sábado, 19 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10966: Amílcar Cabral, um agrónomo antes do seu tempo (Carlos Schwarz, Pepito, eng agr) (Parte I)


Amílcar e Maria Helena recentemente chegados a Bissau


1. Em 11 do corrente, o sítio oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento publicou um notável texto do nosso amigo Pepito sobre o eng agr Amílcar Cabral e o seu pensamento pioneiro, no domínio da agronomia. A meu pedido, ele de imediato me mandou esse texto, para publicação no nosso blogue.  Dividimo-lo em duas partes, a publicar por ocasião dos 40 anos do seu bárbaro e cobarde assassinato em Conacri, em 20 de janeiro de 1973. Cabral e a mulher, Maria Helena, portuguesa, silvicultora,  sua colega do ISA - Instituto Superior de Agronomia, eram amigos da família Silva (Artur Augusto Silva e Clara Schwarz Silva). Há um texto introdutório na página da AD. Aqui vai:  representa o ponto de vista dos nossos amigos, guineenses,  da AD,  não vinculando naturalmente o nosso blogue e os seus editores (LG).



Página oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento


AD - Acção para o Desenvolvimento > Pensar Amílcar Cabral
11 jan112013

Este ano, no dia 20 de Janeiro, assinala-se o 40º aniversário do primeiro assassinato de Cabral, em Conakry.

Depois destes anos todos, os dados são mais claros, conhecendo-se muito melhor os organizadores, os mandantes e os coniventes, já que os executores nunca houve dúvidas sobre eles.

Embora haja quem persista em considerar, ao mesmo nível, a eventualidade da implicação de três organizadores: Spínola, Sekou Touré e alguns dirigentes do PAIGC, cada vez fica mais evidente que o principal organizador foi Spínola, que obteve aí a sua única vitória na vida.

Não foi uma vitória militar, porque ele nunca a teve, mas sim política. O ponto mais forte e simultaneamente mais fraco da Luta, era o da “unidade Guiné-Cabo Verde”. Ele conseguiu jogar essa cartada e mobilizar para a sua causa, militantes politica e mentalmente pouco preparados, predispostos para a traição e com uma ambição desmedida.

No 14 de Novembro, Cabral volta a ser assassinado no golpe de estado dirigido por Nino Vieira. Se durante 3 dias não se falou de PAIGC, já de Cabral então foi o silêncio completo durante longos anos.

Hoje, golpistas e seus mentores, voltam a agitar a bandeira de Amílcar Cabral, dizendo-se seus verdadeiros continuadores. Mas, porque nunca perceberam nem entenderam o pensamento de Cabral, falam do Cabral morto, não das suas ideias, posições políticas e opções ideológicas.

Saberão eles que Cabral recusou, no início da luta, deslocar-se à Argélia após o golpe de estado que derrubou Bem Bela, porque não pactuava com estes métodos?

Conta o jornalista-cronista francês, Gérard Chaliand, que acompanhou e divulgou a Luta de Libertação da Guiné-Bissau, no seu livro de memórias “A ponta da navalha” que quando disseram a Nelson Mandela “tu és o maior”, este respondeu com toda a simplicidade “não, o maior é Cabral”.

Quarenta anos depois, a AD partilha com todos um ensaio sobre o pensamento agronómico de Amílcar Cabral, “Um agrónomo antes do seu tempo”.

É o nosso pequeno contributo. 


2. AMILCAR CABRAL: UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO


Por Carlos Schwarz
(agrónomo)
Novembro
2012






À memória de meu pai Artur [Augusto Silva] que, desde criança
me incentivou, sem que eu me apercebesse,
a seguir os caminhos da agronomia;


À minha mãe Clara [Schwarz] que sempre esteve solidária 
com as minhas opções e nas mãos de quem vi, 
pela primeira vez e ainda nos tempos da ditadura, 
os símbolos do PAIGC; 

À Isabel [Levy Ribeiro] , minha forte e decidida companheira de sempre
nesta caminhada difícil mas extraordinária;


Aos meus filhos Cristina, Ivan e Catarina 
que partilham corajosamente e sem hesitações 
os sobressaltos políticos da vida dos seus pais;

Às minhas netas Sara e Clara com a esperança
de um dia poderem viver tranquilamente
na terra adiada com que Cabral sonhou.



