sábado, 22 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10421: Passatempos de verão (15): Os Soldados Desconhecidos; A Chama da Pátria e O Cristo das Trincheiras (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 13 de Setembros de 2012:

Boa noite, senhores editores
Tenho um texto "na gaveta" que, mesmo polémico vai avançar.
Há muito tempo que o tinha em mente, mas apareceram na pesquisa a referência a documentos dos anos 60 que quero consultar. Como não os encontrei, ao procura-los, pedi auxilio e estou a aguardar uma indicação, para ser mais preciso na exposição do mesmo.
Entretanto, para ilustrar o texto referido, ao procurar imagens para o ilustrar surgiu um relato que, além do texto, valia pelas imagens, imagens essas do inicio dos anos 20 do século passado. Como disponho de elementos sobre o/os factos, deitei mãos à obra, e por isso terminei há pouco um texto sobre "Os Soldados Desconhecidos", a "Chama da Pátria" e o "Cristo das Trincheiras".
Nada tem a ver com a Guiné nem com a Guerra Colonial. Apenas a diferença. O que revelo neste texto, vai de 1920 a 1858, ou seja 38 anos, tantos como tem a nossa democracia.
Diferenças? Muitas.

Um abraço
José Martins


OS SOLDADOS DESCONHECIDOS 
A CHAMA DA PÁTRIA 
O CRISTO DAS TRINCHEIRAS

O mundo conheceu, entre 28 de Julho de 1914 e 11 de Novembro de 1918, uma guerra que, a pouco e pouco, envolveu quase todos os países de mundo, ficando conhecida como a Grande Guerra, ou a Guerra das Guerras porque se julgava que, depois de tamanha catástrofe, não mais haveria guerras.

Para tal, foi assinado o Tratado de Versalles, em 28 de Junho de 1919, que impunha à Alemanha, pelas nações vencedoras mas principalmente a Inglaterra e a França, sanções politicas, económicas e militares. O tratado foi ratificado pela Liga das Nações em 10 de Janeiro de 1920. No final do conflito, seriam contadas cerca de 19 milhões de mortes, entre as partes em confronto e contando militares e civis. Passada a euforia da vitória, celebrada com desfiles para que as tropas pudessem ser ovacionadas, havia que honrar os que tinham tombado em combate.

Em França, Francis Simon e Maurice Maunoury, “repescam” a ideia de François Ferdinand Philippe Louis Marie d'Orléans, Príncipe de Joinville, (Neuilly-sur-Seine, 14 de Agosto de 1818 - Paris, 17 de Junho de 1900), de trasladar o corpo de um soldado não identificado na Guerra franco-prussiana de 1870/1871. Assim, a França inumou, no Arco do Triunfo (11 de Novembro de 1920), o seu Soldado Desconhecido.

No ano seguinte, ano de 1921, foi a vez da Itália, Portugal, Bélgica e Estados Unidos da América e no ano de 1922, a Grécia, Checoslováquia, Jugoslávia e a Polónia.

O féretro do soldado tombado em França, transportado por soldados de infantaria 

Na 41ª Sessão da Câmara dos Deputados, realizada em 18 de Março de 1920, o Governo decide fazer trasladar dois corpos de soldados portugueses, um da Flandres e outro de Moçambique. Os Soldados Desconhecidos seriam inumados na Sala do Capítulo, no Mosteiro da Batalha, e as cerimónias teriam início no dia 9 de Abril de 1921, devendo esse dia ser considerado feriado nacional.

Nesse mesmo mês, Março de 1920, o Governo deu instruções ao seu adido militar em Paris, para iniciar o processo de trasladação do corpo de um militar, não identificado, para Portugal. O corpo foi exumado do cemitério na Flandres e transportado para o Havre, ficando em câmara ardente no quartel do Regimento Francês nº 129. Daí foi transportado, no navio de transporte “Porto”, para Portugal sendo, a partir do Cabo da Roca até ao cais de Santos, escoltado pelo Contratorpedeiro “Guadiana”, onde desembarcou a 6 de Abril de 1921.

