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terça-feira, 9 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27198: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVII: a igreja de Santa Ana, em Mansoa

Foto nº 1 > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)  >  A avenida da igreja... À esquerda,  a igreja de Santa Ana (há quem lhe chame apenas capela, mas há diferenças do ponto de vista arquitetónico e litúrgico engre capela e igreja); e o edifício dos CTT à direita.


Foto nº 1A >Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)  >  A avenida principal: à esquerda, ficava a igreja, e à direita, visível na foto, a, o edifício dos CTT (que era "chapa um", igual em todo lado)... A avenida  tinha postos de iluminação pública (pelo menos desde o início dos anos 60, a avalora por fotos mais antigas ... Ao fundo, há edifícios, presumivelmente de comerciantes. Mansoa era sede de cirunscrição.



Foto nº 1B > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)  > Em primeiro plano, um militar, um 1º cabo (?), muito provavelmente da CCS/
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).



Foto nº 2 > Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Interior da igreja de Santa Ana, de uma só nave, O edifício deve ser dos anos 50, desenhado pelo Gabinete de Urbanização Ultramarina (1951-1957), designado anteriormente por Gabinete de Urbanização Colonial (1944-1974), e a que sucedeu, a partir de 1857, a Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação do Ministério do Ultramar, tudo sempre centralizado em Lisboa.



Foto nº 3 > Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)  > Igreja da paróquia de Santa Ana: pormenor do altar-mor, e da imagem da Santa Ana e da Virgem Maria. O pároco na época era o padre José Patrocínio. 


Foto nº 4 > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Ábside e torre sineira da capela... Não sabemos como era a orientação geográfica do edifício, mas em princípio a ábside (onde fica o altar-mor) nas  igrejas católicas é virada para leste, enquanto a fachada (ou entrada principal) é para ponte.  Esta orientação  do altar-mor para o leste, era tradicionalmente uma prática da arquitetura religiosa cristão chamada   ad orientem, simbolizando a espera pelo retorno de Cristo pela “luz” do nascer do sol.



Foto nº 4A > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Se esta foto foi tirada, como parece pela vegetação, no tempo das chuvas (maio / outubro), o galo (/catavento) na torre sineira indicaria que o ventio estava a soprar predominantemente no sentido Sudoeste / Nordeste, vindo do Oceano Atlântics (esstes ventos, conhecidos como monções, são quentes e carregados de humidade, sendo os responsáveis pela elevada pluviosidade que caracteriza esta época do ano naquela parte de África). Sendo assim, a ijreja foi construída "ad orientem".



Foto nº 4B > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Igreja católica de Santa Ana (pormenor): parte da ábside e da torre sineira; ao fundo, do lado esquerdo, o edifício dos CTT; em primeiro plano, o capelão, sentado no muro exterior.



Foto nº 5 > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >  Igreja de Santa Ana: vista do muro exterior, da ábise, da torre sinera e parte do corpo principal de uma só nave; pela luz, parece a que disposição do edifício é "ad orientem", isto é, com a ábside orientada para leste.  Em 1971/72, a torre sineira terá sido  danificada por um ataque do  PAIGC (facto a confirmar ou documentar).



Foto nº 6 > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Igreja de Santa Ana: fachada (entrada principal); grupo de cinco jovens sentados no muro circundante, exterior.



Foto nº 6A> Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >  Igreja de Santa Ana: grupo de jovens,
 sentados no muro circundante, exterior; pareecem ser "assimilados" (pelo vestuário), e provavelmente  ligadis à paróquia.
  


Foto nº 7> Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Outra vista da entrada principal (fachada), que dava para a "avenida da igreja"... Em frente, do lado direito, ficava o edifício dos CTT.



Foto nº 7A > Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Igreja de Santa Ana, poormenor da fachada (1)



Foto nº 7B> Guiné  > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > 
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Igreja de Santa Ana, poormenor da fachada (2)

Fotos do álbum do Padre José Torres Neves, antigo capelão militar.

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


 1. Mais um conjunto de fotos (17) enviadas no passado dia passado dia 2 de agosto pelo nosso  camarada e amigo Ernestino Caniço;

(i) ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fev 1971, hoje médico, a residir em Tomar; o Ernestino Caniço fez amizade com o Zé Neves, e este confiou-lhe o seu álbum fotográfico da Guiné, que temos vindo a publicar desde março de 2022; são cerca de duas centenas de imagens, provenientes dos seus diapositivos, digitalizados; uma coleção única, preciosa;

(ii) o Ernestino Caniço tem sido o zeloso e diligente guardião do álbum fotográfico da

O capelão José Torres Neves,
missionário da Consolata

 Guiné, deste padre missionário da Consolata, José Torres Neves, natural de Meimoa,  Penamacor,  merecendo os dois os nossos melhores elogios e saudações.

(iii) o Padre Neves, nosso grão-tabanqueiro, reformou-se recentemente de uma vida inteira, generosa,  abnegada, dedicada às missões católicas, nomeadamente em África; tm já cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue


2. Neste poste, selecionámos apenas fotos da igrejade Santa Ana. 

Mansoa, localizada na região de Oio, foi um centro de resistência balanta contra a colonização portuguesa até o início do século XX, quando os portugueses estabeleceram um posto militar permanente em 1913 após várias "campanhas de pacificação", onde se destacou o "capitão-diabo" (Teixeira Pinto). (1913-1915). A povoação balanta pertencia ao regulado de Braia.

A missão católica em Mansoa foi fundada oficialmente apenas em 1953, quando monsenhor José Ribeiro criou a missão de Santa Ana de Mansoa e a confiou ao padre franciscano Júlio do Patrocínio. Isso mostra que a presença missionária católica institucional em Mansoa é relativamente recente e só se tornou possível depois do controle colonial efetivo. Até então a presença da igreja católica estava circunscrita ao Cacheu e a Bissau.

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 15 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27017: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVI: a presença da Igreja Católica em Mansoa

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27152: (De) Caras (238): o senhor Michel Ajouz, o comerciante libanês de Bissorã, cristão maronita, amante do bom uísque (Manuel Joaquim / Rogério Freire)



Guiné > 1956 >  Anúnico da casa comercial de Michel Ajouz, um sírio-libanês ou descendente . Fonte: Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.




Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de Setembro de 2010 > Jantar em casa do Jacinto Cristina > Rótulo, já muito deteriorado, de uma garrafa de uísque trazida da Guiné... Buchanan's, from Scotland, for the Portuguese Armed Forces... with love...

 Esta foi comprada em Bissau, em junho de 1974, e aberta no nosso primeiro encontro, na festa de anos da filha do Jacinto Cristina, em março de 2010


Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Garça & Camaradas da Guiné]

1. Na Guiné, aprendemos a distinguir o bom "scotch whisky" do "uísque marado de Sacavém" que se bebia nas noites de Lisboa e arredores (Reboleira, etc.) nos anos 60/70, nos primeiros bares de alterne que apareceram... 