AMILCAR CABRAL, 
UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO [, foto à direita,]


Aos 28 anos de idade, em Setembro de 1952, poucos meses após ter terminado o curso, regressava à terra que o viu nascer, o agrónomo Amílcar Cabral.

No pensamento trazia certamente as palavras que seu pai, Juvenal Cabral, escrevera no livro “Memórias e Reflexões”, quando se instalara em Bissau em 1911, após “ter deixado as rochas nuas da Paria Negra, da Achada Grande, do Lazareto, e cujo aspeto, severo e triste, parece simbolizar o sofrimento e a dor, meus olhos, maravilhados, contemplaram sem cessar a paradisíaca majestade da flora que, de modo misterioso parece emergir do mar! Por toda a parte árvores frondosas, lindos e esquisitos arbustos que, verdejantes, se espalham pelo solo como tapetes no chão”. “Tudo isto é opulência e vigor, é maravilha que encanta, é riqueza que seduz e predispõe um rapaz a encarar com otimismo a vida neste país.”

Esta visão de seu pai terá influenciado Amílcar Cabral a optar por exercer a sua profissão na Guiné, para além de que, naquela época, a agricultura em Cabo Verde estar votada ao abandono e onde a maior parte dos homens emigrava para o norte (EUA, Portugal e Holanda) à procura da sobrevivência e da vida, tanto mais que outros, desde o final do século XIX, demandavam a Guiné para se dedicarem à agricultura, especialmente cana-de-açúcar, quase sempre associada ao fabrico de aguardente de cana.

Um agrónomo que quisesse de facto exercer a sua profissão, teria de optar pela Guiné, onde tudo podia ser feito, onde tudo estava por fazer e onde a quase totalidade dos habitantes eram pequenos agricultores “indígenas”.

Acompanhava-o a sua primeira mulher, Maria Helena Rodrigues, silvicultora, que chegando 3 meses depois dele, ia conhecer pela primeira vez a cidade de Bissau, nessa altura uma pequena urbe com muito poucos habitantes, espalhados por duas zonas distintas: de um lado a cidade colonial, dita “civilizada”, que incluía a Fortaleza da Amura, o agora chamado “Bissau Velho”, o porto de Pindjiguiti e a avenida da Republica, hoje Amílcar Cabral. Esta parte estendia-se até ao monumento “Esforço da Raça” e Palácio do Governo, nessa altura ainda em construção; do outro, à volta do centro, localizava-se a parte popular, dita dos “indígenas”, onde vivia maioritariamente a etnia pepel.

Era na parte colonial que moravam os poucos intelectuais presentes no país e se encontravam localizadas as grandes firmas estrangeiras como a NOSOCO e a SCOA, às quais se juntavam as portuguesas (A.C. Gouveia, Barbosa & Comandita, Álvaro Camacho e Sociedade Comercial Ultramarina, entre outras) e uma enorme plêiade de pequenos comerciantes libaneses como Mamud ElAwar, Aly Souleiman, Michel Ajouz, etc.

No resto do país o comércio de produtos e bens elementares era fundamentalmente assegurado pelos “djilas”, comerciantes ambulantes que percorriam de bicicleta e canoa todo o território.



Fotografia atual da casa onde Cabral e Maria Helena viveram na Granja de Pessubé


A agricultura, então chamada de “indígena”, assentava na produção de arroz para o autoconsumo das comunidades rurais, a qual era praticada há cerca de 3.000 anos e na produção de uma cultura de exportação, a mancarra (amendoim) incentivada pelas empresas estrangeiras que se revezam na sua exportação para a Europa (em bruto ou em óleo). O ciclo da mancarra começa na zona de Buba, incentivada por alemães e percorre um itinerário fácil de identificar pela erosão e degradação dos solos que provoca na Guiné e que passa por Bolama, norte do Oio, Bafatá e Gabú.

