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Queridos amigos,
José Maria Monteiro lançou-se num empreendimento solitário e invulgar: contar o que fez a Marinha de Guerra na Guiné, Angola e Moçambique, sínteses sobre as atividades operacionais e descrevendo até o dispositivo militar existente. Neste episódio elencam-se as atividades operacionais de 1964 até 1970, o autor regista as alterações operadas em 1968 por Spínola e passa em revista as grandes operações, quer no Sul quer no Norte, operações essas em que por vezes contavam com o Exército, com outras forças de elite e necessariamente contando sempre com a Força Aérea. Dá relevo a operações denominadas Catanada, Cocha e Cuco. Esmiúça a operação Mar Verde, ela tem sido de tal modo aqui tratada que seria repetitivo fazer-lhe aqui mais referência. Deixamos para o último episódio o sumário das atividades de 1971 a 1974, e haverá, espero, alguma surpresa com o que ele nos conta sobre o último militar a sair da Guiné.
Um abraço do
Mário
Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (2)
Mário Beja Santos
A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.
Vamos ver agora as atividades da Marinha de Guerra na Guiné entre 1964 e 1968. Apareceram os primeiros engenhos explosivos aquáticos que afundaram alguns batelões enquadrados em comboios navais. Nos primeiros meses do ano de 1965, verificou-se um aumento das atividades da guerrilha nas regiões de Bajocunda, Canquelifa e Pirada, Schulz requereu a dois destacamentos que interviessem em Bigene, Barro e Ingoré, na zona Norte, e em Gadamael-Guileje. Em igual período cada um dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais (DFE) atuava na bacia hidrográfica da sua responsabilidade, usavam-se as técnicas de desembarque em botes de borracha, que rapidamente foram abandonadas porque estes, após o desembarque, ficavam sem proteção; passou-se a usar o desembarque e o reembarque com apoio das lanchas nos principais cursos de água da Guiné. Dera-se, de 1965 para 1966, um avanço da guerrilha que passara à ofensiva na zona do Cantanhez. A operação Safari, constituída pelos DFE 10, 9, 4 e 3, e ainda pela CF 7, tinha por objetivo destruir a base central localizada no triângulo Cafal-Calaque-Darsalame, não foi possível devido aos violentos confrontos com os guerrilheiros.
Recorda o autor que a orientação militar, seguida pelo Comando da Defesa Marítima até 1968 pressupunha o controlo e o emprego das unidades de fuzileiros sob a sua alçada, que era lançada em operações específicas em coordenação com outras forças navais. No início de 1966, vários DFE tentaram conquistar a zona de Cafine, sem êxito; em meados do ano, o PAIGC ampliava todas as bases ao longo da fronteira com o Senegal, atacando em S. Domingos, Barro, Ingoré e Susana. Em agosto desse ano, o dispositivo militar naval foi reforçado com mais uma Companhia de Fuzileiros. O dispositivo militar naval era constituído por quatro DFE e duas CF atuando em Bissau, Ganturé, Cacheu, rio Grande de Buba, rios Geba, Mansoa e Corubal e rios Cacine e Cumbijã. Vamos agora entrar num novo período.
Em maio de 1968, Spínola vai alterar toda a estratégia naval, acabou com as atribuições de defesa e segurança das bacias hidrográficas criando comandos de agrupamento operacionais permanentes nos quais seriam integrados os fuzileiros. No último mês em funções, o comandante-chefe Schulz determinou à Marinha a realização de operações com fuzileiros a fim de cortar o corredor de Sambuiá e também na zona de Geba-Corubal. Nesse mesmo mês de abril chegou à Guiné o DFE 13, a quem foi atribuída a responsabilidade de fiscalizar as bacias hidrográficas de Cacine e Cumbijã. Para Spínola, o objetivo passava a ser cortar o abastecimento aos guerrilheiros, foram lançadas duas grandes operações no Norte, a operação Via Láctea e a operação Andrómeda, visando a destruição das rotas de infiltração de Canja, Sambuiã, Jumbembem e Sitato, a logística da guerrilha do PAIGC ficou temporariamente em muito mau estado. Observa o autor que Spínola não nutria grande admiração pelos fuzileiros, mas aqueles êxitos alteraram a visão do comandante-chefe. E sempre na sua linguagem de exaltação e triunfo, o autor acrescenta que a operação Dragão 68, levada a cabo pelos DFE 12 e 13, veio a confirmar a grande máquina de guerra que eram os fuzileiros. E observa também o autor que para ultrapassar a logística naval e não ficar dependente dos meios da Marinha, Spínola, a partir de 1969, pressionou o Governo Central para que lhe enviasse as célebres Chaimites V-200 que chegaram a Bissau no final de 1970, revelaram-se pouco eficazes no que diz respeito ao poder de fogo e da chapa blindada.
