamento. Um dos elementos desse grupo era o Aranha, que levava a bazuca. Na formação no Destacamento estavam 3 Esquadrões. O 3.º do Tenente Cadavez, o 4.º do Tenente Guilherme, que me disseram nunca ter chegado a ir a África pois foi para a NATO, e o 5.º do Tenente Tavares de Almeida.

Eu pertenci ao 1.º Pelotão do 4.º Esquadrão que tinha como instrutores o Aspirante Teixeira (diziam que tinha pertencido ao Conjunto Maria Albertina) e um Cabo que, não sendo maus tipos, tinham assumido o ‘espírito da coisa’ e foram bastante duros connosco. Duros, mas leais, diga-se em abono da verdade.

Além dos já citados Aranha e Boavida faziam parte do meu Pelotão outros elementos (obviamente) de que me lembro agora dum tal Vozone, que era um nome conhecido da vela de competição, e o nosso camarada da Guiné, Luís Encarnação, da Companhia que esteve em Canquelifá do BCAV 2922, que ainda não pertence à “Tabanca” mas já esteve em almoços na “Linha”. Falando com ele recordei-me de várias peripécias, como os patrulhamentos ao longo do caminho de ferro, a escalada da escarpa das “Portas do Sol” (dizia o Aspirante Teixeira que era para imitar os soldados de D. Afonso Henriques) em que a cada dois metros de progressão escorregávamos um, das ‘cenas’ com um camarada que dormia de olhos abertos, de outro que foi enganado e utilizou “Baygon” pensando que era desodorizante, etc..

Foi tempo de conhecer um tal Salgueiro Maia, que nos deu instrução de granadas, de um tal Mário Tomé, ao tempo Oficial de Segurança da EPC e que foi o protagonista de uma cena-aviso do tipo “casamento na Parada”.

Esta passou-se na Parada da EPC, com todos os militares tanto da própria EPC como do seu Destacamento, ao qual pertencíamos, formados e a ouvir um raspanete a propósito, ou a pretexto, de uma mãe que se teria queixado de abusos à sua filha ocasionados por militar. Fiquei sempre com a sensação que se tratou de uma encenação, destinada à “acção psicológica”, mas a verdade é que o então Capitão Tomé disse mais ou menos isto: “…. têm a mania que são machões? Acham que a instrução não é suficientemente dura? Pois vão ver como será daqui para a frente! Vão ser ‘apertados’ de tal maneira que não terão força nem para levantar o ‘piçalho’….”

Foi tempo de um grande empenhamento em aprender as ‘artes militares’. Dediquei-me à formação com toda a energia. Aprendi a teoria. Não me baldei à prática. Achava que era importante aprender e obter conhecimentos que certamente iriam ser necessários para os tempos que, convictamente, ‘sabia’ que iriam ocorrer, inevitavelmente, embora ainda tivessem que decorrer quase 5 anos.

Tive boas pontuações de tal modo que fui convidado a ‘seguir outro caminho’, o que não aconteceu. Além disso também podia usufruir do conhecimento antecipado do resultado correcto dos testes de escolha múltipla que fazíamos sentados no chão. Como sabia? Não me recordo…. apenas me lembro que fazia sempre primeiro por meu conhecimento e depois ia ‘conferir’, sendo que, por ‘precaução’, falhava sempre uma ou duas.

Lembro-me, também, como se ia ‘moldando’ as vontades do pessoal. Primeiro procurava-se valorizar a ‘dispensa de fim-de-semana’ de tal modo que isso era uma espécie de prémio, para o qual todos deviam concorrer e para tal suportar tudo. E tudo servia de pretexto para ‘cortar’ essa ‘regalia’. Por exemplo, na revista aos Pelotões do meu Esquadrão chegou a participar um Alferes, com um ar propositadamente abandalhado, mal ataviado, com a barba por fazer e a exigir o máximo de aprumo e perfeição dos instruendos perfilados, para lhes provocar alguma reacção às injustiças sentidas quando os castigavam por os botões não estarem alegadamente bem brilhantes, por a camisa não estar devidamente fraldada, por a barba ‘não estar bem feita’ (mesmo que a cara já estivesse com vários cortes).

Suprema ironia era quando, propositadamente, pisava uma bota impecavelmente reluzente (diria quase envernizada com “Búfalo”) que assim ficava com algum pedaço esfolado e depois dizia para o Cabo apontar o corte da dispensa por ter as botas mal engraxadas. Tudo isto provocava revolta. Mas o pessoal continha-se. E, de contenção em contenção, as chefias pensavam que ‘domavam as vontades’, o que era possível que sim, pelo menos no momento, e que tinham o pessoal ‘enquadrado’, sendo que aqui se enganavam redondamente, pois as animosidades foram sempre em crescendo.

Portanto, em resumo, as recordações de Santarém são boas. O que se passou foi importante. Sempre valorizei essa passagem, compreendendo todos os seus passos. Isto em termos militares que, afinal, não podemos dissociar do resto.

Da cidade em si, da sua História, da sua importância, da sua monumentalidade, a capital do Gótico Português, diz-se, isso foram conhecimentos que já tinha antes da passagem pela tropa, pelo que não me acrescentaram nada.

Quanto a ódio-amor acho que já disse. Primeiro, amor. Depois, ódio, Agora, novamente, amor e tristeza.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12810: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (22): Caldas da Rainha - Os primeiros dias da recruta (Mário Migueis da Silva)

sábado, 26 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12204: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (3): Escola Prática de Cavalaria de Abrantes




1. Historial da Escola Prática de Cavalaria, localizada em Abrantes, trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), integrado na sua série Historial das Escolas Práticas do Exército.





















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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12193: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (2): Escola Prática de Infantaria de Mafra