Os serviços oficiais de apoio aos agricultores eram praticamente inexistentes ou inoperacionais, confinando-se dentro das infraestruturas técnicas e administrativas que construíam. Não existia nenhum centro de experimentação, de formação de quadros ou de vulgarização.

Este foi o contexto global que se deparou a Cabral à sua chegada a Bissau, ele que vinha para como dizia, “viver o seu tempo e a sua época”, iniciar os desafios políticos da luta pela conquista da independência, defender um desenvolvimento centrado na agricultura e promover a dignidade da população guineense.

Ele e Maria Helena instalam-se na casa da Granja Experimental do Pessubé, atribuída ao seu diretor, na altura situada muito longe do centro de Bissau, num bairro popular da periferia e numa zona isolada e de difícil acesso. A Granja dispunha de cerca de 400 ha onde existia grande número de essências florestais e um pequeno número avulso de algumas espécies frutícolas, como por exemplo cacaueiros.

Nesta altura, quando começa a exercer a sua profissão, Amílcar está convencido de que o processo de independência decorrerá de forma pacífica, nos moldes como se virá a processar nos outros países africanos, pelo que decide começar a construção do novo edifício conceptual agrícola que iria substituir gradualmente o modelo colonial existente.

A Granja de Pessubé vai ser o ponto de partida, para começar a pôr em prática uma estratégia, em três vertentes principais, que ele considera importantes para o desenvolvimento da agricultura guineense:


A primeira, foi a de transformar a Granja de mera unidade de produção de legumes destinados às autoridades politicas e administrativas coloniais da praça e num local de piqueniques e passeios recreativos, num centro de pesquisa agrícola, enquanto instrumento para melhorar e modernizar a produção dos agricultores. 

Cabral concebe e põe em aplicação um programa de experimentação baseado na identificação de técnicas culturais para diferentes espécies agrícolas (compasso, armação do terreno, adubação e época de sementeira), de ensaios de adaptação varietal (arroz, cana-de-açúcar, mancarra, banana, algodão e hortícolas), identificação de pragas e doenças, valorização de variedades locais de certas espécies, como a “juta”, e a introdução de novas espécies como o gergelim (sésamo), soja e girassol.

Começa um trabalho de aproveitamento dos terrenos agrícolas da Granja, utilizando critérios inovadores, em função da natureza dos solos e da sua aptidão, apostando na sua fertilização orgânica com base nas camas dos animais da Granja da Pecuária, na consociação de culturas (mandioca-bananeiras), identificação de pragas e doenças, caracterização das diferentes variedades de cada espécie.

Dá início, pela primeira vez, à publicação de resultados da experimentação e de reflexões sobre a agricultura guineense, criando para isso o “Boletim Informativo” trimestral da Granja Experimental de Pessubé onde, para além da descrição das atividades, propunha a reflexão sobre temas importantes, como a “cultura mecanizada”, o “vírus da roseta da mancarra” e a “cultura da juta”.


Amílcar Cabral, Maria Helena e Clara Schwarz [, decana do nosso blogue, à beira dos 98 anos,]na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954. 

[As presentes fotos do arquivo pessoal de Clara Schwarz. O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos de Cabral para francês. Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949.] [LG]


Com uma regularidade notável, foram publicados, desde Novembro de 1952, cinco “Boletins Informativos”. 

A  segunda, foi o de romper os muros internos em que se confinavam os serviços agrícolas, para os aproximar dos agricultores, que deviam ser os seus principais beneficiários.


Para Cabral, mais do que o refrão da época, “a agricultura é a base da economia”, ele defendia claramente que “a agricultura era a própria economia da Guiné” pelo que era importante os serviços aproximarem-se dos pequenos agricultores.

É assim que a Granja de Pessubé passa a executar ensaios e experiências agrícolas nos postos de Bula, Safim, Bigene, Nhacra e Prábis, fazendo aquilo a que hoje em dia se chama de “ensaios em meio camponês”, como forma de testar a sua adaptabilidade às diferentes condições ecológicas e sistemas de cultura dos agricultores.