O féretro do soldado tombado em Moçambique, transportado por marinheiros

No cais de Santos estava postada uma força para prestar Honras Militares ao féretro, que era transportado por seis soldados de infantaria, para o Arsenal da Marinha, sendo depositado na Casa da Balança. Das honras militares prestadas, constaram o hino da “Maria da Fonte”, executado pela Banda da Marinha, enquanto os navios de guerra fundeados no Tejo, fizeram uma salva de vinte e um tiros.

Na cerimónia estavam presentes: o Presidente da República António José de Almeida, o Ministro da Guerra Álvaro de Castro, além de outros representantes do Governo e do Parlamento. A Igreja estava representada por D. José do Patrocínio Dias, Bispo de Beja e Chefe do Corpo de Capelães do CEP.

Entretanto, a bordo do navio de transporte inglês “Briton”, da Union Castle Mail, já se encontrava em viagem, desde a África Oriental Portuguesa (Moçambique), a urna contendo os restos mortais do “Soldado Desconhecido” tombado em combate perante os alemães, nos combates que nunca foram objecto de declaração de guerra, por parte daquele país.

O navio foi, na parte final da viagem, sobrevoado por um hidroavião até ao cais da Pontinha, na ilha da Madeira, onde é desembarcado o esquife com os restos mortais cerca das 20 horas do dia 30 de Março de 1921.

No dia seguinte, ainda na Madeira, pela uma hora da tarde, o féretro foi conduzido em cortejo no qual se incorporaram as autoridades civis e militares, o corpo consular, alguns oficiais ingleses, representantes das diferentes escolas e agremiações, contingentes das forças militares da guarnição do Funchal, desde o Posto de Desinfecção Marítima, onde tinha sido recolhido após o desembarque, até aos Paços do Concelho, onde ficou em câmara ardente até ao dia 3 de Abril, data em que foi embarcado no cruzador “Republica” para ser conduzido até Lisboa, onde chegou no dia 6 de Abril de 1921 para ser conduzido para a Casa da Balança, onde se encontrava o corpo do militar tombado em França.

As autoridades que estiveram na recepção ao corpo do militar vindo de França, também estiveram presentes à recepção do soldado vindo de África.

Para as cerimónias de inumação dos Soldados Desconhecidos, e que se iriam desenrolar em Lisboa, Leiria e Batalha, diversos países fizeram-se representar pelas seguintes entidades oficiais e representações militares:
• Marechal Joffre, da França, e o cruzador francês “Jeanne d’Arc”;
• Marechal Diaz, da Grã-Bretanha, e o cruzador inglês “Cleópatra”;
• Contra-almirante Hughes e o cruzador USS “Olympia”:
• General Smith Dorien, Governador de Gibraltar
• Almirante Pedro Zofia, de Espanha, e o cruzador D. Afonso XIII”.

No dia 7 de Abril, as urnas contendo os restos mortais dos "Soldados Desconhecidos", foram transportados em armão militar desde a Casa da Balança, nas instalações da Marinha, até ao Palácio do Congresso, hoje Assembleia da Republica, seguindo pela Rua do Arsenal, Rua do Ouro, Rossio, Avenida da Liberdade, Rua Alexandre Herculano, Praça do Brasil (actualmente Largo do Rato), Rua de São Bento e Largo das Cortes. O Presidente da República e as entidades oficiais estrangeiras, assistiram à passagem do cortejo das janelas da Estação do Rossio.

O cortejo transportando os corpos dos Soldados Desconhecidos. 

Integraram-se no cortejo a representação da Câmara Municipal de Lisboa, as Bandeiras de todos os regimentos do país com a respectiva escolta, as Universidades, Corporações de Bombeiros, contingentes militares estrangeiros, soldados da Infantaria Portuguesa, Guarda Nacional Republicana, Escuteiros e mulheres cujos filhas foram dados como desaparecidos na guerra. Ao chegarem ao palácio, foram as urnas colocadas em câmara ardente, veladas pelas forças de Terra e do Mar, em permanência, até serem transportadas para o local de repouso final: a Sala do Capítulo do Mosteiro Santa Maria da Vitória, na Batalha.

