1. Mensagem do nosso camarada Luís Rodrigues Moreira (ex-Alf Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2917 e BENG 447, Bambadinca e Bissau, 1970/72), com data de hoje, 13 de Janeiro de 2013, lembrando este mesmo dia de 1971, quando o Unimog em que seguia fez accionar uma mina anticarro, provocando a morte do seu condutor e ferimentos graves nos restantes ocupantes.
NHABIJÕES, 13 DE JANEIRO DE 1971
RECORDAR, PORQUE ESTAMOS VIVOS
Passam hoje quarenta e dois anos sobre aquele fatídico dia em que, no destacamento dos Nhabijões bem no centro da Guiné-Bissau e cerca das 11,25 horas, faleceu um jovem pai de seu nome Soares, condutor auto da CCAÇ 12, destacado naquele reordenamento juntamente com outros camaradas da mesma companhia e ainda alguns camaradas sapadores da CCS do BART 2917 e eu Alf. Mil. Sapador do mesmo Batalhão que comandava aquela força há pouco menos de um mês, vítima de uma mina anticarro quando nos conduzia, a mim, ao Furriel Fernandes da CCAÇ 12 e ainda a um jovem africano com menos de 10 anos de idade e não me recordo se mais alguém, à sede do Batalhão em Bambadinca onde eu iria almoçar e presumo que o mesmo iria fazer o Fernandes, regressando depois o Soares com o Unimog 411 que lhe estava distribuído e o almoço para os restantes camaradas que aguardavam no destacamento.
Não tenho nenhuma memória dos factos que se sucederam exceto daqueles que me contaram os camaradas que nos socorreram e, saiba-se lá porquê, das últimas palavras que o Soares proferiu: vamos fazer gincana, meu alferes.
E explico a razão das suas palavras. A estrada por onde circulávamos era de terra batida como a maioria das estradas da Guiné naquele tempo. No lado esquerdo da estrada e no sentido em que seguíamos, portanto em contramão para nós, havia um enorme buraco, em diâmetro, não muito fundo mas que todas as viaturas que por ali passavam evitavam até porque a maioria delas passava carregada de bidões de água que iam buscar à Ponte do Rio Udunduma, a alguns quilómetros de distância, e não convinha partir alguma peça da viatura ou perder alguma da água com os solavancos. Ao dizer estas palavras o Soares desviou a viatura do trajeto normal para descer e subir aquele obstáculo.
Foram as suas últimas palavras já que dentro do buraco estava dissimulada uma mina anticarro que rebentou sob o rodado do lado do condutor, deixando o Unimog 411 reduzido a um monte de escombros como se pode ver na foto que foi publicada neste Blogue.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > CCS/BART 2917 (1970/72) > Cemitério de viaturas militares > Em primeiro plano, pode ver-se o estado em que ficou o burrinho, o Unimog 411, depois de accionar uma mina anticarro à saída do reordenamento de Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, por volta das 11h25. Duas horas depois, era accionada outra mina A/C por uma GMC (parecida com a que está visível ao fundo, na imagem, mas com um maior grau de destruição). (Legenda: Luís Graça)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados
Eu seguia ao lado do condutor Soares no local onde, na foto, está um dos pneus da viatura e os restantes ocupantes nos bancos da caixa da viatura.
A partir desse instante não tenho memória dos factos até ao momento em que, no dia seguinte, fui abordado pelo General Spínola no SO do Hospital Militar 241 em Bissau onde estava internado.