Os comerciantes libaneses (ou de origem sírio-libanesa) também gostavam do bom uísque... E cultivavam a arte de bem receber. Como era o caso de Michel Ajouz, comerciante com loja em Bissorã, cristão maronita. (Haveria também libaneses, muçulmanos xiitas: será que também bebiam uísque com água de Perrier ou Vichy ?)

O Michel Ajouz, sobre o qual se publica dois testemunhos, devia ser cristão maronita: celebrava o natal cristão, recebia em sua casa os militares estacionados em Bissorã e tinha uísque do bom para oferecer às visitas. Infelizmente não temos nenhuma foto dele,.

Diz o Manuel Joaquim, que o conheceu em 1965, no Natal desse ano, e que era o mais idoso, o decano, dos comerciantes libaneses de Bissorã. Em comentário ao poste P13403 (*). acrescenta: 

(...) No P10966 deste blogue, o Pepito dá-o como um dos pequenos comerciantes libaneses localizados no chamado "Bissau Velho" em 1952, aquando do regresso de Amílcar Cabral à Guiné.

Pelo que me lembro de lhe ter ouvido, os seus negócios devem ter crescido muito nos anos seguintes. As referências que fazia à sua facilidade nos contactos com certas personagens "graúdas", do regime, e de certos meios económicos, e a ambientes luxuosos que teria frequentado em Portugal,  seriam só "garganta"? Acho que não.

Em 1966, a sua actividade comercial em Bissorã era reduzida mas percebia-se que o não teria sido antes. 

(...) Do meu tempo em Bissorã, como ligação económica da tropa com a comunidade libanesa, só me lembro do fornecimento do pão. Não convivi com a comunidade libanesa de Bissorã, a não ser neste caso que referi no meu poste (*). Melhor dizendo, não tive qualquer tipo de relação com a comunidade comerciante local, libanesa ou outra. Mas sei que outros meus camaradas mantinham contactos, alguns destes de carácter muito chegado.

(...) Quanto ao juizo de "em todas as guerras os comerciantes são peritos em tirar partido da situação, procurando estar bem com os dois lados", não está longe do que eu penso mas creio não se aplicar ao Michel  Ajouz. 

Curiosamente, fui eu quem, em 1966, prendeu um dos comerciantes locais, por sinal um dos que eu via todos os dias por seu meu vizinho e passar à sua porta quando me dirigia ao quartel. Ainda hoje estou para saber a razão de ter sido encarregado de tal acto. Experimentarem-me politicamente? (...) (Manuel Joaquim, quarta-feira, 16 de julho de 2014 às 06:20:04 WEST).

Anos mais tarde, em 1969/70, o Armando Pires (ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70), também conheceu o  Michel Ajouz: 

(...) "As recordações com que ficámos um do outro não são famosas. Mas é conversa que não é para aqui chamada." (O Armando não quis partilhar connosco este segredo, alegando que havia protagonistas ainda vivos)... Não seria o caso do Michel Ajouz, que já em 1965/66 era o decano dos comerciantes de Bissorã. 

O Rogério Cardoso (ex-fur mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66 também conviveu com o Michel Azjouz, "um velhote libanês de óptimo trato, grande sabedor de Bridge".


2. E a propósito dos  cristãos maronitas, recorde-se que  são uma das comunidades mais antigas e influentes do cristianismo oriental, com forte presença histórica no martirizado Líbano, dilacerado pelos conflitos político-militares e étnico-religiosos.

Qual é a sua origem ? O maronitismo deriva de um movimento monástico do séc. IV/V em torno de São Maron, eremita da região da Síria (c. 350–410). A comunidade consolidou-se nos montes do Líbano, preservando autonomia e identidade próprias,  mesmo durante os domínios bizantino, árabe, mameluco e otomano. Ou seja, até à I Grande Guerra (1914/18), em que colapsou o império otomano, e depois o Líbano tornou-se um protetorado francês.

A Igreja Maronita é uma igreja autónoma (sui iuris) dentro da Igreja Católica, mas em plena comunhão com Roma. Segue, todavia, a liturgia antioquena-siríaca. 

Os maronitas são a maior comunidade cristã do Líbano. Estima-se que constituem cerca de 20% a 30%  da população libanesa (o último recenseamento oficial é de 1932, por isso os números são sempre aproximados). O Líbano tera  hoje cerca de 6 milhões de habitantes (com c. 10,5 mil km2 de superfície).  A Igreja Maronita desempenhou um papel central na história e identidade do Líbano. 

Numericamente ainda mais significativos são os maronistas da diáspora (sobretudo Brasil, América do Norte e Austrália). Não há estatísticas exatas, mas estima-se que os maronistas no Mundo inteiro sejam  3 a 4 milhões. E no Líbano entre 1 e 1,5 milhões. Na Guiné-Bissau, o seu número é residual.
  

(i) Manuel Joaquim (ex-dur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (*)

Na noite de Natal de 65, o decano dos comerciantes libaneses, o sr. Michel,  acho que era este o seu nome, preparou uma recepção na sua casa, para a qual convidou os comandantes das companhias alocadas em Bissorã, CART  643 e CCAÇ  1419, seus oficiais e 1.ºs sargentos e sendo o restante pessoal militar representado por um furriel e por um praça de cada uma das companhias. 

Posso estar enganado,  mas é a ideia que tenho.

Da CCAÇ 1419 fui eu o furriel escolhido. Não sei se “de motu proprio” ou cumprindo decisão superior, o 1º sargento  da companhia fez-me o convite que eu aceitei, algo contrariado, após alguma insistência.





Imagem:  Cartaz publicitário da extinta Casa Africana, uma loja emblemática da Rua Augusta, em Lisboa. S/ indicação da origem. Cortesia de Manuel Joaquim.


Para a ocasião vesti o meu fato “de ir à missa” comprado na  então famosa casa de moda da Baixa lisboeta, a Casa Africana, uns dias antes de embarcar. “Ótimo para usar em África”, disse-me o vendedor em resposta à minha inicial informação de que estava prestes a embarcar para a Guiné e precisava de um fato para levar.

E lá fui de fatinho azul-ténue, muito leve, com risquinhas verticais pretas e muito finas. A confraternização correu bem. Houve “comes e bebes” e muita conversa, geral e particular, entre os convidados e o dono da casa.

Recordo bem a qualidade do uísque, uma maravilha, do resto tenho noção vaga duma conversa do anfitrião discorrendo sobre as suas relações com personagens conhecidas na política e na sociedade empresarial, tanto na Guiné como em Portugal (no Continente, como então se dizia).

