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segunda-feira, 17 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26593: Notas de leitura (1781): Guiné - Antes, Durante e Depois, por Clemente Florêncio; edição de autor, 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Poderia dizer que quanto à pesquisa de livros escritos por camaradas nossos, apelo insistentemente que me emprestem o que sai, não encontro praticamente nada nas livrarias, trata-se de edições de autor, não posso adivinhar como se distribuem tais obras. Podia resignar-me a dizer que a mais não sou obrigado, mas não me conformo, faço telefonemas a Beltrano e Sicrano, tenho sorte com o apoio que recebo da Biblioteca da Liga dos Combatentes, mas aproveito esta oportunidade para renovar o meu pedido de que me indiquem obras sobre a nossa guerra da Guiné publicadas pelos nossos camaradas, mantenho a intenção de deixar referência a tudo o que se publica, mas não tenho condições de adivinho. Quem me puder ajudar, não hesite.

Um abraço do
Mário



A Guiné de Clemente Fidalgo Florêncio, BCAÇ N.º 600, 1963/1965, Bissau e Buba

Mário Beja Santos

Confesso ao leitor que me desunho para ter acesso a obras que falem da Guiné, relacionadas com a guerra e seus protagonistas. Tenho feito aqui sucessivos apelos para que me emprestem obras, a generalidade delas são edições de autor, não detetáveis nos escaparates das livrarias. A resposta é modestíssima. Tenho tido uma imensa ajuda da Biblioteca da Liga dos Combatentes, assim que o Dr. João Horta, o bibliotecário, me badala que chegou matéria-prima fresca marcho para o Bairro Alto, devolvo o que ele me emprestou e consulto o que lhe chegou. Desta vez a safra foi muito minguada, havia uma edição de autor, datada de fevereiro de 2023, obra produzida na Gráfica Central de Almeirim, intitulada "Guiné – Antes, Durante e Depois", por Clemente Florêncio. Como não havia dados, no conteúdo da obra sobe o autor, liguei para o cartão que o camarada Clemente deixou na Liga, O Treino, café-cervejaria em Fazendas de Almeirim. Liguei e passaram ao camarada Florêncio. Expliquei ao que vinha, disse-me que pertencera à CCS/BCAÇ N.º 600, desde outubro de 1963, fora colocado no Quartel-General, nas transmissões, os últimos meses passaram-se em Buba e assim nos despedimos.

É uma obra sóbria, diz quando chegou à Guiné, reporta um conjunto de dados históricos, dá ênfase aos acontecimentos que antecedem a eclosão da guerra, diz que manteve sempre interesse sobre o que se passava na Guiné, mesmo a partir da independência, a Guiné e a sua história são lembrança permanente. Intervém agora, não quer que aquela guerra seja esquecida, e dá-nos um poema que escreveu em Buba, em setembro de 1965, intitulado "Obrigado Guiné":
“Por tudo o que me deste/Pela liberdade que me deste/De te conhecer/De conhecer tuas gentes/E seus costumes e sentimentos/Obrigado Guiné/Por não me roubares a memória/E assim recordar/O dia em que parti/Ao teu encontro Guiné/Pelo mar imenso/Sete dias e noites navegando/Olhando o céu azul/Os peixes voadores voando/Os navios que se cruzavam/Levando-me a pensar/Para onde me levas ó mar/Sinto um enorme horror/Ó tempestade amansa/Não me leves a saudade e a esperança/Que belo conhecer/Tanto tipo de humanos/A beleza crioula das mulheres finais e airadas/Em batuques sem par/Maravilhosos, deslumbrantes/Com o ritmo infantil e envolvente/Com a sua linguagem terna e doce/Na quietude dos velhos/Engelhados e solenes/Na viveza dos rapazes negros e sadios/Na cadência do angustiado sofrer/Nas canções e danças africanas/Na imprevidência de viver o dia de hoje/Ao sabor fatalista/Do que há de vir a acontecer/Obrigado Guiné/Foi belo conhecer/As tuas bolanhas, os teus rios/As tuas matas/Escuras de tão alto capim/Sacudidas pelo vento/Que causa ruídos/Cala-te vento/Não me distraias/Deixa-me pensar/O que hei de fazer/Para um dia voltar/Já poucas horas me restam/Para outro caminho seguir/Já tenho vontade de voltar/Mesmo antes de partir/Se algo aqui sofri/Nunca te culpei… Não/O que eu quero é levar-te/Dentro do meu coração.”

Rememora acontecimentos posteriores à independência, algo misturados com recordações, mantém-se atento às transformações positivas, e recua até às suas lembranças, os pombos verdes de cor, as onças, os jagudis, a vida dura dos guineenses, a exuberância das festas, e deixa para o fim uma recordação futebolística:
“Em 1965, o Benfica de Bissau foi campeão de futebol da Guiné, e por isso, nós jogadores, tivemos direito a um jantar-convívio na sede do clube, alguns elementos usaram da palavra, discursaram durante o jantar. ‘Recordo perfeitamente que o último a discursar, foi o nosso capitão de equipa, de seu nome Orlando Camará. Começou por agradecer ao clube o reconhecimento do trabalho de grupo, agradeceu depois a todos os colegas de equipa o bom trabalho, e voltando-se para mim disse: - E tu, Clemente, obrigado por tudo o que nos deste. Sei que brevemente vais partir para a tua terra, mas eu nunca mais me vou esquecer de ti. Sei que um dia, quando fores velhinho, te recordarás de tanto que correste e saltaste para ser campeão. Ficas no meu coração.’ Tal como previas, estou velhinho e mal posso andar, e recordo tudo isso como se tivesse sido ontem. Saudades imensas de ti e de tudo. Até breve, Clemente”.

E depois adiciona duzentos provérbios e conta uma história contada numa taberna para nos falar do fandango, do tocador de gaita de beiços, ou do harmónio ou concertina. É um livro compósito, como se vê, despede-se desejando-nos muita saúde, que Deus nos proteja da fome e do frio e tudo mais é vaidade em excesso. Aqui fica o essencial da sua mensagem, tanta saudade da Guiné como das memórias que nele permanecem daquele início da guerra, terá feito esta edição de autor porque elas ainda lhe mexem com o sangue. E nada mais há a dizer.

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Nota do editor

Último post da série de 14 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26584: Notas de leitura (1780): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 2 (Mário Beja Santos)

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