Mas antes de ser evacuado para o hospital e ainda em Bambadinca soube que os camaradas que nos tinham ido socorrer tinham sofrido novo acidente com o rebentamento de uma segunda mina anticarro quase no mesmo local, que fez vários feridos ficando o hoje meu grande amigo Fernando Marques em estado muito grave. Vi-o alguns dias depois numa maca num corredor do hospital e dirigi-me a ele, mas um enfermeiro acabou por me dizer que não estava em estado de me ver ou ouvir sequer e que iria ser evacuado nesse dia para o hospital militar em Lisboa. Não mais soube dele durante décadas até ao momento em que ouvi chamar pelo meu nome em frente à Basílica da Estrela no dia em que os Deficientes Militares organizaram uma manifestação daí até à Assembleia da República para defesa dos seus direitos.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento e reordenamento de Nhabijões > Finais de 1970 > O Alf Mil Moreira, sapador, pertencente à CCS / BART 2917, destacado no reordenamento de Nhabijões, aqui fotografado junto a uma velha GMG . Evacuado para o HM 241, em Bissau, por ferimentos graves em 13 de Janeiro de 1971, passaria depois aos serviços auxiliares e terminaria o resto da comisão - os 15 a 16 meses que lhe faltavam! - no BENG (Batalhão de Engenharia) 447. (Legenda: Luís Graça)
Foto: © Luís Moreira (2006). Direitos reservados
Aí estava ele são e salvo e com o seu ar jovial de sempre acompanhado pelo Gabriel Gonçalves que foi quem me reconheceu e chamou. É indescritível a sensação e a alegria que tive naquele momento ao vê-lo ali e ao saber que foi um lutador incansável ao longo de vários anos para recuperar a sua vida normal.
Telefonou-me hoje a recordar esta data que a minha memória teima em olvidar. Obrigado caro Fernando. Hoje infelizmente não deu para almoçarmos juntos mas fica a promessa de no próximo ano o fazermos, talvez juntando ao grupo dois dos sobreviventes destes dois acidentes, o Luís Graça e o Fernandes.
Oeiras > Livraria-Galeria Municipal Verney / Colecção Neves e Sousa > 19 de Janeiro de 2010 > 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates Fim do Império - Olhares Civis > Os dois antigos camaradas da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), caídos numa mina anti-carro, em 13 de Janeiro de 1971, à saída do destacamento e reordenamento de Nhabijões, Sector L1 (Bambadinca), zona leste... (Legenda: Luís Graça)
Foto: © JERO (2010). Direitos reservados
Os factos aqui descritos estão muito melhor documentados e retratados pelo autor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné no poste P5717* de 28 de Janeiro de 2010 em que homenageia o Fernando Marques.
Hoje apenas tive a intenção de os recordar e mais uma vez fortalecer os laços de amizade e camaradagem que me unem a estes camaradas de infortúnio bem como a muitos outros que combateram numa guerra em que não queriam estar e que hoje se revêm em múltiplos encontros que se desenrolam ao longo do ano por este País fora.
Um grande Bem Haja a todos vós por fazerem parte do meu círculo de CAMARIGOS.
Luís Moreira
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 28 DE JANEIRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P5717: Blogpoesia (64): À uma e meia da tarde... Em homenagem ao António Marques, que sobreviveu, dois anos depois, à explosão de um vulcão (Luís Graça)
Vd. último poste da série de 25 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10864: Efemérides (114): 22 de dezembro de 1971, partida para o CTIG do BART 3873, no N/M Niassa (António Bonito)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Luis Moreira, António Marques, meus queridos amigos e camaradas:
Tento fazer tudo para esquecer esse maldito dia 13 de janeiro de 1971!... Tal como vocês. É nos difícil, se não impossível, esquecer essa data fatídica... Hoje, por acaso, eu tinha um almoço em família, com amigos, e portanto estava com a mente mais ocupada, saudavelmente ocupada...
Um abraço solidário para os dois, também para o Fernandes, também para a família do Soares (que não chegou a conhecer a sua filhota!) e demais camaradas (nomeadamente guineenses) que ficaram feridos, vários com gravidade...
Caro camarada Luís Moreira
Sente-se que a tua revisitação deste acontecimento foi uma necessidade imperiosa. Ainda dói!
Mas penso que fizeste bem. O Soares foi lembrado, os 'putos' também, e os nossos amigos Marques e Henriques não foram esquecidos.
É um dos nossos deveres: não deixar apagar a memória.
Um abraço sentido.
Hélder S.
H+a muitos postes sobre esta efeméride... Pesquisar com a expressão "13 de Janeiro de 1971":
Luís Graça & Camaradas da Guiné: Guiné 63/74 - P10936 ...