A Câmara dos Deputados realizou uma sessão de homenagem aos Soldados Desconhecidos, no dia 8 de Abril de 1921.

Quiseram os governantes deste país que, três anos após o “desastre de La Lys” fosse um dia de glorificação para os Combatentes que lutaram e tombaram na Grande Guerra em África a na Flandres, a que o povo aderiu. Afinal estavam a glorificar os seus filhos, os seus rapazes que, deixando tudo, partiram ao para a guerra, tendo tombado por lá ou regressado com mazelas no corpo e na alma.

Porque “Homenagear as cinzas desses Heróis Anónimos, é homenagear as relíquias da Raça lusa, é homenagear os seus irmãos, que, feita a guerra e despidas as fardas de gloriosos combatentes, se espalharam pelas províncias de Portugal, depondo as armas e empunhando o arado, para continuarem as suas vidas tão anónimos e desconhecidos como aqueles que ali dormem…” [texto parcial da homenagem prestada pela 5ª Divisão de Coimbra, no 6º aniversário da Batalha de La Lys – separata do “Correio de Coimbra” – 1924].

As urnas em câmara ardente do Palácio do Congresso

Os esquifes que continham os restos mortais dos Soldados Desconhecidos foram transportados para a Basílica da Estrela, para a cerimónia solene das exéquias fúnebres, que seria celebrada pelo Cónego Anaquim, o Arcebispo de Évora D. Manuel Mendes da Conceição Santos teve a seu cargo a homilia, sendo a absolvição proferida pelo Bispo de Beja D. José do Patrocínio Dias que, Cónego da Sé da Guarda em 1915, se ofereceu para voluntariamente servir no CEP na assistência aos soldados portugueses em França, tendo sido nomeado Capelão Chefe. À cerimónia, preparada pelo Bispo de Beja e o Ministro da Guerra Álvaro Xavier de Castro - para serem dignas dos soldados tombados em combate - assistiram o Chefe de Estado, as delegações estrangeiras da Itália, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Espanha, e altas dignidade civis e militares.

Finda a cerimónia, o cortejo saiu da Basílica descendo a Calçada da Estrela, Avenida Presidente Wilson (actual D. Carlos I), 24 de Julho, Cais do Sodré, Rua do Arsenal, Rua Augusta, em direcção à estação do Rossio, onde aguardava um comboio especial para transportar o féretro sob escolta de honra, e as demais entidades para estação de Leiria, estando as ruas ladeadas pelo povo em sentida homenagem aos Heróis da Pátria.

O Cardeal-patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo, o Presidente da República Dr. António José de Almeida, e o presidente do Ministério Dr. Bernardino Luís Machado Guimarães, seguiam a pé, nas ruas de Lisboa, os dois ataúdes que continham os restos dos Soldados Desconhecidos.

Junto à estação do Rossio, que junto à fachada tinham sido colocados sacos de areia e morteiros, simulando uma trincheira, as urnas foram recebidas pelas autoridades portuguesas e delegações estrangeiras, postadas em continência.

Vagão onde foram transportadas as urnas. 

Para transportar o féretro na sua viagem para Leiria e daqui para a Batalha, foram organizados três comboios.

Os ataúdes foram, a partir de Leiria, escoltadas pelas bandeiras dos regimentos de todo o país e das legações estrangeiras, assim como por uma força militar em Guarda de Honra.

No espaço frente ao Mosteiro da Batalha, que ia ser transformado em Panteão da Pátria, duas filas de militares armados continham a multidão que se comprimia num último adeus aos seus Soldados Desconhecidos.

À passagem do féretro, seguido pelas bandeiras, os militares apresentaram armas numa eterna homenagem e num adeus derradeiro, enquanto as bocas de fogo davam salvas de artilharia.

A partir desse momento, “o Túmulo do Soldado Desconhecido no Mosteiro da Batalha passou a ter sempre uma guarda de honra e uma vela acesa como sinal do respeito perene pelos que caíram no cumprimento do dever”.

* * *

Quem segue de perto o dia a dia deste país, decerto que se vai apercebendo que, apesar dos mesmos factos nunca se repetirem, o que é certo é que a história, as várias histórias deste centenário povo acontecem, senão com certos laivos de igualdade, pelo menos com muitas parecenças.

