terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10943: Estórias cabralianas (76): Não sei se por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer... (Jorge Cabral)

1. Mais um "estória do nosso alfero". Desta vez "triste", diz ele. Alfero Cabral, lembram-se dele ? Não, não é o Cabral que foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, mas um tal Jorge Cabra, que um dia foi "régulo" de Fá Mandinga e de Missirá, ínfimas aldeias de um pequeno país lusófono chamado Guiné-Bissau. 

[Foto à esquerda: Jorge Cabral e Eduardo Magalhães Ribeiro, dois camaradas patriotas, Lisboa, Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, Forte de Bom Sucesso, 10 de Junho de 2011]


2. Estórias cabralianas > Mais uma incursão no futuro - Ano 2042
por Jorge Cabral

Não sei se foi por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer. Claro que  tenho pago escrupulosamente o Imposto de Sobrevivência, mas agora resolvi aceder  ao apelo governamental “ todos os velhos devem comparecer na Central de Abate,o  que constitui um dever patriótico”.

Comuniquei a decisão à família, que ficou muito  contente, principalmente a minha bisneta Carol, que foi logo requerer mais um filho  nos Serviços de Programação Genética. Um rapagão que nasça já crescido para não dar  trabalho… 

Porém antes do dia da apresentação é preciso fazer o espólio e transmitir as memórias  que serão arquivadas. Todos os meus dez mil livros serão incinerados..e quanto às  memórias, ligar-me-ão a uma máquina que reproduzirá um resumo. Já consultei  algumas de Camaradas da Guiné. A máquina não me parece muito fiável ou se calhar  são as memórias…

Mas é obrigatório. Estive três horas ligado e depois o operador deu-me a conhecer o  resultado. Lá aparece um idílico Missirá, rodeado de cerejeiras ,junto a um riacho  onde se pescam trutas e até consegui ouvir o Branquinho ao piano.
 - Confere ? - perguntou o funcionário.
- Correcto!- respondi.

É já amanhã o dia. Sei que vou encontrar Camaradas. Patriotas….pois então!

J. Cabral [, foto à direita, em cima, Fá Mandinga, 1969]

___________

Nota do editor:

Últimos cinco  postes da série:


(...) Há mais de sessenta anos que conheço esta Leitaria. Fica na Avenida do Brasil e quando eu era miúdo havia lá uma vaca. Uma vaca em plena Lisboa…Quando conto,pensam que é estória, mas não é, a Senhora Margarida, vendia o leite produzido à vista do cliente. (...)

1 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)

(...) – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? – perguntei-lhe um dia destes, porque habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
–Cúpulas ? Quais cúpulas? (...)

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)

9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)

24 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9796: Estórias cabralianas (71): Fixações etnomamárias: evocando o meu avoengo Carloto Cabral que, no séc. XVIII, crismou Quebo como a Aldeia das Mamas Formosas (Jorge Cabral)

(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

15 comentários:

Anónimo disse...

POIS É, JORGE!

Isto de um gajo se lembrar que se esqueceu de morrer, é um acto patriótico!
Principalmente tendo em conta os desejos da área política no poder (confirmados ontem à noite pela publicação das "Tabelas de IRS para 2013"):
- Velhos, velhos e reformados,morram depressa e vão morrer longe!

Branquinho, Alberto (o outro)

P.S. . Por maioria de razão (sou mais velho), também vou pensar nisso. É que estou quase, quase a fazer 69.

joaquim disse...

Fantástico, Jorge!

Um grande abraço

José Marcelino Martins disse...

Infelizmente parece ser a nossa realidade.
Só ainda não foi posta em prática, uma vez que ainda está “bem viva a memória da Maria da Fonte”.

Por alguma razão é o Hino que é tocado nos eventos em que o governo comparece.

Luís Graça disse...

Porra, mi alfero, ao menos deixa a gente comemorar... o centenário!

Viva o Admirável Mundo Novo em que iremos pagar o famigerado Imposto... de Sobrevivência!

E será que os combatentes do ultramar não têm uns créditos em anos, uns benefícios fiscais a descontar ao rendimento coletável do tal Imposto de Sobrevivência ?