1 hora atrás
Evacuado para o HM 241, em Bissau, por ferimentos graves em 13 de Janeiro de 1971, passaria depois aos serviços auxiliares e terminaria o resto da comisão - os 15 a 16 meses que lhe faltavam! - no BENG (Batalhão de ...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Luís Graça & Camaradas da Guiné: Guiné 63/74 - P7895: Álbum ...
04 Mar 2011
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 13 de Janeiro de 1971 > CCS/BART 2917 (1970/72) > Quatro fotos do fatídico dia em que as NT caíram em duas minas A/C à saída do reordenamento de Nhabijões.
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Luís Graça & Camaradas da Guiné: Guiné 63/74 - P3990: Diário de ...
06 Mar 2009
Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971. E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão.
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Guiné 63/74 - P5717: Blogpoesia (64) - Luís Graça & Camaradas da ...
28 Jan 2010
Evacuado para o HM 241, em Bissau, por ferimentos graves em 13 de Janeiro de 1971 (***), passaria depois aos serviços auxiliares e terminaria o resto da comissão - os 15 a 16 meses que lhe faltavam! - no BENG (Batalhão ...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
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2. Chamo a atenção para as fotos do Vitor Raposeira... Gostava de saber quem foram os pilotos dos helis e as enfermeiras paraquedistas que vieram nesse dia a Bambadinca:
4 DE MARÇO DE 2011
Guiné 63/74 - P7895: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (2): O fatídico dia 13 de Janeiro de 1971
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/03/guine-6374-p7894-album-fotografico-de.html
Nunca poderemos esquecer estas fatidicas datas que aconteceram por toda a Guiné durante aqueles anos.
As minas eram um flagelo pelas mortes, pelos ferimentos e deixaram muitos camaradas incapacitados para uma vida futura.
Na guerra foram o terror dentro do terror.
Mas hoje também fez 18 anos que o meu pai faleceu.
Sentirei sempre a sua falta.
Uma saudação especial também para o nosso GG - Gabriel Gonçalves... Desconhecia a história dos v ossos reencontros: refiro-me ao Marques e ao Moreira... LG
Juvenal, o nosso "calendário" é uma caixinha de Pandora... Infelizmente, só vêm ao de cima as más recordações, as dolorosas, os lutos, as perdas... As datas da morte da nossos entes mais queridos são um exemplo... Um abraço afetuoso para ti. LG
As minhas saudações para o Luis Moreira, António Marques e Luis Graça. Recordo os dois acontecimentos: Mas a alegria do mais recente superou tudo. Quando avistei o Moreira e o chamei, de imediato ele disse que nunca mais tinha visto o Marques e que gostava de o encontrar; mal sabia ele que o Marques estava mesmo ali ao seu lado. Seguiu-se um forte abraço trocado pelos dois, selando a alegria do reencontro.
Deixo um grande abraço para todos.
GG
Os três amigos, felizmente, apresentam-se bam e dão frequentes sinais de viver bem a vida. Afinal é o que se deseja para quem caíu ou não em minas.
Por outro lado, a vida pode reserevar-nos surpresas ingratas em diferentíssimas situações, mas neste caso, sucedeu o contrário, pois foi a Guiné que me proporcionou a partilha da amizade de vós três, e dessa amizade congratulo-me. O mundo é vasto, e tenho a certeza que no reino do Botão haverá gente muito boa. Mas não conheço lá ninguém. Aqui, porém, independentemente das circunstâncias, tive a sorte de ser brindado com muitas amizades. É para esses amigos que faço votos de que tenham muitas alegrias, e com isso os estímulos para longas vidas.
Grande abraço a envolver-vos.
JD
O nosso infortunado camarada Manuel Costa Soares, sold cond auto, morto na 1ª mina anticarro, à saída de Nhabijões, em 13/1/1971, era natural de Alviães, Palmaz, Oliveira de Azeméis. Está sepultado no cemitério da sua freguesia natal.
Fonte: Portal Ultramar Terraweb
http://ultramar.terraweb.biz/03Mortos%20na%20Guerra%20do%20Ultramar/LetraO/MEC_178n.pdf
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