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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25870: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte III (Reclamação apresentada, em 1935, ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, Bolama)

 







Guiné > Bolama > 1935 > Repartição Central dos Serviços de Administração Civil - 4ª secção: Negócios Indígenas. Informação: Assunto - Refere-se ao pedido de restituição da importância proveniente da licença para extração de vinho de palma, que julga ter sido cobrada ilegalmente aos índígenas,  colonos da sua propriedade. Informação, datada de Bolama, 27 de julho de 1935. Assinatura ilegível.

Citação:(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


1. Não percebo nada de direito administrativo colonial... Nem sequer alguma vez li o Acto Colonial de 1933 (mas hoje tive que o ler, está aqui disponível em formato pdf, no sítio da Assembleia da República). O artº 3º é taxativo: "Os domínios ultramarinos de Portugal denoninam-se colónias e constituem o Império Colonial Português". 

O Pacto Colonial (Decreto-Lei nº 22 465, de 22 de abril de 1933) tem apenas 47 artigos. Retive estes:



A leitura do Pacto Colonial deve ser complementada pela da Carta Orgânica do Império Colonial Português.

Segundo entrada na Wikipedia, "o Acto Colonial definiu durante muito tempo o conceito ultramarino português, tendo sido revogado na revisão da Constituição portuguesa feita em 1951, que o modificou e integrou no texto da Constituição.

"Com a revisão constitucional de 1951, a visão imperalista foi teoricamente abandonada, sendo substituída por uma estratégia que visava a assimilação civilizadora das colónias à metrópole, com o objectivo final de criar uma nova ordem política, que podia ser a integração total, autonomia, federação, confederação, etc. Reflectindo esta nova visão teórica, as colónias passaram a designar-se por 'províncias ultramarinas' ".

2. Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na colónia da Guiné, como se infere da reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, com sede  em Bolama.

Na reclamação,que já reproduzimos em poste anterior (*), ficamos a saber que:

 (i) o Manuel de Pinho Brandão era maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama (então a capital); 

(ii) era dono e senhor de uma propriedade rústica denominado "Belém", na área da circunscrição civil de Fulacunda,  região de Quínara, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concedia regalias na agricultura e exploração dentro dela;

(iii) o reclamente insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de furação") a indígenas manjacos, que ele trouxera consigo há vários anos atrás, e  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00 para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia" (sic).


3. Um funcionário da 4ª secção (Negócios Indígenas) da Repartição Central  dos Serviços de Administração Civil, dá um parecer em que arrasa o administrador de Fulacunda: a comprovarem-se os factos alegados pelo requerente, o administrador de Fulacunda (na altura teria violado a lei (Código Civil, artºs. 2167 e 2187; Carta Orgânica do Império Colonial Português, artºs.231, 232 e 233).

Era chefe da Repartição José Peixoto Ponces de Carvalho. E o administrador de Fulacunda era o Ernesto Lima Wahnon (cuja resposta ao chefe da repartição publicaremos em próximo poste.)

PS - O Ernesto Lima Wahnon terá nascido na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1895.

__________________

Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)







Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné, como se infere desta reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, sediados em Bolama.  

O reclamante apresenta-se nestes termos: 

(i) "Manuel de Pinho Brandão, maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama";

(ii) "o expoente é dono e senhor de uma propriedade rústica   denominado "Belém", [na] área da Circunscrição Civil de Fulacunda, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concede regalias na agricultura e exploração dentro dela";

(iii) o reclamente  insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de fiuração") a indígenas  manjacos  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda  mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá  usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00  para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia".


A reclamação, em papel selado e devidamente estampilhada,  é datada de Bolama, 16 de julho de 1935.  A assinatura do reclamante é reconhecida pelo notário de Bolama.  O Manuel de Pinho Brandão tinha carimbo comnercial com indicação da caixa postal, Bolama, nº [ilegível, 26 ? ]. 


