terça-feira, 18 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10401: Blogpoesia (299): Memória da guerra (António Graça de Abreu)


Memória da guerra
por António Graça de Abreu

Durante dois anos, nas terras da Guiné,

a espingarda a tiracolo, aos pés da cama.

Lá fora, o calor, o canto das cigarras, o cheiro [da guerra.

Éramos uma pátria infeliz combatendo um pobre [povo,

na bolanha, no mato, no tarrafo dos rios.

O medo, os suores, a coragem, a amargura,

soldados retalhados, queimados, encharcados [em sangue,

homens sem cor e sem ventura.

Imberbes e puros como os [
guerreiros  de Alcácer-Quibir,

as espadas de fogo dilacerando o bater dos [corações. 



Regressei um dia,

lavando a alma na espuma das lágrimas. 

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Fonte: Abreu, António Graça de:
Diário da Guiné: lama, sangue e água pura.
Lisboa: Guerra & Paz.
2007,
p. 11

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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10343: Blogpoesia (199): Os felizardos da guerra (Joaquim L. Mendes Gomes)
 

3 comentários:

Anónimo disse...

António, gostei do teu poema, a frase éramos uma pátria infeliz combatendo um pobre povo, dava para um bom motivo de reflexão, não tanto para os da nossa idade, mas sim para os mais novos, mais ainda, no momento conturbado porque estamos a passar

Um abraço
António Eduardo Ferreira

Anónimo disse...

Caro Graça de Abreu

Gostei muito do poema, realista, vivido por si e por tantos dos nossos, nesses conturbados anos...

A vida é uma luta constante, mas a única de que gosto, é das palavras, a da força interior, que nos faz crescer, mau grado, muitos preparam a guerra sem que o povo tenha uma palavra a dizer, mas é o povo anónimo, que luta e que mata e que morre, para satisfazer caprichos e interesses de quem fica na rectaguarda, protegido, a salvo de todos os perigos...

um abraço da

Felismina

Bispo1419 disse...

Meu caro António,
É sempre bom sabermos que palavras nossas toca(m)ram ou emociona(m)ram alguém (por mim falo, claro). E, então, quando elas estão "embrulhadas" em beleza (também há beleza na tragédia), na beleza que a poesia transporta e transmite, então:
É dever do recetor comunicar ao emissor esse resultado, se tiver oportunidade para o fazer como é aqui o meu caso.
Um grande abraço do
Manuel Joaquim