Depois de pensada e executada a trasladação dos corpos de militares tombados no Campo da Honra em África e na Flandres, depois das cerimónias a que foram atribuídas o maior brilhantismo possível, passaram ao “esquecimento”. A distância da Batalha ao centro do poder instalado em Lisboa, a “Capital do Império”, era mais que suficiente para o esquecimento: o que tinha sido considerado o Templo da Pátria, o Panteão dos Heróis, estava ao abandono.

Um dos armões onde foram transportadas as urnas, de Leiria para a Batalha.

Esta situação era constatada, não só por quem visitava aquele templo erguido por voto de D. João I aquando da batalha de Aljubarrota, mas sobretudo por delegações estrangeiras, que lá se dirigiam, para honrar os restos mortais dos Soldados Desconhecidos de Portugal.

Nesse sentido, em 24 de Maio de 1922 [data não confirmada], o Parlamento dá conhecimento do facto ao Ministro da Guerra General António Xavier Correia Barreto do estado de abandono, pelos poderes públicos, em que encontra o Panteão dos Soldados Desconhecidos, na Batalha, a Sala do Capítulo, assim como a vergonha que representava para o país e para o Exército. Para obviar esta situação vexatória para o país, foi votado “uma verba suficiente para completar de forma condigna a homenagem aos Soldados Desconhecidos, que são o símbolo da heroicidade da raça lusitana nos campos da Europa, África, no ar e no mar, durante a Grande Guerra”.

* * *

Pela pena do jornalista Gabriel Boissy surge, em 1923, a ideia de colocar junto da tumba onde repousam os “Soldados Desconhecidos”, uma “Chama da Memória” que, uma vez acesa, permaneceria assim, perpetuando uma luz, por maior que fosse a escuridão, uma luz dizíamos, que sinalizasse o local onde jaziam os Soldados cujos corpos não identificados, representavam o sacrifício dum povo. Ainda persistia a ideia de que o mundo tinha assistido, na época de 1914/1918. à Guerra das Guerras, ou seja, a última.

Pura ilusão, sabemos hoje, e de que maneira! Assim, dando corpo à ideia da colocação de um lampadário junto dos restos mortais destes Heróis, a 5ª Divisão do Exército, sediada em Coimbra, tomou à sua responsabilidade levar a efeito esta concretização, recaindo sobre o Mestre António Augusto Gonçalves, escultor, elaborou o projecto, cuja entrega dos desenhos fez ao Presidente da Comissão da “Chama da Pátria” , em carta datada de 1 de Abril de 1961, de que se transcreve a explicação das figuras que a compõem: “Devo esclarecer que as três figuras representam combatentes, sintetizando os acontecimentos de três épocas das mais gloriosas dos feitos portugueses: 
• Fundação da nacionalidade – D. Afonso Henriques (Século XII). 
• Consolidação definitiva da nacionalidade na península e a sua dilatação pelas conquistas ultramarinas – D. João I (Século XV). 
• Confirmação dos seus destinos na revivescência das suas energias históricas na “Grande Guerra” da actualidade [Século XX].”

A execução da obra foi entregue a Lourenço Chaves de Almeida, 1º Sargento Serralheiro do Regimento de Infantaria nº 23 (Coimbra) e discípulo do autor do projecto, que enaltece no texto que escreveu e acompanhou a entrega da obra, dizendo: “Preito da Minha Gratidão ao meu Querido Mestre António Augusto Gonçalves, que depois de Meu Pai, foi quem completou a minha personalidade artística!”

Ultimo e definitivo projecto da Lampadário “Chama da Pátria” tal como se encontra no Mosteiro da Batalha velando os restos simbólicos dos Heróis portugueses na Grande Guerra.

O 1º Sargento Serralheiro Lourenço Chaves de Almeida era condecorado com a Cruz de S. Tiago da Espada – grau Cavaleiro, medalha da Vitória do CEP e medalha de Comportamento Exemplar.

A escultura, em ferro forjado, foi iniciada em 20 de Abril de 1921 e concluída em 29 de Junho de 1922, tendo sido dispendidas cerca de 4.800 horas de trabalho.