Não sei que idade teria o sr. Michel mas para mim era um homem já idoso, um senhor culto, bem viajado, bom conversador e de óptimo trato. Penso que teria sido, antes da guerra, um grande comerciante. Em 1965 a sua actividade comercial já estava muito reduzida.

Havia música mas não havia “garotas”! A animação não foi muita mas deve ter havido alguma já que o evento durou umas boas horas. O certo é que não me lembro dela. Talvez por causa do meu estado de espírito naquela altura como se pode adivinhar pela breve referência que fiz ao assunto num aerograma enviado à namorada:

(…) “Há por aqui umas famílias de emigrantes libaneses que nos proporcionaram umas festazinhas agradáveis na quadra que passou há pouco. Mas o sofrimento cá anda roendo a alma. E para muitos de nós a bebedeira foi a fuga. O whisky aqui é barato. Assim a bebedeira fica barata também.” (…)

Uma nota final: interessante o lembrar-me ainda hoje da qualidade do uísque do sr. Michel e não me lembrar de muitas outras coisas mais importantes. Pensando bem, compreendo. Pois para quem andava afogando mágoas, eu por exemplo, curtindo alegrias e lavando o estômago com VAT69, J. Walker red label e outros deste género, encontrar e saborear o uísque do velho libanês foi um momento inolvidável. Aquilo não era uísque, aquilo é que era whisky! (...)


 
(ii) Rogério Freire (ex-alf mil art, minas e armadilhas, CART 1525, Bissorã, 1966/67) (**)

(...) Vi a referência ao Michel Ajouz e ao meu nome e não posso deixar de contar uma história do "arco da velha".

Depois de regressar da Guiné, Bissorã, em finais de 1967, iniciei a minha atividade profissional como Delegado de Informação Médica (Propaganda Médica,  à moda antiga).

Uma das minhas zonas de trabalho era a região de Leiria. Num belo dia, creio que de 1971 ou 72, ao sair de Monte Real através do pinhal de Leiria a caminho da Marinha Grande, viajando a 80/90 km à hora, passo por um homem só,  que caminhava em direção a Monte Real e veio-me à memória o Sr. Michel Ajouz.

Fiquei de tal maneira incomodado com a visão que, passados uns bons 5 a 6 Km,  decidi voltar atrás e,  surpresa das surpresas, era mesmo... o Michel Ajouz!... Em pleno Pinhal de Leiria,  a fazer o seu passeio matinal.

Foi uma grande alegria, ele lembrava-se perfeitamente de mim e da CART 1525 bem como dos outros alferes, o Rui, o Oliveira e o Silva bem como do Capitão Mourão [ Jorge Manuel Piçarra Mourão]  que era ocasionalmente seu parceiro de bridge.

Fiquei a saber na altura que vinha às Termas de Monte Real à procura de alívio para as suas maleitas. E depois de um grande abraço nos separámos.

Foi um daqueles acasos ... em pleno Pinhal de Leiria quem me diria vir-me a encontrar com o Michel Ajouz, de Bissorã,  5 a 6 anos depois?  (***)

(Revisão / fixação de texto, itálicos e negritos, título: LG)

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Notas do editor LG:




(***) Último poste da série > 2 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27079: (De)Caras (237): Ercília Ribeiro Pedro, ex-enfermeira paraquedista, do 2º curso (1962), reconhecida pela Maria Arminda em foto de grupo, tirada no Brasil, em 2012, e pertença do álbum do cor art ref Morais da Silva

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27052: Facebook...ando (91): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IX: Ainda Buba, na região de Quínara. a capela católica... e as ruínas do quartel das NT emm Bula (região do Cacheu)



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné- Bissau > Região de Quínara > Buba > Maio de 2025 >  Capela católica e ruínas do quartel das NT


Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74):


(i) é profissional de seguros, vive em  Alquerubim,  Albergaria-a-Velha;

(ii) viaja regularmente, desde 2017, para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente, o clube de futebol local);

(iii) regressou há pouco tempo da sua viagem deste ano de 2025;

(iv) fez uma visita demorada à Amura e ao atual Museu Militar. em plena zona histórica (Bissau Velho);

(v) tem página no Facebook (João Reis Melo);

(vi) tem mais de duas dezenas e meia de referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.


1. Na sua viagem, em maio passado, de Bissau a Cumbijã, no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo, passou por várias das nossas geografias emocionais n(*)... E fotografou esses lugares.  Um deles foi Buba. o rio Grande de Buba, na região de Quínara  (vd. poste P26988) (**)... Mas também foi ao Norte, região do Caheu, passando por Bula, onde fotografou o antigo quartel das NT, hoje em completa ruína (fotos nºs 2, 3 e 4).   Às vezes fazemos confusão entre Buba e Bula...

Recorde-se que a regiuão de Quínara engloba os sectores de Buba, Empada, Fulacunda e Tite,

E a região do Cacheu intregra os sectores  de Bigene, Bula, Cacheu, Caió , Canchungo  e São Domingos,

Em Buba também fotografou a capela católica da paróquia de Buba (foto nº 1). Escreveu ele na sua página do Facebook no passado dia 15 de julho:

Foto nº 1>

“Retalhos de uma passagem pela Guiné-Bissau:

"Embora a Guiné-Bissau seja um país com grande diversidade religiosa, todas as crenças e religiões são praticadas livremente pelos seus seguidores. O país possui uma Constituição que garante a liberdade religiosa e, geralmente, a coabitação é pacífica.

"O Islão é predominante e é praticada por cerca de 70% da população muçulmana do ramo Sunita, com mais incidência no sul. 

"O Cristianismo, principalmente a Igreja Católica,  tem cerca de 19% e a restante população é distribuída por crenças tradicionais praticados pelos diferentes grupos étnicos, onde se inclui o Animismo.
 
"Na região de Quinara, onde Buba está situada, existe a católica Paróquia de Santa Cruz que tem esta igreja como seu local de culto"...

Ekm Bula, na região do Cacheu, publicou em 21 de julhio,  esats fotos do antigo quart5el de Bula, na página do Facebook do grupo Antrigos Combatentes da Guiné.


2. Permitimo-nos discordar dos números que o João Melo apresenta sobre as religiões da Guiné-Bissau.  O islamismo (70%) deve estar sobrerrepresentado. Segundo o assistente de IA (ChatPGT), a situação atual seria a seguinte, no que diz respeito à distribuição das várias religiões:

Aqui está uma visão clara e atualizada da distribuição das principais religiões na Guiné‑Bissau, baseada nas estimativas mais recentes (por volta de 2020–2022):


(i) Islamismo: aproximadamente 46 % da população identifica‑se como muçulmana.