O projeto FAO de recenseamento agrícola aprovado pelo governo português em 1947 e logo metido na gaveta, onde pernoitou mais de 4 anos, é rapidamente retomado por Cabral, poucos meses depois da sua chegada a Pessubé, o qual estuda, planeia e executa. Para ele, o censo não era apenas um conjunto de quadros e números, mas também a possibilidade de ler, compreender e agir sobre a dinâmica agrícola prevalecente. 

Este trabalho permitiu-lhe definir de forma precisa a contribuição dos diferentes grupos étnicos guineenses para a produção agrícola, servindo ainda hoje, passados 60 anos, para compreender os sistemas de produção e de cultura por eles praticados.

Por outras palavras, o censo fez sair os serviços agrícolas da sua torre de marfim em direção aos campos dos agricultores, confrontando-os com a realidade que deviam servir e possibilitando a procura de soluções para os seus problemas fundamentais e para a modernização agrícola.


A  terceira, foi a da interação da agricultura guineense com as dos países vizinhos da sub-região


Consciente que o reduzido número de quadros técnicos e a constante falta de recursos impediriam que a pesquisa agrícola fosse realizada e trouxesse resultados úteis e práticos aos agricultores, Cabral fomentou a vinda a Pessubé de diversos técnicos, como a missão pedológica francesa de Dakar, especialistas em cana-de-açúcar, entomologistas, etc. 

A participação de Amílcar Cabral na “Conferência internacional Mancarra-Milheto”, realizada em Bembey, Senegal em 1954, onde apresenta a comunicação “Queimadas e pousios no ciclo cultural Mancarra-Milheto”, é uma prova eloquente da sua estratégia de conhecer os resultados experimentais de estações estrangeiras mais antigas, com maior número de técnicos e para marcar a presença e capacidade dos técnicos guineenses nos circuitos científicos da sub-região, aspeto que ele considerava determinante para o período pós-independência.

Internamente, vai começando a criar um núcleo de quadros técnicos que possa garantir a continuidade e reforço destes programas. Deles, realçam-se dois:

(i) Bacar Cassamá, monitor agrícola da Granja, é a primeira pessoa de quem se aproxima e com quem criará relações de amizade e confiança até ao final da sua vida; alto, forte, sério, de riso difícil, com quem terá repetidamente discussões sempre ultrapassadas, porque na sua maneira de ser, a melhor forma de ser honesto era dizer claramente ao “engenheiro” a sua posição e o que pensava; homem que nunca dobrou a coluna, continuou seu amigo e fiel ao PAIGC, mesmo depois do Golpe de Estado de Nino Vieira, quando houve a tentativa de apagar Cabral da história da Guiné-Bissau; acaba por falecer em 2012, esquecido e abandonado por muitos companheiros, com algumas exceções como a de Pedro Pires, ele que foi quem mais tempo acompanhou Cabral; 

(ii) Júlio Mota Almeida, prático agrícola na Granja, que acaba por estar presente na fundação do PAIGC em Bissau, em Setembro de 1956. Morre em Portugal em 1982.


Durante dois anos e meio, Cabral percorre a Guiné de lés-a-lés, observando, estudando e escrevendo sobre o fácies da agricultura guineense. Cite-se o caso do estudo local das queimadas e pousios em Fulacunda. Determinante foi a realização do recenseamento agrícola onde, à frente de uma equipa técnica, contactou agricultores, lideres comunitários, jovens e mulheres, apercebendo-se das diferentes lógicas de pensamento e ação de cada grupo étnico, as suas potencialidades e as fraquezas e, sobretudo, as prioridades mais sentidas na promoção da sua forma de vida. 