A sessão de entrega do lampadário para ser colocado junto da Campa Rasa dos “Soldados Desconhecidos”, foi efectuada em 9 de Abril de 1922, pelas 15 horas, na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha.

Foi o Ministro da Guerra, Tenente-coronel Américo Olavo Correia de Azevedo, que acendeu a “Chama da Pátria”, a ser alimentada por genuíno azeite português.

No já extinto jornal diário o “Século”, o jornalista Mário Campos escrevia, na edição do dia 9 de Abril de 1924, na página 5 na sua crónica “A jornada gloriosa do 9 de Abril”: "(...) Precisamente no momento do silêncio, o Sr. Ministro da Guerra, o Sr. Américo Olavo, acenderá, na Batalha, junto do túmulo dos Soldados Desconhecidos o «Lampadário da Pátria», devendo fazer uso da palavra nessa impressionante celebração, o general Sr. Simas Machado, comandante da 5ª Divisão militar, os representantes oficiais das Ligas de Combatentes e da Comissão de Padrões e, por último, o Sr. Ministro da Guerra".

* * *

O simbolismo da Sala do Capítulo, não estava completo. Havia “algo” que, durante a permanência das nossas tropas no seu sector defensivo, os protegia e amparava na sua dura missão na guerra e em terra estrangeira.

Dominando a paisagem entre as localidades de Lacouture e Neuve-Chapelle, pregado no seu madeiro e sujeito à chuva e ao vento que se fazia sentir, estava uma imagem de Cristo que, para os nossos avoengos camaradas de armas, representava a ligação à Terra-Mãe, a ligação à Família que, lá longe, se ajoelhava perante uma imagem semelhante, para por eles orar.

Foi sobre esse cenário de “calma e devoção” que, em 9 de Abril de 1918, o exército alemão fez cair a sua tempestade de metralha e morte, fazendo revolver a terra e incendiando-a. Neuve-Chapelle quase desapareceu do mapa, reduzida a escombros.

No terreno tombaram, no Campo da Honra, cerca de 7.500 portugueses da 2ª Divisão do CEP, agonizantes ou já mortos.

De pé no local, apenas o “Cristo Crucificado”, apesar de mutilado: os estilhaços tinham-lhe decepado as pernas e um braço e uma bala, “a lança dos tempos modernos” tinha-lhe trespassado o peito.

Para os portugueses era, e ainda é, o “Cristo das Trincheiras”.

O “Cristo das Trincheiras” derrubado da cruz.

As tropas retiraram ou foram retiradas, mas a imagem manteve-se no seu lugar em permanente vigília, na mesma forma e local em que estivera ma Batalha do Lys, durante mais quarenta anos.

Imagem de grande significado quer para os soldados do CEP quer para a generalidade do povo português, que já ouvia da boca dos combatentes o sucedido e, por esses relatos, já conhecia esse Cristo, o que acabou por ser solicitado, pelo governo de então, a sua vinda para Portugal.

A Imagem chegou a Lisboa, por via aérea, em 4 de Abril de 1958, por sinal na Sexta-feira Santa, acompanhada por uma delegação de combatentes portugueses, que tinham fixado residência em França, e por uma delegação de deputados franceses, chefiada pelo Coronel Louis Christians.

Apoteoticamente recebida pela população, foi transportada para a Capela da Escola do Exército (actual Academia Militar) nos Paços da Rainha, onde esteve à veneração até ao dia 8 desse mês de Abril, altura em que foi transportada numa viatura militar para o Mosteiro da Batalha, sem qualquer cerimónia especial. Ao chegar à Batalha, foi conduzida para o refeitório do mosteiro, onde ficou exposta.

No dia 9 de Abril de 1958, no 40º aniversário da Batalha do Lys, começaram a chegar ao Mosteiro da Batalha, pelas 11 horas, as entidades que estariam presentes na cerimónia, entre as quais o embaixador de Portugal em França e da França em Portugal, os Adidos Militares da França, Bélgica e Estados Unidos, altas patentes militares portuguesas do Exército, Marinha e Força Aérea (criada em 1 de Julho de 1952), autoridades civis, militares e religiosas.