Humor negro do melhor quilate!... Diamantes negros de sangue!

Luís Graça disse...

Humor (negro) à parte,,,

a questão que o nosso alfero aqui levanta, com arte e mestria, é a seguinte: a reforma, nas nossas sociedades, equivale a uma verdadeira "morte social"... (Tirando as "reformas douradas" da elite dirigente).

Tradicionalmente, nas sociedades simples, o poder era patriarcal, gerontológico, e os mais velhos eram ouvidos e respeitados (, por exemplo, na Guiné que ainda j+á chegámos a conhecer); nas sociedades pós-modernos, o idoso é um não ativo, perdendo "status", rendimento, estima, afeto, voz, poder... Ainda tem alguns pequenos trunfos, embora escassos: é cidadão... e eleitor.

Cada vez mais, o desafio com que somos confrontados (incluindo, nós, que fomos uma geração de combatentes) é o do "envelhecimento ativo"...

Acho que ainda temos muita experiência, sabedoria, competências e outros recursos, para dar cartas... a muito badameco que por aí anda!

JD disse...

SUSSURREM A ESCRITA, POR FAVOR. É QUE AS PAREDES, JÁ SE SABE, TÊM OUVIDOS, MAS A NET, TAMBÉM TERÁ?
É QUE SE HÁ AQUI PATRIOTAS QUE SE VOLUNTARIAM PARA OS FINALMENTES, TAMBÉM PARECE HAVER ACAGAÇADOS CAPAZES DE ESTRAGAR OS PLANOS HERÓICOS DE... E PAGAMENTO RETROACTIVO DE IMPOSTO SOBRE OS TIROS... NUNCA SE SABE... A ALUCINAÇÃO PODE ESPALHAR-SE COMO OS VÍRUS... COISAS QUE ANDAM NO AR. INFORMEM-ME JÁ AGORA, TAMBÉM SE PAGA IVA SOBRE O VALOR DOS IMPOSTOS? É QUE ANTES DE ME APRESENTAR, SE CALHAR TEREI QUE PASSAR NO BANCO A PEDIR UM CRÉDITO.
POR QUE É QUE DANTES AS COISAS PARECIAM MAIS SIMPLES?
AH! ORGANIZEM-SE! OS MAIS BAIXOS À FRENTE, PARA QUE NÃO SE TIRE A VISTA DE UNS AOS OUTROS, OU PARA QUE TODOS POSSAM TER A MESMA VISTA. E QUE VISÕES!... NOSSA SENHORA!... COMO DIZ O ATEU. E O GAJO DOS SESSENTA E NOVE, ONDE É QUE DEVE IR? SEI LÁ! O GAJO É ALTO OU BAIXO?
Ó HENRIQUES, DÁ-ME LINHA, QUE ISTO PARECE ESTAR A ENCAVALITAR.
JD

Anónimo disse...

Esta brincadeira(seria) do camarada
Jorge Cabral,lembra-me uma outra(advertência)do cinema de 1973 que,
em 2020,já não falta muito,nós os
"velhos"eramos "aproveitados" para
produzirem proteína animal,afim de
alimentarem um mundo faminto e em colapso.Vi e nunca mais me esqueci
já passaram quarenta anos.O Título
em inglês é"Soylent Green" ou "Á Beira do Fim"Também está no youtu_
be,com os celebres,Charlton Heston
e Eduard G.Robinson.
Cumprimentos do Nabeiro.

Anónimo disse...

Bem...é por isso que este Jorge não Cabral está mais próximo de se apresentar no... como disse? "matadouro"?! que vós outros...
Ah? já me esquecia de informar.
O resumo para memória futura foi um desastre...a máquina não captou ou será catou, nada de jeito.

Abraços para todos...enquanto não são taxados

Jorge Picado

Luís Graça disse...

Meu caro JD [, Zé Dinis]

(i) Não é habitual escreveres em MAIÚSCULAS (o que, de resto, é contra os regulamentos cá da caserna virtual);

(ii) Também estranho o tratamento pelo meu apelido paterno, Henriques; andámos os dois na tropa, mas não somos da mesma "incorporação";

(iii) Quanto à linha, dou-ta toda, mais o anzol...

