Guiné > Região de Cacheu > Binar > Pel Art > Obus 14 > O Carlos Arnaut a introduzir os elementos de pontaria, com alguns serventes, soldados do recrutamento local, a apreciar.
Foto (e legenda): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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1. Mensagem de Carlos Arnaut, membro nº 817 da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil art, cmdt do 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72):
Date: sábado, 31/10/2020 à(s) 23:27
Subject: Crónica da Guerra da Guiné
Caro Luís,
Não posso deixar de me solidarizar com o Manuel Luís Lomba (*) quando critica, com toda a justiça, a ignomínia do abandono daqueles que na Guiné combateram ao nosso lado:
" Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático.
"O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC."
Mais do que indignação, foi com um profundo sentimento de revolta que ouvi da boca de um ex-soldado do meu pelotão, Bona Baldé, que cerca de metade dos seus, e meus, camaradas de armas tinham sido fuzilados logo após a independência.
Como todos os que conviveram com pelotões de artilharia bem sabem, os seus efectivos eram constituídos por graduados oriundos da metrópole e soldados do recrutamento provincial, como era o caso do Bona Baldé, de etnia fula.
Esta notícia foi-me transmitida aquando do nosso reencontro em Lisboa, que me comoveu até às lágrimas, em circunstâncias só possíveis pelo génio e persistência deste Guinéu na conquista do que lhe era devido pela Mãe Pátria.
Sem grandes certezas quanto a datas, presumo que no início de 1972, por ordem do Comando de Batalhão sediado em Nova Lamego, fiz deslocar uma secção de obus para reforçar a segurança do aeroporto, comandada pelo Furriel Rodrigues e de que fazia parte o Bona.
Dado que esta situação era de carácter temporário, o alojamento do pessoal foi feito em moranças de familiares e amigos, sob o olhar benévolo e condescendente do Rodrigues.
Nesse período Nova Lamego sofreu uma flagelação com mísseis, das primeiras, tanto quanto sei, que aconteceram no TO, tendo um deles destruído parcialmente a morança onde dormia o Bona Baldé, o que com o estouro lhe provocou a surdez do ouvido esquerdo e ferimentos ligeiros por projecção de detritos.
Quando do regresso a Dara da secção, reparei que o Bona girava a cabeça para a esquerda quando falava com alguém, tendo-me respondido que nada ouvia de um lado e daí o comportamento algo bizarro.
Depois dos abraços e notícias da família, foi pai de dois filhos durante a minha comissão sendo eu "padrinho" da filha mais nova, soube que tinha tido que fugir da Guiné para escapar à morte, quando me relatou o destino de outros camaradas, tendo-se refugiado na Mauritânia, onde mercê das suas qualidades conseguiu construir um negócio proporcionando à família uma vivência confortável.
Fiquei também a saber que a razão primeira da sua vinda a Portugal,onde o filho mais velho já estava a trabalhar, teve como objectivo tratar de obter uma pensão como deficiente das Forças Armadas, a que muito justamente considerava ter direito.
Fiquei estarrecido com a sua competência em navegar nas ondas da nossa malfadada burocracia, tendo desenterrado no Arquivo Geral do Exército o relatório do ataque, conseguiu ser observado por uma Junta Médica, que confirmou a sua surdez irreversível, faltando apenas o meu testemunho no Auto de Averiguações já em curso para que lhe fosse outorgada a pensão a que tinha indubitavelmente direito.
Fui ouvido no quartel em Sacavém, onde confirmei quer as circunstâncias da sua presença em Nova Lamego, quer a sua óbvia surdez, tendo tido a alegria de não muito tempo depois receber o Bona em minha casa, portador de uma garrafa de Chivas em bolsa de veludo e rolha de prata, para além da notícia de lhe ter sido concedida uma pensão vitalícia com retroactivos à data do acontecido.
Estes diligências ocorreram em 1984, já ele se tinha entretanto estabelecido na terra natal, a poeira das vinganças já se tinha desvanecido, e os retroactivos de 12 anos devem ter-lhe caído como um jackpot no Euromilhões.
Numa romagem de saudade em 1985 à já então Guiné-Bissau, visitei Dara, onde me confirmaram quer o fuzilamento de soldados do meu pelotão como também o de diversos elementos do corpo de milícias, para além da amputação de três dedos da mão direita ao homem grande que nos vendia a carne de vaca que consumíamos no destacamento.
Perante tudo isto, ninguém pode deixar de sentir o sabor amargo de quem se sente traído pelo abandono daqueles que vestiram e honraram a nossa farda. (**)
Abracelo,
Fui ouvido no quartel em Sacavém, onde confirmei quer as circunstâncias da sua presença em Nova Lamego, quer a sua óbvia surdez, tendo tido a alegria de não muito tempo depois receber o Bona em minha casa, portador de uma garrafa de Chivas em bolsa de veludo e rolha de prata, para além da notícia de lhe ter sido concedida uma pensão vitalícia com retroactivos à data do acontecido.
Estes diligências ocorreram em 1984, já ele se tinha entretanto estabelecido na terra natal, a poeira das vinganças já se tinha desvanecido, e os retroactivos de 12 anos devem ter-lhe caído como um jackpot no Euromilhões.
Numa romagem de saudade em 1985 à já então Guiné-Bissau, visitei Dara, onde me confirmaram quer o fuzilamento de soldados do meu pelotão como também o de diversos elementos do corpo de milícias, para além da amputação de três dedos da mão direita ao homem grande que nos vendia a carne de vaca que consumíamos no destacamento.
Perante tudo isto, ninguém pode deixar de sentir o sabor amargo de quem se sente traído pelo abandono daqueles que vestiram e honraram a nossa farda. (**)
Abracelo,
Carlos Arnaut
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(**) Último poste da série > 1 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21407: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72), (1): Rissóis de marisco com arroz de tomate, na messe de oficiais do GACA2, Torres Novas
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Notas do eidtor:
(*) Vd. poste de 30 de outubro de 020 > Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)
(*) Vd. poste de 30 de outubro de 020 > Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)
(**) Último poste da série > 1 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21407: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72), (1): Rissóis de marisco com arroz de tomate, na messe de oficiais do GACA2, Torres Novas