O “Cristo das Trincheiras” reposto na cruz, à cabeceira dos “Soldados Desconhecidos”. 

Pelo meio-dia chegou ao local o Ministro da Defesa Nacional, Coronel Fernando dos Santos Costa, acompanhado do Coronel francês Louis Christians, aos quais foram prestadas Honras Militares por um batalhão do Regimento de Infantaria nº 7, de Leiria, que tinha participado no CEP com uma força a nível de batalhão.

O andor que transportou o “Cristo das Trincheiras” entre o refeitório e a Sala do Capitulo do Mosteiro de Santa Maria da Vitoria, foi levado em ombros pelos representantes da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, sendo a imagem de Cristo colocada à cabeceira da campa rasa, cuja lápide, inicialmente colocada paralelamente à parede lateral e virada para a porta, tinha sido mudada para a posição perpendicular à mesma.

Findas as intervenções militares e religiosas, o representante francês condecorou os Soldados Desconhecidos, colocando, sobre a laje tumular, duas Cruzes de Guerra.

A fanfarra do Regimento de Infantaria nº 19, de Chaves, executou os toques de ordenança, enquanto uma bateria do Regimento de Artilharia Ligeira nº 4, de Leiria, executava uma salva de 19 tiros.

Medalha da Cruz de Guerra, francesa

Desde a sua inumação na Batalha, os Soldados Desconhecidos têm sido alvo de diversas cerimónias, quer de forças militares quer de outros organizações, lembrando os combatentes que tombaram em defesa da Pátria. É normal haver referências ao “Soldado Desconhecido”, talvez por na lápide que cobre a sepultura, ter a seguinte inscrição:

PORTUGAL, 
ETERNO NOS MARES, 
NOS CONTINENTES E NAS RAÇAS 
AO SEU 
SOLDADO DESCONHECIDO 
MORTO 
PELA PÁTRIA
 _ 

GRANDE GUERRA 
1914-1918

Na realidade são dois soldados e, em nosso entender não são “desconhecidos”.
Esses militares, e todos os outros, tiveram pai e mãe, tiveram irmãos, avós e outros familiares e, possivelmente, muitos já tinham filhos. Portanto não são desconhecidos. Apenas não foram identificados e, por conseguinte, mantêm-se incógnitos, como tantos outros a quem, a História, se esqueceu de registar o Nome.

Fotos: © www.momentosdehistoria.com

José Marcelino Martins
josesmmartins@sapo.pt
13 de Setembro de 2012
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10417: Passatempos de verão (14): Composição fotográfica CCAÇ 2317 - Pioneiro de Gandembel (Joaquim Gomes Soares)

10 comentários:

António Rodrigues disse...

Há dois dias passei pelo Mosteiro da Batalha e visitei a sala do Capítulo, aí prestei a minha homenagem ao dois soldados desconhecidos.A primeira vez que visitei este túmulo, tinha os meus 11 anos foi em 1963.

Antº Rosinha disse...

Esta "grande reportagem" que José Martins nos traz, parece longínqua mas na realidade a "nossa guerra colonial" até parece uma continuação daquela guerra em que aparece o "soldado desconhecido".

Muitos de nós na nossa juventude ainda conhecemos vizinhos que se dizia serem GAZEADOS da guerra, quando circulavam pelas ruas das nossas aldeias com um ar estranho como se andassem distraídos com algo que os preocupava.

Esses gazeados foram alguns dos sobreviventes da trincheiras em França.

Como diz no post também veio um caixão de Moçambique.

Pois ninguem tenha dúvida que se a Alemanha tem ganho aquela guerra, nunca a nossa geração tinha ido para o ultramar matar e morrer.

Não veio nenhum féretro de Angola, mas foi terrível uma guerra no sul de Angola na fronteira do Sudoeste Alemão, actual Namíbia.

Ainda trabalhei em cartografia nessa fronteira em 1958, onde conheci velhos Cuanhamas, da tribo que foi armada pelos alemães para correr com os portugeses, e tiveram os pais e tios nessa guerra quando eles eram crianças ao lado dos alemães.

