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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27355: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte V: Depois de Ganturé, Sangonhá (maio / junho de 1964)

 

 Guiné > Região de Tombali > Sangonhá  > CCAÇ 1477 (1965/67) > O José Parente Dacosta, 1º cabo cripto, CCAÇ 1477 (Sangonha e Guileje, 1965/67), junto ao monumento da CART 640 ("Quartel ocupado e construído pela CART 640, desde 21/5/1964. [CART] 640 / RAP2".

Há poucas fotos de Sangonhá, Cacoca, Cameconde, quartéis que ficavam na linha fronteiriça e que irão ser abandonados, em 1968.

Foto (e legendas): © José Parente Dacosta (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Zona Sul > Região de Tombali > Carta de Cacoca (1960) (Escala 1/ 50 mil) > Posição relativa de Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, rio Cacine, fronteira com a Guiné-Conacri, parte do Quitafine/Cacine e do Cantanhez  

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025


O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64)

Parte V - Depois de Ganturé, Sangonhá (mai/junho  64)


Depois de, em Ganturé, existirem as condições mínimas de sobrevivência para a instalação das tropas que aí permaneciam, o Pel Rec Fox 42 juntamente com tropas recém chegadas à Guiné   [CART 640 ] e com um Pelotão de Milícias rumou até Sangonhá a 21 de maio de 1964 [e não março, como por lapso indica o autor ].

Petromax a petróleo
marca Hipólito, modelo 
350
Como de costume segue-se a capinagem, a vedação de arame farpado em volta da tabanca, que seria agora um quartel, a colocação de cavaletes para instalação dos candeeiros a petróleo (petromaxes), a que alguns “valentes” iam dar pressão de ar durante a noite, sempre que necessário.

Também era norma que,  quando chegávamos a um novo local, não se consumia água da que ali existia sem ser certificado de que ela estava em boas condições de utilização, assim, recorria-se sempre ao aquartelamento mais próximo para nos abastecermos desse precioso líquido.

Então no dia 23 de maio de 1964, pela tarde lá vamos nós a Guileje encher os reservatórios de água regressando já ao lusco-fusco, âquela hora em que já não se vê muito bem mas também ainda não é preciso acender faróis.

Assim o IN que decerto nos vigiava não deu pela chegada dos carros da Cavalaria e entenderam ser muito fácil um ataque às tropas recem instaladas para mais que a maior parte tinha as pernas muito brancas,  o que indiciava pouca experiência naquelas andanças e que se tornaria uma tomada do local com a maior das simplicidades.

E, então pelo meio da noite de 23 para 24, qual não é o espanto do sentinela que se encontrava do lado da estrada que ligava a Guiné à Guiné-Conacri, quando vê aparecer um grupo de guerrilheiros pela estrada acima, descontraidamente a aproximar-se da entrada trazendo uma metralhadora e outros armamentos,  parecendo que passeavam. 

Essa sentinela chegou a estar confundido sem saber se devia atacar ou esperar julgando que eles se vinham entregar às nossas forças.

Entretanto quando eles se encontravam a cerca de vinte metros do arame, a sentinela que se encontrava dentro do granadeiro,  reagiu e fez uma rajada que despoletou um ataque feroz, à volta da aquartelamento. 


Parece ser uma metralhadora pesada,
 de calibre 12.7
de origem soviética,
a Degtyarev (DShK) m/938,
com tripé
Havia mais duas metralhadoras iguais à que aquele grupo transportava, cuja foto envio, e várias outras armas mais ligeiras, aquelas "costureirinhas" que quase todos conhecemos.

As nossas tropas reagiram e o tal grupo procurou uma elevação no terreno e instalaram-se para fazer fogo sobre nós, mas como os nossos carros tinham um grande poder de fogo, depressa o anulámos, isto com a ajuda do comandante da milícia, visto que a certa altura devido à proximidade do IN não se sabia muito bem de quem eram os tiros,  se das nossas tropas se do IN. 

Depois de anulado esse grupo cuja maioria ficou lá assim com o respectivo armamento, que se encontra no museu militar, todo o ataque foi sendo anulado e o IN retirou em debandada.

Ao raiar da aurora fomos então fazer o reconhecimento, e do grupo que fora avistado estavam seis mortos, a metralhadora, pistolas-metralhadoras e pistolas e um rolo de corda. 

Depois de examinados os outros locais de onde vieram os piores ataques, restavam montes de invólucros e os vestígios das metralhadoras terem sido arrastadas no final do ataque, pelo que se deduziu que o cordão encontrado seria exactamente para atar ao suporte da metralhadora para que um dos intervenientes recuasse para local seguro e puxasse a metralhadora no final do ataque, caso este corresse mal como foi o caso, só que neste caso não houve tempo para a execução dessa operação.

Passada esta primeira confusão, permanecemos em Sangonhá até 23 de junho  [de 1964 ], continuando a manter as devidas precauções e a segurança das tropas aí instaladas, até que eles atingissem a maturidade para se defenderem a si próprios.

Depois de Sangonhá, seguiu-se Cacoca (...) (**)

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

2. Comentário do editor LG:

Há uma divergència de datas entre o texto acima reproduzido e a versão da CECA.  O Armando Fonseca queria dizer "maio" e não "março", aliás de acordo com o final  do poste anterior: "Permanecemos em Ganturé até 20 de maio. No dia seguinte fomos para Sangonhá (...) (**).

Excerto do livro da CECA (2014, pág. 250);

(...) Em 10Mai, forças das CArt 494 e 495 e Pel Rec Fox 42, com auxiliares Fulas, na região de Bomane, avistaram um grupo ln que e deslocava em direcção à fronteira. Montada uma emboscada e aberto fogo quando os guerrilheiros estavam a 5 metros, as nossas tropas provocaram 4 mortos ao ln e capturaram 1 prisioneiro e material diversificado.

No dia 21, conforme planeamento para controlar a fronteira sul, realizou-se a operação "Jacaré" com vista á ocupação de Sangonhá, em zona de intensa actividade inimiga.

Em 24, um grupo ln atacou, de todas as direcções, o estacionamento da CArt 494    [ou CART 640 ?, a CART 494, comandada pelo cap art Coutinho e Lima, estava em Gadamael, mas participou na Op Jacaré em Sangonhá, causando dois feridos; a reacção pronta das NT causou 5 mortos, 1 prisioneiro e ainda baixas não estimadas; capturada 1 metralhadora pesada e levantada 1 mina A/C "TM-46" na estrada para Gadamael Porto, além de numeroso material de guerra. (...)

Fonte:  Excerto de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014),  pág. 250.