Em Março de 1955 sai de Bissau num avião da Air France, por imposição das autoridades políticas governamentais coloniais, que o acusam de exercer atividades conspiratórias pela independência da Guiné, o que efetivamente correspondia à verdade, mas não lhes dava esse direito. Autorizam-no a vir anualmente a Bissau, o que ele aproveita em 1956, para colaborar com outros nacionalistas na fundação do PAIGC, num dia de Setembro que mais tarde acaba por ser arbitrariamente fixado como sendo o dia 19. Também em 1959, já com 35 anos de idade, vem a Bissau no ano do Massacre do porto de Pindjiguiti, momento determinante para Cabral perceber que a conquista da independência teria de ser obtida pela luta armada de longa duração e não da forma pacífica pela qual ele sempre pugnou.

Desde que foi expulso da Guiné, Cabral continuou a desenvolver a sua atividade agronómica em Portugal e Angola, dedicando-se sempre à reflexão sobre a agricultura guineense, salientando-se a publicação na revista AGROS, da Associação de Estudantes de Agronomia, do seu texto: “A agricultura na Guiné, algumas notas sobre as suas características e problemas fundamentais”.

Em 1960, estimulado pela independência da Guiné-Conakry e do NÃO à França dado em 1958, decide estabelecer-se definitivamente em Conakry, certo que era o local ideal tendo em consideração a forma como o Senegal tinha decidido aceder à independência. As vicissitudes que a guerrilha passou neste país durante os 11 anos de Luta, veio mostrar que a sua visão estava correta.

Poucos anos antes do seu assassinato, em 1972, consciente de que a vitória militar era um dado adquirido e surgiria a curto prazo, começa a dedicar mais do seu tempo à conceção do futuro Estado da Guiné-Bissau e aí volta a agricultura a estar presente no futuro programa. A vivência em Conakry permitira-lhe identificar os reais perigos com que o novo país se iria confrontar no pós-independência. Um deles são os “atrativos” que a cidade de Bissau iria exercer na cúpula dirigente dos guerrilheiros, a tendência para a intriga e complot político e, finalmente, o descanso do guerreiro. O outro, era o do inevitável esquecimento e afastamento gradual dos dirigentes em relação às populações que haviam participado na Luta. 

Uma das ideias que Cabral estava a desenvolver quando é assassinado, era o da criação dos diferentes Ministérios governamentais, um em cada uma das capitais regionais do país. Mantinha os dirigentes perto dos cidadãos, empurrava-os para resolverem os problemas concretos das populações e diminuía o risco do “diz que diz”, da conflitualidade estéril e da intriga política. É o retomar da tese de agrónomo de que os técnicos e decisores não se devem fechar entre portas, mas estar perto dos beneficiários do seu trabalho.

(Continua)

Texto e fotos;  © Carlos Schwarz (2013). Todos os direitos reservados

10 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Amílcar Cabral assassinado pelo general português António de Spínola?

Abraço,

António Graça de Abreu

Torcato Mendonca disse...

Olá Graça de Abreu, a resposta tens, com o comentário do LG, no Poste 10969.
"Trabalhaste" em Informações e tira as conclusões...propaganda IN no Séc XXI!
O Marechal não devia ter sido envolvido de modo tão primário. Eu, e muitos de nós, respeitamos Amilcar Cabral pelo que foi.Mais não digo.Para quê...?
Abraço T.

Luís Graça disse...

Não tenho uma opinião formada sobre o assassínio do Amílcar Cabral, nomeadamente causas antecedentes, causas diretas e autores morais... O assunto é sério demais para emissão de juízos não fundamentados... Podemos ter "feelings", crenças, suspeitas... Mas a verdade é que as provas fundamentais andam desaparecidas...

À partida custa-me a aceitar que o gen Spínola, que foi meu comandante no TO da Guiné, estivesse por detrás desse crime hediondo...

Aceito, como princípio fundamental do direito e da nossa civilização, que toda gente é inocente até prova em contrário... Até agora Spínola está inocente. Podemos especular, mas não julgar. Não sei se um dia a história fará "justiça", neste caso, como aconteceu por ex com o gen Humberto Delgado, um sórdido crime perpetrado pela PIDE... A história já julgou a PIDE (e o regime político que a criou)...

