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segunda-feira, 10 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26571: Notas de leitura (1779): Habitação para indígenas em Bissau, 1968 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
A cidade de Bissau que conheci em 1968 ganhou outra fisionomia quando lá estive a última vez, em 2010. Sou capaz de identificar as imagens deste artigo de 1968 e custa-me dizer o que senti quando percorri os bairros de Missirá, Santa Luzia e Militar, instalou-se o caos urbano, via-se à vista desarmada que o crescimento demográfico não era acompanhado de infraestruturas minimamente capazes. Não sei a que título o arquiteto Fernando Varanda estudou os bairros do tempo de Sarmento Rodrigues e Arnaldo Schulz, mas há que reconhecer que faz observações pertinentes e a sua crítica assentava num tipo de habitação aberto à convivência e ao diálogo interétnicos, já que, do que vira em Safim e no Biombo, as etnias revelavam-se fechadas e seccionadas. Fernando Varanda, como poderão ver no Google, teve uma lustrosa carreira internacional em vários continentes trabalhando em planeamento urbano. Pode dar-se o caso de quem trabalha no planeamento urbano na Guiné-Bissau ache interessante as suas propostas.

Um abraço do
Mário



Habitação para indígenas em Bissau, 1968

Mário Beja Santos

A revista Geographica, da Sociedade de Geografia de Lisboa, publicou no número relativo a julho de 1968 um trabalho do arquiteto Fernando Varanda (1941-2023), doutor em Geografia Urbana, com assinalável carreira internacional, um artigo intitulado “Um estudo de habitação para indígenas em Bissau”. 

Refere o autor que no propósito do seu estudo se visa um princípio de organização de habitação para as populações indígenas alojadas em Bissau em condições muito precárias. A guerra provocara um autêntico êxodo para os centros urbanos, a população negra de Bissau aumentara nos últimos 5 anos de 22 mil para 30 mil habitantes (números aproximados). Em Bissorã, a população era de mil habitantes antes do início da guerrilha, ascendia agora a 12 mil. Impunha-se, pois, encontrar soluções para integrar as populações que poderiam não mais voltar aos seus ambientes anteriores.

A população negra envolvia a cidade branca, eram cerca de 30 mil habitantes alojados em construções feitas de materiais de ocasião, a falta de alojamento era enorme, os preços incomportáveis. A população distribuía-se por zonas de afinidade étnica. Tomavam-se medidas administrativas para distribuir os alojamentos por colunas ao longo das vias principais de acesso, tinha-se em linha de conta a segurança das populações e a segurança militar.

O arquiteto começou por observar alguns aspetos da habitação urbana indígena em Bissau e nos arredores – povoações das etnias Papel, do Biombo, Mancanha e Balanta, em Safim. Verificou-se que as zonas habitacionais estavam sombreadas por árvores de grande porte; quanto às zonas suburbanas, fez-se a observação da zona dos Papeis do Biombo, a 60 km de Bissau e a zona dos Mancanhas e Balantas de Safim, a 15 km da cidade. 

O esquema de agrupamento é sensivelmente o mesmo: famílias que se agrupam numa morança, e conjunto de moranças, relativamente próximas, formando uma espécie de povoação. Cada morança tem, em média, de uma a seis famílias. A casa é de planta redonda, na sua forma mais tradicional. Mas por influência de costumes europeus caminha-se cada vez mais pela opção para a planta retangular ou quadrada.

Do inquérito efetuado abrangendo os regulados de Antula, Bandim, Intim, apurou-se haver sensivelmente 28,250 habitantes. O inquérito, na parte referente ao alojamento, foi dirigido a cerca de 200 chefes de família, amostragem pequena, verificou-se a composição do agrupamento familiar, os salários, o valor das rendas, quem tinha casa própria ou arrendada. 

As habitações são quase totalmente de planta retangular em Bissau, a área de cada casa era de cerca de 60 m2, excluindo quintais e zonas sanitárias. Cada casa tem entre quatro a seis divisões, servem de quartos. Os materiais de construção eram dos mais variados, veem-se casas de paredes de adobe e cobertura de folha de palmeira, veem-se outras com paredes em blocos de betão e cobertura de zinco e até de telha; o chão é de terra batida ou de cimento (este em caso de blocos de betão e cobertura de zinco). As instalações sanitárias e de banho existem foram de casa, nos chamados “cercados”. Não há esgotos, não há balneários ou retretes públicas. A cozinha existe no alpendrado ou no quintal. A água é fornecida por poços ou fontes abertas pela administração de Bissau. O mobiliário é escasso, camas ou esteiras, uma arca, bancos e cadeiras. 

Apenas os Fulas e Mandigas se mantêm fiéis às casas de planta circular, a planta retangular deve-se à influência europeia. Os espaços de convivência são praticamente inexistentes: cada família vive para si, dentro de casa ou ao alpendrado sempre existente, as crianças brincam na rua. Os arruamentos são os que a administração europeia criou.

Fernando Varanda analisa a solução apresentada pelas entidades administrativas e procede à sua crítica. O primeiro esquema de organização vinha do tempo do governador Sarmento Rodrigues, pretendeu-se, nessa altura, criar um bairro na estrada de Santa Luzia, uma casa por família, com dois quartos, sala, cozinha e instalações sanitárias, o projeto ficou na construção de umas 38 casas. 

Ao longo do tempo foi-se verificando uma infiltração progressiva de “palhotas” no meio das casas existentes. Estava em construção já muito avançada o bairro da Ajuda, a 6 km do limite da cidade, iniciativa de Arnaldo Schulz depois do bairro original ter sido destruído por um incêndio, em 1965; este bairro da Ajuda situa-se em frente ao Hospital Militar. 

O plano geral deste bairro era o seguinte: numa primeira fase, estavam já construídas 140 casas, numa área de 700 por 300 metros, isto num plano que incluía mercado, estabelecimentos comerciais, escola primária, posto médico, igreja católica, mesquita, centro social, cinema, lavadores públicos, oficina de carpintaria mecânica. São casas de planta quase quadrangular, com um alpendrado em toda a volta. A divisão interior da casa é uma sala grande, dois quartos, um quarto independente (para hóspedes), cozinha e instalações sanitárias, no alpendre.

Na admissão ao bairro privilegiava as vítimas do incêndio. A crítica de Fernando Varanda era de que no caso de Santa Luzia como no caso da Ajuda se escolher um planeamento urbano de régua e esquadro, dividindo regularmente uma área em retângulos e situando-a ao longo de uma grande via de comunicação. 

A solução não tem nada a ver com o sistema de vida em comunidade que faz parte da tradição guineense. Por tal razão, o arquiteto apresenta uma solução. Ele parte de um agrupamento de várias famílias, normalmente da mesma etnia, em disposição mais ou menos concêntrica, núcleo que está em relações de vizinhança próxima com outros. O conjunto de vários núcleos constituirá uma unidade dotada de equipamento próprio. A sua intenção era agrupar núcleos de 10 famílias em unidades de 6 núcleos, constituiria uma zona com serviços públicos bem definidos. As zonas separar-se-ão por amplos espaços verdes, tanto quanto possível naturais, com acessos próprios utilizáveis por viaturas. A intenção é proteger a intimidade dos habitantes permitindo-lhes a criação ou a continuação das suas estruturas tradicionais, mas também para abrir caminho a uma aculturação progressiva e compreendida.