Observ -  Sabemos, pela ficha de unidade, que a CART 640:

(i) chegou a Bissau em 3 de março de 1964;

(ii) após um curto período de permanência em Bissau,  onde fez a IAO, destacou dois pelotões
para a realização de operações na região de Cuntima, a partir de 24Mar64, em
reforço do BCaç 512;

(iii) em 08Abr64, foi deslocada para Farim para actuação em operações nas regiões de
Jumbembém, Cuntima e Jabicó, em reforço temporário do BCaç 512 e depois do
BCav 490; 

(iv) em 11Mai64, foi substituída pela CCav 487 e recolheu a Bissau até 20Mai64;

(v) em 21Mai64, um pelotão tomou parte na Op Jacaré para ocupação e instalação em Sangonhá, para onde a subunidade se deslocou, por fracções, entre 25Mai e 22Jun64, tendo repelido um forte ataque desencadeado em 24Mai64 e causado pesadas baixas ao inimigo;

(vi)  em 25Jun64, na sequência da Op Veloz, ocupou também com dois pelotões, a localidade de Cacoca, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 513 e depois do BCaç 1861.

(vii) pelo armamento e munições capturadas e baixas causadas ao inimigo, destaca-
-se a Op Gira  na região de Bantael Silá e um golpe de mão efectuado à tabanca de Mareia em 24Ju165, entre outras;

(viii) em 08 e 14Jan66, foi rendida no subsector de Sangonhá, por troca, pela CCaç 1477 (...)

____________

Notas do editor LG:


(*) Vd. poste de 22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18125: Tabanca Grande (455): José Parente Dacosta, ou 'José Jacinto', ex-1º cabo cripto, CCAÇ 1477 (Sangonha e Guileje, 1965/67)... Natural da Covilhã, vive em Dijon, França... Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 764.


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27334: O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64) - Parte IV: Depois de Guileje, Ganturé (fev/mai 1964)





Guiné > Zona Sul > Região de Tombali > Pel Rec Fox 42 > 1964 > Ganturé


Fotos (e legendas): © Armando Fonseca (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Sul > Região de Tombali > Carta de Cacoca (1960) (Escala 1/ 50 mil) > Posição relativa de Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, rio Cacine, fornteira com a Guiné-Conacri, parte do Quitafine/Cacine e do Cantanhez (e as míticas matas de Camaiucuntane, Catabá, Catonco, Casséfunda)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025



O início da guerra (Armando Fonseca, ex-sold cond, Pel Rec Fox 42, mai 62 / jul 64)

Parte IV - Depois de Guileje, Ganturé (fev/mai 64)




Armando Fonseca,
o "Alenquer", ex-sold cond,
Pel Rec Fox 42 (1962/64)
Durante a permanência do meu pelotão em Guileje (*), enquanto ia avançando a construção do aquartelamento, nós deslocávamo-nos com frequência a Aldeia Formosa, Buba, Bedanda, etc.

Nessas deslocações sofríamos algumas emboscadas e, como reagíamos de imediato, porque tínhamos um forte poder de fogo, depressa eram aniquiladas.

Lembro-me,  de uma das vezes em que fomos a Bedanda, termos sofrido uma emboscada e na sequência desse ataque, em certa altura ver um arame a ir pelo ar, saindo debaixo da minha autometralhadora. Esse arame não era nada mais nada menos do que o comando de uma mina que,  depois de levantada,  tinha o bonito peso de sete quilos.

Pelo que se deduziu, o arame foi puxado no exacto momento em que uma das rodas o pisava e por isso se partiu e a mina não explodiu. Depois de bem examinado o local, ainda havia mais outra mina idêntica,  uns metros mais à frente, mas que devido à nossa rápida reacção, o IN 
partiu em debandada e não houve tempo de a fazer explodir.

Depois do aquartelamento de Guileje ter condições de alguma segurança para defesa do pelotão que aí se instalou (a CART 495),  nós rumámos para outras paragens.

Em Gadamael Porto encontrava-se uma companhia que se encontrava totalmente isolada por estrada, devido às dezenas de árvores que ocupavam as estradas que comunicavam com essa localidade vindas de Norte. Ali só se chegava de barco ou de helicóptero.

Essa companhia era constantemente flagelada pelos ataques do IN e toda aquela gente vivia em frequente sobressalto, até que foi posta em marcha a Operação “Furão” que tinha por fim pôr transitável a estrada entre Guileje e Gadamael.

Então, a 2 de fevereiro de 1964, lá vamos nós a escoltar os Caçadores e a Engenharia a fim de desobstruir a estrada. Assim: depois de quase um dia, e de várias dezenas de árvores cortadas e retiradas para as bermas da estrada, chegámos a Ganturé que se situa a cerca de três quilómetros de Gadamael Porto.(**)

Ao chegarmos, foram detectados vários vestígios da presença do IN que aí se tinha instalado, porque as tropas que estavam em Gadamael não conseguiam vir até aí sem que sofressem grandes emboscadas que as obrigavam a voltar para trás.(**)

Depois de instalado em Ganturé um perímetro de segurança, o Pelotão de Cavalaria deslocou-se a Gadamael onde foi recebido com pompa e circunstância; havia um grande lanche pà nossa espera com comida e bebida à descrição.

Nesse dia,  eu que nem sou de muitas bebidas, apanhei o maior pifo da minha vida, que nem sei como regressei a Ganturé, nem por onde o carro passou, só sei que acordei no outro dia de manhã debaixo do carro, deitado em cima de um pouco de capim seco que alguma alma caridosa se encarregou de lá colocar.

Durante os próximos dias seguiram-se a montagem do arame farpado à volta do aquartelamento, a escavação de abrigos, a melhoria de habitabilidade das palhotas ali existentes, que eram agora as nossas habitações, e escoltas aos arredores a fim de serem minados os possíveis acessos do IN.

O meu Pelotão deslocava-se a Gadamael várias vezes por dia visto que era lá que funcionava a cozinha e as messes de Sargentos e de Oficiais. Por vezes também nos deslocávamos a Guileje.

Nessas deslocações, nos locais que se julgavam perigosos, fazia-se fogo de reconhecimento e numa dessas vezes aconteceu um caso pouco vulgar:

Ao serem feitas algumas rajadas para reconhecimento, no cruzamento entre Ganturé, Gadamael Porto e Gadamael Fronteira, senti uma leve comichão no pescoço e um liquido viscoso a correr-me pelo peito. Qual não foi o meu espanto ao verificar que já existia uma quantidade de sangue dentro da camisa.

Coloquei um penso e,  ao chegar a Gadamael,  o médico verificou que havia um corte provocado por um objecto metálico. Como não tínhamos ouvido nenhum tiro por parte do IN,  isso criou-nos alguma admiração. No regresso fomos averiguar no local se havia alguns vestígios de algum atirador isolado, mas o que se encontrou foi uma lasca de ferro tirada de um poste dos fios telefónicos que era de ferro, o que nos levou a supor que foi o nosso próprio fogo que me provocou esse ferimento.

Quem havia de dizer que aquela lasca, arrancada pelo fogo das nossas metralhadoras, vinha entrar pela janela de visão do condutor, que é muito limitada em tamanho, cerca de 40 cm x 15cm.