A maioria segue o islamismo sunita (escola maliquita), com comunidades sufis (praticanets do sufismo); minorias xiitas ou ahmadis representam apenas alguns por cento,

Os muçulmanos concentram-se principalmente nas regiões norte e nordeste, sendo comuns entre os grupos étnicos Fula, Mandinga, Biafada, Sosso e Soninqué.

(ii) Cristianismo: cerca de 19 % da população é cristã (estimativas entre 18,9 % e 22 %)  

Predominam os católicos romanos (o catolisciomso foi institucionalmente estabelecido em 1533, com a criação da diocese de Cabo Verde e Guiné). Há também comunidades protestantes (como evangélicos, metodistas, Assembleia de Deus, etc.):

Os cristãos estão maioritariamente nas regiões costeiras e sul, especialmente na capital Bissau e zonas urbanas do litoral.

(iii) Religiões tradicionais africanas (“animismo”): cerca de 30–31 % seguem crenças tradicionais, com números que variam entre 30,6 % (CIA), 31 % (Pew) e até 40 % (outras estimativas).

Essas práticas incluem veneração de antepassados,  espíritos da natureza, uso de amuletos e sacrifícios rituais.

O animismo é praticado por muitos em combinação com o islamismo ou cristianismo, resultando num sincretismo religioso muito presente na Guiné‑Bissau.

(iv) Resumo da distribuição religiosa (est. 2020)

  • Islamismo ~46 %
  • Religiões tradicionais (animismo) ~31 %
  • Cristianismo ~19 %
  • Sem religião / outras crenças ~4–5 %

Esses números refletem estimativas do CIA World Factbook, Pew Research Center, e Religious Freedom Report dos EUA. 

A população da Guiné-Bissau ultrapassa já os 2 milhões, quatrro vezes mais do que há meio século: total estimado (2024): 2,132,325, segundo a CIA World Factbook.


(v) Coexistência e sincretismo

A Guiné‑Bissau é marcada por uma grande tolerância religiosa e relação em geral harmoniosa entre diferentes credos. 

Muitas pessoas mesclam práticas islâmicas e cristãs com as crenças tradicionais, dando origem a formas sincréticas únicas. 

(Fonte: ChatGPT / Pesquisa, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

(**) Vd.  poste de 6 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26988: Facebook...ando (85): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IV: Buba e o rio Grande de Buba no seu esplendor

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26661: Notas de leitura (1787): Libelo acusatório sobre o colonialismo, como não se escreveu outro, no livro "Discurso Sobre o Colonialismo", por Aimé Césaire, editado em 1955 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,

Passando em revista os nomes sonantes do pensamento anticolonial, verifiquei que faltava nesta listagem uma referência a uma figura de primeiro plano, Aimé Césaire, hoje e ainda figura de proa surrealista, dos anos 1950 e 1960, alguém que, no primeiro Congresso dos Escritores Artistas Negros, em 1956, aludiu entusiasticamente às relações entre a situação colonial e a cultura, defendendo a necessidade militante de os intelectuais se comprometerem na luta popular de libertação nacional, a fórmula iria ser tomada à letra por líderes anticoloniais, como Amílcar Cabral, que reclamaram o direito dos povos, em situação colonial, a terem a sua própria história. 

Este discurso sobre o colonialismo tem a datação daqueles meados dos anos 1950, Césaire dirige um libelo acusatório à intelectualidade francesa e não subsistem dúvidas de que o seu documento faz parte da documentação fundamental do impulso anticolonial, um chamamento à ação dos intelectuais negros para as lutas de libertação.

Um abraço do
Mário



Libelo acusatório sobre o colonialismo como não se escreveu outro

Mário Beja Santos

A Martinica forneceu ao pensamento anticolonial duas figuras de referência: Aimé Césaire [foto à direita] e Franz Fanon, obviamente com características diferentes.

 Aqui se têm referenciado algumas obras indispensáveis para entender como se foi alicerçando o pensamento anticolonial, no continente americano, na própria atmosfera europeia onde ideólogos do antigo colonialismo foram bastante ativos, em África e na Ásia. De todos os nomes destes intelectuais que vão emergindo no Pós-Guerra ganhou preponderância o testemunho de alguém que ao tempo era dado como um poeta consagrado, um surrealista de peso, alguém que vinha da Martinica e que se formara em Paris, com altíssima classificação.

A obra que sujeitamos a análise, Discurso Sobre o Colonialismo, foi editada em 1955, (por coincidência, o ano da Conferência de Bandung, ponto de viragem para as lutas anticoloniais) o poeta lança-se num requisitório, como escreve Mário de Andrade, jamais um outro escritor negro proferiu, com tamanho talento, ao rosto dos opressores.

 Césaire escolheu claramente a quem se dirigia: aos intelectuais burgueses do seu país, a França, que ostentavam representar a consciência liberal, e ao fazê-lo alimentou a revolta nacionalista, como um seu colega de estudo, Leopold Senghor, mais tarde relembrou. O poeta começou por coligir testemunhos de colonialistas assumidos, irá fazer desfilar os horrores da dominação francesa em África, dará ênfase em Madagáscar, na Indochina e nas Antilhas.

Procurou reverter toda aquela argumentação da civilização dita cristã e ocidental. Começa por observar o que não é colonização: nem evangelização, nem empresa filantrópica, nem vontade de recuar as fronteiras da ignorância, da doença, da tirania, nem propagação de Deus, nem extensão do Direito. Colonizar é assunto de aventureiros e piratas, de comerciantes e de armadores, de pesquisadores de ouro e de mercadores. Tudo isto é uma hipocrisia recente.

 Nem Cortez, ao descobrir o México, nem Pizarro, diante de Cuzco, se proclamaram os mandatários de uma ordem superior, mataram, saquearam, enriqueceram a Espanha. A responsabilidade recai sobre o pedantismo cristão, ao considerar que o cristianismo é civilização e o paganismo selvajaria. Esta colonização esmerou-se em descivilizar o colonizador, embruteceu-o na verdadeira aceção da palavra, despertou-lhe os instintos para a cobiça, para a violência, para o ódio racial.

O colonialismo não aspira à igualdade, mas sim à dominação. E Césaire lança a questão das raças ditas superiores e das inferiores. Civilizar, para certos apologistas do colonialismo,  é não tolerar a “preguiça” dos povos selvagens. E o seu libelo acusatório sobe de tom:

“Onde quero eu chegar? A esta ideia: que ninguém coloniza inocentemente, nem ninguém coloniza impunemente; que uma nação que coloniza, que uma civilização que justifica a colonização é uma civilização doente e a colonização é testa de ponte numa civilização de barbárie.”

