Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Monumento aos Combatentes do Ultramar > Memorial dos Mortos do Ultramar > c. 2018 > O Mário Gaspar aponta os nomes dos seus camaradas António Lopes Costa, soldado, natural de Vila Real, e Victor José Correia Pestana, furriel, natural de Santarém, mortos em "acidente com arma de fogo", em 12 de outubro de 1967, perto de Ganturé, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri.
Fotos (e legenda) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O Mário Gaspar (Sintra, 1943 - Lisboa, 2025) teve, depois da "peluda", pelo menos duas grandes paixões (além de Alhandra da sua infância e adolescência):
(i) a DIALAP- Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, onde foi lapidador, sindicalizado, e delegado sindical (ficou desempregado, em 31/5/1996, por extinção do posto de trabalho);
e (ii) a Apoiar - Associação de Apoio Aos Ex-Combatentes Vítimas de Stress de Guerra, de que foi sócio fundador e dirigente. Temos que relembrar, proximamente, estas duas facetas do nosso "Zorba".
Tanto quanto a sua saúde o permitiu (era DFA - Deficiente das Forlas Armadas, com 40% de incapacidade, e nos últimos conheceu o calvário dos lares, clínicas e hospitais, sofrendo de problemas do foro cardíaco), teve uma presença ativas nas redes sociais (em particular no nosso blogue e na sua por vezes atribulada página do Facebook: queixava-se que lhe cortavam inúmeros comentários).
Tanto quanto a sua saúde o permitiu (era DFA - Deficiente das Forlas Armadas, com 40% de incapacidade, e nos últimos conheceu o calvário dos lares, clínicas e hospitais, sofrendo de problemas do foro cardíaco), teve uma presença ativas nas redes sociais (em particular no nosso blogue e na sua por vezes atribulada página do Facebook: queixava-se que lhe cortavam inúmeros comentários).
Tinha um humor instável e truculento; detestava que lhe chamassem Mário Gaspar ou Mário Vitorino. Era o Mário Vitorino Gaspar. Sofreu muito em vida.
Recorde-se que o Mário Gaspar, ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), era, como gostava de ser conhecido, "Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado"; e ainda "cofundador e dirigente da associação Apoiar"...
Recorde-se que o Mário Gaspar, ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), era, como gostava de ser conhecido, "Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado"; e ainda "cofundador e dirigente da associação Apoiar"...
Tinha, além disso, o curso de minas e armadilhas. E terá sido em Tancos e depois no teatro de operações no sul da Guiné que ele afinal iria descobrir o seu talento para o trabalho minucioso,paciente e... arriscado de lapidador de diamantes.
É autor do livro de memórias "Corredor da Morte" e da série, publicada no nosso blogue, "Recordações de um Zorba". Republicamos, dele, mais um poste, em que conta como é que a burocracia da tropa o matou (ou deu-o como morto) e relata a tragédia da morte de três Zorbas, o Pestana, o Costa e o Gouveia. (*).
É autor do livro de memórias "Corredor da Morte" e da série, publicada no nosso blogue, "Recordações de um Zorba". Republicamos, dele, mais um poste, em que conta como é que a burocracia da tropa o matou (ou deu-o como morto) e relata a tragédia da morte de três Zorbas, o Pestana, o Costa e o Gouveia. (*).
"Todas as vezes que via o alferes Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia: – Você matou o Pestana e o Costa!... Mais tarde o ex-cap mil Mansilha informou-me: – O Gouveia suicidou-se na ilha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!... Respondi-lhe: – Sou o único culpado!"
por Mário Vitorino Gaspar (1943-2025) (**)
Que interesse têm os portugueses de saberem que existiu uma Guerra Colonial? Já basta o “A
aquecimento global”, que nem sequer sabemos ao certo o que é, ainda para cúmulo essa guerra onde os nossos pais ou avôs combateram. Pois vou narrar-lhes aquilo que me sucedeu, talvez em agosto, no período das férias de 1969.
– Foi precisamente no dia 12 de outubro de 1967 que morri (*). Não sei como! Se por doença: paludismo; matacanha; outra.
– Mas o que é isso do paludismo ou matacanha? Compreendia antes se fosse da saudade!
– Esquece!
Morri, curiosamente só tive conhecimento de tal, no dia do meu casamento. Inicialmente fiquei preocupado, quando o padre na igreja de São João de Brito disse:
– Estou a casar o morto vivo!
– Se morreste, não compreendi essa, estás aqui, e vivo… Como a sardinha da Costa!
Sorri e tudo se sumiu como espuma!