Os núcleos eram concebidos em torno de uma origem de água, o espaço central serviria para recinto de convívio diário entre as famílias. E justifica a essência da sua solução que era a de visar a possibilidade de poderem habitar próximo três tipos de famílias: pequena, média e grande, em que a pequena terá 3 ou 4 elementos e a maior poderá ir dos 12 aos 15. 

Diz ter optado por uma forma poligonal de planta, faz-se assim convergir a vida de cada casa para um pátio interior alpendrado. Justifica dois tipos de casas, conforme a dimensão familiar; as paredes seriam em betão de adobe, assentes sobre uma fundação em betão ciclópico sobre-elevada, para evitar a entrada de água das chuvas no interior da habitação; a cobertura seria em folha de palmeira. Era propósito do arquiteto dar toda a facilidade aos habitantes para serem eles próprios a construir as suas casas, fornecia-se a planta base, o tipo geral de construção, permitindo aos habitantes que adequassem as suas casas à sua maneira de viver.

A evolução dos acontecimentos alterou tudo, os planeadores urbanos que me ditem as soluções propostas por Fernando Varanda como forma de criar condições confortáveis nos bairros caóticos que hoje existem em Bissau. É um estudo que vale como propósito de um tempo, mas a visão do arquiteto, conceituado geógrafo urbano, é merecedora da observação de todos aqueles que pretendem dar mais dignidade à vida dos habitantes em Bissau e em todos os outros aglomerados.

Estrada de Safim, as novas edificações, construídas pela administração. Quilómetros de casas em duas filas largamente separadas por uma faixa de trânsito para veículos
Morança Mancanha (estrada de Safim – embora de um tipo já decadente, aqui ainda é possível a vida com um certo intimismo e conforto). Foram aldeamentos deste tipo que a administração substituiu
Biombo, casa Papel. Trata-se de um agrupamento cuja unidade é a função da unidade familiar. Constrói-se um núcleo; aumentando a família, outro se ergue ligado por um alpendre
Bairro de Santa Luzia, a estrada passa junto à margem esquerda
Bissau, zona indígena, Chão Papel
Cupelom de Baixo
Cupelom de Cima
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Nota do editor

Último post da série de 7 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26561: Notas de leitura (1778): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 1 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26524: Notas de leitura (1775): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
José Maria Monteiro lançou-se num empreendimento solitário e invulgar: contar o que fez a Marinha de Guerra na Guiné, Angola e Moçambique, sínteses sobre as atividades operacionais e descrevendo até o dispositivo militar existente. Neste episódio elencam-se as atividades operacionais de 1964 até 1970, o autor regista as alterações operadas em 1968 por Spínola e passa em revista as grandes operações, quer no Sul quer no Norte, operações essas em que por vezes contavam com o Exército, com outras forças de elite e necessariamente contando sempre com a Força Aérea. Dá relevo a operações denominadas Catanada, Cocha e Cuco. Esmiúça a operação Mar Verde, ela tem sido de tal modo aqui tratada que seria repetitivo fazer-lhe aqui mais referência. Deixamos para o último episódio o sumário das atividades de 1971 a 1974, e haverá, espero, alguma surpresa com o que ele nos conta sobre o último militar a sair da Guiné.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (2)

Mário Beja Santos


A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Vamos ver agora as atividades da Marinha de Guerra na Guiné entre 1964 e 1968. Apareceram os primeiros engenhos explosivos aquáticos que afundaram alguns batelões enquadrados em comboios navais. Nos primeiros meses do ano de 1965, verificou-se um aumento das atividades da guerrilha nas regiões de Bajocunda, Canquelifa e Pirada, Schulz requereu a dois destacamentos que interviessem em Bigene, Barro e Ingoré, na zona Norte, e em Gadamael-Guileje. Em igual período cada um dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais (DFE) atuava na bacia hidrográfica da sua responsabilidade, usavam-se as técnicas de desembarque em botes de borracha, que rapidamente foram abandonadas porque estes, após o desembarque, ficavam sem proteção; passou-se a usar o desembarque e o reembarque com apoio das lanchas nos principais cursos de água da Guiné. Dera-se, de 1965 para 1966, um avanço da guerrilha que passara à ofensiva na zona do Cantanhez. A operação Safari, constituída pelos DFE 10, 9, 4 e 3, e ainda pela CF 7, tinha por objetivo destruir a base central localizada no triângulo Cafal-Calaque-Darsalame, não foi possível devido aos violentos confrontos com os guerrilheiros.

Recorda o autor que a orientação militar, seguida pelo Comando da Defesa Marítima até 1968 pressupunha o controlo e o emprego das unidades de fuzileiros sob a sua alçada, que era lançada em operações específicas em coordenação com outras forças navais. No início de 1966, vários DFE tentaram conquistar a zona de Cafine, sem êxito; em meados do ano, o PAIGC ampliava todas as bases ao longo da fronteira com o Senegal, atacando em S. Domingos, Barro, Ingoré e Susana. Em agosto desse ano, o dispositivo militar naval foi reforçado com mais uma Companhia de Fuzileiros. O dispositivo militar naval era constituído por quatro DFE e duas CF atuando em Bissau, Ganturé, Cacheu, rio Grande de Buba, rios Geba, Mansoa e Corubal e rios Cacine e Cumbijã. Vamos agora entrar num novo período.

Em maio de 1968, Spínola vai alterar toda a estratégia naval, acabou com as atribuições de defesa e segurança das bacias hidrográficas criando comandos de agrupamento operacionais permanentes nos quais seriam integrados os fuzileiros. No último mês em funções, o comandante-chefe Schulz determinou à Marinha a realização de operações com fuzileiros a fim de cortar o corredor de Sambuiá e também na zona de Geba-Corubal. Nesse mesmo mês de abril chegou à Guiné o DFE 13, a quem foi atribuída a responsabilidade de fiscalizar as bacias hidrográficas de Cacine e Cumbijã. Para Spínola, o objetivo passava a ser cortar o abastecimento aos guerrilheiros, foram lançadas duas grandes operações no Norte, a operação Via Láctea e a operação Andrómeda, visando a destruição das rotas de infiltração de Canja, Sambuiã, Jumbembem e Sitato, a logística da guerrilha do PAIGC ficou temporariamente em muito mau estado. Observa o autor que Spínola não nutria grande admiração pelos fuzileiros, mas aqueles êxitos alteraram a visão do comandante-chefe. E sempre na sua linguagem de exaltação e triunfo, o autor acrescenta que a operação Dragão 68, levada a cabo pelos DFE 12 e 13, veio a confirmar a grande máquina de guerra que eram os fuzileiros. E observa também o autor que para ultrapassar a logística naval e não ficar dependente dos meios da Marinha, Spínola, a partir de 1969, pressionou o Governo Central para que lhe enviasse as célebres Chaimites V-200 que chegaram a Bissau no final de 1970, revelaram-se pouco eficazes no que diz respeito ao poder de fogo e da chapa blindada.

No início de 1969, foi lançada uma nova operação de grande envergadura, de nome Grande Colheita, na qual participaram algumas unidades do Exército, apreenderam-se várias toneladas de armamento e o autor dirá que, como resultado desta operação, o DFE 13 fez a maior apreensão de material de guerra por uma única unidade e numa só operação. Em fevereiro desse ano, coube ao DFE 10 uma das missões mais ingratas que se registaram na Guiné, pesquisar e recolher os cadáveres de militares que morreram na travessia do rio Corubal, fora uma grande tragédia.