Daí, ele enuncia as expedições coloniais e os seus cadáveres: o coronel de Montagnac, um dos conquistadores da Argélia, o conde d’Hérrisson, que veio com um barril cheio de orelhas, o marechal Bugeaud que dizia que se devia fazer uma grande invasão em África que se assemelhasse ao que faziam os Francos, ao que faziam os Godos.

Importa não esquecer os massacres e as execuções, as conquistas coloniais fundadas sobre o desprezo pelo homem indígena, e assevera:

“Bem vejo as civilizações em que a colonização introduziu um princípio de ruína: Oceânia, Nigéria, Niassalândia. Vejo menos bem o que ela lhes trouxe. Segurança? Cultura? Juridismo? Entretanto, olho e vejo por toda a parte por onde existem, frente a frente, colonizadores e colonizados, a força, a brutalidade, a crueldade, o sadismo, o choque, e, parodiando a formação cultura, a fabricação apressada nuns tantos milhares de funcionários subalternos, ‘boys’, artesãos, empregados de comércio e intérpretes necessários à boa marcha dos negócios.”

Dirige-se em réplica de contraponto:

“Lançam-me à cara factos, estatísticas, quilometragens de estradas, de canais, de caminhos de ferro. Mas eu falo de milhares de homens sacrificados no Congo-Oceano. Falo dos que, no momento em que escrevo, cavam à mão o porto de Abidjan. Falo de milhões de homens arrancados aos seus deuses, à sua terra, aos seus hábitos, à sua vida, à dança, à sabedoria. Falo de milhões de homens a quem colocaram sabiamente medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a genuflexão, o desespero, o servilismo.”

Dentro do seu libelo acusatório, vai desmascarando posições racistas, posturas de superioridade cultural e questiona os tais intelectuais burgueses franceses: 

“Os vietnamitas, antes da chegada dos franceses ao seu país, eram gente de cultura antiga, delicada e requintada. Estes malgaxes, que hoje são torturados, eram, há menos de um século, poetas, artistas, administradores. Impérios sudaneses? Bronzes de Benim? Escultura Songho? Livrar-nos-ia de tantos mamarrachos sensacionais que adornam tantas capitais europeias. O pequeno burguês não quer ouvir mais nada.”

Césaire também vai zurzir em missionários, etnólogos, amadores do exotismo, sociólogos agrários, a todos aqueles que, diz ele, desempenham o seu papel na sórdida divisão do trabalho, escarnece dos estudos sobre o primitivismo, os romancistas da civilização que negam os méritos às raças não-brancas, sempre para chegar à conclusão que todos os progressos da Humanidade acabaram por ser desencadeados pela raça branca, dirige-se mesmo a uma figura de proa do tempo, Roger Caillois:

“A inaudita traição da etnografia ocidental que, há algum tempo, com uma deterioração deplorável do sentido das suas responsabilidades, se engenha a pôr em dúvida a superioridade omnilateral da civilização ocidental sobre as civilizações exóticas”.

Acusa-o por favor parte do lote dos intelectuais europeus que se encarniçam a renegar os diversos ideais da sua cultura, isto quando no fundo, todos pensam pela mesma cartilha: o Ocidente inventou a ciência, só o Ocidente sabe pensar, no entanto, esses mesmos ocidentais esquecem certas verdades: a invenção da aritmética e da geometria pelos egípcios; a descoberta da astronomia pelos assírios; o nascimento da química pelos árabes; o aparecimento do racionalismo no Islão numa época que o pensamento ocidental tinha uma feição pré-lógica. 

“Nunca o Ocidente, no próprio momento em que mais se deleita com esta palavra, esteve tão longe de poder assumir as exigências do humanismo verdadeiro, de poder viver o humanismo verdadeiro – o humanismo à medida do Mundo.”

E despede-se na sua catilinária prevendo o que na prática veio a acontecer:

“Se a Europa Ocidental não toma de modo próprio em África, na Oceânia, em Madagáscar, isto é, às portas de África do Sul, nas Antilhas, isto é, às portas da América, a iniciativa de uma política das nacionalidades, a iniciativa de uma política nova fundada no respeito dos povos e das culturas, se a Europa não galvaniza as culturas moribundas ou não suscita as culturas novas, se não se torna despertadora de pátrias e civilizações, a Europa terá perdido a sua derradeira oportunidade.”

Eis, em síntese, um dos documentos de referência que levou ao conclave da liberdade dos povos colonizados, um conteúdo que chamou à atenção de futuros líderes anticoloniais, Amílcar Cabral seguramente que tomou em conta o princípio que Césaire enuncia, o direito dos povos, em situação colonial, a terem a sua própria história, como Cabral escreveu:

“(…) a libertação nacional de um povo é a reconquista da personalidade histórica desse povo, é o seu regresso à História, pela destruição do domínio imperialista a que esteve sujeito.”

Césaire foi um notável poeta que nos deixou um poderoso lirismo de combate, como se exemplifica: “Vejo a África múltipla e una/vertical na sua tumultuosa peripécia/com os seus refegos, os seus nódulos/um pouco à parte, mas ao alcance/do século, como um coração de reserva.”
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Nota do editor

Último post da série de 4 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26651: Notas de leitura (1786): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Na Terra do Novo Deus: O general Henrique Dias de Carvalho na Guiné (1898-1899) (5) – 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26264: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (50): A velha fortaleza do Cacheu, com os seus inúteis canhões de bronze, e o triste Diogo Gomes lá aprisionado, a ver o pintor de canoas nhomincas...

Foto nº 13


Foto nº 14A


Foto nº 14

Foto nº 15

Foto nº 16A


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 17A


Foto nº 2 

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 e 5 de dezembro de 2024 >  

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Aqui vai o resto das fotos da  última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (*)...

Legendas:

Foto nº 13 > Ele, o Diogo Gomes, lá dentro, fechado, a assistir às pinturas das canoa nhomincas 

Foto nº 14 >   Os canhóes apontados para o rio

Foto nº 15 > O portrão da fortaleza

Foto nº 16 > Lateral oeste da fortaleza

Foto nº 17 > Igreja de Cacheu (ou de Nossa Senhora da Natividade)  

Foto nº 2 > Canoas nhomincas, com pinturas originais, no porto de manutenção, na margem esquerda do rio Cacheu

Sobre a foto nº 17, o fotógrafo escreveu, já com data de 8 do corrente:


"Hoje está a decorrer a peregrinação anual entre Canchugo e Cacheu.

"A peregrinação é a pé. Normalmente, é nesta altura de Dezembro, com o tempo frio, em que alguns milhares de pessoas percorrem a estrada durante a noite, onde o capim tem cerca três metros de altura e o cheiro da palha anima os corações dos fiéis crentes. As pessoas, durante a maior parte do tempo vão a cantar cânticos religiosos. No percurso passam em cima da ponte metálica antes do Bachil, e da mítica floresta de Cobina [ou Caboiana, segundo a nossa antiga carta militar de 1953],  local onde os Manjacos fazem as cerimónias ao irã ."