Fonte: Casa Comum | Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissu | Pasta: 10429.230 | 
 
Conjunto de documentação [10 folhas]  relativa a reclamação, apresentada pelo comerciante Manuel de Pinho Brandão, proprietário do terreno denominado "Belém", na área da Circunscrição Civil de Fulacunda, que se insurge contra a cobrança de imposto de extracção de vinho de palma a indígenas que, com a sua autorização, praticam esta actividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio. | Data: Julho de 1935 - Setembro de 1935 | Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas | Tipo Documental: Documento (...)

Citação:
(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


 
 1.  Sabemos que em 1935 o Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné, como se comprova pelo  documento, de 10 pp., acima reproduzido, e  que está no arquivo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), de Bissau, disponibilizado em formato digital, na  Net, pelo portal Casa Comum / Fundação Mário Soares.

Também sabemos que em 1946 tinha diversas propriedades, incluindo em Ganjola (Catió), Cachanga (Catió), Cangalaia,  Iassé e Cauane (Ilha do Como):


Fonte: In: Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431‑66


2. Mas também consta o seu nome (ou de um  homónimo) num processo de "expulsão" do território, por "atividades subversivas"


Seria interessante slguém do nosso blogue poder consultar este documento do Arquivo Histórico Diplomático... 

Será que o Francisco seria o tal Chiquinho que, segundo o o Mário Dias, ser filho do velho Brandão da Ilha do Como, e se yornou "turra" e que já teria morrido em 1964 ? (*) 

 O Manuel de Pinho Brandão seria o pai, o velho Brandão, ou algum "júnior" ? Sabemos que o velho Brandão espalhou os seus genes pela Guiné...

Inventário dos arquivos do Ministério do Ultramar

Código de Referência: PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0559/08865

Título: Expulsões de Manuel de Pinho Brandão e Francisco Pinho Brandão

Data(s): 1964

Nível de descrição: Unidade de Instalação

Dimensão e suporte: 1 U.I.; papel

Idioma: Português

Notas: Classificador do Arquivo do Gabinete dos Negócios Políticos: P17: Segurança Nacional: Sanções Penais aos colaboracionistas com os inimigos.

Entidade detentora: Arquivo Histórico Diplomático


3.  Vejamos, entretanto, o que  mais se diz, no nosso blogue, sobre este homem, em cuja história de vida  se mistura a lenda e a realidade...  Terá conhecido a "época de ouro" da Guiné, com o governador Sarment0 Rodrigues, no pós-guerra, em que era um dos grandes colonos do sul da Guiné, até à decadència (física, económica e social) com o início da "subversão"... Náo sabemos quando nem onde morreu.. O J. L. Mendes Gomes faz um retrato humaníssimo da sua companheira, de alcunha "Sexta-feira" (tal como o companheiro de infortúnio  do Robinson Crusoé).


(ii) Joaquim Luís Mendes Gomes [ex-alf mil at inf, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]

(...) Era-nos fácil imaginar, com sadia cobiça, a deliciosa época da vida colonial, de antes da guerra, para os felizardos, a quem a sorte, em boa hora, escorraçara, com a pena de desterro, por feitos heterodoxos à moral reinante das gentes da metrópole.

Era o caso do Sr. Brandão, de Ganjola (...) , a quinze km de Catió, um injustiçado lavrador das terras de Arouca. Ali vivia há dezenas de anos, por assassínio, cometido numa das romarias da Senhora da Mó. No meio dos folguedos e romarias, por vezes, acertavam-se contas atrasadas, duma qualquer hora de desavença, mesmo no fim da missa domingueira.

O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca…

Uma negra, velha, mas de rosto e olhar, ainda iluminados por olhos meigos, como a sua voz, doce, era a predileta, de sempre. Seu nome, Sexta-Feira. Soava bem aos ouvidos dos falares balantas, fulas ou mandingas. Era ela quem lhe tratava das tarefas caseiras. Dedicada. Sem nada cobrar, para além do breve e malicioso sorriso do velho Brandão, quando lhe despontava o desejo do seu corpo, negro, sem idade. Podia despontar a qualquer hora. Sexta-Feira ali estava, sempre dócil e submissa.

