1. Mensagem de Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 20 de Novembro de 2010:
Caro Carlos Vinhal:
Envio este texto como comentário ao P1475 (**) que pretende realçar o talento deste camarada que neste texto fala de uma grande mulher africana que eu conheci, de seu nome: Fanta Baldé.
Um grande abraço
Manuel Marinho
A bela homenagem à mulher africana
Caro Vítor Junqueira (, foto à esquerda, Pombal, 2007):
Ainda não tive o privilégio de conhecer (a não ser virtualmente) alguns camaradas que escreveram para o blogue e que o deixaram de fazer, deixando belos textos sobre a nossa passagem pela Guiné. Este é para mim um deles.
Por aludir a uma mulher que conheci, e por achar que este texto elogia todas as mulheres africanas que durante a nossa guerra nos aturaram, sem queixumes ou lamentos a propósito da nossa presença em guerra não desejada.
Vem isto a propósito do P1475** que descobri nas buscas que volta e meia faço para descobrir textos não lidos, e alguns deles ficam impressos para trabalho futuro. E não é que descubro um belo texto que se refere à Fanta de Farim?
Imediatamente leio, releio e fico pensativo a recordar essa mulher e o seu filho Mário.
Invejo-te por seres capaz de escrever um texto, que eu gostaria de ter escrito. Aceita os meus sinceros parabéns pelo excelente e brilhante texto sobre a Fanta, a tua puta de estimação, como carinhosamente a tratas, porque é de carinho que falas quando te referes à Fanta.
É um relato que eu guardo religiosamente como tributo à memória dessa mulher que tu de forma genial lhe prestas, não há melhor homenagem, ela ficaria muito feliz.
A minha 1.ª/ Bcaç 4512 chegou a Farim no dia 13 de Janeiro de 1973 onde 2 GComb ficaram em Nema e o restante da Ccaç foi para Binta. Só lá ficamos até 10/Junho/73, donde seguimos para Binta ficando sob o comando do COP-3 por causa de Guidaje.
Um “velhinho” da Cart 3359, que fomos render, era um camarada da minha cidade natal, que fez de cicerone para eu conhecer Farim e os seus recantos, levou-me a conhecer a Fanta que me foi devidamente apresentada, com todas as credenciais e os elogios ao seu trabalho.
Dizia ele que quando estivesse aflito com dores de amor fosse ter com a Fanta. Talvez por a tratar de forma decente e lhe mostrar afeição, não descurando a vontade que sentia dela, ela gostava de conversar comigo no pouco tempo que eu lhe podia dar atenção.
Mulher de boa conversação e de contagiosa alegria, não falava muito do pai do seu filho Mário, às perguntas que lhe faziam sobre ele, mas gostava de saber tudo o que acontecia por cá, e sabia de muitos lugares descritos fruto da sua vivência com os nossos militares.
Lembro-a sempre com ternura, pela sua permanente boa disposição, e por me tentar sempre que podia, no sentido de me desenfiar do aquartelamento de Nema para ficar em sua companhia.
Perguntava sempre por mim aos meus camaradas quando não me via, e uns mais sacanas lá diziam:
- O teu azeiteiro não está, mas descansa que ele vem.
Não que eu o não quisesse mas a actividade operacional intensa não permitia que eu ficasse fora, sob pena de levar uma porrada. E as regras eram muito claras no meu Gr Comb, ninguém podia ficar fora do aquartelamento.
Conheci muito bem o seu filho Mário, miúdo reguila, a quem quase toda a tropa dispensava especial carinho fruto da sua ligação a um camarada que por lá passou, e que só agora sabemos, graças a ti, o desfecho e o destino.
Dia 13 Abril 73
Esse foi um dos dias em que vim até Farim com camaradas beber umas cervejas e visitar as tabancas, no regresso a pé para o quartel, passo pela Fanta sentada junto a sua morança e ficamos a conversar eu e mais um camarada, os outros foram seguindo para o quartel.
O tempo foi passando, e a certa altura a Fanta diz-me para ficar com ela naquela noite. Não podia ser porque tinha de ir para o mato muito cedo, fica adiado disse-lhe, e ao olhar em redor ia pensando se não era perigoso ficar ali desprotegido e sem conhecer ainda bem aquela zona (apenas dois meses de Farim).
Chegados perto do quartel demos um berro para a porta de armas a identificar-nos, já passava das 23,00 horas, embora o camarada que estava à porta de armas tivesse sido alertado para o facto de ainda haver dois que estavam fora.
Fui tomar duche com a água barrenta de Nema, e só houve tempo de molhar o corpo porque logo a seguir ouve-se a saída característica de morteiro ou foguetão, toalha à cintura e corrida para a vala, ainda a avisar aos berros os camaradas que estavam já a dormir que havia ataque.
Na corrida para a vala fui projectado contra o arame farpado raspando o meu braço no mesmo, depois de alguns minutos de ataque (eram foguetões), já estávamos a receber ordens de preparar a saída para o mato para as primeiras horas da madrugada, só depois vi que tinha sangue no braço, tinha uns arranhões.
Logo aí pensei, o que seria se tivesse ficado com a Fanta? Disse-lho mais tarde e ela deu uma risada dizendo-me que nada me aconteceria enquanto estivesse ao seu lado.
Depois da nossa ida para Binta quando nos tocava ir a Farim (era raro porque a nossa sina era para Guidaje) escoltar colunas para reabastecimento a Binta, mal se passava junto da morança da Fanta ela já lá estava a saudar-nos.
Fiquei triste ao saber que morreu.
Aceita, caro Victor, que este modesto e pequeno texto se associe ao teu para também eu lhe prestar a minha homenagem à tua (nossa) Fanta de Farim.
Um grande abraço
Manuel Marinho
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7171: (Ex)citações (102): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Manuel Marinho / José Belo)
(**) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação
[...]
Não voltei a encontrar a Fanta. Confesso que durante muito tempo, após a passagem à disponibilidade, continuava a lembrar-me dela, com saudade. Tive vontade de regressar à Guiné para a visitar, saber se precisava de alguma coisa. Encontrei sempre desculpas para não o fazer.
Aproveito agora para comunicar a quem possa interessar que a Fanta Baldé faleceu em Julho de 2005 no Bairro Militar, em Bissau.
Como diz o povo na sua bondade: Paz à sua alma e que a terra lhe seja leve. [...]
Vd. poste posterior de 18 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4975: (Ex)citações (46): Se eu fosse mulher sentir-me-ia duplamente envergonhada... (Vitor Junqueira)
Vd. último poste da série de 9 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7249: In Memoriam (60): Morreu Fatemá, Mulher Grande de Sinchã Sambel (ex-Contabane), mãe do Régulo Suleimane Baldé (Paulo Santiago)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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segunda-feira, 22 de novembro de 2010
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