(iv) Espero que apanhes peixes graúdo.

E agora passa aí a fatura eletrónica. Tens o meu NIB...

O manicómio está a aperfeiçoar-se... É agora mais sofisticado!

Luís Graça disse...

Central de abate, meu caro capitão Jorge Picado. Central de abate!... Muito mais sinistro do que o nosso matadouro da Guiné... Esse era artesanal, a central de abate é coisa altamente automatizada.

Um abraço, e viva o programa de envelhecimento ativo da Noruega portuguesa, Ílhavo, a capital do bacalhau!

JD disse...

Meu Caro Luís,
Fui agora alertado - por ti próprio - para o teu comentário a meu respeito.
Constato uma primeira argolada da minha parte, e tenhon pena de que o desconhecimento da lei, neste caso, não me aproveite. Refiro-me à questão das maiúsculas, que não tinha presente. Peço aos santinhoe que me protejam no futuro, e apresento o necessário pedido de desculpa;
Sobre o tratamento pelo apelido,se por um lado comprova que tenho lido os relatos que te envolvem no âmbito da C.Caç.12, por outro, constituía um apelo dramático de ajuda, pois ao premir para publicar, a máquina ignorava-me ostensivamente. Até cheguei a ver o comentário em duplicado, mas quando se marcha para a falta de juízo final, admito, os sentidos já não corresponderão ao que deles se possa esperar;
Quanto ao peixe, verásse!
E agora perfilo-me, e peço licença para ir proceder ao pagamento sugerido.
Atento e venerando, com votos de novo ano feliz,
JD

Hélder Valério disse...

Caro camarada "Alfero Cabral"

Se eu dissesse que não tinha gostado, mentia. E gostei porque aprecio bastante a ironia, o humor negro, a crítica mordaz ou mesmo subtil.
Mas... e há sempre um mas... fiquei um tanto 'com a pedra no sapato'.

Isto foi, exactamente, o quê?
Futurologia?
Exorcismo relativamente a maldades que nos andam a fazer?
Premonições?

Seja lá o que tenha sido, foi bem conseguido e penso que, a avaliar pelo tom e tipo de comentários valeu a pena esta 'pedrada no charco'.

E tens razão: temos que pedir desculpa por ainda não termos morrido. Se já o tivéssemos feito ou se o viermos a fazer agora, iremos contribuir, mais uma vez de forma patriótica, para o êxito das grandes batalhas do estado.

Antes, patriotas a defender a integridade territorial, hoje, patriotas a defender a viabilidade da sustentabilidade de segurança social....

Ora vamos lá à vida que a morte é certa!

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Jota Dê:

Obrigado pelas tuas explicações. Bem percebi que eras tu, pelo estilo, pessoal e intransmissível. Quis só testar, não fosse um sósia qualquer andar a roubar-te a identidade... Como sabes, JD é curto...

Henriques, é assim que o Marques e o resto da malta da CCAÇ 12 me tratam (ainda da hoje). Aliás, na tropa, não tínhamos direito a nome próprio só a apelido paterno. Quando muito, alcunha: muitas vezes, um topónimo, o lugar onde fomos paridos. Setúbal. Mouraria. Peniche. Campanhã.

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Jorge,

Não admira que ressones à fula, pois, na verdade, também a memória parece ser fula e muçulmana, pois o idílico jardim de Missirá ora descrito não é outra coisa se não o dos versículos coránicos.

Mas, este teria sido prometido só aos crentes que, durante a vida se abstiveram de três coisas: vinho, carne de porco e "cúpula". Não sei se o Alfero Cabral entra nessa categoria.

Antes de partir, vem fazer uma visita de saudades, porque as meninas de Missirá ainda se lembram do milagre da pomada e das esfregadelas...e não esqueça de trazer muitos "corpinhos".

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

Tony Borie disse...

Olá Jorge Cabral.
Permita-me que te altere o nome para:
Jorge Alfa Mamadú Cabral De Embalo Balde Esqueci-me De Morrer, Conde de Missirá e Barão de Finete.
Welcome to the World!
Um abraço, Tony Borie.