(Muitos guineenses mais tarde lutaram ao lado dos cubanos)

Os alemães queriam as bacias hidrográficas dos rios Cunene e Cubango.

Anda tudo muito ligado, mais do que ligado que até parece ontem que portugueses andaram à porrada contra Holandeses no Recife e em Luanda e na Baía para criar enormes fronteiras num lado e no outro do Atlântico.

Mas que sina a nossa!

Cumprimentos

Luís Graça disse...

Zé Martins, é uma justa homenagem ao soldado desconhecido, e nomeadamente aos nossos avós que combateram na Flandres (sem saber porquê!) em defesa dos superiores interesses da "Pátria", a começar pelo nosso império colonial em África ?...

E só de pensar em cerca dos 15 mil homens que estavam nas trincheiras da Flandres, as tropas portuguesas, mal treinadas, mal equipadas, mal alimentadas, mal enquadradas, mal informados... em apenas quatro horas (!) de batalha, em La Lys, no dia 9 de abril de 1918, perderam cerca de metade desses efetivos, entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, incluindo 327 oficiais...

Se...se... se..., Rosinha, os alemães tivessem ganho a I Guerra Mundial ? E, de se...se... em se... se..., república nunca tivesse existido ?... E se Dom Sebastião tivesse regressado de Álcacer Quibir na tal manhã de nevoeiro ? E se o principe dom Afonso Henriques e os barões do condão portucalense, que o apoiavam, tivesse perdido a batalha de São Mamede, em Guimarães, em 24 de junho de 1128 em favor de Dona Teresa e do seu amante galego, o conde de Trava ?...

... nem tu terias sido mobilizado para Angola, em 1961, nem eu para Guiné, em 1969...

Feliz ou infelizmente a história não é uma ciência prospetiva, não trabalha com cenários fictícios ou hipotéticos, mas sim com factos consumados, reais, documentados...

... Se...se...se... Napoleão tem triunfado em Portugal, o país hoje estaria dividido em três, com o Porto a falar italiano, Lisboa a falar francês e Évora a falar espanhol...

Se...se...se... as divisões Panzer não tivessem parado nos Pirinéus e continuassem a sua caminhada vitoriosa até Gilbraltar, nós hoje (e os angolanos) estaríamos provavelmente a falar... alemão!

Um abraço, um kandando, LG

PS - Rosinha, queres alguma coisa para Luanda ? Volto lá a 14 de outubro...

Domingo, Setembro 23, 2012 3:49:00 p.m.

Hélder Valério disse...

Caro amigo José Martins

Os meus parabéns por este trabalho. Pela pesquisa e pelo divulgação do mesmo.

É um relato minucioso de como as coisas evoluíram até à situação actual, relativamente a esses 'soldados desconhecidos', honrando os combatentes, através dos mortos, da 'Grande Guerra'.
De facto, só se pode comparar com a situação dos 'nossos tempos' pela ausência de atitude semelhante dos poderes instituídos.

Quanto aos 'gaseados'... na minha aldeia, que contribuiu com alguns dos seus filhos para esse 'matadouro' tenho uma ideia muito vaga de as pessoas se referirem a eles entre um misto de respeito, de compaixão e também de temor, pois parece que chegou a haver alguns acessos de 'loucura violenta'.

Curiosamente, o meu conterrâneo e escritor vilafranquense Álvaro Guerra (e meu ídolo de juventude quando ele era o guarda-redes da equipa de hóquei da UDV e que não continuou devido aos ferimentos na Guiné), regista uma figura dessas, o "Zé Bumbo" que aparece no seu primeiro livro da trilogia que escreveu, o "Café República". Era um personagem que vagueava pela Vila, cantando a propósito e a despropósito a "Madelon" cantiga que transportou das trincheiras, fazendo observações mais ou menos desconcertantes e suscitando risota ou temor.

Não me lembro dessa personagem da vida real mas tenho uma vaga ideia se se falar dela.

Abraço
Hélder S.

António Duarte disse...