Uma loja farta de tudo o que chegava na carreira regular das barcaças de Bissau. Os lindos panos de cor garrida e os gordos cordões reluzentes, de fantasia, com que as negras tanto gostavam de se enfeitar.

O vinho tinto da metrópole era o regalo dos ociosos negros, de rostos engelhados e curtidos pelo álcool, pela tarde fora, a par da cachaça de coco.O saboroso bacalhau, curado nas míticas secas da Figueira da Foz e Aveiro, tão apreciado e toda a sorte de ferragens eram tudo o que aguçava o desejo daquelas gentes, para a troca do arroz, milho, mandioca, galinhas e demais produtos que, em cortejo lento e constante, pelas picadas entre as frondosas matas, traziam em açafates, à cabeça.O preço era feito, à medida da vontade gulosa do velho, matreiro e bem afortunado, Brandão.

Dizia-se que tinha metade das terras de Arouca… não fosse o diabo tecê-las. Ali, vivia, pacatamente, como se não houvesse guerra, numa típica mansão colonial, de um piso sobreelevado, com um varandim a toda a volta, com as dependências necessárias à farta panóplia de utensílios, alfaias e mercadoria. (...)



A senhora Sexta-Feira


por J. L. Mendes Gomes  (*)


Vivia em Ganjola,
arredores de Catió.
Era a doce companheira
do senhor Brandão. 

Um desterrado de Arouca
a cumprir pena na Guiné.

Fez-se comerciante,
vendia de tudo aos nativos,
por todo o sul desde Bedanda a Cufar.

Faziam bicha em corropio
as mulheres negras,
açafates à cabeça,
e filhinhos atrás das costas.

Traziam ovos,
traziam galinhas,
de cristas rubras,
e levavam arroz e sal
para suas tabancas.

Sua casa era um palacete,
à beira-rio,
onde abundavam os crocodilos,
mas havia peixe a dar com pau.

Ali fui parar um mês com meu pelotão.
Como num quartel.
Ali dei com o célebre Brandão,
sempre rodeado de muitas crianças,
que lhe ventilavam o ar,
na sua esteira suspensa.

E havia uma senhora negra,
cabelo grisalho
um rosto belo,
cheio de rugas,
e uns olhos brilhantes,
um sorriso divino e puro.

Era a Sexta-Feira.
Cozinhava tão bem!...
Que será feito dela?


Berlim, 19 de Junho de 2015, 8h47m
Joaquim Luís Mendes Gomes

[ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]



Foto nº 1



Foto nº 1A


Foto nº 2

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) > Destacamento de Ganjola > Meninos, filhos de habitantes locais, dois deles irmãos, os mestiços . Dizia-se que eram filhos (ou netos?) do velho Brandão (que não sabemos quando e onde morreu). 

O que foi feito destes meninos e desta menina, pretos e mestiços de Ganjola ? Estarão vivos ? Casaram ? Tiveram filhos ? Vivem na sua terra ? São felizes e livres ? Ficamos sempre fascinados pelas fotos de gente da nossa Guiné, de ontem e de hoje... Quantas histórias não ficarão por contar se não inquirirmos estas fotos ?

Fotos do nosso saudoso grão-tabanqueiro  Victor Condeço (1943-2010) [ex- fur mil mec armamento, CCS / BCAÇ 1913, Catió , 1967/69 ], com quem ainda falei, ao telefone, pouco tempo antes de morrer. Uma conversa dramática; ele sabia o que o esperava... Oxalá tenha morrido em paz...


Foto nº 3


Foto nº 3A



Foto nº 3B

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) >    Foto 31  do Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel >> "Cerimónia militar em fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em julho de 1967. Edifício do comando. Presença de militares, civis da administração, correios e comerciantes locais. Vista parcial do quartel com as tropas em parada".




Foto nº 4

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Foto 32A do álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel >   "Cerimónia militar em fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em julho de 1967. Edifício do comando. Presença de militares, civis da administração, correios e comerciantes locais." > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.