A guerra, a luta política, a luta revolucionária, etc., também têm ética. Uma das definições mais sociológicas e pragmáticas da guerra, na minha opinião, é a de Clausewitz (1780-1831), o general prussiano que combateu Napoleão:

"A guerra é a continuação da política de Estado por outros meios", o que implica a subordinação do poder militar ao poder político e primado das questões éticas... (Como de resto o próprio Amílcaer Cabral defendia).

Ou se quisermos o objectivo da guerra não é levar à destruição total (física) do inimigo, mas levá-lo à mesa de negociações, onde os termos de troca são sempre mais vantajosos para os vencedores...

É certo que um dos objetivos da Op Mar Verde, em 22 de novembro de 1970, era também "capturar" a cúpula do PAIGC, com o Amílcar Cabral à cabeça, na sequência da invasão de Conacri e do derrube do regime do Sekou Touré. Não tenho dúvida que ele seria abatido se resistisse (Alpoím Calvão dixit)... Mas não é de 1970 que estamos a falar, é de um outro contexto, o de 1973...

A questão que se põe é: a quem interessava a morte de Cabral ? Para Spínola, ele era mais valioso morto ou vivo ?

Torcato Mendonca disse...

Olá Luís Graça,eu não respondo á questão por ti colocada. Tenho, sobre o Marechal Spínola, a minha opinião.
Seria longo o escrito sobre Amilcar Cabral,o seu pensamento,liderança do PAIGC e a sua morte.(copiei os dois postes que Carlos Schwarz escreveu).Tenho admiração e respeito por A.Cabral.
Sobre o Marechal Spínola nada digo. Já hoje escrevi, em resposta ao Jero (escreveu por hoje ser o 40º aniversário de sua morte) e ao Carlos Pinheiro no facebook. O Marechal Spínola merece-me muito respeito.O que saiu escrito culpando-o não merece que percamos mais tempo e não vale a pena continuar.
Um abraço Luís Graça

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Como venho comentando 'de cima para baixo' acho que já me pronunciei no essencial sobre o mérito deste trabalho no que diz respeito à segunda parte do artigo.

No essencial concordo com o conteúdo do comentário do Luís Graça.

Relativamente à "introdução", pois acho que será forçado afirmar que é "cada vez fica mais evidente que o principal organizador foi Spínola", embora não me custe admitir que na complexa trama que conduziu ao assassinato de Amílcar a 'parcela portuguesa' teve o seu contributo.
Sinceramente acho que para Spínola seria mais vantajoso um interlocutor vivo do que um mártir, mas isso é a minha 'crença' e embora discorde do que é afirmado na referida "introdução", e disso dou aqui conta, compreendo quem assim pense.

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Excerto do artigo "As faces de Amílcar Cabral",

Expresso das Ilhas, 20 de janeiro de 2013

(...)

As teses do assassinato

Quem mandou matar Amílcar Cabral? Foi obra da PIDE? Foi Sékou Touré por não suportar o protagonismo de Cabral na luta de libertação africana? Foram os guineenses do PAIGC? E até há uma tese que defende que Cabral foi morto por uma equipa da SDECE (serviços secretos franceses) liderada por Inocêncio Kani, a pedido do governo português.
A maior parte das conclusões actuais apontam, de facto, para a autoria dos guineenses do PAIGC. Os guineenses, diz Aristides Pereira no livro de José Vicente Lopes, não viam com bons olhos os cabo-verdianos, mais instruídos e que, na altura de irem para o palco de guerra, começaram a apresentar uma série de desculpas para não o fazerem. Como refere o antigo presidente de Cabo Verde, “combatentes para a infantaria, de facto, foram muito poucos”.
Para o antropólogo angolano António Tomás, autor do livro “O Fazedor de Utopias – Uma Biografia de Amílcar Cabral”, o que há em comum entre as pessoas que o executaram é que todas elas tiveram problemas com o partido. “O Inocêncio nunca teve contacto com a PIDE. Mas todos eles estiveram a contas com a justiça do partido: ou na ‘Montanha’, a cadeia do partido, ou acusados de corrupção, ou afastados das posições que ocupavam [na hierarquia do PAIGC]”. Tomás sublinha mesmo que “a PIDE e Spínola serviram de bode expiatório do assassinato de Amílcar Cabral”.
Também o jornalista português José Pedro Castanheira, autor do livro “Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?”, subscreve a tese [ver entrevista nesta edição do Expresso das Ilhas] da tensão existente dentro do PAIGC entre o sector guineense e os dirigentes de origem cabo-verdiana. Castanheira afirma mesmo que “do ponto de vista histórico, não foi a ‘mão portuguesa’ a mais determinante em toda a trama que desembocou no 20 de Janeiro de 1973”. (...)