O autor socorre-se de um texto de um outro fuzileiro, José Talhadas, publicado com o título Memórias de Um Guerreiro Colonial, pela Âncora Editora. A operação Grande Colheita apareceu associada às operações Cocha e Catanada, realizadas na região de Cumbamory, o objetivo era destruir as importantes bases instaladas nesta região senegalesa, foram levadas a cabo pelo DFE 12, entre 1970 e 1971. A operação Catanada iniciou-se em 3 de abril de 1970, com partida de Bigene, os fuzileiros tinham como reforço um pelotão do Exército e dois oficiais veteranos de fuzileiros que estavam em Ganturé. O pelotão do Exército ficou numa bolanha com a missão de apoio de fogo e também de apoiar os fuzileiros na retirada em caso de necessidade. José Talhadas conta as peripécias da operação, a reação havida pelo grupo do PAIGC, houve um desencontro de grupos de fuzileiros, só mais tarde é que Talhadas veio a saber que Luís Cabral, então comandante da Frente Norte do PAIGC se encontrava no interior de Cumbamory, daí a resistência a toda a prova.

Passamos agora para a operação Cocha, novamente na região de Cumbamory, a força do PAIGC foi apanhada de surpresa, descobriu-se uma grande quantidade de armamento, era preciso defender as posições para permitir levar tal espólio, e descreve-se o apoio da Força Aérea, como se aproximava a noite, houve que fazer explodir tudo, independentemente de se ter capturado tanto material de guerra. O autor observa que no decurso da guerra mais nenhuma outra força conseguiu entrar em Cumbamory e ocupá-la, ainda que a espaços, muito menos logrou apreender tamanha quantidade de armamento.

Temos agora a operação Cuco, realizada em setembro de 1970, visava-se atacar com golpe de mão um eventual aquartelamento do PAIGC que se encontrava algures junto ao povoado senegalês de Sanou. O DFE 12 seguiu de Bigene para Barro e daqui iniciou a progressão para o interior do Senegal. Ao amanhecer deu-se o ataque, havia moranças a arder e população a fugir e deu-se um episódio digno de registo: “O nosso guia, um balanta chamado Bacar Camará, chefe de tabanca em Bigene, assim que reparou que alguns dos elementos da população de Sanou eram da sua família, começou a correr na sua direção, chamando-os pelos nomes. Este facto causou alguma desorientação, o que levou alguns dos nossos a disparar naquela direção, supondo que ele iria desertar. Mas felizmente alguns elementos da população pararam ao chamamento de Bacar, ele voltou de novo caminhando na nossa direção com um grupo de populares atrás de si, todo feliz, e assinalava que eram seus familiares que tinham fugido de Bigene e tabancas vizinhas no início da guerra.” Na revista à base esta revelou-se fortemente logística, com centenas de uniformes, mochilas, havia granadas de canhão e livros escolares.

Seguidamente o autor fará a narrativa da operação Mar Verde, depois vem as referências aos anos de 1971 a 1974, o autor elenca as unidades especiais de combate, conta a história, já referida no nosso blogue da epopeia da LDM 302, faz a lista dos marinheiros mortos na Guiné e para o próximo e último episódio fica reservada a narrativa, bem curiosa daquele que foi o último militar a sair da Guiné.

A LDG Alfange
Chaimite V-200

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 21 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26516: Notas de leitura (1774): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: A sua colaboração num livro de arromba, Orlando Ribeiro em 1947, na Guiné (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
José Maria Monteiro permaneceu 4 anos na Guiné, ligado à telegrafia. A sua ambição é mostrar a exemplaridade da Marinha de Guerra na Guiné, em Angola e Moçambique, referindo que esta geração de todas as gerações foi a mais combatente, a mais sacrificada e a mais revolucionária. Temo que exagere nas laudes que faz ao desempenho dos fuzileiros (cuja bravura jamais alguém contestou), e faz-se uma síntese, de acordo com os elementos que ele apresenta da intervenção dos fuzileiros e da Marinha de Guerra em geral a partir de 1961. Ele recorda que no segundo semestre de 1962 já havia confrontos com a guerrilha, na região Sul, faz uma menção detalhada da operação Tridente e de outras que se seguiram, vamos proximamente continuar com a síntese das atividades que ele apresenta entre 1964 e 1968, as alterações impostas por Spínola à atividade da Marinha, haverá mesmo espaço para se falar da operação Mar Verde.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (1)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Começa por lamentar a indiferença com que o país no seu geral trata os que combateram pela pátria, refere o sentimento de revolta que atinge os ex-combatentes; depois faz um esboço dos inícios da guerra colonial, uma descrição do recrutamento dos mais jovens combatentes, como se processava a partida para os teatros de operações e entramos propriamente na guerra de guerrilhas da Guiné, tudo matéria bem conhecida dos leitores, incluindo o mantra que as coisas na Guiné não correram nada bem durante a governação de Arnaldo Schulz, que em 1968 os relatórios não escondiam avanços e sucessos dos guerrilheiros, esperava-se uma mudança providencial com o brigadeiro António de Spínola, refere as primeiras diretivas do novo comandante-chefe, também matéria conhecida dos nossos leitores.

E lança-se então na gesta da Marinha de Guerra na Guiné, então encomiástico, assim, enaltecendo os fuzileiros:

“Penetraram nas matas africanas até ao fim do mundo, com uma vontade férrea de um povo que insistia em manter viva a herança de séculos e séculos, sem pensar que, um dia, as Forças Armadas portuguesas viriam a pôr fim a uma guerra suicida. No final do ano de 1961 embarca um pelotão de fuzileiros para a Guiné. Em junho do ano seguinte, embarca, por via aérea, o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) N.º 2, no final de dezembro de 1962 registaram os primeiros feridos entre os fuzileiros. Com o ataque a Tite em 20 de janeiro de 1963, começam as grandes façanhas dos guerrilheiros em terras da Guiné, uma vez que eram os homens mais bem preparados para este tipo de guerrilha. Existindo no Sul do território algumas áreas sobre o controlo do IN, os DFE, apoiados por diversos meios navais, a fragata Nuno Tristão, a LFP Argos, a LFP Escorpião e a LFP Dragão, entre outras, iniciam no Sul da Guiné, concretamente nas ilhas de Como, Caiar e Catunco, penetrando pelas matas serradas naquelas ilhas. Nas operações Trevo, Seta e Lima, competia ao DFE n.º 2 e DFE n.º 8 bater toda a zona envolvente a Darsalame, ocupando-a, tendo em vista içar de novo a bandeira portuguesa, facto que veio a acontecer em novembro de 1963.”

Não terá sido exatamente assim pois o comandante-chefe Louro de Sousa começou a arquitetar a operação Tridente para expulsar os guerrilheiros destas ilhas. José Maria Monteiro descreve a operação Tridente até à sua finalização, ficou a partir de março de 1964 uma unidade do exército na mata do Cachil, a Norte da ilha do Como, com a missão de patrulhar a ilha, controlar a margens do rio Cobade, de modo a assegurar o abastecimento aos operacionais de Catió. Ainda sob o comando de Louro de Sousa, o DFE n.º 2 participa com forças terrestres na operação Alvor, na península Gampará, em busca do quartel-general de Rui Djassi, esta península nunca tinha sido percorrida por forças militares; o relato não deixa claro o que aconteceu.