Igreja do Cacheu. Fonte: HIPP

2. Comentário do edit0r LG:

Sobre esta igreja, lê-se no portal HIPP - Património de Influência Portuguesa, este apontamento de Manuel Teixeira:

"Historicamente, constitui a primeira igreja portuguesa erigida na costa ocidental africana, padroeira da urbe. Em 1680 ruiu, devido a uma inundação do Rio Cacheu, sendo mandada reconstruir pouco depois pelo bispo de Cabo Verde, D. António de São Dionísio. Encontra‐se hoje relativamente bem preservada".



Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau, frente à ponte cais de Bissau...


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




(...) "Edificado à beira‐rio, em 1641‐1647, é de pequena dimensão, consistindo num quadrado de cerca de vinte metros de lado, defendido nos cantos por pequenos bastiões, e uma muralha com quatro ou cinco metros de altura. 

"Em 1822 há notícia da sua existência, com estrutura de paredes em adobe. 


Forte do Cacheu (séc. XVII).
 Fonte: HIPP
"Em 1988 foi assinado um protocolo de geminação com Viana do Castelo, que contribui para diversos melhoramentos da vila, nomeadamente a recuperação do forte e o restauro da Capela de Nossa Senhora da Natividade. Mais recentemente, por iniciativa da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e da Câmara Municipal de Lisboa, procedeu‐se a nova reabilitação do forte. A reabilitação incluiu o interior e as muralhas exteriores, danificadas pelo tempo e pelas correntes do Rio Cacheu, que em alguns pontos lhe corroeram os alicerces. 

"A zona adjacente ao forte é o local onde as autoridades da Guiné‐Bissau, após a independência, vieram depositar as estátuas ligadas ao período colonial. Estão há trinta anos no meio da vegetação, desmontadas, à beira do forte."



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25447: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5.ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte III


Timor Leste > Um pequeno país da CPLP (c. 15 mil km2, mais de 1,3 milhões de habitantes), ocupa a parte oriental da ilha de Timor. Independente desde 2002, esteve ocupada pela Indonésia desde final de 1975. Cerca de 10% da população terá sido morta durante o período da ocupação indonésia (1975-2002). A população é predominantemente católica (c. 97%). Línguas oficiais: português e tétum, mas a língua mais falada ainda é o indonésio. E o inglês é uma língua de trabalho.  Dili é a capital e o município mais populoso (c. 200 mil  habitantes), Liquiça surge em 4.º lugar (c. 20 mil).  O tétum é uma língua crioula, com muitos vocábulos malaios e portugueses, falada sobretudo em Díli. O analfabetismo ronda os 50%.  Presidente da República: José Ramos-Horta; primeiro-ministro: Xanana Gusmão.  


De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (5ª estadia, 2024): crónicas de Rui Chamusco (ASTIL) (excertos) - Parte III



Rui Chamusco e o seu amigo e 'mano'
Gaspar Sobral. Foto: LG (2017)
Terceira crónica, enviada de Timor Leste, pelo Rui Chamusco, na sua 5ª estadia (fev/maio 2024).

Ele deve regressar a casa por volta de meados de maio. Mas até lá espera poder ultrapassar dificuldades burocráticas e falta de pessoal docente, problemas que afetam o funcionamento e o futuro da Escola São Francisco de Assis (ESFA), construída e apoiada pela ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste.

A ASTiL, como projeto de solidariedade, começou a ser pensada em 23 de Dezembro de 2015 na Aldeia de Malcata, Sabugal. Como organização foi formalmente constituída, em 18 de Setembro de 2017, em Coimbra. A ASTiL é uma instituição privada de solidariedade sem fins lucrativos.

Ao fim destes anos, continua a lutar pela divulgação da língua e cultura portuguesa no interior profundo de Timor-Leste, em Manati-Boebau, Suco de Leotalá e Município de Liquiçá.  Para o efeito, já   construiu e inaugurou a Escola de S. Francisco de Assis Paz e Bem em Manati/Boebau com capacidade para 180 alunos, além da casa para os professores e a  cozinha escolar.  Apesar das suas dificuldades financeiras, assegura também o funcionamento da escola, mas luta  há muito com falta de pessoal docente. (LG).
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16.03.2024, sábado - Há dias assim

Umas vezes parece que temos todo o tempo do mundo, outras vezes parece que o tempo não dá para nada. Hoje é daqueles dias que parece que nunca mais acabam. Nada previsto para hoje, nada a fazer a não ler, escrever e “matar” o tempo. Há ao menos tempo para descansar. 

Lá em casa tudo está calmo e tranquilo. Lá fora o barulho das crianças que brincam, com qualquer coisa que as entretenham, nem que seja a queimar uma garrafa de plástico. Os “motores” que passam apitando, com os canos de escape ruidosamente roncando, quebram a monotonia de quem não sai de casa. 

De vez em quando venho à varanda ver o que se passa, e logo as crianças que me avistam começam a Chamar: “Malae! Malae! Malae!...”  (Estrangeiro, em tetum.) Claro que tive de lhes acenar e dizer “adeus!...”

16.03.204 - Uma voltinha em “motor”

Desde março do ano passado que não andava de mota. Depois da aquisição da pickup nunca mais permitiram que isso acontecesse, com medo das mazelas que me pudesse causar. Mas hoje teve de ser, pois o Eustáquio foi ontem de mota para Boebau, e não tinha condutor para a pickup.

A professora Cristina mandou ontem à noite uma mensagem para nos encontrarmos amanhã no Pateo. Como a mota da casa estava ausente, falei com a Adobe sobre o convite da professora Cristina e pedi-lhe para ir comigo na microlete até ao local do encontro. 

Ela acedeu, mas adiantou logo: “Não, não vamos de microlete.(#) Vou pedir à tia Benedita que me empreste a mota dela, e vamos de motor.” E pronto, a Adobe que ainda não tem carta porque só tem 16 anos, mas que conduz muito bem e com muita segurança, mereceu logo o meu sim. 

Mais ou menos à hora combinada, aparece com a mota e dois capacetes, e lá vamos nós até ao Pateo. Foi uma manhã bem passada, bem diferente de estar em casa fazendo não sei o quê, talvez escrevendo. Obrigado, Adobe!

Bem-haja, professora Cristina!

21.03.2024, quarta feira  - Treino militar?...

“Que voz é esta que se está ouvindo através de grande amplificação sonora?” Perguntei eu a Adobe que chegava da escola. 

“É a instrução militar no quartel de Hera”,  respondeu a moça.