Cerca de um mês depois, quando nos deslocávamos ao encontro de uma coluna que se destinava ao abastecimento do aquartelamento de Guileje vinda de Aldeia Formosa (pois como anteriormente referi, nunca os dois Pelotões de Cavalaria se encontravam do mesmo lado do rio Balana, por causa da possível destruição da ponte), sofremos uma emboscada.  E voltei de novo  a ser ferido por uma rajada que,   batendo na frente da autometralhadora junto da janela, os estilhaços das balas juntamente com tinta vieram.se  espetar na minha cara.

Fiquei com quatro ou cinco ferimentos ligeiros, e o resto eram pedaços de tinta espetados por toda a cara. O alferes,  ao ver a minha cara,  ficou estupefacto, ainda ficou mais preocupado do que eu.

Até esta altura, março de 1964, já com 22 messes de comissão, nunca tínhamos tido ninguém ferido, mas aqui o nosso bom anjo parecia ter-nos abandonado.

Permanecemos em Ganturé até 20 de maio. No dia seguinte fomos para Sangonhá (...)

(Continua)


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)


(**) "Em 19 e 20Fev74, efectuou-se a operação Furão, que consistiu numa  coluna de Aldeia Formosa com destino a Gadamael Porto com apoio aéreo. Foram retirados 50 abatizes; abatido 1 elemento ln e apreendido armamento." 

(...) "A operação Ganturé foi realizada por um Grupo de Combate/CArt 494, Pelotão Rec Fox 42 e um Pelotão da CCaç 555; o Grupo fixou-se, no dia 21Fev64, em Ganturé. O Pel Rec Fox 42 patrulhou até Guileje e regressou a Ganturé. No dia seguinte o Pel Rec Fox e elementos de sapadores, percorreram a estrada Ganturé-Bricama e minaram os caminhos de acesso da fronteira a Gadamael. O Pel/CCaç 555 patrulhou Cabedú Nalú e capturou 3 suspeitos.

Fonte: Excertos de ECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, 2014), pág. 198.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26430: O segredo de... (49): António Medina (1939-2025) - Parte V: Comentários (2014): (I) Vasco Pires / Luís Graça / Manuel Carvalho / António Graça de Abreu / Joaquim Luís Fernandes / Júlio Costa Abreu / Manuel Luís Lomba / António Rosinha / António Medina / César Dias / Carlos Pinheiro / João Lemos



Guiné > Região do Cacheu > Zona Oeste > Sector 01 (Teixeira Pinto) > Jolmete > "Eu com o Dandi Djassi, futuro capitão de milícia, em pose para a foto".

Foto de Manuel Resende.  ex-alf mil, CCaç 2585/BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71.

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2012). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008): duas comissões na Guiné  (Bula, 1963/64; Mansoa, Tite, Bafatá, 1968/69); um dos militares portugueses da sua geração mais condecorados, autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... Comparou a Guiné ao Vietname. Também considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política... Foi, todavia, um crítico de Spínola que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos reordenamentos (aldeias estratégicas) (1). Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos. (Foto gentilmente cedida ao nosso blogue pela filha, Dra. Helena Felgas, advogada, que era amiga do prof Jorge Cabral.)
 


1. Na altura, a "partilha do segredo" do António Medina (1939-2025) (*) provocou diversos comentários (**) que merecem ser aqui revistos, incluindo a resposta do autor (que infelizmente acaba de nos deixar no início deste ano). Também o Vasco Paris (1948.2016), camarada da diáspora lusófona já não está entre nós (morreu no Brasil).

Outro camarada da diáspora lusófona é o Júlio Costa Abreu, é contemporâneo dos acontecimentos tal como o Manuel Luís Lomba. Camnaradas de épocas diferentes, mas que conheceram o "chão manjaco": Manuel Carvalho, António Graça de Abreu, Joaquim Luís Fernandes e João Lemos, além do António Medina.


(i) Vasco Pires (1948-2016) (ex-alf mil. cmdt, 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72),

"War is hell,"

"You cannot qualify war in harsher terms than I will. War is cruelty, and you cannot refine it; and those who brought war into our country deserve all the curses and maledictions a people can pour out. I know I had no hand in making this war, and I know I will make more sacrifices to-day than any of you to secure peace."


General William Tecumseh Sherman

Parabéns, Camarada, por conseguires exorcizar os teus "fantasmas".

terça-feira, 24 de junho de 2014 às 20:25:00 WEST 

 PS -  (...) Fiz a citação do major-general Sherman, por se tratar de um militar da terra de adoção do camarada Medina.

Citei-o também, por ser o autor da célebre frase "War is hell", repetida até hoje à exaustão.

Transcrevi a frase seguinte, por ter sido feita, por um militar considerado intransigente, num momento de decisão particularmente difícil - a evacuação e incêndio de Atlanta.

Quanto a juízos de valor,nada tenho contra quem os faz, contudo, eu tento não os fazer. (...)


(ii) Luís Graça, editor

Nunca é demais recordar uma das regras básicas do nosso blogue, sem a qual não pode haver "partlha de memórias e de afetos":

(...) "recusa da responsabilidade coletiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro" (...)


(iii) Manuel Carvalho Manuel Carvalho (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete e Quinhamel, 1968/70)


 
(...) Cerca de quatro anos depois junho de 68 a minha companhia 2366 chegou a Jolmete e aí permanecemos cerca de um ano. O Blog tem fotos minhas desse mesmo barracão que era o edifício com mais qualidade que existia em Jolmete.A pouca população que havia tinha sido recuperada no mato. O régulo atual de Jolmete julgo que é o Cajan Seidi. Por acaso não te lembras do nome desse régulo? (...)


(iv)  António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74):

Diz o António Medina:

"Não se trata de nenhuma minha criatividade ou ficção, mas sim a descrição verdadeira de factos sucedidos, contados a mim na altura por quem foi testemunha e participante de uma acção bastante degradante e vergonhosa."

Portanto o António Medina não assistiu aos "fuzilamentos", ouviu contar.

Não digo que não possam ter acontecido, todas as guerras são sujas, tudo é possível, até o assassínio de três majores e um alferes, mais dois guias, gente do meu CAOP 1, em 1970, militares desarmados que iam em negociações de paz, exactamente na estrada do Pelundo para o Jolmete.

Estive sete meses em Teixeira Pinto, em 1972/73, estive no Jolmete em 1972, jamais ouvi esta história. Eu sei que já haviam passado oito anos, mas "fuzilamentos" deste tipo costumam deixar lastro na memória das gentes.

Gostava que estes "fuzilamentos" fossem confirmados por mais pessoas que se possam pronunciar com verdade, com factos, não de ouvir contar. (...)
 

(v) Joaquim Luís Fernandes (ex- alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974):
 
(...) Eu sou um sentimentalão! E se calhar muito ingénuo.