Com a nomeação de Arnaldo Schulz o Comando da Defesa Marítima da Guiné é alterado e descentralizado, criando-se quatro comandos sediados em quatro zonas distintas: Bacia hidrográfica do rio Cacheu; Bacia hidrográfica dos rios Geba, Mansoa e Corubal; Bacia hidrográfica dos rios Grande de Buba e Tombali; e Bacia hidrográfica dos rios Cumbijã e Cacine. O autor volta a desfazer-se em elogios aos fuzileiros: “Todos os movimentos independentistas só tinham medo e temor aos homens brancos ou negros, com a boina azul-ferrete pertencente aos destacamentos de fuzileiros especiais, em qualquer frente de batalha.”

E vem a seguir novos parágrafos de exaltação:
Se
“Dada a elevada preparação destes jovens combatentes, os DFE eram chamados para participarem nas operações de maior envergadura, tendo no mês de setembro de 1964 participado nas operações Touro, Hitler e Tornado, em que, nesta última, além dos quatro DFE, também participaram três companhias de cavalaria, uma de artilharia, uma de caçadores e um pelotão de paraquedistas, apoiados por duas LFG, duas LFP, oito LDM, três LDP e um ferryboat, sem, no entanto, encontrar qualquer resistência da guerrilha na zona do Cantanhez. A atuação quase permanente das forças especiais da Marinha de Guerra em toda a zona Sul, mormente na região do Corubal e Cacine, conduziu a um notório abrandamento da atividade inimiga, obrigando o PAIGC a deslocar-se para Leste e para Norte, em que os guerrilheiros do PAIGC tiveram de alterar os seus corredores habituais.”

Compreende-se que o autor tenha um elevado espírito corpo, mas os factos históricos desmentem esta gesta laudatória. Mas vale a pena continuar a acompanhar esta escrita:
“Na sequência da operação Tridente, os contactos com o inimigo continuavam a ser frequentes, pelo que havia necessidade de efetuar operações de reconhecimento no extremo sul, a ideia das operações no rio Camexibó e da operação Hitler era estancar e intersetar os corredores intervenientes da Guiné-Conacri, nomeadamente através do corredor de Gadamael. A LDM 305 entrou na foz do rio Camexibó no dia 6 de fevereiro de 1964, em fase de preia-mar com o objetivo de efetuar uma fiscalização àquele rio durante cinco dias. Para o efeito, foi reforçada com uma secção de fuzileiros da CF 3. Dois dias depois, quando se preparava para fundear a montante do rio, um dos elementos da companhia de fuzileiros apercebeu-se de um grupo numeroso de homens armados na margem direita daquele rio. Inicialmente, houve troca de palavras entre os elementos da companhia de fuzileiros e um comandante dos guerrilheiros do PAIGC, conversa que durou pouco tempo uma vez que o oficial que comandava a companhia de fuzileiros deu ordem à guarnição da lancha e aos fuzileiros para dispararem, tendo os guerrilheiros fugido para o interior da mata com baixas muito pesadas. A lancha de desembarque continuou a subir o rio Camexibó, a intenção era patrulhar todo o rio até à confluência com o rio Nhafuane, não só para certificar que comunicaria com o rio Inxanche, mas também verificar se aquelas zonas permitiriam a navegação fluvial a lanchas como a LDM 305 ou mesmo a de porte superior. No dia 29 de fevereiro de 1964, a LDM 305 iniciou a descida do rio Camexibó, sempre na expetativa de ataques dos guerrilheiros, perto das oito da noite foram atacados perto das margens do rio, sem provocar danos humanos, mais adiante foram localizadas cinco canoas, que foram destruídas. A partir do conhecimento obtido no local e das experiências adquiridas naquelas intervenções, foi decidido levar a bom porto uma nova operação, a qual teve o nome de operação Hitler, entregue ao DFE 8, sob o comando de Alpoim Calvão.”

Observa o autor que nenhuma destas intervenções foi bem-sucedida. Vamos ver seguidamente o que o autor tem para nos dizer quanto à síntese das atividades da Marinha de Guerra entre 1964 e 1968.

Ilustração do livro de José Maria Monteiro

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 14 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Achei por bem fazer uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos na Guiné entre 1910 (chegada de Carlos Pereira, 1.º governador da República) até ao fim das operações de Teixeira Pinto, depois dos seus êxitos na ilha de Bissau. É um dos momentos mais controversos da história desta colónia, não aparecem documentos que explicitamente culpabilizem dirigentes da Liga Guineense em termos de agitarem os Grumetes e os Papéis contra a política do governador; o defensor dos acusados, o Dr. Loff de Vasconcelos, irá escrever um opúsculo arrasador, dando Teixeira Pinto como conivente com os crimes e pilhagens praticados pelos irregulares de Abdul Indjai em toda a ilha; como sabemos, governadores irão, a partir da década de 1920, procurar a glorificação do capitão Teixeira Pinto, e há qualquer coisa de escandaloso em não dar voz aos argumentos expostos por Loff de Vasconcelos. E como acontece nestas cenas de comédia à portuguesa, os acusados, resolvido a contento do Governo o problema da ilha de Bissau, foram libertos, embora silenciados pela História. Somos verdadeiramente peritos nestas lavagens, deixamos a verdade a bom recato.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Oficial, até ao virar do século e depois (9)

Mário Beja Santos

Convém proceder a uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos entre 1910 e 1913. Carlos Pereira é o 1.º Governador da República, envia um relatório de extrema importância o Ministro da Marinha e Ultramar, surgiu a Liga Guineense que mostra propósitos de fazer propaganda de instrução e promete trabalhar para o progresso e desenvolvimento da Guiné Portuguesa; há desacatos em Cacheu, a organização militar e a Marinha sofreram alterações, foram demolidas as muralhas de Bissau e chega um novo Chefe do Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, depois de observar o terreno lança-se em operações no Oio; a circunscrição de Geba, então qualquer coisa como um sexto do território da Guiné, o administrador Vasco Calvet de Magalhães, que também apoiou as operações de Teixeira Pinto, procede a um conjunto de obras, com destaque para a estrada de Bafatá para Bambadinca; é tempo de concessões, surgiu o entusiasmo pela agricultura, mesmo gente da classe média aboletada em Bissau ou Bolama quer ter a sua propriedade no campo; começam as acusações a um colaborador direito de Teixeira Pinto, Abdul Indjai; segue-se o estranho caso da nomeação de Andrade Sequeira para governador para substituir Carlos Pereira e a sua rejeição pelo Senado; entretanto, Teixeira Pinto é enviado a Cacine, onde houvera sublevação, faz-se acompanhar por centenas de auxiliares de Abdul Indjai; parecendo que ficara pacificado o território da Costa de Baixo, ocorre em fevereiro de 1914 um acontecimento de extrema gravidade, que irá originar novas operações militares. O alferes Manuel Pedro tinha saído de Porto Mansoa com o pelotão de polícia rural do seu comando, foi atacado por Balantas, o alferes morre bem como três cabos. Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, teve que alterar os seus planos, volta à circunscrição de Cacheu a vim de submeter aqueles povos. Conhecedor da morte do alferes Pedro avança em direção a Basserel, é apoiado pela lancha canhoneira Flecha, depois de atravessar uma mata serradíssima, a coluna encontra a paliçada que defendia a tabanca, a coluna foi atacada pelos Manjacos, segue-se um fogo intensíssimo, os Manjacos têm bastantes mortos, e a coluna sofreu também seis mortos.