Pois no dia que me desloco à sacristia para levantar a certidão de c-asamento, recordei aquele episódio rocambolesco na greja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra caderneta m-ilitar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias: data do casamento e mudança de residência.
Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos:
Pois no dia que me desloco à sacristia para levantar a certidão de c-asamento, recordei aquele episódio rocambolesco na greja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra caderneta m-ilitar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias: data do casamento e mudança de residência.
Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos:
"Baixa de Serviço: – por falecimento a 12 de Outubro de 1967!" ... Algumas páginas a seguir: "Morto a 12 de Outubro".
Tudo sem explicações: quem o fez tinha plena consciência daquelas asneiras, podia no mínimo ressalvar esta «morte», uma mentira cruel, e um padre que tinha a obrigação de fazer menos comentários.
Verdade é que ia caindo na escadaria e rebolado até ao “passeio português”. Tinha consciência que da tropa podia esperar um pouco de tudo, agora matarem um combatente com tinta parker azul permanente…
Tive de saber o que estava por detrás daquela historieta.
Nas férias em agosto dirigi-me ao quartel mobilizador, o Regimento de Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras. Encontrava-se na secretaria o major (julgo ser ainda major), o oficial que me colocara de sem erviço no último domingo que tinha a oportunidade de estar com a família antes de embarcar para a Guiné.
Quando lhe dei para as mãos a caderneta logo me arrependi. Leu e disse:
Tudo sem explicações: quem o fez tinha plena consciência daquelas asneiras, podia no mínimo ressalvar esta «morte», uma mentira cruel, e um padre que tinha a obrigação de fazer menos comentários.
Verdade é que ia caindo na escadaria e rebolado até ao “passeio português”. Tinha consciência que da tropa podia esperar um pouco de tudo, agora matarem um combatente com tinta parker azul permanente…
Tive de saber o que estava por detrás daquela historieta.
Nas férias em agosto dirigi-me ao quartel mobilizador, o Regimento de Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras. Encontrava-se na secretaria o major (julgo ser ainda major), o oficial que me colocara de sem erviço no último domingo que tinha a oportunidade de estar com a família antes de embarcar para a Guiné.
Quando lhe dei para as mãos a caderneta logo me arrependi. Leu e disse:
– Que mal faz estar aqui dado como morto? -Ao senhor pouco ou nada importa!
Interrompi-o ao escrever na caderneta com uma bic azul e outra vermelha.
– Mas você não pode, nem deve fazer emendas ou ressalvas. Nesse caso as rasuras faço eu. Não tem o direito.
Tirei-lhe a caderneta das mãos. Tinha sublinhado de um lado e fez uma ressalva.
Tratei-o mal, chamando a atenção àquilo que me fizera colocando-me no domingo anterior à partida de serviço:
– Sargento de Dia ao Regimento!
Ninguém aceitou fazer esse serviço por mim por ameaça a todos que de algum modo fizessem esse serviço, inclusive eu pagava bem.
Passado algum tempo desloquei-me ao departamento do Arquivo Geral do Exército que funcionava no antigo quartel na Avenida de Berna e nos dias de hoje emprestado à Universidade NOVA de Lisboa. Segundo consta, o imóvel foi vendido, esse quantitativo serve para o Fundo dos Combatentes.
Interessa neste caso a explicação sobre a minha morte. Logo que disse a razão da minha ida ,
os três indivíduos riram. Entreguei a caderneta e logo vi segurar uma pasta, diferente das outras, estava toda agrafada. Disse:
-
– Vi que tenho toda a razão: morri a 12 de outubro de 1967!
O sargento tirou os agrafos – eram os três sargentos – e referiu logo:
– Vi que tenho toda a razão: morri a 12 de outubro de 1967!
O sargento tirou os agrafos – eram os três sargentos – e referiu logo:
– Olhem, este camarada era nosso vizinho na Guiné!
Disse-me junto ao balcão:
– Aquele estupor esteve comigo em Guileje e o outro do canto era de Mejo.
Curioso, estivemos todos juntos. Respondi:
– Agora estou a reconhecê-los, estivemos mais de uma vez a comer juntos.
Referiram estar tudo na ordem, com o inconveniente de estar registado na caderneta. Não compreendiam a razão do major em Oeiras ter feito esta gatafunhada. Ninguém o autorizou.
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O jovem Mário Vitorino Gaspar |
Talvez tivesse algo a ver com esta asneira, terem morrido o meu Amigo, vítima do rebentamento de uma granada armadilhada, o furriel miliciano Vítor José Correia Pestana, de Abitureiras, Santarém. e o soldado António Lopes da Costa, de Cerva, Vila Real. Ambos mortos por acidente, um acidente, e grande, era estarmos na guerra.