Ao ler esta narrativa sentia uns arrepios e um desgosto profundo e interrogava-me: Como terá sido possível tão medonho ato por parte de um corpo do exército português, formado e enquadrado por valores éticos,que condenariam em absoluto tal procedimento? Ou havia nesse tempo outra doutrina que eu desconheço?
E porque duvidar da verosimilhança da descrição do camarada António Medina?...

Tudo isto mexe comigo. Porque vivi aí os meus primeiros medos e pisei esse chão incerto e instável,sou remetido para as questões que tantas vezes coloquei a mim próprio: Porquê a antipatia que via espelhada nos rostos dos manjacos e a sua desconfiança e má vontade?

Teria a ver com a memória desses factos, ou eram memórias bem mais antigas, do tempo de Teixeira Pinto ou ainda mais antigas do tempo dos escravos do Cacheu?

Em 1973, em Teixeira Pinto, coabitávamos em paz aparente com a população local,(velhos, mulheres alguns jovens adolescentes e crianças) mas sentia que eramos "personas non gratas". Toleravam-nos enquanto os serviamos Diziam-me os meu soldados: "Eles fazem de nós seus criados".

Também ainda não consegui encaixar bem toda a tramoia dos assassinatos dos três majores, do alferes e dos acompanhantes, em 1970. Apesar de tudo o que li, ficaram-me vários hiatos sem explicação. Agora fico com mais esta dúvida: Será que um acontecimento não tem nada a ver com o outro? A minha intuição diz-me que sim. Pelo menos o local escolhido foi o mesmo. Porquê?... Esta história tem muito por contar! (...)


(vi) Júlio Costa Abreu (ex-1º cabo 'cmd', Grupo Centuriões, Cmds do CTIG, Brá, 1964/66)

(...) Ser ou não ser , e questão ter ou ter razão.

E de quem foi na culpa de terem fuzilado em Banbandinca depois do 25 de Abril tantos soldados Comandos, como por exemplo o Jamanca e muitos outros, ou será que depois de eles terem confiado nos novos donos da Guiné foi a paga que lhes deram? 

Isso também motivo para serem assassinados ?  E guerra realmente nunca foi limpa mas isso e normal.

Julio Abreu (
Crupo de Comandos Centurioes, ex-Guiné Portuguesa)


(vii) Manuel Luís Lomba (ex-fur mil cav, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66):

(...) Terei sido contemporâneo destas circunstância.Chegamos a Bissau (BCav 705) em 26/7/64 e a minha subunidade (CCav 703) foi de intervenção para Bula em Agosto, fez o seu baptismo de fogo em Naga e durante 20 dias reforçou a atividade operacional o BCaç 507, comandado pelo então tenente-coronel Hélio Felgas - que alinhava no mato.

Sem pretender sindicar a memória do camarada António Medina, acho algo de estranho. Aquele comandante exortava-nos à implacabilidade em relação à gente que nos recebesse à bala ou granada, mas incitava-nos ao cuidado de poupar populações. Enfatizava o dilema das mesmas - colocados entre a tropa e os "terroristas". 

Havia bastantes presos, junto à casa da guarda que recebiam o rancho geral e não me apercebi de maus tratos. Isto dois meses após esses eventuais factos. Cercar tabancas e fazer capturas foi o nosso dia a dia nosso de cada dia operacional. 

Aconteceram atos lamentáveis? Com certeza. Mas o fuzilamento dos capturados diferido dois meses suscita melhores provas. Luís Cabral não refere esse evento no seu livro "Crónica da Libertação". E aquele foi o tempo da prisão de importantes paigcistas, como Rafael Barbosa, Fernando Fortes, sem esquecer os que vieram a conspirar e assassinar Amílcar Cabral que não foram eliminados. (...)


(viii) António Rosinha (ex-fur mil, Angola 1961/62, e topógrafoda TECNIL, Guiné-Bissau, 1987/93)

(...) Todos os crimes e fuzilamentos e atrocidades cometidos pelos tugas estão adaptados ao discurso anticolonial conveniente às autoridades revolucionárias que tomaram conta do poder em toda a África.

Isto desde o início da guerra em 1961, sempre se acreditou em tudo o que vinha de Argel, Moscovo e Brazaville e Conacry.

Desde os números arredondados tipo os 50 mártires do Pidjiquiti até aos milhares de turras da UPA lançados ao mar, pelos luxuosos PV2 da FAP, tudo está "provado" e "comprovado".

Só falta descobrir o segredo das valas comuns e da contagem dos respectivos cadáveres. (...)

quinta-feira, 26 de junho de 2014 às 13:51:00 WEST 
 
(ix) António Medina (1939-2025) (ex-fur mil,
OE, CART 527 /  (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65).

 (...) 
Acabo de tomar conhecimento de comentários feitos por alguns camaradas, mostrando certa relutância em aceitar a narrativa dos factos acontecidos na área de Jolmete. Cada um tem o direito de aceitar ou discordar e até pedir provas mais concretas desde que estejam disponíveis.

Segundo a teoria aplicada pelo comandante do Batalhão de Bula , ver comentaário do camarada Manuel Lomba porque assim reza o seu segundo parágrafo:

” Aquele comandante exortava àimplacabilidade em relação às gentes que nos recebessem à bala  ou granada mas incitava-nos ao cuidado de poupar populações" ,

Ora, o que foi feito em Jolmete ?

Pouparam, sim, a vida das mulheres e crianças. Mas sem condescendência, como vingança, exterminaram os homens da tabanca,considerando o facto que talvez fossem coniventes com os autores da tal emboscada ou assim evitar o perigo de virem a pegar em armas. Foi uma ação bastante secreta como é obvio.

Se enquadra ou não na teoria operacional daquele comandante  ?

Sabemos que casos semelhantes aconteceram não só na Guiné mas também em Angola e Moçambique, em grupos ou a nível individual.

O camarada Manuel Carvalho se refere ter estado em Jolmete em 1968, quatro anos depois , assim como que a pouca população que havia em Jolmete tinha sido recuperada no mato. isto vai ou não ao encontro do que escrevi, da fuga da população que restou e se refugiou no mato?

Estava eu em Bissau como empregado do BNU quando em 1970 se deu o caso dos três majores, um alferes e outros na estrada de Jolmete. Não obstante fossem militares e em guerra, o caso consternou os civis da cidade de Bissau. Teria sido vingança do PAIGC sobre a tropa colonial ?  (...)
 

(x) César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

(...) Camaradas, não tenho dificuldade nenhuma em considerar veridica a narrativa do António Medina, já era diferente se estes episódios se tivessem passado durante a era de Spinula, tanto quanto me apercebi não era possivel uma situação destas, com ou sem PIDE. (...)
 
segunda-feira, 30 de junho de 2014 às 13:06:00 WEST 


(xi) Carlos Pinheiro (ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, Bissau, 1968/70):

(...) Fiz a minha comissão na Guiné de outubro de 68 a novembro de 70. Desembarquei cá no dia da Operação Mar Verde.