José Martins,

Um abraço de agradecimento pelo teu trabalho. Pessoalmente toca-me bastante, já que o meu avô materno foi combatente em Moçambique.
Continua as tuas pesquisas.
António Duarte

Anónimo disse...

Meu caro Amigo e Camarada José Martins,
Mais um belíssimo poste. Mais uma demonstração da tua veia de investigador histórico.
Mais uma vez nos pões a pensar nesta nossa sina.
Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Boa-noite Zé Martins

Como já tenho referido, adoro história, a nossa História!
Muitas vezes não foi honrosa, pois não existe um mundo perfeito, mas o que admiro e respeito, não são as ideias dos Srs das guerras e das conquistas, mas o sofrimento e a coragem, a força, a dedicação às causas em que acreditava o povo, enganado e formatado para agir em nome da Pátria, matando os "inimigos" que nunca viam, porque eles ficavam bem guardados nos seus palácios e castelos.

Obrigada Zé Martins por mais este bocado da nossa história, que tanta vez ouvi contar ao meu avô materno, que servia na Marinha Portuguesa durante o referido conflito. Sentada num banco frente à sua casa, nas noites de Verão, e à volta da lareira nas noites de Inverno, eu revivi com ele, esses tempos de 1914/1918. Milhares de vezes ouvi referir "Lá Liz" e as perdas dos nossos, nesse triste acontecimento. Chamaram-lhe a Ala dos namorados, por serem todos tão jovens, e na idade de começar a viver, morrerem, como diz a História, cerca de 7.500 jovens portugueses. Não me lembro é de alguma vez ter ouvido referir, o Cristo das Batalhas.
Ouvi muitas vezes o meu avô assobiar a "Marselhesa" enquanto passava "pelas brasas", marcando o compasso com as pontas dos dedos, sobre a mesa da cozinha.



Obrigada Zé Martins por mais esta tão completa lição da nossa História. Desconhecia as honras prestadas, mais que merecidas, aos soldados "desconhecidos", que mais não eram,
que soldados não identificados, pois como muito bem diz, eles tiveram pais, irmãos, muitos mulher e certamente filhos.

Parabéns amigo, pela procura de documentação e ilustração da forma como os países participantes no conflito, resolveram homenagear os que morreram e nunca conseguiram identificar,nessa guerra das guerras, que tb não se revelou ser, pois outras viriam a desmenti-lo, por ainda mais horrorosos crimes, praticados em nome das ideias de um louco.

Um abraço Zé Martins, e o meu pedido de desculpas pela minha participação com este comentário, pois que não consigo ficar indiferente.


Felismina


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José Marcelino Martins disse...

Há muitos "ses" da nossa história.

Falemos de alguns:

Angola - Para nós foi "relativamente" fácil. As forças alemãs não estavam muito "motivadas".

Moçambique - As nossas tropas tivaram mais problemas, não só pela resistência das tropas alemãs, mas tambem pela ausência de estruturas para o desembarque de homens e material. As nossas tropas, apesar de desgastadas pelo clima e pela doença, atravessaram o Rio Rovuma (fronteira natural norte de Moçambique) e penetraram vários quilometros na África Oridental Alemã, mas tiveram de regredir por falta de logistica.

Pirineus - Foi ali que "pararam" as tropas alemãs, porque se "abriu" a frente russa. Havia, no entanto, planos para invadir a península e, logicamente Portugal, como ponte para Gibraltar. Á falta do avanço alemão, Franco tomou a iniciativa para preparar a invasão de Portugal, tendo por objectivo a conquista de Lisboa e peninsula de Setubal. Estes planos, de que tenho elementos, faltavam datar e assinar.

S. Mamede - Algo que muitos desconhecem. Afonso Henriques iniciou a Batalha de São Mamede sem ter sob o seu comando as tropas que tinha "convocado" para a sua "ordem de batalha".
Iniciado o combate com as tropas de sua mãe, as forças de Afonso foram derrotadas e, durante a retirada chegaram as hostes de retirada chegaram as hostes de Gonçalo Mendes da Maia, o célebre Lidador, que trazendo "tropas frescas" voltaram ao combate, vencendo, assim, as tropas já depauperadas de D. Teresa.

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