Foto nº 5



Foto nº 5A

Guiné > Região de Tombali > Catió > Foto 26 do álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Vila > 1968> A praça do mercado, vista de quem vinha da pista [tirada à porta da casa do sr. Barros Correia]. À direita o Mercado, ao fundo à esquerda a casa do Sr. Brandão e à direita debaixo da mangueira o Bar Catió e bem ao fundo o quartel.



 Fotos (e legendas) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar:  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.

(iv) Victor Condeço (1943-2010) [ex- fur mil mec armamento, CCS / BCAÇ 1913, Catió , 1967/69 ]

(...) Na verdade falta ali,  naquela foto [nº 4] , o Pinho Brandão, decerto terá sido convidado tal como outros comerciantes que também não aparecem na foto, caso dos Srs. Coelho, Adib e João,  da casa Gouveia.

Poderão estar na foto Catió_Quartel-31 junto do edifício da direita, junto de outra população mas não dá para reconhecer quem é quem. De memória também não sei se estiveram ou não. [Foto nº 4] 

Contudo pela lembrança que tenho do Sr. Manuel Pinho Brandão, é muito provável que não tenha estado presente. Era pessoa bastante reservada, nunca o vi no quartel nem sequer na rua.

As falas dele com militares ou civis resumiam-se ao Bom dia ou boa tarde, entre dentes, quando ao passarmos à sua casa o cumprimentávamos.

A maioria dos seus dias passava-os na sala de sua casa de esquina frente ao mercado [foto Catió_Vila-26], de portas abertas, na sua cadeira de repouso, fumando.

A lembrança que tenho da família que com ele vivia em Catió é muito vaga, mas lembro-me perfeitamente de duas bonitas, mestiças, suas filhas, das quais não me lembro o nome, jovens na casa dos 20 anos, que confeccionavam bolos de aniversário por encomenda. (...) (***)
_______________


terça-feira, 20 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25860: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte I (Mário Dias / Armor Pires Mota)










Croquis da Op Tridente (1964),  


Infografia: © Mário Dias / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005)



Lisboa > Forte do Bom Sucesso > 24 de setembro de 2005 > Quase 42 anos depois da Operação Tridente, alguns dos elementos que nela tomaram parte, pertencentes ao Grupo de Comandos,  fotografados a 24 de Setembro de 2005, durante o convívio dos Grupos de Comandos do CTIG  (1964/66). 

Da esquerda para a direita: 

(i) sold João Firmino Martins Correia; 

(ii) 1ºcabo Marcelino da Mata; 

(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; 

(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda; 

(v) fur Mário F. Roseira Dias; 

(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco 

(Os postos, referentes a cada uma, são os que tinham à época dos acontecimentos).

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Havia, na região de Tombali, pelo menos dois Pinho Brandão, o Afonso (em Catió) e o Manuel (no Como,  e depois Catió e mais tarde em  Ganjolá). Julgamos que fossem irmãos. Seriam oriundos de Arouca, onde este apelido, Pinho Brandão, é comum.

O Afonso foi morto logo no princípio da guerra,  em 1962/1963, por balantas de Catió, que lhe queriam assaltar (e apropriar-se de) a sua casa. 


Era pai da nossa amiga, tabanqueira, Gilda Pinho Brandão (ou Gilda Brás) (foto à direita, cortesia da própria), filha de mãe fula; foi trazida para Portugal, aos 7 anos, em 1969, passando a viver   numa família de acolhimento.

O Afonso era também do engº agr. Carlos Pinho Brandão, colega, no Instituto Superior de Agronomia / Universidade Técnica de Lisboa,  do nosso grande e saudoso amigo Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014).

O Manuel de Pinho Brandão (o da ilha do Como) foi, a par do Álvaro Boaventura Camacho (Cufar) (cabo-verdiano de origem madeirense), um dos grandes proprietários agrícolas da região de Tombali, e conhecidos produtores (e comerciantes) de arroz... Enfim, seria um dos poucos colonos brancos existentes no território. Resta-nos saber a história do seu passado.

É pena, de facto,  não haver histórias de vida destes homens. Com a ocupação da ilha do Como em 1963, pelo PAIGC, o Manuel terá ido para Catió (vivia lá no tempo do J. L. Mendes Gomes, em 1964) e depois para Ganjolá (segundo o Victor Condeço, 1967). 