Tem bastante importância o relatório que Teixeira Pinto enviou a Andrade Sequeira, chama a atenção para a insuficiência das guarnições, estas careciam, todas somadas de 760 soldados. Teixeira Pinto escolhe novos régulos para a Costa de Baixo, e diz ao governador que o problema fulcral era a educação do gentio. Antes de parir, Andrade Sequeira nomeara Abdul Indjai tenente de 2.ª linha. Em maio de 1914, chega novo governador, Josué de Oliveira Duque, que prontamente decide uma operação para castigar os Balantas, de novo o comando da coluna é confiado a Teixeira Pinto. Este tece um plano de seguir para Bula, aí concentraria as forças, passaria até Bissorã e daí para Porto Mansoa; numa segunda fase, pensa passar para a margem esquerda do rio Mansoa e bater todos os Balantas entre este rio e o de Geba, até ao Impernal, ocupando Nhacra onde ficaria estabelecido o posto militar.

Teixeira Pinto para com 600 irregulares, chega a Binar, marcha em direção a Paxe, é, entretanto, atacado, mas o inimigo repelido, destrói depois várias povoações e regressa a Binar. Os rebeldes não desarmam, mas são repelidos pelas forças de Abdul. A força obtém a ajuda de Mancanhas como carregadores. E chegam notícias de que os Balantas estão a fazer uma grande reunião, o que se revela verdade. Teixeira Pinto vai agindo em três frentes, o inimigo vê-se forçado a retirar, irá sofrer muito com o fogo das canhoneiras. Encurtando razões, nos dias seguintes os Balantas atacam, sem êxito. Chegou a hora das negociações. Mas vai começar a segunda fase das operações na margem esquerda do rio Mansoa. Teixeira Pinto regressa a Bolama, havia que tratar da ocupação militar dos territórios batidos, faltava apenas bater a região dos Papéis de Bissau, Teixeira Pinto mantém-se na Guiné até outubro e depois segue para Lisboa, mas logo em novembro é determinado que regressa à Guiné para servir numa nova comissão. Abdul Indjai dá que falar, veio de Lisboa em missão de inspeção extraordinária como inspetor da fazenda das colónias, pede informações ao governador Oliveira Duque e a Teixeira Pinto, este parece tomar partido a favor de Abdul, o governador Josué Duque parte e chega Andrade Sequeira. A missão que viera de Lisboa emitiu o parecer de que o Oio devia ser desanexado e ficar como comando militar independente. Teixeira Pinto vai sempre defendendo Abdul, dizendo que este sofria o ódio do administrador da circunscrição de Cacheu.

Regressado de Lisboa, é preparada a operação na ilha de Bissau. O que se passa antes das operações ainda não está devidamente claro, os dirigentes da Liga Guineense tudo fazem para que não se empregue a força das armas, afirmam que os Grumetes e os Papéis se irão submeter e entregar as armas, apela-se mesmo ao ministro das colónias para evitar a campanha, afirma-se que os habitantes da ilha de Bissau se comprometiam a pagar os impostos que legalmente fossem devidos. Desenvolve-se, entretanto, uma campanha de ameaças e de intrigas entre Abdul e outros chefes de guerra, como Mamadu Sissé. O governador está do lado de Teixeira Pinto, é a favor das operações, alega a falta de cumprimento de todas as promessas feitas, competia ao ministro ordenar a cessão dos preparativos ao mandar executar as operações, o ministro limita-se a deixar ao critério do governador a resolução final. O governador reúne o conselho administrativo da província que unanimemente apoia as operações, assim estas se vão desenrolar, estão amplamente documentadas, é, no entretanto, que se dá a prisão de alegados responsáveis pela resistência dos Grumetes e Papéis, gente que fazia parte da Liga Guineense, Oliveira Duque procede à sua dissolução, responsabiliza-a pelo estado de permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau.

É aqui que Armando Tavares da Silva abre um parenteses para recordar o movimento de 14 de maio de 1915, um conflito ocorrera entre o Governo e boa parte das Forças Armadas, mas as causas reais residiam na oposição do Exército na entrada de Portugal na guerra. Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915, um grupo de oficiais revolta-se reclamando o regresso dos oficiais transferidos às suas unidades de origem. Dirigem-se para a Presidência da República, são travados no caminho, protestam entregando as suas espadas, sendo seguidamente presos. Segue-se o movimento revolucionário de 14 de maio, que se irá estender por todo o país. João Chagas, que era embaixador em Paris, é chamado para formar Governo, mas pouco depois de entrar em Portugal sofre um atentado, ficando gravemente ferido. Peripécias atrás de peripécias, em junho Norton de Matos é ministro das Colónias, nomeia-se novamente Andrade Sequeira para governador da Guiné, toma posse em 25 de agosto de 1915. Vão agora aparecer as acusações contra Teixeira Pinto.


Armando Tavares da Silva
Vista das instalações fabris da Sociedade Comercial Ultramarina, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Navio Alger carregado de madeira, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Em Bissorã, festa com dança pela captura de armamento ao PAIG, pela CART 1525, na Operação RUA, no dia 01/02/1967, e no dia 3, nos arredores de Bissorã. Apreensão importante que motivou a deslocação àquela Vila do Governador, General Arnaldo Schulz. Imagem retirada do historial da CART 1525, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26064: Elementos para a história do Pel Caç Nat 54, "Águias Negras" (1966/74) - Parte III: Em Porto Gole, com a CART 1661 (de fev67 a mar68)...Quem se lembra do nome do ten mil médico, de origem goesa ? E do cap art Figueiredo ? E do nosso soldado "Papá das pernas altas", que ia ptra o mato em cuecas ? (José António Viegas)



Foto nº 1 > Guiné >  s/l [ Porto Gole]> s/d [1967/68] >  Eu (à esquerda) e o tenente médico da CART  1661,  mais o nosso "companheiro" [um macaco-cão]


Foto nº 2A > Guiné >  s/l [ Porto Gole]> s/d [1967/68] >  O cap art Figueiredo, sentado, e o "Papá das meias altas", de pé (1)


Foto nº 2B > Guiné >  s/l [ Porto Gole]> s/d [1967/68] >  O cap art Figueiredo, sentado, e o "Papá das meias altas", de pé (2)


Foto nº 2 > Guiné >  s/l [ Porto Gole]> s/d [1967/68] > Numa das várias operações na zona de Porto Gole, sentado descansando o capitão Figueiredo, cmdt da CART 1661 (em primeiro plano); de pé, um militar guineense [do Pel Caç Nat 54 ] conhecido como o "Papá das pernas altas", não gostava de camuflado,  era esta a indumentária com que saía para as operações.


Fotos (e legenda): © José António Viegas (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O algarvio José António Viegas, nosso grã-tabanqueiro nº 587 (desde 11 de novembro de 2012), uma fonte privilegiada de informação sobre o seu Pel Caç Nat 54, de que é um dos "pais-fundadores"; as suas recordaçóes CTIG, de 1966 a 1968, são preciosas para se reconstituir a história desta subunidade (1966/74)... Infelizmente, deste dos outros Pel Caç Nat ... "não reza a História" .

