
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2023:
Queridos amigos,
A cidade de Bissau que conheci em 1968 ganhou outra fisionomia quando lá estive a última vez, em 2010. Sou capaz de identificar as imagens deste artigo de 1968 e custa-me dizer o que senti quando percorri os bairros de Missirá, Santa Luzia e Militar, instalou-se o caos urbano, via-se à vista desarmada que o crescimento demográfico não era acompanhado de infraestruturas minimamente capazes. Não sei a que título o arquiteto Fernando Varanda estudou os bairros do tempo de Sarmento Rodrigues e Arnaldo Schulz, mas há que reconhecer que faz observações pertinentes e a sua crítica assentava num tipo de habitação aberto à convivência e ao diálogo interétnicos, já que, do que vira em Safim e no Biombo, as etnias revelavam-se fechadas e seccionadas. Fernando Varanda, como poderão ver no Google, teve uma lustrosa carreira internacional em vários continentes trabalhando em planeamento urbano. Pode dar-se o caso de quem trabalha no planeamento urbano na Guiné-Bissau ache interessante as suas propostas.
Um abraço do
Mário
Habitação para indígenas em Bissau, 1968
Mário Beja Santos
A revista Geographica, da Sociedade de Geografia de Lisboa, publicou no número relativo a julho de 1968 um trabalho do arquiteto Fernando Varanda (1941-2023), doutor em Geografia Urbana, com assinalável carreira internacional, um artigo intitulado “Um estudo de habitação para indígenas em Bissau”.
A população negra envolvia a cidade branca, eram cerca de 30 mil habitantes alojados em construções feitas de materiais de ocasião, a falta de alojamento era enorme, os preços incomportáveis. A população distribuía-se por zonas de afinidade étnica. Tomavam-se medidas administrativas para distribuir os alojamentos por colunas ao longo das vias principais de acesso, tinha-se em linha de conta a segurança das populações e a segurança militar.
O arquiteto começou por observar alguns aspetos da habitação urbana indígena em Bissau e nos arredores – povoações das etnias Papel, do Biombo, Mancanha e Balanta, em Safim. Verificou-se que as zonas habitacionais estavam sombreadas por árvores de grande porte; quanto às zonas suburbanas, fez-se a observação da zona dos Papeis do Biombo, a 60 km de Bissau e a zona dos Mancanhas e Balantas de Safim, a 15 km da cidade.
Do inquérito efetuado abrangendo os regulados de Antula, Bandim, Intim, apurou-se haver sensivelmente 28,250 habitantes. O inquérito, na parte referente ao alojamento, foi dirigido a cerca de 200 chefes de família, amostragem pequena, verificou-se a composição do agrupamento familiar, os salários, o valor das rendas, quem tinha casa própria ou arrendada.
Fernando Varanda analisa a solução apresentada pelas entidades administrativas e procede à sua crítica. O primeiro esquema de organização vinha do tempo do governador Sarmento Rodrigues, pretendeu-se, nessa altura, criar um bairro na estrada de Santa Luzia, uma casa por família, com dois quartos, sala, cozinha e instalações sanitárias, o projeto ficou na construção de umas 38 casas.
Na admissão ao bairro privilegiava as vítimas do incêndio. A crítica de Fernando Varanda era de que no caso de Santa Luzia como no caso da Ajuda se escolher um planeamento urbano de régua e esquadro, dividindo regularmente uma área em retângulos e situando-a ao longo de uma grande via de comunicação.
Os núcleos eram concebidos em torno de uma origem de água, o espaço central serviria para recinto de convívio diário entre as famílias. E justifica a essência da sua solução que era a de visar a possibilidade de poderem habitar próximo três tipos de famílias: pequena, média e grande, em que a pequena terá 3 ou 4 elementos e a maior poderá ir dos 12 aos 15.
A evolução dos acontecimentos alterou tudo, os planeadores urbanos que me ditem as soluções propostas por Fernando Varanda como forma de criar condições confortáveis nos bairros caóticos que hoje existem em Bissau. É um estudo que vale como propósito de um tempo, mas a visão do arquiteto, conceituado geógrafo urbano, é merecedora da observação de todos aqueles que pretendem dar mais dignidade à vida dos habitantes em Bissau e em todos os outros aglomerados.
Estrada de Safim, as novas edificações, construídas pela administração. Quilómetros de casas em duas filas largamente separadas por uma faixa de trânsito para veículos
Morança Mancanha (estrada de Safim – embora de um tipo já decadente, aqui ainda é possível a vida com um certo intimismo e conforto). Foram aldeamentos deste tipo que a administração substituiu
Biombo, casa Papel. Trata-se de um agrupamento cuja unidade é a função da unidade familiar. Constrói-se um núcleo; aumentando a família, outro se ergue ligado por um alpendre
Nota do editor
Último post da série de 7 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26561: Notas de leitura (1778): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 1 (Mário Beja Santos)