Quando gozei férias fui entregar à família do Vítor pequenos utensílios que lhe pertenciam. Como o Vítor falasse muito no Mário, trataram-me como sendo o filho, primo, etc.. Custou-me imenso. Como tivessem morrido num período em que não estava, fui verificando não me terem narrado tudo sobre ambas as mortes, por saberem sermos muito amigos. A razão de tal é termos cumprido grande parte do serviço militar juntos.
Um dia insisti com um camarada que a chorar pelo telemóvel contou. A CART 1659 iniciou uma patrulha até à fronteira com o fim de montarem armadilhas, o que foi feito. Esta patrulha era sempre no mesmo sentido, nunca no contrário nem regresso pelo mesmo lado.
O alferes Gouveia que comandava, já na fronteira deu ordens para regressarem pelo mesmo trajeto da ida e o Vítor Pestana referiu ter feito o croqui mas no sentido da ida, não possuía pontos de referência no sentido contrário.
Insistiu o alferes, eram ordens. O Costa disse ao furriel que o acompanhava, os dois avançaram. Pára o Pestana, olhando para os pés. Não podia escapar e lançou-se sobre a granada armadilhada que rebenta. O Costa fica encostado a uma árvore, parecia descansar, nem sequer sinais de ter atingido, estava morto. O Pestana tinha braços e pernas seguros do restante corpo por linhas. No peito um buraco. Estava vivo. Ainda chegou vivo a Gadamael Porto e foi visto pelo Médico do batalhão que se encontrava perto.
O Pestana pedia, e por favor, aos furriéis milicianos, que lhe dessem um tiro na cabeça. Morreu. Tive só conhecimento da sua morte ao regressar de licença. A história que me contam é sobre o local das mortes e das ordens que recebeu.
Todas as vezes que via o alferes Luís Alberto Alves de Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:
O Pestana pedia, e por favor, aos furriéis milicianos, que lhe dessem um tiro na cabeça. Morreu. Tive só conhecimento da sua morte ao regressar de licença. A história que me contam é sobre o local das mortes e das ordens que recebeu.
Todas as vezes que via o alferes Luís Alberto Alves de Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:
– Você matou o Pestana e o Costa!
Ele nunca me respondeu. Anos depois, encontrei-me com capitão miliciano de nfantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha [nosso antigo comandante,] que me informou:
– O Gouveia suicidou-se na lha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!
Respondi-lhe:
– Sou o único culpado.
(Revisão / fixação de texto, título: LG)
Faço questão de repetir aqui o que disse em 2018, em comentário ao poste P19093 (**), mesm0 sabendo que o Mário, lá no além, já não me pode ler nem muito menos responder:
Quanto ao eventual suicídio do Gouveia, seria "monstruoso" tu assumires a "culpa" desse ato, tantos anos depois... Tira-me isso da cabeça!... Um grande abraço, Luis.
2018 M10 12, Fri 14:36:09 GMT+1
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Ficha de unidade > Companhia de Artilharia n.º 1659
Identificação: CArt 1659
Unidade Mob: RAC - Oeiras
Cmdt: Cap Mil Art Manuel Francisco Fernandes de Mansilha
Divisa: "Os Homens não Morrem" - "Zorba"
Partida: Embarque em 11jan67; desembarque em 17Jan67 | Regresso: Embarque em 300ut68
Síntese da Actividade Operacional
Em 19jan67, rendendo a CCaç 798, assumiu a responsabilidade do subsector de Gadamael, com um pelotão destacado em Ganturé, e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1861 e depois do BArt 1896 e ainda do BCaç 2834.
Em jul68, face à intensificação da actividade de patrulhamento de itinerários e emboscadas na linha de infiltração inimiga na região de Guileje, o destacamento de Ganturé foi reforçado, temporariamente, por outro pelotão da companhia.
Em 20out68, foi rendida no subsector de Gadamael pela CArt 2410 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.
Observações - Tem História da Unidade (Caixa nº 81 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).
Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 448
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 15 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26586: O melhor de... Mário Gaspar (1943-2025), ex-fur mil, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) - Parte I: "Estou cego, cego..., não vejo, nada, merda!"
(**) Vd. poste d12 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19093: Efemérides (291): Faz hoje 51 anos: 12 de outubro de 1967, o dia em que eu morri....Por outro lado, sou o "único culpado" do suicídio do ex-alf mil, madeirense, Gouveia (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)