quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10406: Evocando a trágica emboscada com mina, de 28 de novembro de 1964, em Madina do Boé, que vitimou 7 camaradas da equipa de comandos Os Fantasmas, alguns dos quais morreram nas mãos do alf mil médico Luiz Goes (1933-2012) e do alf mil António Pinto


Guiné > Mapa geral > 1961 > Escala 1/500 mil > Detalhe: da esquerda para a direita, Gobije, Madina do Boé e Béli...  O Rio Gobije, afluente do Rio Corubal,  ficava a sudeste de Guileje, na fronteira com a Guiné-Conacri.


1. Excerto de um  mensagem, de 2006,  do nosso camarada António Pinto (ex-alf mil, BBCAÇ 506, 1963/65, foto de 2007 à direita), em que se fala dos 7 mortos da equipa de comandos Os Fantamas, em Madina do Boé, em 28 de novembro de 1964. Alguns destes infelizes camaradas  morreram nas mãos do António Pinto e do alf mil médico Luiz Goes (1933-2012), que foi enterrar hoje, na sua terra natal, Coimbra (*)

(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e finalmente ao Batalhão de Cavalaria nº 705.

Sobre Madina do Boé,  estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.

Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:


Guiné > 1964 > Brá, Comandos > Equipa Os Fantasmas. "Foto do Furriel Artur Pereira Pires (ao meio, de bigode), a quem fui substituir, e da sua equipa, os Fantasmas, composta por António Joaquim Vieira Ferreira, Manuel Coito Narciso, José da Rocha Moreira e João Ramos Godinho. Foram umas das vítimas do rebentamento da mina em 28 de Novembro de 1964 [, na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobige]" (JSP).

Foto: © João S. Parreira (2005). Todos os direitos reservados.

Uma tarde estávamos no Destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. Era um grupo de Comandos, chefiados pelo alferes [Maurício] Saraiva (um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus ) . Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina. De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um Furriel do Destacamento, que esta a apertar as botas, tal era a sua pressa.

O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno (e era-o de facto),  se uma mina rebentasse ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...

Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.

Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.

Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido e que noutra altura relatarei. (...)

2. Nota do editor:

Trata-se do mesmo episódio, já aqui evocado pelo  Virgínio Briote [foto à esquerda], na I Série do nosso blogue (*)

(...) "Novembro de 64, dia 28. Na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobige, os Fantasmas detectaram uma mina anti-carro. Levantaram a mina e simularam o rebentamento. 

"Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros.

"No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou dezasseis militares no Unimog maior atrás. A 1ª viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. Ao mesmo tempo que em cima deles caía uma chuva de balas de armas automáticas, o Unimog incendiou-se e as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto. 

"Quase todos os homens foram projectados a arder. 7 mortos logo ali e três feridos graves. Tinham partido 22 de Bissau, regressaram doze. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação".  (...)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)


(**) Vd. psote da I Série > 13 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote)

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