Luís Graça disse...

“Hoje, há poucas dúvidas. Foram guineenses do PAIGC que assassinaram Amílcar Cabral”

Jorge Montezinho,
Expresso das Ilhas, 20/1/2013

(...) José Pedro Castanheira, jornalista português do semanário Expresso e autor de uma das primeiras obras sobre o assassinato do fundador do PAIGC – “Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?”, em 1995 – diz, nesta entrevista exclusiva ao Expresso das Ilhas, que sempre sentiu um grande “desconforto” por parte das autoridades guineenses enquanto recolhia os dados para o seu trabalho de investigação. Curiosamente, ou talvez não, o livro foi apresentado em Cabo Verde, junto das comunidades cabo-verdianas de Portugal, Estados Unidos da América e Itália, mas o autor nunca conseguiu fazer o mesmo na Guiné-Bissau. (...)

http://www.expressodasilhas.sapo.cv/exclusivo/item/33936-%E2%80%9Choje-h%C3%A1-poucas-d%C3%BAvidas-foram-guineenses-do-paigc-que-assassinaram-am%C3%ADlcar-cabral%E2%80%9D

Luís Graça disse...


“Hoje, há poucas dúvidas. Foram guineenses do PAIGC que assassinaram Amílcar Cabral”

Jorge Montezinho,
Expresso das Ilhas, 20/1/2013


(...) Expresso das Ilhas – Quase vinte anos depois da edição da sua obra, mantém a leitura que fez na altura sobre o assassinato de Amílcar Cabral?
José Pedro Castanheira – Vinte anos depois, não sei se escreveria exactamente a mesma coisa, porque, entretanto, houve vários testemunhos, principalmente depoimentos de várias personalidades, que decidiram falar sobre a morte de Cabral. Mas, há vinte anos, fiz todos os possíveis e falei com todas as pessoas que me foi possível e consultei todas as fontes que na altura estavam disponíveis. Fui o primeiro a consultar o arquivo da PIDE-DGS em Portugal, que tinha acabado de ser tornado público e fui o primeiro investigador a mergulhar na vastíssima documentação que a PIDE-DGS foi recolhendo sobre o PAIGC e sobre Amílcar Cabral. Como repórter, fui a todos os locais, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Senegal, Guiné-Conacri. Considero que fiz o trabalho mais exaustivo que era possível fazer naquela época. É evidente que o meu livro, editado em 95, não é uma tese definitiva, nem nunca me passou pela cabeça que fosse um trabalho definitivo, daí o próprio título ter um ponto de interrogação: «Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?» E esse ponto de interrogação fala por si. É uma pergunta que eu fiz e que na altura me pareceu ainda não ter uma resposta suficientemente sólida e consistente. Por isso decidi manter esse ponto de interrogação, que atravessa as mais de 300 páginas do livro.
Na sua obra, apesar de não afastar outras hipóteses, diz que terão sido os guineenses os autores do assassinato. Refere também que a PIDE teve diversas oportunidades para matar Cabral mas que nunca o fez. Poderemos alguma vez excluir a mão portuguesa por trás do assassinato de Cabral?
No meu livro trabalho quatro hipóteses e uma dela é a tensão existente dentro do PAIGC entre o sector guineense e os dirigentes de origem cabo-verdiana. Mas não esqueço as outras hipóteses explicativas: a PIDE; a própria acção do sector militar, que por várias vezes tentou assassinar Cabral (aliás, visitei o antigo quartel general do PAIGC em Conacri e pude ver os sinais ainda bem patentes do bombardeamento feito pelo comando português ao quartel e à casa de Cabral durante a operação «Mar Verde», em Dezembro de 1970); e também a quarta hipótese, com a possibilidade do envolvimento do próprio Sékou Touré (havendo sinais da sua participação, directa ou indirecta, em toda a trama que levou à morte de Cabral). Não tenho dúvidas que houve várias tentativas do poder colonial em tentar matar Cabral, os arquivos da PIDE estão recheadas de conspirações para aniquilar o líder do PAIGC. Mas, do ponto de vista histórico, não foi a “mão portuguesa” a mais determinante em toda a trama que desembocou no 20 de Janeiro de 1973. (...)