 Ao longo daqueles 25 meses tive conhecimento de tanta coisa mas, como respondi ao inquérito, dessas cenas macabras nunca ouvi falar com consistência. Estava lá quando os 3 Majores e o Alferes foram selvaticamente assassinados nessa zona de Jolmete. Um horror. 

Mas estava lá também quando foi a evacuação de Madina de Boé quando morreram aquelas dezenas de militares na jangada que se virou. Mas uma coisa conclui hoje. O comandante de Bula falado no poste foi o mesmo que coordenou o abandono de Madina de Boé. E no ano seguinte levou uma Torre e Espada ao peito no Terreiro de Paço. Coincidências? Não sei. (...)


(xii) João Lemos  (ex-alf mil sapador, CCS/BART 6521/72, Pelundo, 1972/74)


(...) Pertenci à CCS do BART 6521/72, onde era alferes miliciano sapador. Estive no Pelundo desde 1972 até à entrega deste quartel, tal como os de Có e o de Jolmete, ao PAIGC, em 1974. Em Jolmete estava a 3ª Companhia do BART 6521/72. 

Fui muitas vezes a Jolmete, pois comandei muitas vezes as escoltas entre Jolmete e João Landim. Passei muitas vezes na “2ª bolanha”, onde foram assassinados os Majores, o Alferes e os dois guias negros em 1970.

 Cheguei portanto a esta zona 8 anos depois dos factos narrados pelo camarada António Medina. Convivi muito com Dandi Djassi que veio a ser fuzilado, tal como o “Sete”, pelo PAIGC, depois da saída das tropas portuguesas da Guiné Bissau. 

Dandi Djassi era de Jolmete, mas vivia no Pelundo, onde, juntamente com as milícias desta localidade, combatia o PAIGC ao lado das tropas portuguesas. 

Nunca ouvi falar dos factos narrados pelo camarada António Medina, mas, tal como diz o comentário anterior do camarada Cesar Dias, "não tenho dificuldade nenhuma em considerar verídica a narrativa do António Medina, já era diferente se estes episódios se tivessem passado durante a era de Spínola, tanto quanto me apercebi não era possível uma situação destas, com ou sem PIDE”. (...)

(Revisão / fixação de texto: LG)

___________

Notas do editor:

(**) Vd,. poste de 5 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18988: Blogues da nossa blogosfera (103): "Memórias de Jolmete", de Manuel Resende: Cajan Seidi, o atual régulo de Jolmete, neto de Cambanque Seidi, o régulo de Jol que, em 1964, foi uma das cerca de 20 vítimas de represálias das NT (Manuel Resende / Eduardo Moutinho Santos)

domingo, 26 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26426: O segredo de ... (47): Antonio Medina (1939-2025) - Parte III: O Cajan Seidi, régulo de Jolmete, é neto do Cambanque Seidi, régulo de Jol, morto pelas NT em 1964, junto com outros homens grandes... Mostrou-me, em 2017, a vala comum, muito perto do sítio onde foram mortos em 1970 os nossos 3 majores (Eduardo Moutinho dos Santos, ex-alf mil, CCAÇ 2366, e cap mil grad, CCAÇ 2381, 1968/70)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jolmete > 2017 > Moutinho dos Santos com Cajan Seidi, a quem convidou para  ir almoçar em Canchungo (ex-Teixeira Pinto).


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jolmete > 2017 >  Moutinho dos Santos e o Fernandino Leite  com a Amélia,  a 3ª mulher de Cajan Seidi, e com os seus filhos,  em Jolmete.

Fotos (e legendas): © Eduardo Moutinho Santos / Manuel Resende (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Blogue
Memórias de Jomete > 30 de agosto de 2018 > Post nº 76 - Cajan, Régulo
de Jolmete (*)

Manuel [Cármine] Resende [Ferreira],  ex-alf mil art,  CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo, Teixeira Pinto (maio 69/mar 71), régulo da Magnífica Tabanca da Linha [foto à direita]

Nota informativa para quem não se lembra: 

Moutinho dos Santos era alferes da Companhia que esteve antes de nós em Jolmete, a CCAÇ 2366. Era a Companhia do sr. capitão Barbeites. 

Depois de sair de Jolmete em 28 de maio de 1969 (dia em que ficámos por nossa conta, e logo com um grave acidente com a bazuca do 1º cabo Brotas), tal como mais tarde o nosso alferes Almendra, foi graduado em capitão pelo sr. general Spínola e a Companhia foi para Quinhamel, gozar “férias”, mas ele, como capitão, teve que ir comandar outra Companhia no Sul [CCAÇ 2381]. 

Presentemente exerce advocacia no Porto e é um excelente elemento [um dos régulos] da Tabanca Pequena de Matosinhos, com várias idas à Guiné para entrega de bens.



Eduardo Moutinho Santos, ex-alf mil, CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e cap mil grad cmdt da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada)
[foto à esquerda]


Pergunto eu a Moutinho dos Santos:

“Amigo Moutinho Santos, recentemente estive com o Marques Pereira, alferes da minha Companhia, a 2585,  que vos sucedeu. Presentemente vive em Moçambique, e veio cá. 

"Mostrei-lhe fotos do Cajan e disse-lhe que o Cajan tem um filho médico no Hospital de Santo António, creio que foste tu que me deste essa informação.

"Sabes quem é a mãe? perguntou ele, será a Maria Sábado, do nosso tempo ?.... Sabes alguma coisa dele, ou contactos... “ (*)


Resposta de Moutinho dos Santos:

(...) De facto, o Cajan Seidi, soldado milícia do Pelotão de Milícias de Jolmete, que "alinhou" connosco, e convosco, nas matas do Jol, tem em Portugal, mais especificamente no Porto, um "filho" médico, o dr. Jorge Seidi (conhecido entre os amigos por Jorgito). 

Ele faz parte das equipas de Urgências do Hospital de Santo António, penso que como contratado de uma empresa de "manpower" que presta serviços aos hospitais do Porto. Pus a palavra filho entre aspas, pois, na verdade ele não é filho biológico do Cajan, mas sim sobrinho.

Como sabes, segundo as "leis" da etnia manjaca, e de outras etnias da Guiné, em que os sobrinhos e primos também são considerados "filhos" quando vivem todos na mesma morança, o irmão que herda a "posição" (sucede no cargo) de outro irmão mais velho, também "herda" a mulher e os filhos do irmão. Com o Cajan sucedeu isso.

O avô do Cajan, de nome Cambanque Seidi, régulo do Djol, tinha vários filhos, sendo um deles o pai do Cajan, de nome Domingos, que foi morto pelo PAIGC logo no início da luta pela independência.

O avô, ao tempo régulo, foi um dos mortos na "chacina" praticada em 1964 pelas NT contra os homens grandes da tabanca de Jolmete e outras do regulado.

Este "assunto" consta de um poste do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, ali colocado por um Furriel [António Medina] de uma companhia [CART  527] da guarnição de Bula / Teixeira Pinto em 1964, antigo combatente que emigrou para os USA (**) (foto à esquerda, EUA, 2016)(***)... 