 

1. Mensagem de José António Viegas, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Bolama, Enxalé,Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):

Data - segunda, 14/10/2024, 19:39

Assunto  - Recordações


Na 1ª foto eu e o médico da CART  1661 mais o nosso "companheiro" 
[um macaco-cão]
 
Tentei com vários camaradas da 1661 saber o nome do médico que acho era de origem goesa, mas não consegui que se recordem, nem sequer o enfermeiro.

Na 2ª foto, numa das várias operações na zona de Porto Gole, sentado descansando o capitão Figueiredo; de pé, um militar guineense 
[do Pel Caç Nat 54 ] conhecido como o "Papá das pernas altas", não gostava de camuflado,  era esta a indumentária com que saía para as operações.

Cumprimentos
Um abraço


2. Sabe-se que o Pel Caç Nat 54,  no início, em Bolama era constituído pelo alf mil  Carlos Alberto de Almeida e Marchã (ou Marchand); os fur mil  Álvaro Valentim Antunes (que será "morto na 1ª mina"), Arlindo Alves da Costa ("ferido na segunda mina", DFA); e José António Viegas; os 1ºs cabos Manuel Januário (DFA), Coelho (DFA) e João Simão (telegrafista); mais os soldados, do recrutamento local,que  eram das etnias Papel, Fula, Mandinga e Olof (um deles).

Em fevereiro de 1967, aquando da visita do genb Arnaldo Schukz, o Pel Caç Nat 54 estava em Porto Gole, juntamente já com parte do pessoal da CART 1611.

Esta subunidade, a CART 1661, passou por Fá Mandinga, Enxalé, Bissá e Porto Gole. Partiu em 1 de fevereiro de 1967 e regressou em 19 de Novembro de 1968. Teve três comandantes: 



Foto nº 3 > Guiné > Porto Gole > Fevereiro de 1967 > V
isita do general Arnaldo Schulz  e do brigadeiro Reimão Nogueira ao destacamento, onde se encontravam o Pel Caç Nat 54 e parte da CART 1661. Em primeiro plano, de costas, o tenente médico da CART 1661 (à direita)  e o alferes Carlos Marchã (ou Marchand),  comandante do Pel Caç Nat 54 (à esquerda).



Foto nº 3A > Guiné > Porto Gole, fevereiro de 1967 > O general Arnaldo Schulz, de máquina fotográfica ao ombro...  Em primeiro plano, visto de perfil, 
o tenente Médico da CART 1661, à direita,


Foto (e legenda): © José António Viegas (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Companhia de Artilharia nº 1661 > Ficha de unidade

Identificação CArt 1661
Unidade Mob: RAC - Oeiras

Cmdt: Cap Mil Art Luís Vassalo Namorado Rosa | Alf Mil Art Fernando António de Sá | Cap Art Manuel Jorge Dias de Sousa Figueiredo
Divisa: -

Partida: Embarque em 01Fev67; desembarque em 06Fev67 | Regresso: Embarque em 19Nov68
 
Síntese da Actividade Operacional

Em 6fev67, deslocou-se para Fá Mandinga, a fim de substituir a CCaç 818 e realizar, inicialmente, um curto período de adaptação operacional, sob orientaçã do BCaç 1888 e actuar depois nas regiões de Xime, Enxalé e Xitole, até 8mar67.


Após rotação, por fracções, com a CCaç 1439, assumiu em 3abr67 a responsabilidade do subsector de Enxalé, com pelotões destacados em Missirá, Porto Gole e Bissá, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1888 e a partir de 1jul67 do BCaç 1912, por alteração dos limites dos sectores daqueles batalhões.

Em 21dez67, a sede da subunidade foi transferida para Porto Gole, com destacamentos em Enxalé e Bissá, mantendo-se no mesmo sector do BCaç 1912, onde a par de várias operações e acções efectuadas nas regiões de Mato Cão, Mantém, Malafo e Colicunda, orientou a sua actividade para a construção e desenvolvimento dos reordenamentos de Enxalé e Bissá, este a partir de mar68.

Em 7nov68, foi rendida no subsector de Porto Gole pela CArt 2411, tendo recolhido seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 81 - 2.ª Div/4ª Sec, do AHM).
Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002,
pág. 450



Infogravura: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2009)





O autor, Abel Rei (ex-1º cabo at art, CART 1661, 1967/68, em Porto Gole, aqui na foto à esquerda  escrevendo o seu diário) nos possa dar uma ajuda, identificando o tenente médico da companhia... À direita,   a capa do seu livro,"Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 196/1968". [Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002].


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segunda-feira, 22 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25770: Notas de leitura (1711): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Procura e acharás, sempre desejei chegar a este documento, bati a várias portas, nada. Entro numa loja de comércio justo, aqui está ele, entre outras publicações, o leitor paga o que quiser e mete na caixinha. Não coube em mim de contente, sou confesso admirador destes cientistas sociais suecos, de um rigor intocável. Dir-me-ão, desta síntese do olhar de Kenneth Hermele que esta sua visão sobre a quebra de alianças era algo de óbvio, fatal como o destino, não só houve falta de entendimento sobre o que devia ser uma política de reconciliação e perdão como se cavalgou nas nuvens, agravaram-se as dívidas externas, isto quando os patronos de Leste caminhavam paulatinamente para o definhamento, aquilo que Mikhail Gorbachev chamou de estagnação. Kenneth Hermele faz no seu ensaio um apelo a uma reformulação de políticas internas, como sabemos, era demasiado tarde. Vamos seguidamente dar a palavra a Lars Rudebeck, iremos cair em cheio na Guiné.

Um abraço do
Mário



Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista:
Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1)


Mário Beja Santos

Entro numa loja de comércio justo ligada ao CIDAC, à procura de uma publicação sobre Cabo Verde e encontro a tradução portuguesa de um documento de que há muito ando no encalço: o que representou o ajustamento estrutural em três países africanos de língua portuguesa que foram insurgentes (esclarecedor documento de Kenneth Hermele) e a profunda análise que Lars Rudebeck faz do que significou o ajustamento estrutural numa aldeia a cerca de 100 quilómetros de Bissau, foi matéria de um seminário que decorreu na Universidade de Uppsala em maio de 1989, organizado por AKUT.

Cabe a Kenneth Hermele a grande angular: ajustamento estrutural e alianças políticas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Este último assinou em 1984 o Acordo de Nkomati, um pacto de não agressão com a África do Sul, abriu assim caminho para ser membro do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, era o fim da destabilização internacional e da mudança de um processo de transformação socialista numa economia de mercado. Logo nos primeiros anos da década de 1980, Moçambique estava confrontado com o serviço da dívida e, entretanto, o COMECOM não aceitou apoiar Moçambique, o país viu-se obrigado a alterar as suas alianças internacionais. Em Angola o processo foi diferente, o regime do MPLA quis evitar a imposição de condições estabelecidas pelo FMI e pelo Banco Mundial, mas a comunidade internacional dos doadores obrigou o país a apresentar o país de adesão ao FMI. O caso da Guiné-Bissau revelava-se dramático, o país tinha-se tornado quase completamente dependente da ajuda estrangeira para sustentar, não só a sua dívida externa, mas praticamente todo o aparelho de Estado. O trabalho de Kenneth Hermele põe uma questão basilar: em que aspetos é que o processo de ajustamento estrutural que Moçambique e a Guiné-Bissau estavam a viver, e que a Angola estava à beira de iniciar, tem relação com as fases anteriores à constituição da nação nestes três países, mais concretamente lança o seu olhar sobre as alianças políticas na luta da libertação.