Com efeito, hoje durante todo o dia fomos agredidos com decibéis, que umas vezes eram vozes de comandos, outras eram o ribombar e o rufar de tambores, e outras até era a banda militar. Começou muito cedo com o toque do clarim, com o içar da bandeira que em Timor é algo moroso e espetacular, e continuou pelo dia a fora com as práticas afetas à instrução em causa.

 Não sei é por que se faz amplificação do som, de tal modo que aqui, em Ailok Laran , se ouvia com nitidez as vozes e os sons que comandavam. E dou comigo a pensar na marcha “O Magala” que o saudoso Max popularizou.

“Toca a marchar, andar a fartar / Se és bom militar galopa! / Anda pra frente / E mostra que és gente / E sabes andar na tropa!”

22.03.2024, quinta feira  - Contra os mosquitos marchar, marchar...

Luta inglória esta,  de perseguir adversários que tanto nos incomodam. Alguns quase invisíveis, que só nos damos conta deles depois da picada; outros que anunciam a sua chegada através de sonido irritante, as famosas melgas que até dão o nome a pessoas que não param de nos chatear. “És uma melga!...” 

Mas o pior ainda é quando, furiosos, nos lançamos a eles na certeza que, com uma palmada, os vamos esborraçar e, afinal, acabamos de nos agredir a nós próprios com uma valente bofetada. Até os mosquitos se riem!... 

Claro que temos as armas químicas que dão cabo deles. Mas, luta por luta, dão-nos um baile do caraças. Ouço alguém a cantar: “Não és homem p’ra mim...” Creio que nem o Dom Quixote de la Mancha nem o seu aio Sancho Panza nos poderão valer qualquer coisa. Aqui não há moinhos de vento, mas há muitos mosquitos contra que lutar. Contra os mosquitos marchar, marchar!...

23.03.2024, sexta feira  - O que foi que ele disse...! O que foi que ele disse...!

Hoje ao almoço, na troca de encontrar provérbios com a Adobe, apanhei este que diz tudo sobre o modo de ser timorense. Mais a mais são os chineses,  que por cá andam,  os“paizinhos” deste dito. 

Então o que é que eles dizem?... Aqui vai: “ os timorenses trabalham mas não suam; os timorenses comem e estão sempre a suar”. Este dito revela algo dos timorenses que, quem está por cá, pode observar. 

Mas não diz tudo. Qualquer ser humano em qualquer parte do mundo não está feito para trabalhar desalmadamente, de modo a não ver mais nada que o trabalho, custe o que custar. Por isso os timorenses, e não devem ser os únicos, preferem ir trabalhando, de modo a garantirem a sobrevivência, mesmo que seja com pouco. Quem estará certo?

Trabalhar para viver ou viver para trabalhar?

 Para a maioria das pessoas o trabalho em excesso serve para acumular riqueza, para ser maior do que o outro. Gente rica é outra  coisa! Nem que essa riqueza não seja usufruída nesta vida, que é efémera. “Ricos e pobres sempre os tereis connvosco”... E enquanto durar esta dicotomia teremos de conviver como podemos, suando a trabalhar e suando a comer.É assim a vida!... (...)

25.03.2024, domingo - A caminho de Boebau

Viagem programada, que nos leva de novo até às terras montanhosas do interior deste país. O caminho já é sobejamente conhecido, até por que agora só este dá acesso a Boebau. Depois do temporal que se abateu sobre estes montes, que derrubou árvores de grande porte sobre o caminho, levou telhados de casas e danificou os postes da luz, havia alguma apreensão sobre esta viagem. 

Pelo sim e pelo não, o Eustáquio fez o reconhecimento da passagem, em “motor”, e trouxe-nos a certeza de que, com algumas dificuldades, já se podia passar. E aí vamos nós (Adobe, Monízia, Fátima, Eustáquio e eu), de manhã, até Liquiçá, aonde tivemos algumas diligências a fazer.

25.03,2024, domingo  - Tum-tum  pela 1ª vez

Quem conhece um pouco da vida de Timor sabe bem que os Tum-tum  são um meio de transporte muito peculiares: motor silencioso, decorações e música “ad libitum”, sem portas nem janelas, com quatro assentos, mas com lotação inesgotada. Cada cidade tem os seus, exceto Dili, a capital, que tem serviço de táxis tradicionais e os carros da Uber.

Por diversas vezes senti vontade de viajar neles, e é agora a ocasião. Como tivemos de parar em Lahuata para apanhar o professor Alarico, tomamos a decisão: o Alarico, eu, a Adobe e a Monízia vamos no Tum-tum; o Eustáquio e a Fátima vão na pickup

E que viagem agradável!... Sem pressas, sem stress, observando regaladamente a paisagem, o movimento, dando e recebendo os cumprimentos de “bom dia!” Poderei até dizer que, em Liquiçá, o movimento de tantos Tum-tum é um grande cartaz de visita. E, há sempre uma primeira vez...

Ao princípio da tarde foi a 2ª etapa da viagem, sempre a mais difícil, a mais dolorosa pelas dificuldades do caminho: o leito da ribeira, as curvas e contracurvas, o caminho estreito, a profundeza de buracos, os troncos das árvores, os precipícios, as paisagens vertiginosas. 

Mas chegamos sãos e salvos. Ok! Agora há que descansar e preparar a reunião de amanhã.

26.03.2024, segunda feira  - Reunião com os Pais e Encarregados

Hoje é dia que escolhemos para reunir as escolas São Francisco de Assis e a escola de Kilo, os professores, os encarregados de educação de ambas as escolas, chefes e ex-chefes do poder local, com o objetivo de apresentarmos uma proposta de colaboração, que depois de ser dada a conhecer a todos os presentes irá ser discutida e votada.

Seguidamente será entregue na Educação Distrital da Educação de Liquiçá, que a fará chegar ao Ministério da Educação de Timor-Leste, juntamente com a lista de presenças.

26.03.2024 - “Devagar que tenho pressa!”

Sempre a aprender... E nada adianta que temos de começar a horas, porque aqui é assim.

A reunião está marcada para as 9.00 horas, mas ninguém me sabe dizer a que horas vai verdadeiramente começar. As pessoas vêm para passar o tempo que for preciso, mesmo que seja o dia todo. 

Mas para isso há que assegurar a comida. Por isso o primeiro ato é o “matabicho”. Depois vem a reunião. E, depois da reunião o “almoço”. Por isso não adianta marcar horas. A gente junta-se para a reunião, mas também para conviver.  E está bem assim. Aqui, na montanha, temos todo o tempo do mundo. Talvez até porque há pouca gente com relógio. Os relógios roubam-nos o tempo porque o controlam.

26.03 - Proposta de colaboração aprovada

É com regozijo que verificamos o interesse e a vibração com que esta proposta foi acolhida. Ninguém se manifestou contra, e por isso foi aprovada por unanimidade.