Aqui havia um pelotão destacado (e foi lá que morreu o meu primo José António Canoa Nogueira, o primeiro lourinhanense a morrer no CTIG, em 23 janeiro de 1965).

O Manuel terá sido desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30 (ainda não encontrámos fonte segura que comprove este facto). De qualquer modo, naquela época a Guiné e Timor eram os piores lugares de desterro, usados tanto pela República como pela Ditadura Militar.

Há várias referências a esta figura,  o Manuel Pinho Brandão, cuja casa na ilha do Como  ficou popularizada pela Op Tridente, com a reocupação pelas NT  (em janeiro-março de 1964).  O Mário Dias (que foi para a Guiné com 14 anos, na década de 50), ainda o conheceu, pelo menos de vista,  em Bissau.

Vejamos algumas referências a este arouquense, desterrado no sul da Guiné, que era também o celeiro do território, antes do início da guerra.
 
 (i) Mário Dias [ex-fur mil 'cmd',  
Cmds do CTIG, 1963/64] (*)


(...) A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória.

Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963.

 As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil

A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. (...)

(...) A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. 

Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como. (...)

(...) Um dos pontos que pretendíamos dominar era a picada que, partindo das imediações da casa Brandão, seguia para Norte em direcção a Cassaca e Cachil. 

Tarefa difícil pois o inimigo tinha instaladas à entrada da mata metralhadoras no enfiamento da picada. No dia 23 o grupo de comandos reforçado com uma secção da CCAV 488 e uma secção de fuzileiros dirigiu-se ao local para tentar alcançar e destruir as metralhadoras. 

Escondidos na casa Brandão, fomos progredindo de um e outro lado do ourique. Porém, ao chegarmos junto ao rio que atravessa a bolanha tínhamos que subir para o ourique e passar por umas tábuas que faziam de ponte. Como era de esperar, as metralhadoras entraram em funcionamento. Zás. Tudo a saltar de novo para o desnível do ourique. (...)
   
(...) Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, ten cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23h30 do dia 20 de março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.

Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. 

Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02h30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas. (...)

(...) Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros.

Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como. (...)



Guiné > Regiáo de Tombali >  Janeiro de 1964 > Op Tridente >  Desembarque das forças do BCAV 490 na Ilha do Como... Percebse-se, por esta foto, que as praias do Como podiam mter centenas de metro de areal e tarrafo na maré-baixa.

Foto (e legenda): © Armor Pires Mota  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Armor Pires Mota [ex-alf mil at inf, 
CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66] (**)

Como, 16 de janeiro de 1964

(...) Ali,  em Cauane, não havia um poço sequer. Só mais longe, a uns trezentos metros, junto à casa do tal Brandão, o único branco que ali vivera, há tempos, onde montara os seus negócios e fizera fortuna. 

Ele casara com a filha da rainha  dos Bijagós e vivia agora  em Catió. O filho,  que diziam ter morrido, andara com os terroristas, o Chiquinho. (...).

(...) Como, 17 de fevereiro de 1964

A missão,  naquela manhãm  era destruir o poço que fovava na tabanca junto ao caminho que já tinha uma história de lutas encarniçadas.

Saímos cedo para criar surpresa. Passámos calmamente por detrás da casa do Brandão, onde já estavam instalados os morteiros para possível apoio (...).

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
_______________

Notas do editor:

 (*)  Vd. postes de:


16 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P356: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

domingo, 18 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)


Guiné > Região de Tombali >  NRP Fragata Nuno Tristão > 14 de janeiro de 1964 > A caminho da ilha do Como, a "ilha maldita".
Foi utilizada em apoio de fogo e posto de comando das forças empenhadas na Operação Tridente (jan-mar 1964)  para reocupação da ilha de Como.