Observa que durante estas lutas estabelecera-se uma aliança entre o campesinato e os nacionalistas. Os dirigentes vinham de um estrato social a que se pode chamar pequena burguesia, com sentimentos nacionalistas muito fortes. Era um estrato que tinha laços de família com a classe camponesa média, francamente apoiada pelos nacionalistas portugueses. Nas três colónias, os respetivos líderes procuraram criar frentes amplas para poder unir a ação política e militar, sob a consigna de que tinham direito a ser independentes. Juntaram grupos sociais com notórias diferenças: camponeses sujeitos a trabalho forçado, nacionalistas burgueses, agricultores e pequenos capitalistas, grupos religiosos e culturais que se consideravam excluídos, bem como alguns representantes do poder tradicional.

Após a independência, os vencedores reivindicaram que a luta de libertação conduzira a uma nova ordem social em que os camponeses tinham dado os primeiros passos no sentido da propriedade coletiva das terras e distribuição equitativa de bens e rendimentos. Só que as alianças do passado foram quebradas pelas estratégias de desenvolvimento adotadas pelos movimentos de libertação.

A coletivização da terra não era apreciada pela maioria dos camponeses, havia mesmo um estrato camponês que aderira à luta de libertação para readquirir as terras de onde os portugueses os tinham expulsado. Muitos chefes tradicionais também se sentiram traídos, eram permanentemente acusados de tribalistas e obscurantistas. Também nas áreas urbanas, a estratégia de desenvolvimento colocou as antigas alianças sobre grande pressão. Pretendia-se, no caso de Angola e Moçambique, uma estratégia industrial que visava o restabelecimento rápido dos níveis de produção do último ano colonial (1973). As necessidades do setor rural ficaram secundarizadas. Veja-se o exemplo de Moçambique onde a produção local de enxadas baixou a níveis muito inferiores do tempo colonial.

Em Angola e Moçambique, as frentes nacionais de libertação não estiveram para meias medidas, apresentaram-se como partidos marxistas-leninistas, promovendo a partir do topo a transformação socialista. Vinha muita inspiração da Europa de Leste, mas a implementação práticas das políticas foi basicamente da responsabilidade do que restava da burocracia portuguesa e de poucos africanos. Tudo somado, as políticas pós-independência vieram a significar uma nova aliança, uma partilha do poder entre o partido dirigente e a burocracia do Estado. Na Guiné-Bissau, deu-se claramente uma dissolução da aliança camponesa, pretendia-se um desenvolvimento numa dependência total em relação à ajuda externa, assim cresceu um aparelho de Estado que se tornou cada vez mais irrelevante para a maioria dos camponeses. Em Moçambique, a tentativa de modernizar a agricultura em cooperativas e machambas estatais foi um verdadeiro golpe para a antiga aliança. E a interferência externa (Rodésia e África do Sul) e a destabilização de RENAMO enfraqueceu ainda mais a aliança. Em Angola passou-se algo de idêntico, o MPLA acabou por se isolar pela falta de atenção à importância do setor camponês.

No início dos anos de 1980, o falhanço nos três países era evidente. Não chega pôr em cima da mesa as pressões externas e as mudanças na situação internacional, quebrada a aliança ampla, foi crescendo o apoio a uma economia de mercado. E Kenneth Hermele põe nova questão: qual o tipo de desenvolvimento capitalista que estava a ser promovido. Havia defensores do ajustamento estrutural que afirmavam que os programas de reforma não pretendiam ir mais longe do que lanças as bases do crescimento económico. Da observação deste cientista social, o capitalismo que se estava a promover não apresentava nenhum dos aspetos relevantes do chamados capitalismo milagre do Sudeste Asiático. Aí, a direção do Estado, reforma económica e social, incluindo reforma agrária, políticas de longo alcance promovendo a educação, por exemplo, constituíam uma condição prévia necessária para as fases posteriores do crescimento de exportação. Ora nada de semelhante estava a ser implementado na Guiné ou em Moçambique. Parece razoável concluir que aquilo que estava a ser criado através do ajustamento estrutural na Guiné-Bissau e em Moçambique era um capitalismo fraco e subserviente. Observa igualmente Hermele que no que dizia respeito à Angola e Moçambique, o objetivo final das políticas impostas era preparar a África austral para uma situação pós-Apartheid.

Em termos de conclusão, o autor refere que as alianças nestes três países passaram por três fases: luta de libertação apoiada por uma frente ampla; tentativa de modernização que falhou em parte devido a uma alteração de aliança entre os camponeses e as burocracias estatais e o partido líder; na terceira fase, com a imposição do pacote de política de ajustamento estrutural estava a ser criada uma nova aliança entre capitalistas e instituições internacionais de finanças e cooperação, estando as burocracias de Estado a desempenhar uma papel complementar independente.

E o autor dizia que não se estava a verificar qualquer desenvolvimento, nem capitalista nem socialista, na ausência de um aparelho de Estado que se baseasse numa aliança interna, havia uma tendência das agências doadoras para enfraquecer ainda mais as funções do Estado. A erosão da base política interna entre o campesinato guineense, por exemplo, destituiu o regime do apoio interno que teria sido necessário para poder resistir às condições impostas pelo sistema financeiro internacional. Concluiu o autor que as organizações não-governamentais, grupos de solidariedade e as agências de desenvolvimento deviam pôr em prática ações adequadas no sentido de fortalecer o poder de resistência interna. Mas que não houvesse ilusões, era a capacidade de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique em estabelecer internamente alianças políticas novas que permitiria lançar em simultâneo as bases do desenvolvimento socioeconómico. E termina de forma taxativa: pessoas do exterior só poderão desempenhar um papel secundário; mas nós poderemos contribuir para certificar que os poderes ocidentais e as suas instituições não imponham a continuação do subdesenvolvimento e da dependência e que – pelo menos – se encontrasse resistência dentro do país.

Vamos seguidamente dar a palavra a Lars Rudebeck, vamos até uma tabanca guineense.

Kenneth Hermele
Lars Rudebeck
O antigo hospital militar nº241, imagem do Triplov, com a devida vénia
A casa comercial Taufick-Saad, imagem do Triplov, com a devida vénia
Fevereiro de 1965, o governador Arnaldo Schulz passa revista a uma unidade da Mocidade Portuguesa, no ato inaugural de uma escola, Arquivos da RTP, com a devida vénia
Nino Vieira e Luís Cabral na Suécia, 1973, imagem retirada do blogue Herdeiro de Aécio, com a devida vénia
Nota de 100 Pesos da Guiné-Bissau, emissão de 1975, reverso da nota na face está a efígie de Domingos Ramos

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 19 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25761: Notas de leitura (1710): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1868 e 1869) (12) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 28 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25573: O Cancioneiro da Nossa Guerra (24): Os Gandembéis - Canto III, Estrofes de I a VIII (CCAÇ 2317, Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69)


Foto nº 1


Foto nº 2


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Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Foto nº 9


Foto nº 10

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Aspetos da brutal vida quotidianoa dos homens-toupeira, que tiveram de construir de raiz e defender, com unhas e dentes num curto espaço de tempo (inferior a nove meses), dois aquartelamentos, Gandembel e Ponte Balana, a escassos 3 km da fronteira com a Guiné-Conacri.  Total de ataques e flagelações sofridos: 372 (Fotos nºs 2 e 3).  