Todos se manifestaram prontos a fazer o que lhes for possível para que ela se concretize, a saber: alargamento do ensino escolar com o pré escolar e o 1º ciclo na Escola São Francisco de Assis, e o 2º ciclo (5º e 6º anos) na Escola de Quilo. 

Será um benefício grande para a região, para as crianças e encarregados de educação, evitando que os seus alunos tenham de se deslocar para longe para continuarem a estudar. 

Se conseguirmos que esta proposta se concretize, já valeu a pena estarmos em Timor pela quinta vez.

26.03 - A anona mais saborosa

Não há nada que pague estes momentos. De tarde, frente à casa do Cesáreo, avisto uma árvore que, só pelo fruto, consigo identificar. No início quase impercetíveis, para logo aseguir descobrir anonas abundantes. 

Foi então que o Alarico, qual chipanzé trepador, sobe pela árvore afora procurando a anona mais madura. Que sabor! Que delícia! Que néctar divino! Foi com certeza a melhor anona que até agora já comi.

26.03 - Milho e mais milho... (Batar, em tetum)

Ao longo do caminho que percorremos até Boebau, fomos observando que, ao redor das casas por ali existentes, havia manchas amarelas em abundância. Quis saber o que era aquilo, e perguntei ao Eustáquio que, de repente me respondeu: “ Tiu, é batar, é milho que está a secar.”

 Alguma vez eu pensava que no mês de março se secava o milho!...

Com o fuso horário trocado, dou comigo a pensar que, em Portugal, estas tarefas dão-se no mês de setembro. Ficamos com os neurónios num oito. Isto pode lá ser!?... 

O melhor de tudo é esquecer esta disparidade e saborear este alimento tão generalizado no mundo, e base da alimentação de alguns povos. Que venha a broa de Portugal, que venha o  batardan  (##) de Timor-Leste, que venha o .......... do México! 

Amarelo, vermelho, branco, ou mesmo às cores. Milho verde, milho maduro, em grão ou em massaroca. Venha milho, e vira milho!...

27.03.2024, terça feira  - Afazeres em Liquiçá

A manhã foi passada com os alunos da Escola São Francisco de Assis, com atividades musicais, como é costuma sempre que por aqui estou. Depois do almoço na casa do Cesáreo,  descemos outra vez até Liquiçá, para a Direção da Educação Distrital, e fim de completarmos e entregarmos a candidatura a um programa de melhoramento dos espaços escolares. Pode ser que caia alguma coisinha para o nosso lado. 

Depois foi rumar até Dili, até Ailok Laran e encontrar o sítio tão desejado para fazer a toba (sesta), porque o cansaço já era tanto, que a vontade de chegar a casa era o nosso maior desidério.

28.03.2024, quarta feira  - Aqui, em Timor, é assim.

Quinta feira Santa, em Ailok Laran. Logo, bem cedo, me dei conta do movimento não habitual. Cá em casa, todos buliam na limpeza e arrumação dos espaços. 

Perguntei à Adobe o porquê desta agitação, e la pronto me deu a resposta: “Amanhã é sexta feira Santa, e não podemos varrer, nem cantar, nem fazer barulho”. 

E, por mais que eu tentasse fazer-lhe ver que isso não tem importância, que noutros países, noutras terras não era assim, ela manteve a sua postura e respondeu-me:  "Ok! Eu compreendo e sei que os costumes e hábitos de outras terras são diferentes mas,  aqui em Timor é assim".

Temos de respeitar e seguir a tradição”. E pronto! Não está cá mais quem falou. 

“ Ó tempora, ó mores!...” (###)

29.03.2024, sexta feira  santa - Meditando...

A vida e a morte. Independentemente de qualquer ideologia ou religião, temos a certeza de que tudo o que nasce há de morrer. Mas será que este destino é linear? Será que nascemos para morrer, só e nada mais? Será que o nascimento não será o princípio de tudo o mais que possa acontecer? Nascer somente para morrer para morrer parece-me demasiado trágico. 

Prefiro dar um sentido à morte, como uma passagem para outro modo de ser, seja ele qual for. Nem que seja para uma existência cósmica, para além do pó da terra. “Nada se perde: tudo se transforma” dizia Pascal. “Se a semente que cai naterra não morrer e germinar, não poderá dar o seu fruto”. 

“Por cada flor estrangulada há milhões de flores que florescem”. 

Hoje, dia em que os cristãos celebram a morte deJesus Cristo, quero acreditar que a morte tem sentido, sempre que ela traz transformação, salvação. Cristo Alfa e Ómega é ponto de partida e de chegada, segundo o antropólogo e teólogo Teillard de Chardin. 

Mesmo que não concordemos com muito do folclore religioso associado às celebrações religiosas destes dias, faz-nos bem pensar de que isto tudo não acaba por aqui. 

Que uma vida nova, melhor até do que esta que nos é permitido viver, é possível e desejável. E só assim consigo entender a atitude de São Francisco de Assis que, chamando irmãs a todas as criaturas, não se esqueceu de chamar também irmã à morte corporal. 

A fé é um dom que podemos ou não aceitar e cultivar. Quem puder acreditar, acredite.

31.03.2024, domingo - Páscoa de 2024

Hoje, dia de Páscoa de 2024, amanheceu com o sol radiante aqui em Dili. Toda a natureza exulta de alegria: as aves, sobretudo a passarada, as árvores que viçosas ostentam os seus ramos e as suas flores, as pessoas que, anafaiadas (####), percorrem as veredas e caminhos deste recanto. Tudo parece feliz, tudo canta...Tudo é vida! 

Neste país maioritariamente de religião católica, é fácil compreender a razão de todo estecontentamento. Jesus Ressuscitou! Nova vida, nova esperança para todos. A Páscoa é a certeza de que esta vida não acaba, apenas se transforma. A própria natureza, transborda este anúncio.

“Na natureza tu podes ver / o sol acaba sem medo / para o dia de novo nascer”. 

É este elã vital que habita em cada um de nós que nos transforma e nos faz querer ser homens novos, com capacidade de ajudarmos a transformar este mundo num mundo melhor. Feliz Páscoa!...

(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação deste poste: LG)

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Notas de LG:

(#) Veículo privado de transporte colectivo de passageiros. Origem etimológica obscura

"microlete", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/microlete.

(##) Prato tradicional timorense à base demilho (batar)

(###) Frase latina, atribuída a Cícero: Que época, que costumes!

(####) Julgo tratar-se de um regionalismo beirão (o autor é do Sabugal...), derivado de "anafaia", do árabe... (Os primeiros fios que faz o bicho-da-seda, antes de formar casulo). 

"anafaia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/anafaia.

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