O Cajan teria nessa data 15/16 anos...
 
Este "assunto", a que ninguém se referia quando estivemos em Jolmete, e também nunca yinha sido falado anteriormente quer pelo nosso Exército quer mesmo pelo PAIGC, foi-me confirmado pelo Cajan e por dois dos seus "filhos" que, inclusive, na última visita (2017) que fiz a jolmete, quiseram indicar-me o local onde foram enterrados, em "vala comum", muito perto do sítio onde os nossos 3 majores foram mortos em 1970...

Como o Cajan era o neto sobrevivo mais velho do régulo, veio a "herdar" o cargo do avô, pois o irmão/primo a quem tal cargo pertenceria já tinha falecido, deixando viúva a Quinta e o filho Jorge que - na altura em que estivemos em Djolmete - estaria à guarda de um tio em Dakar (Senegal) e internado numa Missão Católica. Oficialmente ninguém se referiu - que eu saiba - ao cargo do Cajan durante a nossa estadia em Djolmete.

Assim, o Cajan com o cargo de régulo do Djol, herdou como 1ª mulher a cunhada, de nome Quinta - que vivia em Djolmete ao tempo em que nós por lá estivemos -, de quem veio a ter mais 3 filhos (Joãozinho, falecido, Minguito e Melita, médica em Bissau). Atualmente está em Portugal com o filho,  dr. Jorge.

 O Cajan tem mais 4 mulheres... e 25 filhos ao todo...

A segunda mulher do Cajan é a Maria Sábado - nossa conhecida - de quem o Cajan tem vários filhos (um deles o Fidalgo,  que é professor e director da Escola E/B de Canchungo, ex-Teixeira Pinto).

A terceira mulher do Cajan é a nossa conhecida Amélia, de quem o Cajan tem 6 filhos (vários deles a viver em Bissau).

A quarta mulher do Cajan é a Emília de quem o Cajan tem vários filhos. 

Por fim, a quinta mulher, ainda muito nova, de nome Maria, também tem já filhos...

Para o ano, se tudo correr bem, se houver "patacão"  e a saúde ajudar, tenciono voltar à Guiné-Bissau e a Jolmete para, com a Tabanca Pequena de Matosinhos, fazermos a instalação de um poço artesiano, pois, os poços tradicionais que a ACNUR abriu na Tabanca de Jolmete, quando serviu de Campo de Refugiados dos independentistas do Casamansa, secaram todos e a população (3 mil  habitantes), que só tem uma hora de água por dia do poço do Centro de Saúde, voltou a ter de ir buscar a água à bolanha (...)

(Reproduzido com a devida vénia. Revisão  e fixação de texto: LG)

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18988: Blogues da nossa blogosfera (103): "Memórias de Jolmete", de Manuel Resende: Cajan Seidi, o atual régulo de Jolmete, neto de Cambanque Seidi, o régulo de Jol que, em 1964, foi uma das cerca de 20 vítimas de represálias das NT (Manuel Resende / Eduardo Moutinho Santos)

(**) Vd. poste de 24 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13326: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65) (António Medina) - Parte II: Foi há 50 anos, a 24 de junho de 1964, sofremos uma emboscada no regresso ao quartel, que teria depois trágicas consequências para a população de Jolmete: como represália, cerca de 20 homens, incluindo o régulo e o neto, serão condenados à morte e executados pelas NT, dois meses depoisVd, postes de:

(***) Últimos postes da sérioe:

sábado, 25 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26424: O segredo de... (45): António Medina (1939-2025) - Parte I: "Uma história de terror que me atormentou toda a vida (Jolmete, junho / setembro de 1964)"


  
Guiné  > Região do Cacheu > Jolmete > CART 527 (1963/65) > Aspeto da vida no aquartelamento.   O António Medina, à esquerda


Foto (e loegenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




António Mediba, 2016
1. Mensagem, de  
 23 de Junho de 2014, às 22:52, enviada pelo nosso saudoso camarada da diáspora António Medina (1939-2025) (*) , e que voltamos a republicar (em quatro postes, a última com com os comentários dos nossos leitores) (**).


Recorde.se:

(i) o António Medina era natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde,

(ii) foi fur mil inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65):

(iii) trabalhou depois BNU em Bissau (***) e em Lisboa;

(iv) passou a viver nos EUA desde 1980, em Medford, Massachusetts (onde morreu há dias) (*)


Olá,  camarada e amigo Luís:

Há muito não te contactei porque procurei ultimar este trabalho que vivia em letargia nas minhas memórias, precisamente para coincidir com o aniversário deste acontecimento que na altura me desapontou imenso, sem todavia nada poder fazer.

Antes de se tomar qualquer iniciativa,  gostaria que atentamente lesses o seu conteúdo e me desses a tua opinião se pode ou não ser publicado no blogue. Considerei este caso como uma forma de terror que se pode juntar a muitos mais e infelizmente praticados pelo nosso exército em todas as frentes de luta.

Aguardarei ouvir a tua opinião quando puderes.

Um abraço
Medina


2. Resposta de L.G. na mesma data (23/6/2014):

António:

Não há, não houve, nem nunca haverá guerras "limpas". No caso da guerra que nos coube em sorte, é minha opinião que nem nós nem o PAIGC fomos "meninos de coro".

Na mesma altura, ou antes, em que se passam os acontecimentos que tu relatas (em Jolmete, na região do Cacheu, entre junho e setembro de 1964), o PAIGC fazia o seu 1º congresso em Cassacá, no sul, na região de Tombali, e "limpava" a casa, com julgamentos revolucionários e execuções sumárias que tiveram o OK de Amílcar Cabral...

Mas uma mão não limpa a outra, nem um partido dito revolucionário como o PAIGC podia servir de bitola para "avalizar" o comportamento dos militares de um exército regular, de um país ocidental como o nosso.

Usámos a arma do terror, tal como o PAIGC usou. Infelizmente, vou sabendo, aqui e acolá, em conversas "off record", com outros camaradas do teu tempo, de mais casos, pontuais é certo, de execuções sumárias, praticadas nessa época, noutros sítios (por ex., no setor de Bambadinca, zona leste onde estive)... Não sabemos qual a extensão dessas práticas, espero que tenham sido meros casos isolados. Também não adianta "sacar" culpas para o exército, ou reparti-las com a PIDE e/ou a administração colonial...

No mínimo, e não havendo tribunais de guerra, estas decisões deviam ter o OK (tácito ou explícito ) de Bissau, e no caso concreto que relatas, do brig Arnaldo Schulz (ministro do interior de Salazar, entre 1958 e 1961, promovido a brigadeiro em 1963, ainda em Angola, e nomeado depois governador e comandante-chefe no TO da Guiné, em maio de 1964; chegou a Bissau a 24 de maio de 1964).