Arménio Estorninho disse...

Caro Amigo Pepito, Saudações Guinéuas.

Da leitura que fiz ressalta o nome de José Mota "Almeida" Prático Agrícola, o qual relaciono com um outro nome de senhor "Almeida" Prático Agrícola, que em Empada no ano de 1969, representava a Casa Gouveia de Bissau.

O primeiro nome é referenciado como tendo estado presente na fundação do PAIGC, em Bissau no ano de 1956;
Quanto ao segundo, tendo-se ausentado de Empada nos finais de 1969, posteriormente à destituição do Chefe de Posto local.

Como em Empada tinha um regular relacionamento com o senhor "Almeida" e agora tendo-o encontrado numa esplanada da Baixa de Bissau (em princípios de 1970) entabulara conversa, no entanto denotava muita retração.

A pessoa que conheci à data teria cerca de 65 anos de idade;
Perguntando-lhe porque não ia para a Metrópole, disse que era devido a que na sua idade não era aconselhável a mudança de clima.

Pergunto ao Pepito, se tem conhecimento da existência de conexão destes nomes.

Com Um Abraço
Arménio Estorninho

Manuel Brandão disse...

Caros camaradas.
Vamos irar a limpo a história da morte de Amílcar Cabral.Não sei se este quadradinho chega.
Estava previsto para 23 de Janeiro de 1973 um CONGRESSO DO POVO em que se iria discutir a continuação ou não da luta armada pela falta de efectivos e armamento, mas a 20 Amílcar é assassinado e o que acontece quase de imediato? Aparecem armas muito mais sofisticadas que até então eram desconhecidas, Bissau é bombardeada com foguetes e os efectivos africanos estavam muito bem auxiliados por cubanos.
Deu-se o 25 de Abril e o PAIGC prendeu um dos seus fundadores RAFAEL BARBOSA com o fundamento que era um dos mandantes da morte de Amílcar. Foi indiciado judicialmente e a 1ª e única sessão do julgamento, efectuou-se no estádio de Bissau já rebaptizado Simão Mendes que depois mudou de lugar para o Alto de Bandim junto da então fábrica de cerveja e refrigerantes. A acusação demorou cerca de 2 horas e meia ate´que deram a palavra a Rafael Barbosa, e o que ele disse foi, em português sem sotaque: Guineenses, hoje ireis na realidade saber quem mandou matar Amílcar Cabral. Eles estão todos aqui presentes.
A partir daquele momento terminou o julgamento e nunca mais existiu.
Rafael Barbosa faleceu de cancro em 2006.
Eu estive presente nessa sessão judicial e do que ouvi como comentários são coisas das mais variadas, mas a morte de Amílcar aconteceu para a criação de um mártir e levantar o pouco ânimo que existia nos poucos operacionais que actuavam no terreno e muita das vezes enquadrados com elementos das forças regulares dos países vizinhos.
No período de 1965/1967 estive na então Guiné, pertencente à BAC que depois passou a chamar-se BAC !. Estive no Olossato desde 12 Maio 65 até Outubro 66, apoiando a CArt 566 CCaç 816, 1426, tendo depois ido para Camecond, destacamento da CCaç799