Guiné > Região do Oio > Jumbembem >c. 1964/65 > CCAV 488 / BCAV 489 (Bissau, Ilha do Como, Jumbembem, 1963/65) > A padaria


Fotos (e legendas): © Armor Pires Mota  (201). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Armor Pires Mota, que nos honra com a sua presença na Tabanca Grande,  tem no nosso blogue 100 referências. Para além de ter sido camarada nosso, é um hoje um escritor consagrado, com cerca de 3 dezenas de títulos, entre crónica, poesia, romance e ensaio, um parte dos quais sobre a sua experiência humana e operacional  no T0 da Guiné, entre junho de 1963 e junho de 1965. 


Alguns dados biográficos do autor:

(i) nasceu a 4 de setembro de 1939, em Águas Boas, freguesia de Oiã, Olivceira do Bairro;

(ii) estudou no Seminário de Aveiro, tendo chegado a cursar teologia;

(iii) abandonou a carreira eclesiástica, em 1961, ano em que revelou o seu talento lietrário com o livro Cidade Perdida;

(iv) enquanto frequentava o ensino liceal em Sangalhos, foi chamado a cumprir o serviço militar;

(v) foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, em 1963, sendo alferes miliciano  da CCAV 488/BCAV 489 (Bissau, Ilha do Como, Jumbembem, 1963/65);

(vi) ainda na Guiné começou a publicar no Jornal da Bairrada o seu diário de guerra, sob a forma de crónicas, que, em 1965, iiria reunir em livro, Tarrafo, que a censura mandou rapidamente retirar do mercado (a guerra é retratada com demasiada crueza);

(vii) em 1974, tornou-se pequeno empresário, depois de trabalhar em várias empresas (Caves Aliança e Handy), mas continuou a escrever, colaborando em diversos jornais e revistas. (Fonte: adapt de Palimage)

Alguns dos seus melhores livros, além de Tarrafo - Crónica de Um Alfe5rs na Guiné (2013): A Cubana que Dançava Flamenco (2008); Estranha Noiva de Guerra (2010).



2. Em  Tarrafo: crónica de uma guerra (edição de 1965)  ele relata, na primeira pessoa do singular, o seu quotidiano como alferes miliciano, da CCAV 488/BCAV 489 (1963/65), primeiro na região do Oio (parte 1), depois na Ilha do Como, durante a Op Tridente (parte 2) e por fim na região de Farim (parte 3). Ninguém até então, como combatente, tinha tido a ousadia de o fazer, combater, escrever e publicar no jornal da terra,

Cotejámos, em tempos, as duas edições de Tarrafo (1965 e 1970):  a nossa preferência foi, inequivocamente,  para a primeira, para a sua escrita espontânea, potente, telúrica, de cronista de primeira água, sem autocensura, que voltou a ser publicad na íntegra na Palimage (dem 2013).

Na edição de 1970, revista, o autor foi obrigado a aceitar  os "cortes" impostos pelos censores da época. A 2ª edição (autorizada) perde em vigor, garra, frescura, autenticidade. 

Uma e outra estiveram esgotadas durante anos. Por isso já aqui publicámos, com a devida autorização do autor,  uma parte de Tarrafo [imagem da capa, no lado direito; edição de 1965].


3. Segundo o nosso camarada Mário Dias, outro cronista da Op Tridente, a luta pela reocupação da Ilha do Como travou-se entre 14 de janeiro e 24 de março de 1964. A ilha, onde não havia qualquer autoridade administrativa portuguesa, fora  ocupada pelo PAIGC logo em 1963.

(...) As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha". (...)


Reproduzimos hoje duas páginas deliciosas da edição de 1965 (pp. 52/53), em que o Armor Pires Mota também revela o seu talento como humorista... Afinal, no decurso da Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques, com uns bons nacos de vitela,  uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga...Nem tudo foi só guerra na ilha do Como que o PAIGC, com a sua habitual lata, chegou a proclamar como território da República Independente da Ilha do Como.





E, às vezes, até dá para rir.

              − Agarra! Pega essa!


Fonte: In: Armor Pires Mota: Tarrafo: crónica de guerra. Aveiro, 1965, edição de autor (livro retirado do mercado, por ordem da censura), 
pp. 52-53. Excerto da parte 2 [Operação Tridente, Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964].  Cortesia do autor.

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