Eu fiz a guerra, de junho de 1969 a março de 1971, no tempo de Spínola e da chamada política da "Guiné Melhor"... Não participei nem tive conhecimentos de casos como o que relatas. Mas no meu tempo, os meus soldados africanos da CCAÇ 12, os mais velhos (com o pobre do Abibo Jau, mais tarde fuzilado pelo PAIGC) contaram-me algumas histórias macabras, da responsabilidade da polícia administrativa de Bambadinca.

Por outro, Samba Silate é um exemplo triste de uma tabanca balanta reduzida a cinzas.... E um padre italiano, da missão de Samba Silate, Antonio Grillo, foi preso pela PIDE em 23/2/1963, acusado de atividades subversivas... Já escrevemos sobre isso, aqui no blogue... 

A "guerra subversiva" e "contrassubversiva", nesta época (1959/64), ainda está muito mal documentada....

Um dos princípios fundamentais do nosso blogue é a nossa obrigação de relatar factos e episódios por nós vividos ou do nosso conhecimento direto, procurando dizer a verdade e só a verdade, e recusando fazer juízos de valor...

O teu testemunho é assertivo, pormenorizado, ponderado, equilibrado e, parece-me, isento e responsável, ditado também por um imperativo de consciência de um homem cristão e português, como tu.

Em dez anos de blogue é a primeira vez, em 2014, que um camarada nosso tem a coragem de, publicamente, assinar um relato desses, com execuções sumárias de suspeitos de colaborar com o IN.

Da minha parte, suspeito que este tipo de ações não chegava a constar dos nossos relatórios militares, sendo portanto altamente improvável que um dia os investigadores tenham acesso a estes factos no Arquivo Histórico Militar, por exemplo.

Tens o meu OK, para publicar o teu testemunho, e gostaria que fosse já, 50 anos depois. É uma efeméride trágica. Tens o cuidado de não identificar nenhum camarada, e esse é um dos nossos princípios. Não somos juízes nem queremos julgar ninguém. Esses factos também fazem parte da nossa memória (dolorosa) da guerra na Guiné.

Dou-te os parabéns pela tua decisão de contar este "segredo". É também uma afirmação contra o medo de seres julgado pelos teus pares. Espero que apareçam mais versões destes acontecimentos. As tuas melhoras, se possível.

Um abraço fraterno. Luís Graça


O António Medina na mata da Caboiana
(c. 1964)

3. R
esposta do António Medina, na "volta do correio" (24/6/2014):


 Obrigado,  Luís,  pela tua apreciação ao meu testemunho que resolvi trazer à tona do que realmente aconteceu há cinquenta anos. Vamos então publicá-lo quanto antes como dizes e conto com a tua colaboração nesse sentido.

 Gostaria de o realçar talvez com algumas fotos minhas de Jolmete que certamente aí tens, assim mesmo vou tentar reenviá-las de imediato para que não se perca mais tempo. Logo após a publicação, agradecia que me avisasses para que eu possa tomar conhecimento. Telefonar-te-ei um dia desses.

Um abraço amigo
AMedina



Crachá da CART 527

4. Ficha de unidade >  Companhia de Artilharia nº 527

Identificação: CArt 527
Unidade Mob: RAL 1 - Lisboa
Crndt: Cap Mil Art António Maria de Amorim Pessoa Varela Pinto | Cap Art Domingos Amaral Barreiros

Divisa: -
Partida: Embarque em 27mai63; desembarque em 4jun63 | Regresso: Embarque em 29abr65

Síntese da Atividade Operacional

Em 25jun63, seguiu para Teixeira Pinto, a fim de reforçar o BCaç 239 e depois o BCaç 507, com vista à realização de operações de patrulhamento e batida na região de Binar.

Em 8ag063, substituindo a CCaç 154, assumiu a responsabilidade do subsector de Teixeira Pinto e destacamento de Cacheu, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 507 e tendo ainda empenhado efectivos em diversas operações realizadas na região do Jol e Pelundo, entre outras; por períodos variáveis, destacou, ainda, efectivos para reforço das guarnições locais de Calequisse, Caió e Bachile.

Em 28abr65, foi rendida no subsector de Teixeira Pinto pela CCav 789 e recolheu a Bissau para embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade. Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 439.


5. O essencial do "segredo" do António Medina  será republicado, dez anos depois, no poste seguinte desta série (***):  

em resumo,  "foi há 50 anos [agora 60], a 24 de junho de 1964, sofremos uma emboscada no regresso ao quartel, que teria depois trágicas consequências para a população de Jolmete: como represália, cerca de 20 homens, incluindo o régulo e o neto, serão condenados à morte e executados pelas NT, dois meses depois".

 _____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26417: In Memoriam (531): António Medina (Santo Antão, Cabo Verde, 1939 - Medford, Massachusetts, EUA, 2025), ex-fur mil at inf, OE, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), nosso grão-tabanqueiro desde 2014

(**) Último poste da série > 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25862: O segredo de... (44): Aos 70 anos, comecei a ficar farto da guerra (Torcato Mendonça, 1944-2021)... Um "segredo póstumo" que chega ao blogue por mão da Ana Mendonça e do Virgínio Briote

Vd também poste de 29 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14945: O segredo de... (19): António Medina (ex-fur mil, CART 527, 1963/65, natural de Cabo Verde, mais tarde empregado do BNU, e hoje cidadão norte-americano): Desenfiado em Bissau por três dias, por causa dos primos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos"... Teve de se meter num táxi, até Teixeira Pinto, que lhe custou mil pesos, escapando de levar uma porrada por "deserção"!

(***( Vd. poste de 4 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24725: O segredo de... (39): António Medina: O surpreendente reencontro, em Bissau, em junho de 1974, com o meu primo Agnelo Medina Dantas Pereira, comandante do PAIGC

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25839: Verão 2024: Olá, nós por cá todos bem (3): O bom padre Escudeiro (1917-1994) e a lição que aprendeu um dia, em Alcanena e na Lourinhã: "Nunca se sabe o que se passa no coração dos poetas nem muito menos na cabeça dos censores"...


Lourinhã > Igreja de Samta Maria do Castelo  (Séc. XIV). Gravura de autor desconhecido.n Fonte; Jornal "Alvorada", quinzenário regionalista, Lourinhã, 13 de setembro de 1964.



Poema à Igreja do Castelo

por Luís Graça

Em tuas pedras
Habitam os deuses assimetricamente
Ressuscitam os cavaleiros andantes
Que em ti prolongaram o Eterno.

Tuas naves albergam vagos sibilos
Símbolos escondidos
Pássaros noturnos
E recortam a harmoniosa dimensão do espaço
Em que as palavras se quebram
De encontro ao silêncio das colunas.

Adornaste os teus capitéis
Com as algas do mar
Extraíste das conchas as pérolas
Para o rendilhado das tuas rosáceas
E fabricaste
Com as linhas paralelas dos limos
A tua própria austeridade.

E do alto da tua torre
Como do mastro de um navio
Contemplas a imagem perturbante dos moinhos
E persegues as gaivotas
Até onde o mar tem fronteiras de neblina.