Não há, em todos os teatros de operações da guerra do ultramar / guerra colonial, nenhuma epopeia como esta.  Estes homens foram condenados pelo "deus da guerra" (Schulz) ao "suplício de Sísifo": uma missão completamente estúpida, suicida, absurda, inútil, reveladora do absoluto desprezo em relação à vida, ao valor e à dignidade do soldado português... 

Outro "deus da guerra" (Spínola), mais inteligente, e com visão estratégica, no mínimo sensato e  realista, e que dava valor à coragem, ao sofrimento e à lealdade dos seus homens,  percebeu que construir uma montanha na "autoestrada do Nino" (o "corredor de Guileje", o "corredor da morte", o "carrreiro do povo"...), a espinha dorsal de toda a cadeia logística do PAIGC, era provocar um braço de ferro, à partida sem vencedor à vista... Era uma questão de vida ou de morte para Nino e para os seus homens, razão por que infernalizaram a vida aos "gandembéis"...

A construção e defesa de Gandembel (e seu destacamento, em Ponte Balana) foi um sorvedouro de recursos (homens e material) e fez correr muito sangue, suor e lágrimas em 1968 ... Para quê ? Para nada!... A 28 de janeiro de 1969 as NT abandonam esta cruz da estação do calvário da Guiné. A Força Aérea irá arrasar tudo... Spínola, contrariamente ao seu antecessor, visitou pelo menos duas vezes os "gandembéis"...  Isto diz muito sobre a qualidade da liderança dos dois generais.

Embora a engenharia militar tenha fornecido algumas estruturas para a construção dos abrigos (Fotos nºs 5, 6 e 7), estes não era à prova de morteiro 120 mm (usado pela primeira vez aqui, em agosto de 1968), nem de canhão sem recuo: eram cobertos com troncos de cibe, chapa de bidão  e terra, como na maior parte das outras duzentas e tal guarnições espalhadas pelo território (Fotos nºs 8, 9 e 10) ... E as paredes laterais não eram de "cimento armado", como em Guileje (construído pelo BENG 447)... 

Felizmente, para os "gandembéis", o PAIGC tinha  maus artilheiros, analfabetos, incapazes de usar um aparelho de pontaria ou de fazer simples cálculos... Faziam fogo a "olhómetro", de preferência tiro direto com o canhão sem recuo... Melhoraram já  em 1973 e 1974 (contra Guidaje, Guileje, Gadamael, Copá, Canquelifá...), com os cubanos e os cabo-verdianos vindos das "academias militares" da União Soviética... 

Por outro lado, o abastecimento de água era feito no rio Balana, com bidões. Tomava-se banho no rio ou em bidões (Foto nº 1). Mas a messe de oficiais era de "cinco estrelas" (Foto nº 4).

Fotos do notável álbum de Idálio Reis e seus camaradas, editadas por L.G.


Fotos (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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1. Continuação da publicação de "Os Gandembéis", poema épico-burlesco, parodiando "Os Lusíadas", de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso camarada e amigo Idálio Reis, engenheiro agrónomo reformado, ex-alf mil at inf da CCAÇ 2317, no seu livro "A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana", edição de autor, s/l, 2012 (il, 250 pp.). (O livro é ilustrado por mais de meia centena de fotos dos arquivos do Idálio Reis e dos seus camaradas.)

O lançamento do livro, uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné, foi feita feito no Palace Hotel, em Monte Real, em 21 de abril de 2012 , no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.




Os Gandembéis > Canto III, Estrofes de 1 a VIII


I
Estas sentenças tais o velho honrado
Dizendo estava, quando abrimos
As malas e as fizemos ao sossegado
Vento, e do quartel temido nos partimos. (15)
E, como é já na guerra costume usado
A bandeira desfraldando, o céu ferimos
Dizendo: “Boa viagem”. E logo as viaturas
Fizeram as usadas roncaduras.

II
Passámos à Formosa Aldeia
Que das muitas bajudas assim se chama;
Das que nós passamos a primeira
Mais célebre por nome que por fama,
Mas nem por ser a derradeira
Se lhe avantajam quantas o Moura ama (16).
Ali tomámos todos um bom assento
Por tomarmos das terra mantimento.

III
Por Nhala passámos, povoada
De gente amiga, que ali vivia;
E de luz total sendo privada
Mesmo assim do turra se defendia.
Novamente nos lançámos à estrada
P’ra chegar a Buba, ainda de dia,
Onde ainda a Companhia não sabe
Se irá haver descanso ou a guerra acabe.

IV
Contar-vos longamente as perigosas
Cousas da estrada, que os homens não entendem.
Súbitas emboscadas temerosas,
Morteiradas que o capim em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de canhões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro
Ainda que tivesse a voz de ferro.

V
Casos vi em que os rudes fuzileiros
Que têm por mestra a longa experiência
Não acreditarem casos certos e verdadeiros,
Mas julgando as cousas só pela aparência.
E os Comandos, com fama de guerrilheiros,
Só por puro engenho e por ciência
Se distinguiam quando formavam,
Porque nas armas aos demais se igualavam.

VI
Daqui fomos cortando muitos dias
Entre tormentas tristes e bonanças,
Na larga mata fazendo novas vias, (17)
Só conduzidos de árduas esperanças.
Com o turra tempo andamos em porfias
Que, como tudo nele são mudanças,
Poder nele achamos tão possante
Que passar não deixava por diante.

VII
Era maior a força em demasia
Segundo para trás nos obrigava,
Da estrada que contra nós ali se abria
Pelo poder da máquina que trabalhava.
Ó malvado Nino da porfia,
Que sempre estás onde a gente estava!
Em vão os tiros esforças iradamente
Pois nós não tememos a tua gente.

VIII
Desta parte descanso algum tomamos
E do rio fresca água, mas contudo
Nenhum sinal aqui da paz achamos
No povo, com nós outros quase mudo.
Ora vejam em que tamanha guerra andamos
Sem sair nunca deste viver rudo,
Sem vermos nunca nova nem sinal
Da nossa tão desejada terra natal.

(Revisão / fixação de texto: IR/LG)

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Notas de IR/LG:

(15) Abandono do aquartelamento de Gandembel (e do destacamento de Ponte Balana)  em 28/1/1969 e partida para Aldeia Formosa.

(16) Referência irónica ao capitão da companhia, que terá metido "baixa"

(17) Transferência para Buba, em 8/2/1969 onde a CCAÇ 2317  ficou, até 14/5/1969, a fazer segurança aos trabalhos de renovação da velha estrada Buba-Aldeia Formosa.

Lembra aqui o Zé TeixeiraZé Teixeira, da CCAÇ  2381 (Buba, Quebo. Mampatá e Empada, 1968/70, em comentário ao poste P25552 (*)

(... ) Quando fui a Gandembel pela primeira vez em meados de julho de 68, os abrigos já estavam construídos. Numa noite escura apontaram creio que onze canhões sem recuo em tiro direto a um ponto do muro em betão de um dos abrigos e conseguiram furar a parede. Em janeiro do ano seguinte fui com a minha Companhia Proteger a sua retirada. A CCaç 2317 saiu de Gandembel e foi fazer umas “férias” a Buba,  alinhando na dura missão de proteger a construção da nova estrada para Aldeia Formosa. A minha companhia alinhava na mesma tarefa. Foi duro. Uns meses que rebentaram com muita gente. A minha Companhia  chegou a estar reduzida a trinta e seis operacionais. Um Grupo de Combate." (...)