No início de 1969, foi lançada uma nova operação de grande envergadura, de nome Grande Colheita, na qual participaram algumas unidades do Exército, apreenderam-se várias toneladas de armamento e o autor dirá que, como resultado desta operação, o DFE 13 fez a maior apreensão de material de guerra por uma única unidade e numa só operação. Em fevereiro desse ano, coube ao DFE 10 uma das missões mais ingratas que se registaram na Guiné, pesquisar e recolher os cadáveres de militares que morreram na travessia do rio Corubal, fora uma grande tragédia.
O autor socorre-se de um texto de um outro fuzileiro, José Talhadas, publicado com o título Memórias de Um Guerreiro Colonial, pela Âncora Editora. A operação Grande Colheita apareceu associada às operações Cocha e Catanada, realizadas na região de Cumbamory, o objetivo era destruir as importantes bases instaladas nesta região senegalesa, foram levadas a cabo pelo DFE 12, entre 1970 e 1971. A operação Catanada iniciou-se em 3 de abril de 1970, com partida de Bigene, os fuzileiros tinham como reforço um pelotão do Exército e dois oficiais veteranos de fuzileiros que estavam em Ganturé. O pelotão do Exército ficou numa bolanha com a missão de apoio de fogo e também de apoiar os fuzileiros na retirada em caso de necessidade. José Talhadas conta as peripécias da operação, a reação havida pelo grupo do PAIGC, houve um desencontro de grupos de fuzileiros, só mais tarde é que Talhadas veio a saber que Luís Cabral, então comandante da Frente Norte do PAIGC se encontrava no interior de Cumbamory, daí a resistência a toda a prova.
Passamos agora para a operação Cocha, novamente na região de Cumbamory, a força do PAIGC foi apanhada de surpresa, descobriu-se uma grande quantidade de armamento, era preciso defender as posições para permitir levar tal espólio, e descreve-se o apoio da Força Aérea, como se aproximava a noite, houve que fazer explodir tudo, independentemente de se ter capturado tanto material de guerra. O autor observa que no decurso da guerra mais nenhuma outra força conseguiu entrar em Cumbamory e ocupá-la, ainda que a espaços, muito menos logrou apreender tamanha quantidade de armamento.
Temos agora a operação Cuco, realizada em setembro de 1970, visava-se atacar com golpe de mão um eventual aquartelamento do PAIGC que se encontrava algures junto ao povoado senegalês de Sanou. O DFE 12 seguiu de Bigene para Barro e daqui iniciou a progressão para o interior do Senegal. Ao amanhecer deu-se o ataque, havia moranças a arder e população a fugir e deu-se um episódio digno de registo: “O nosso guia, um balanta chamado Bacar Camará, chefe de tabanca em Bigene, assim que reparou que alguns dos elementos da população de Sanou eram da sua família, começou a correr na sua direção, chamando-os pelos nomes. Este facto causou alguma desorientação, o que levou alguns dos nossos a disparar naquela direção, supondo que ele iria desertar. Mas felizmente alguns elementos da população pararam ao chamamento de Bacar, ele voltou de novo caminhando na nossa direção com um grupo de populares atrás de si, todo feliz, e assinalava que eram seus familiares que tinham fugido de Bigene e tabancas vizinhas no início da guerra.” Na revista à base esta revelou-se fortemente logística, com centenas de uniformes, mochilas, havia granadas de canhão e livros escolares.
Seguidamente o autor fará a narrativa da operação Mar Verde, depois vem as referências aos anos de 1971 a 1974, o autor elenca as unidades especiais de combate, conta a história, já referida no nosso blogue da epopeia da LDM 302, faz a lista dos marinheiros mortos na Guiné e para o próximo e último episódio fica reservada a narrativa, bem curiosa daquele que foi o último militar a sair da Guiné.
A LDG Alfange
Chaimite V-200
(continua)
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Notas do editor:
Vd. post de 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 21 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26516: Notas de leitura (1774): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: A sua colaboração num livro de arromba, Orlando Ribeiro em 1947, na Guiné (2) (Mário Beja Santos)
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