Luís Graça (1964)


Publicado originalmente no jornal Jornal "Alvorada", quinzenário regionalista, Lourinhã, 13 de setembro de 1964.



Lourinhã > Igreja de Santa Maria do Castelo (Séc. XIV) > Vista interior. Fotógrafo: Mário Novais, 1899-1967. Orientador científico: Mário Tavares Chicó, 1905-1966. Data aproximada da produção da fotografia original: 1954.[CFT015.236.ic].



1. Um poema meu, publicado aos 17 anos... (naquela idade em que todos julgamos ser poetas de génio). Dedicado à igreja que é o ex-libris da minha terra. E onde fui batisado em 1947. Pelo padre Tobias. 

Publicado no jornal "Alvorada". Há 60 anos. Foi aqui, no jornal "Alvorada", que comecei a publicar os meus primeiros poemas. A escrever as ,minahs primeiras peças jornalísticas (notícias, reportagens...). 

Foi aqui que tive a minha primeira atividade remunerada como jornalista, embora sem carteira profissional. Foi, aliás, esta a profissão que dei para a tropa, quando aos 20 anos fui à inspeção militar, em 1967. Também dava explicações a alunos do ensino secundário (português, francês, geografia, história...).

Comecei por estar ligado, à criação de uma secção, ou de uma página, a que chamámos "Alvorada Juvenil", com outros jovens da terra, estudantes (e outros,  já a  trabalhar), com destaque para os meus amigos e colegas de escola primária, os saudosos  Álvaro Andrade de Carvalho, mais tarde psiquiatra (Lourinhã, 1948 - Lisboa, 2017) e o Rui Tovar de Carvalho (Lourinhã, 1948-Lisboa, 2014), que haveria, depois, de fazer carreira no jornalismo desportivo. (O Álvaro faria hoje an0s, 76, se fosse vivo.)

Criámos a seguir um secção dedicada ao "correio dos soldados do ultramar", e mais uma outra onde demos voz aos nossos emigrantes (maioritariamennte em França e na Alermanha, ams também no "Novo Mundo", Brasil, EUA, Canadá).

No "Alvorada Juvenil", abrimos um inquérito aos jovens lourinhanenses e alimentámos o "cantinho dos poetas"... 

Havia da nossa parte alguma irreverência, inquietação e inconformismo, próprias da idade e das circunstâncias da época. Acabei por exercer as funções de redator-coordenador deste jornal, quinzenário regionalista, que ainda hoje se publica. E que era propriedade do Patriarcado de Lisboa. Com0o muit0s outros...

Foi fundado ao em 1960, pelo padre António Pereira Escudeiro (Tomar, 1917-Lisboa, 1994), um homem a quem a Lourinhã muito deve e que fez uma aposta forte na formação das elites locais, ou seja, na educação, para além do apostolado e do mister sacerdotal. Equipou o concelho com diversas igrejas novas, construídas de raiz: Seixal, Atalaia, Ribamar, Toxofal...

Foi o fundador e o primeiro diretor do Externato Dom Lourenço, que a partir de 1958 permitiu aos jovens do concelho da Lourinhã prosseguir os seus estudos depois do ensino obrigatório (que era apenas de 4 anos no meu tempo).

Até então e desde 1953, havia um colégio particular,  Dom Luís de Ataíde (fundado em 1953 pelo dr. Piçarra, que era do concelho vizinho do Bombarral). Funcionava num vivenda.  Umas escassas dezenas de rapazes e raparigas da Lourinhã puderam então estudar até ao 5º ano.  O 7º ano só nas capitais de distrito (Leiria, a norte, Lisboa, a sul).

O padre António Escudeiro fora igualmente fundador do jornal "Redes e Moinhos" (1954-1960) (donde fui encontrar, por exemplo, vário sonetos da Luiza Neto Jorge, 1939-1989, que em jovem vinha passar o verão à Praia da Areia Branca.)

Antes de vir para a Lourinhã como pároco, em 1953,  o padre Escudeiro estivera em Alcanena, terra ribatejana da indústria dos curtumes, onde fundara o jornal quinzenário "O Alviela". Será  entretanto suspenso pela censura por ousar publicar um artigo sob o título "A fome em Alcanena" (onde se criticava a banca pelos juros usurários que, no pós-guerra,  levavam à falência das empresas locais, ao desemprego e à fome)...

Estava-se em plena campanha eleitoral do general Norton de Matos. "O Alviela" retomaria a publicação depois de, mediante requerimento, ser expressamente autorizado a versar também "assuntos sociais" (sic).

Mas a verdade é que o padre Escudeiro ficou com ficha na PIDE.

À frente do "Alvorada", como redator-coordenador, durante mais de très anos (de 1964 a 1966), "fiz-me esquecido" e deixei de mandar o jornal à censura... A entrada de jovens fora uma pedrada do charco da pasmaceira e do conformismo em que se vivia nesta terra do oeste estremenho. A última do concelho do distrito de Lisboa. Tinha então 3 médficos, e um pequeno hospital da misericórida. Sem enfermagem, sem bloco operatório, sem banco de sangue. Mas onde se fazia já alguma cirurgia ambulatória... pro médicos que vinham de Lisboa ou Coimbra.

Estava-se em plena guerra do ultramar / guerra colonial mas já na fase de fim de ciclo da história..."Cadáver adiado", o regime do Estado Novo ainda estrebuchava e metia medo a muitos. Não admirava que o diretor do jornal tenha recebido um intimidatório ofício da direcção geral de censura a perguntar por que é que se permitia o luxo de ultrapassar a lei...

Metade do ofício, que era apenas de duas linhas, correspondia a uma assinatura em letra garrafal, símbolo máximo da arrogância  de quem se sentia dono e senhor deste país... A assinatura, ilegível, seguia-se à fórmula, obrigatória, no tempo do Estado Novo (1926-1974), "A bem da Nação, com que terminavam todos os ofícios (e todas as demais comunicações escritas, internas, incluindo discursos, requerimentos, petições, etc.)

O pobre do "senhor vigário" (como a gente o tratava), lá teve que arranjar uma desculpa esfarrapada aos senhores coronéis da censura e, a mim, puxou-me as orelhas... Doravante, tínhamos que mandar os artigos em duplicado para a tipografia, sita em Torres Novas, que por sua vez mandava uma cópia para a censura... E no entanto nunca nenhum de nós escreveu o que que fosse que pudesse pôr em causa a sagrada tríade "Deus, Pátria e Família"!...

Eu acho que os censores embirraram sobretudo com os nossos jovens poetas. Não entendiam nada da poesia moderna e receavam à brava que os jovens lourinhanenses e outros, que colaboravam connosco, escrevessem também nas "entrelinhas", mandassem em código, entre si, perigosas, subversivas e dissolventes mensagens...

Nunca se sabe o que se passa no coração dos poetas nem muito menos na cabeça dos censores...

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Nota do editor: