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domingo, 1 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26871: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VI: o pesadelo do tenente-coronel: as batatas e o frango congelado!...



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Fotos > Legendas > 

Foto nº 1 >   Quartel de transmissões, em Santa Luzia, Bissau, com edifícios no estilo da ChefInt e outros do QG/CTIG;  

Foto nº 2 > Viaturas Berliet e Unimog utilizadas nas colunas de reabastecimento ao interior; 

Foto nº 3 > LDG (Lancha de Desembarque Grande),  utilizada nos reabastecimentos ( esta é a no. 101)


(Cortesia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Continuação de "Recordações de um Furriel Miliciano, Guiné 1973/74":



O Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque (como consta na sua página no facebook):

(i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde; 

(ii) foi fur mil amanuense, ChefInt, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; 

(iii) ficou em Bissau até 1975; 

(iv) radialista, jornalista, historiógrafo da música da sua terra, escritor, vive na Praia;

(v) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, nº 790; 

(vi) tem 2 dezenas e meia de referências no nosso blogue.(*)


Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) (*)

Parte VI:  o pesadelo do tenente-coronel: as batatas e o frango congelado!...



Depois da minha chegada, tive de me adaptar ao calor intenso, descobri a cidade Bissau, conheci muita gente. 

Hoje descrevo: o trabalho, a rotina no dia-a-dia, o ambiente de guerra que se vivia na calma aparente de Bissau

O tempo passa e paira sobre nós o ultimato do tenente-coronel, para esvaziar as prateleiras dos mais de mil “autos de víveres e artigos de cantina” que estavam ali numa estante. Por isso, tenho de aprender depressa e logo iniciar o trabalho de minutar a análise e propostas de decisão.

O alferes vai-me ajudando a escrever a respectiva “informação” para despacho superior. O colega furriel veterano também me ajuda, dá-me uns toques e assim vou aprendendo a linguagem jurídica; mas o que considero um trabalho de aprendizagem, foi logo submetido ao chefe, sem que eu ainda tivesse a necessária experiência. Não tarda, o tenente-coronel chama-me ao gabinete para me admoestar: “Então, nosso furriel? Como é que é?” E blá blá blá… etc.

O alferes lá me desculpava, assumia os erros… e assim fui apanhando traquejo e experiência.

Neste ambiente de guerra e mortes, a tropa no mato, tem quase tudo do bom, para manter o moral e boa disposição! As cantinas disponibilizam boas bebidas, desde whiskies (de qualidade) a licores Glayva, Tríplice, aguardente velha, etc., vinhos engarrafados (do melhor), muita cerveja, os mais diversos artigos de toilete, etc. etc. E são enviados os mais variados produtos para a confecção da alimentação diária. 

A quebra, destruição deste «stock» devido à manipulação aquando do embarque e descarga e transporte, bombardeamentos, etc. dá origem aos autos que são enviados para apreciação na «Secção de Autos» onde trabalho…


A CHEFINT resolve ainda autos de fardamento, controla os consumos de víveres, fiscaliza a contabilidade das unidades, enfim tudo e mais alguma coisa. Manuel Amante, um velho amigo e colega do liceu que foi colocado no final de 1973 na Chefia da Intendência, explica:

“Nós fornecíamos material e equipamentos e tudo… aliás a Manutenção Militar estava sob a coordenação ou orientação da… Chefint – Chefia da Intendência) e eu fui colocado na secção que… vá lá, digamos, a «secção funerária», onde nós é que geríamos os caixões, portanto, eu fui chefe dessa pequena secção onde nós geríamos os caixões de chumbo, de madeira, de zinco, consoante a naturalidade de quem tivesse morrido, assim se distribuía.

 Portanto, eu, mais ou menos nessa altura, eu tinha uma ideia de como é que eram as operações. Apesar dos quartéis terem um stock de caixões, quando faltavam, eles requeriam e nós dispensávamos isso."


Com o passar dos dias sinto-me integrado na secção d
e autos de víveres, onde o ambiente é de conversa e conhecimento mútuo. Os três civis, colegas de serviço são: o Demba Baldé, que tem uma cara horrível, toda desfeita por queimaduras…, é ele quem trata do arquivo; há um vivaço chamado, Issa Baldé que é o dactilógrafo; o Claudino, trata de expedientes administrativos, é um homem na casa dos 30 anos, de pele clara, tem um bigodaço, parece ser cabo-verdiano.

O alferes comenta a brincar: 

“Olha, na Guiné são todos: Mané, Baldé, Turé… Camará, Embaló, Djaló, Dabó… Eu confundo sempre os nomes!”

Apesar de muitos terem apelidos homónimos, não são, nem familiares, nem parentes. Há mais civis nas outras secções, a maioria guineenses, mas também há descendentes de cabo-verdianos.

O Demba ao me ver sair várias vezes para ir beber e voltar todo molhado em suor – acho que sentia pena de mim – certo dia ao me ver assim, não resistiu e disse: 

“Oh! Gonçalves, assim não vais poder aguentar a comissão! Tens de te adaptar ao calor! Toma lá, põe na boca, um pedacinho chega!"

Estendeu a mão com algo e diz:

"Vai ajudar-te a controlar a sede!”

Perguntei o que é isso, ele responde:

“Noz de cola! Põe isso num canto da boca!”

Desconfiado, tomei o pedacinho daquele fruto verde por fora, branco por dentro, a textura parecia a de um pedaço de tâmara meio verde, mas não meti na boca. Aceitei a oferta por cortesia. Demba também não comentou a minha atitude. Passados uns dias, vendo a minha aflição, Demba voltou a alertar-me:

“Põe o pedacinho de cola na boca e a sede vai acabar!”

Assim fiz, senti então uma sensação de frescura na boca e na cara, a saliva aumentou… Agora o meu problema é: ir frequentemente cuspir na casa de banho! Passadas umas semanas, comecei a adaptar-me ao calor intenso da Guiné, já nem utilizava a noz de cola, bebia normalmente.

Demba Baldé é muçulmano, reza todos dias às 11 da manhã e à tarde às 17 horas; ele levanta-se, vai a um canto, estende um pequeno tapete no chão e faz as suas orações. 

Demba, notou o meu espanto por ele estar muitas vezes a rezar com um rosário nas mãos enquanto trabalhava; por isso ele tomou a iniciativa de me explicar os preceitos da fé muçulmana, um mundo que eu desconhecia: no Ramadão, tinham de rezar todo o dia e fazer jejum, só comiam à noite; quem pode frequentar a mesquita; peregrinação a Meca, quem lá foi, passa a ter título de «El Haaj», ou “Aladje”; e isso e aquilo… etc. e tal.

Curioso, perguntei apontando, o que era aquele rosário que ele tinha nas mãos? Fez-se de desentendido, não insisti. Prosseguiu explicando que nomes da Bíblia que se diz, serem cristãos, vêm do árabe: Abraão é Ibrahim, José vem de Youssef, etc. 

Quanto ao rosário, a explicação veio pelo Issa Baldé: chama-se “tashby”. O Issa diz que também é «Fula», explica que o seu nome significa «Jesus» em árabe, aliás fez questão de sublinhar, «Issa» é que é o verdadeiro nome de Jesus! 

Mas, este nosso dactilógrafo, embora muçulmano, não era praticante, fumava muito e dava-se muito bem com o Claudino,  outro grande fumador,  gozava com o Demba, quando ele me contava estas estórias de religião ou da etnia «Fula».

Demba também me explicou que é da etnia «Fula» com orgulho diz: 

“Nós somos diferentes das outras etnias da Guiné porque sabemos ler e escrever, temos o nosso próprio alfabeto!"

O ex-militar Manuel Dinis, comentou anos mais tarde: 

"Os fulas, ardentes propagandistas do islão, propagavam a escolaridade em árabe. A população manifestava-se algo colaborante, mas assumia uma posição neutra em relação ao IN (inimigo) de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros.”

Comecei então a ter uma outra noção da Guiné e da sua diversidade. Ao mesmo tempo tentava descobrir alguma ligação minha, com esta terra e com a sua gente. Minha mãe, dizia sempre que a avó dela, era da Guiné, que era filha de um régulo «Fula»! Ou era «Papel»? 

Bem, não importa… Desde pequeno que ouvia contar que a minha bisavó tinha sido levada da Guiné para Cabo Verde pelo meu bisavô, um «badio» branco, filho de metropolitano,  natural de Vilar de Mouros, norte de Portugal,  que se casou com uma branca da Ilha do Fogo (ela foi sepultada no cemitério da Praia em 1700 e tal… e lá estão outros membros da família “Abreu Rodrigues Fernandes”),

Mamã contou-me, naquela época, foi um escândalo na cidade da Praia, quando o director da alfândega (o meu bisavô),  branco loiro, olhos azuis, apareceu amantizado com uma preta da Guiné, onde esteve destacado em serviço. 

Mamã dizia que ela cozinhava aquelas comidas da Guiné e contava aquelas «estórias» fantásticas do mato e animais selvagens… Explicou: foi vovô (meu bisavô) quem a ensinou a ler e escrever, ter boas maneiras, comprava-lhe roupas caras! Viveram felizes até quando já velhinhos a morte os separou.

Mas, nunca contei esta minha história ao pessoal da repartição de autos, nem a qualquer outra pessoa em Bissau! Conto hoje, pela primeira com a devida vénia e orgulho…

Enquanto se trabalhava no duro para limpar as prateleiras, daqueles mais de mil autos e outras tantas dezenas que iam entrando todos os meses, falávamos uns com os outros e havia muita camaradagem, mas com o devido respeito pela hierarquia e funções de cada um. 

O alferes era quem brincava muito e gozava com as coisas mais simples, era uma forma de se manter moral alto e passarmos o tempo menos angustiados. Porque, não podíamos fugir dos acontecimentos do dia-a-dia, sempre sangrentos, que nos chegavam, ora sob a forma de «relatos» comentados à boca fechada, ou nos relatórios que acompanhavam alguns autos, como justificativa de ataques e flagelações…

Havia também informações que chegavam através da ERG (Emissor Regional da Guiné) nos programas «Guiné Melhor» entre as 19 e 20 horas. Em crioulo, português e línguas nativas, apresentava-se a visão oficial dos acontecimentos no teatro de operações (TO). Muitas vezes havia relatos de militares ou de outras pessoas sobre os ataques a colunas de transporte, emboscadas, etc. seguidos de comentários por gente da emissora.

De passagem por Bissau, vinham do mato muitos militares, uns a caminho de férias na metrópole, outros por evacuação médica, outros simplesmente enviados, para uns dias de folga para descansar, porque já estavam «marados» e tinham comportamentos estranhos… 

Toda esta malta trazia novidades, tinha «estórias» para contar, que esclareciam muitos boatos que circulavam… No fundo não eram boatos, mas sim notícias truncadas ou distorcidas de acontecimentos reais. A malta da companhia de transportes estava muito perto de nós, num quartel ao lado do QG. Quando voltavam das missões de reabastecimento contavam as ocorrências.

Recorde-se, Bissau está cercada por um campo de minas, por arame farpado e pela guerra! Não se pode ir a nenhum lugar no interior porque é perigoso! Nhacra, uma localidade muito próxima, é atacada com uma certa regularidade. 

Eu consegui ir uma vez a um pouco mais perto, a Safim… foi em maio de 1973, fui comer umas ostras frescas, mas era perigoso. Havia lá um restaurante, fui logo apresentado ao dono e à esposa, ambos com um excesso de peso que salta à vista, mas são muito simpáticos, sabem receber os fregueses. Decorreu, então, um agradável petiscar de ostras, claro, muita conversa, nem me passou pela cabeça a guerra, ou qualquer perigo, que estava ali perto.

A circulação pelo território da Guiné nesta altura só é feita através de colunas militares e pelas LDG (as lanchas militares de desembarque  grandes) também usadas nas operações de reabastecimento; os barcos civis muitas vezes são escoltados. Os meios aéreos destinam-se às operações militares, algumas vezes fazem operações urgentes de reabastecimento... lançamentos de víveres em paraquedas, caso do frango congelado e rações de combate.

Nos relatórios «confidenciais» que acompanhavam os autos e passavam pelas minhas mãos, vinham muitas vezes descrições dos ataques e a lista dos danos causados, claro, a mim só interessava a lista dos artigos de cantina destruídos: tantas centenas/caixas de garrafas de cerveja partidas, tantos disto e daquilo… destruído, molhado, etc. 

Impressionava-me a menção final da quantidade de munições utilizadas na resposta ao IN: disparados tantos mil cartuchos de tantos milímetros, lançadas tantas granadas, etc. etc.


O termo "svenska schack", em sueco,   quer dizer  "xadrez sueco": lê-se no tabuleiro em cima da mesa... Presume-se que tinha sido uma oferta ao PAIGC, pelo Estado Sueco ou por uma associação sueca que apoiava a causa do partido de Amílcar Cabral...  A foto deve ser c. início dos anos 70. Em primeiro plano, uns óculos de sol e a ponta de uma arma (talvez uma Kalash) (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05222.000.141 | Título: Júlio de Carvalho, Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes | Assunto: Os combatentes caboverdianos Júlio de Carvalho [Julinho], Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes [da Silva] jogando xadrez numa base do PAIGC | Data: 1963 - 1973 | Observações: Valdemar Lopes da Silva foi professor no Centro de Instrução Política e Militar (CIPM) do PAIGC, a partir de 1970 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Fotografias


Citação:
(1963-1973), "Júlio de Carvalho, Tchifon, Cláudio Duarte e Valdemar Lopes", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43496 (2025-5-31)

(Reproduzido com a devida vénia...)



Um dia chamou-me a atenção num desses relatórios a alusão a um tal «JJ» que era descrito como um cabo-verdiano que andava por aí com um bigrupo do PAIGC cujos ataques, dizia-se, eram destemidos e implacáveis. Parecia uma desculpa para tanta destruição descrita! Outra vez, vi uma referência a um tal «Chifon» que juntamente com o «JJ» fizeram um grande ataque, houve dificuldades na resposta ao IN. 

[ Nota do editor LG: Esse JJ seria o Júlio de Carvalho, "Julinho" ? Ou o Jaime Mota, morto em Canquelifá, em 7 de janeiro de 1974 ? Ou ainda o Joaquim Pedro Silva, "Baró" ?.Ou, mais provavelmente, o João José Lopes da Silva ?... Por outro lado, no Arquivo Amílcar Cabral, há uma foto, que reproduzimos acima em que aparece o "Tchifon", seguramente nome de guerra, a observar uma partida de xadrez.]

Dizia-se claramente naqueles relatórios que os cabo-verdianos e cubanos é que eram culpados ou lideravam ataques tão violentos, isso parecia uma justificação. Lia essas informações, mas nunca comentei com ninguém. Documentos classificados é ler e esquecer. 

Algum tempo depois, pelos autos que íamos resolvendo daquela pilha dos mil e dos outros tantos, que iam chegando, saltava à vista: a «batata» era o grande e maior problema na logística. Devido ao clima, apodreciam toneladas de batata, que constituíam perdas enormes! A tropa gostava de batata e era reticente no consumo de feijões e massas, que requisitavam, mas iam comendo aos poucos, logo, muitas vezes, acabavam por exceder o prazo, apodreciam, constituindo mais perdas e claro, dando origem a autos…

O tenente-coronel andava preocupado, por isso me solicitou um gráfico sobre perdas de batata por meses desde o ano anterior. Para evitar o apodrecer de toneladas e toneladas de batata, até tinham sido instalados aparelhos de ar condicionado em muitos armazéns!

Depois da batata, o pesadelo do tenente-coronel era o frango congelado. É que o pessoal no mato não cumpria as regras de descongelamento estipuladas nas NEP, logo, quilos e mais quilos de frango ficavam impróprios para o consumo… O calor encarregava-se do resto… eram elaborados autos e mais autos… cuja decisão era quase sempre: a pagar pelo pessoal responsável!

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

____________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26853: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte V: aqui sinto-me em casa, encontro tias, primos, vizinhos, colegas de escola e do liceu...

(**) Vd. poste de de 31 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23935: Antologia (88): Cabo Verde: história das suas forças armadas, constituídas a partir de um núcleo de antigos combatentes do PAIGC (excertos de artigo de Pedro dos Reis Brito, "Revista Militar", n.º 2461/2462, de fev / mar 2007)

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26824: Diálogos com a IA (Inteligência Artificial) (3): A festa do Tabaski entre os muçulmanos da Guiné-Bissau (com Armando Oliveira, Cherno Baldé, Catarina Meireles e Luís Graça)





Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > c. 1972/74 > "Festa do carneiro" ou Tabaski entre os muçulmanos da comunidade local

Fotos: © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O 
 Cherno Baldé é  o nosso "agente" em Bissau: na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu (e cristã!), quadro superior com formação universitária na Ucrânia,  ex-URSS,  e em Portugal, hoje consultor independente na área de   desenvolvimento e gestão de empresas, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses,  antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns... 

E mais do que "agente", o Cherno é um grande conhecedor e apaixonado defensor do melhor que a sua terra tem, a sua cultura, a sua história, o seu património (material e simbólico), as suas línguas e as suas gentes... 

Ele é o nosso assessor  para as questões culturais, artísticas,  sociais, económicas e religiosas da comunidade fula a que pertence, com muito orgulho. E para questóes etno-linguística, em geral. 


Como já aqui o dissemos, era (e é) pouco santa mas grande a nossa ignorância em relação à religião e demais aspetos da cultura dos guineenses, fossem (ou sejam) eles animistas, muçulmanos ou cristãos ("grumetes") (*)

Há 50 anos não  havia ainda a Internet, nem muito  menos os assistentes de IA - Inteligência Artificial, que vierem tornar obsoletas as nossas enciclopédias. (Tenho algumas, em português e inglês, que os meus filhos irão vender ao quilo; por enquanto ainda não me desfaço delas, têm um valor afetivo...). 

Em muitas questões relacionadas com religião, língua, cultura, história, etc. da Guiné-Bssau, eu não dispenso o sábio e sempre ponderado e bem vindo comentário do nosso assessor Cherno Baldé, bom guineense e melhor muçulmano que sabe muito mais de nós (e dos nossos)  do que nós dele (e dos seus).


II. Perguntámos ao ChtaGPT (e ao Gemini IA /Google) (**): 

"O que é a 'festa do carneiro' entre os muçulmanos da Guiné-Bissau ?


A. Resposta pronta do ChatGPT em Português ("Chatbot adaptado à cultura e linguagem portuguesas, com foco em educação e respeito")... 

A "festa do carneiro", como é popularmente conhecida na Guiné-Bissau, refere-se à celebração do Eid al-Adha, também chamado de Tabaski em muitos países da África Ocidental. É uma das datas mais importantes do calendário islâmico, comemorada por muçulmanos em todo o mundo, incluindo a vasta comunidade muçulmana da Guiné-Bissau.

Significado religioso:

O Eid al-Adha celebra o ato de fé e obediência do profeta Ibrahim (Abraão), que, segundo a tradição islâmica, estava disposto a sacrificar o seu filho Ismael em obediência a Deus. No entanto, Deus substituiu o filho por um carneiro, que foi sacrificado no seu lugar.

Como se celebra na Guiné-Bissau:

Na Guiné-Bissau, esta celebração tem características culturais e comunitárias muito próprias:
  • Sacrifício do carneiro: Famílias muçulmanas que têm condições financeiras compram um carneiro para sacrificar, simbolizando o sacrifício feito por Abraão. O animal deve ser abatido de acordo com os preceitos islâmicos.
  • Partilha da carne: A carne do animal é geralmente dividida em três partes – uma parte para a família, uma para familiares e amigos, e outra para os mais necessitados, reforçando o espírito de solidariedade.
  • Orações comunitárias: De manhã, as pessoas reúnem-se em grandes espaços abertos para realizar orações especiais em conjunto.
  • Momentos de convívio: É também um momento de união familiar, onde se vestem roupas novas ou tradicionais e se visita familiares e vizinhos.
  • Relevância social: A festa tem um grande impacto na vida social e económica do país, com movimentações nos mercados, nas aldeias e nas cidades.

Este é um evento muito aguardado e vivido com grande fervor religioso e sentido comunitário na Guiné-Bissau.

Se quiseres saber mais sobre tradições religiosas ou culturais no mundo lusófono, explora gptonline.ai — está cheio de conteúdos úteis!
 

B. Resposta do Gemini IA / Google:

A "festa do carneiro" entre os muçulmanos da Guiné-Bissau é a celebração do Eid al-Adha, também conhecido localmente e em outras partes da África Ocidental como Tabaski.

Esta é uma das duas maiores e mais importantes festividades do calendário islâmico (a outra é o Eid al-Fitr, que marca o fim do Ramadão). 

O Eid al-Adha comemora a disposição do Profeta Ibrahim (Abraão) em sacrificar o seu filho Ismael (na tradição islâmica) como um ato de obediência a Deus. No entanto, Deus interveio e substituiu Ismael por um carneiro (ou outro animal), que foi então sacrificado em seu lugar.

Assim, a principal característica desta festa é o sacrifício ritual de um animal, geralmente um carneiro, mas também pode ser uma cabra, vaca ou camelo, dependendo das possibilidades da família. A carne do animal sacrificado é tradicionalmente dividida em três partes: uma para a família que realizou o sacrifício, uma para os parentes e amigos, e uma para os pobres e necessitados.

Para além do sacrifício, o Eid al-Adha na Guiné-Bissau, assim como em outras comunidades muçulmanas, é um momento de:

  • Orações especiais (Salat al-Eid): Os muçulmanos reúnem-se em mesquitas ou espaços abertos para realizar orações congregacionais;
  • Reuniões familiares e sociais: As pessoas vestem as suas melhores roupas, visitam familiares e amigos, trocam cumprimentos e partilham refeições festivas;
  • Atos de caridade e generosidade: É um momento para ajudar os menos afortunados, oferecendo-lhes comida e apoio financeiro;
  • Reflexão e renovação da fé: Os muçulmanos lembram-se da história do sacrifício de Ibrahim e reafirmam a sua fé e submissão a Deus.

É importante notar que a data exata do Eid al-Adha varia a cada ano, pois é baseada no calendário lunar islâmico. As celebrações geralmente duram alguns dias. Na Guiné-Bissau, como em outros países com populações muçulmanas significativas, o Tabaski é geralmente um feriado nacional.

Guiné-Bissau > Bissau >  2004 > Festa do Tabaski (ou do carneiro) (em árabe, Aïd el- Kebir ou Aïd el-Adha) > O nosso grã-tabanqueiro Cherno Baldé com os seus 4 filhos...  A festa do Tabaski (designação corrente nos países de forte tradição muçulmana da África ocidental)  é, a seguir à festa do fim do Ramadão, a mais importante do Islamismo, equivalente ao Natal cristão. A data é variável, em 2015, foi a 24 de setembro. (***)


"Segundo o Islamismo, o filho herdeiro de Abraão foi Ismael e não Isaac. Esta festa é a comemoração do Livramento, do filho de Abraão que foi substituído por um cordeiro no momento exato em que seu pai iria sacrificá-lo, em obediência ao Senhor. Esta providência divina livrando (segundo o Islão) a Ismael, pai da nação árabe e antepassado do profeta, é lembrada anualmente por todo o povo muçulmano, como a Festa do Sacrifício ou a Festa do Cordeiro." (Fonte: Ordidja)

Foto: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legenda: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A festa do  Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... 

Tabatô passou-nos completamemte ao lado, ao tempo da guerra colonial. Era uma aldeia, discreta e pacífica, de músicos e construtores de instrumentos músicos, com raízes ancestrais no antigo império do Mali e depois no reino do Gabu, Fica a 10 km, a nordeste de Bafatá, do lado direito da estrada que segue para Contuboel (e a cerca de 15 km, a sul desta povoação, onde alguns de nós estiveram no respetivo Centro de Instrução Militar, em 1969). É a terra natal do nosso grão-tabanqueiro Mamadu Baio, músico. 

Uma das portuguesas que participou no Tabaski de 2009  foi a Catarina Meireles, médica (minha antiga aluna de saúde pública, em 2007, na ENSP / NOVA), que aparece  aqui com uma criança mandinga ao colo.

Foto (e legenda): © Catarina Meireles (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


III. Resposta do Cherno Baldé, em comentário ao poste P16801 (*)

O conjunto das fotos (*)mostra diferentes momentos da vida da tabanca, as primeiras fotos, de 1 a 3 mostram o dia da festa do Tabaski, a cerimónia que faz referência à fidelidade do Patriarca/Profeta Abraão para com o seu Deus ao sacrificar o seu único filho (Isaac para os cristaáos e Ismael para os muçulmanos). 

As outras fotos (4 e 5) podem não estar associadas à festa do Tabaski, mas de outras festividades como o Fanado de rapazes e/ou o aparecimento de Cancurans.

Cordialmente,

Cherno AB
2025 M05 15, Thu 16:46:59 GMT+1

Sobre o Ramadão (22 referências), vd. aqui (incluindo comentários do Cherno Baldé).


IV. O Tabaski em Tabatô, pela Catarina Meireles, é um texto de antologia do nosso blogue. Não nos cansamos de o reproduzir, aqui, pela terceira vez (****):

O Tabaski em Tabatô

por Catarina Meireles

No passado fim de  semana (26-27 de novembro de 2009) fui ao Tabaski  − cerimónia de imolação do carneiro (por analogia: Páscoa dos Muçulmanos).

Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô  
−  muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas.  São fabulosos!

Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupámos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitámos tudo o que nos diziam para fazer... E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!

No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos-nos em círculo.

Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida  
− pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)

As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.

Eu disse:

 
− Sim, 3 é número sagrado!

Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!

Foi-me pedido que falasse... e falei. Pedi uma cadeia de união 
−   corrente de mãos dadas. 

 Expliquei como fazer e disse:

− Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.

E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:

 
− Obrigado, Fátima de Portugal!

Catarina Meireles

Bafatá, 1 de Dezembro de 2009 (****)

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)
(****) Vd. poste de 8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26801: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VIII






Foto nº 1A, 1B,  e 1









Fotro nº 2, 2A, 2B, 2C




Foto nº 3 e 3A






Foto nº 4, 4A e 4B



Foto nº 5 e 5A

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s

Festaa religiosa (o Tabaski e não o Ramadão)  (fotos nºs 1 e 2) e civis da população de Fulacunda, na sua grande maioria biafada e mulçulmana.  A NT tinham sempre alguma curiosidade em relação a estes eventos que juntavam toda a população...Vou pedir ao Cherno Baldé que  "legende" as fotos... As nºs 1, ,2 e 3  teriam a ver com a "festa do carneiro" (o do Tabaski), conforme confirma o Cherno Baldé *).

A festa do Tabaski (designação corrente nos países de forte tradição muçulmana da África ocidental)  é, a seguir à festa do fim do Ramadão, a mais importante do Islamismo, equivalente ao Natal cristão. A data é variável, de ano para ano.

Fotos: © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. O Armando Oliveira, natural de Marco de Canaveses, a viver no Porto,  foi 1º cabo at inf, 3ª C/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), tendo pertencido ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro Jorge Pinto. Era o apontador da metralhadora pesada Breda, instalada no alto do fortim. Também exercia, no quartel, a sua profissão de barbeiro. E, como "hobby", fazia fotografia. Era um d0s militares que tinha máquina fotográfica. É dele o melhor álbum fotográfico de Fulacunda.


É membro recente da nossa Tabanca Grande (nº 901). Tem página do Facebook.  

Como na maior parte dos casos as fotos que ele nos disponibilizou, não trazem legendas, temos que as tentar reconstituir, e contar com a ajuda dele como dos outros camaradas "fulacundenses" que também fazem parte da Tabanca Grande: o Jorge Pinto e o José Claudino da Silva. (Bem como do Fernando Carolino, de quem aguardamos o OK para ser apresentado).

As fotos que hoje publicamos são interessantes para documentar o binónimo NT / População.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)

16 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7795: Álbum fotográfico do Arménio Estorninho (CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70): Cherno Rachide e a festa do fim do Ramadão, Bissau, 1970


6 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21974: Álbum fotográfico de António Marreiros, ex-alf mil, CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e CCaç 3, Bigene e Guidage, 1973/74 - Parte VI: O Ramadão (2/3)

9 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24212: Fotos à procura de... uma legenda (174): Legendas para as fotos do Ramadão de 1971, na tabanca de Saliquinhedim (K3) (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf / Cherno Baldé)

sábado, 21 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26296: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (33): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III


Foto nº 1


Foto nº 1A


Foto nº 1B


Foto nº 1C


Foto nº2 

Foto nº 2A


Foto nº 3


Foto nº 3A


Foto nº 4


Foto nº 4A


Foto nº 5


Foto nº 5A


Foto nº 5B


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª C/BART 6520/72, 1972/74)  >  s/d >   Içar da bandeira (toto nº 1), porto fluvial (foto nº 2), festas religiosas (fotos nºs 3 e 4) e carnaval (festa nº 5)



Fotos: © Jorge Pinto (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



1. O Jorge Pinto [ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça; professor do ensino secundário, reformado; membro da Tabanca Grande desde 17/4/2012 (*), com c. de 6 dezenas de  referências no blogue ] tem o melhor álbum fotográfico  sobre Fulacunda, região de Quínara, chão biafada. Pela qualidade técnica e estética bem como pelo interesse documental dos "slides" que tirou.

Estamos a revisitar e reeditar algumas suas melhores fotos (**).

2. Em respostas aos postes anteriores, mandou-nos a seguinte mensagem, aproveitando para: (i) desejar-nos boas festas; (ii) fazer prova de vida; e (iii) partilhar connosco mais 5 preciosas fotos 

 Data - sexta, 20/12/2024, 15:48

Assunto - Fotos de Fulacunda

Camarada amigo , Luís Graça


Obrigado pelo "melhor do mundo" que me desejas para o novo ano que aí vem.... Também para ti e toda família desejo que seja um bom ano, principalmente na saúde e na felicidade.

Respondendo às tuas questões pouco tenho a acrescentar ao que já está escrito e fotos anexas, no poste P12 387 (**). Acrescento, no entanto, que uma grande parte do tempo era passada no mato, em patrulhamentos, montagem de emboscadas e participação em operações feitas na zona do Quinara, com envolvimento de outras tropas..

Quanto à questão de "fazer as honras da casa" (**), isso não é verdade. Eu, apenas acompanhei um grupo de guerrilheiros, fortemente armados,  que fizeram questão de ir ver o porto no rio de Fulacunda, por onde se fazia o nosso abastecimento quinzena/ mensal e que era o nosso ponto mais vulnerável na minha opinião. 

O local e as circunstâncias como se procedia à descarga do barco oferecia condições excelentes para um ataque à nossa tropa. Ora isso, nunca aconteceu.... Talvez, por isso mesmo este bigrupo do PAIGC guerrilheiros tivesse interesse e curiosidade em ver o local.

Envio mais umas fotos relacionadas com a "vida na tabanca" e em que nós mais ou menos nos tentávamos integrar.

Abraço, Jorge

Anexo - 

Foto nº 1 > Içar da bandeira
Foto  nº 2 > Porto fluvial, rio de Fulacunda, afluente do rio Geba
Fotos nºs 3 e 4 > Festa religiosa
Foto nº 5 > Carnaval na tabanca

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domingo, 9 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25624: Elementos para a História do Pel Caç Nat 51 (1966/74) - Parte III: População civil: da cerimónia do fanado ao funeral muçulmano (Armindo Batata)



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje  ? Cacine ? Catió ?   Cufar ? > c. 1969/70 > Foto nº 71 >  Tudo indica que se tratatava um grupo de "bajudas", fulas e futa-fulas (meninas, umas mais crescidas do que outras),   que acabavam a cerimónia do "fanado" (*).. Sendo do último lote das fotos do autor, é provavel que a localidade seja  Catió ou Cufar. Compare-se a opinião do Cherno Badé: "A imagem mostra um grupo de raparigas muçulmanas durante a celebração da saida do fanado. Não conheco a composição da população de Cufar, mas há uma forte probabilidade que esta imagem seja de Guileje ou Cacine". E acrescenta posteriormente: "A localidade de Cufar é a excluir e mantêm-se as outras como possíveis, com maiores probabilidades para Catió (Priame) e Guileje".


Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 41 >  Um típico comportamento dos primatas: fazendo a higiene do cabelo, catando parasitas (piolhos, pulgas e lêndeas)... O famoso "groming", descrito pelos primatólogos... Legenda do Cherno Baldé: "Meninas futa-fulas (de origens diversas, aliás como era a generalidade da população futa-fula nas áreas de Cubucaré e Quitáfine. região de Tombali), a tratar do penteado, em horas de folga".


Guiné > Região de Tombali > s/l (Guileje ?) > c. 1969 > Foto nº 38 > Foto de grupo de adolescentes . A bajuda do lado direito usa relógio de pulso e a rádio portátil, transistorizado... Acrecsenta o Cherno Baldé: "Uma familia cristã, crioula, assimilada, provavelmente, de origem cabo-verdiana ou das praças de Cacheu, Bissau, Bolama ou Geba".



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 39 > Bajuda



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 43 >A caminho da fonte (?), que ficava fora do perímetro de segurança do quartel e tabanca, a cerca de 3/4 km. Era o "calcanhar de Aquiles" de Guileje, como se viu por altura do "cerco" de maio de 1973.


Guiné > Região de Tombali > s/l (Catió ou Cufar > c. 1970 > Foto nº 83 > Diz o Cherno Baldé que é "um ourives juta-fula de metais finos (ouro e prata) a julgar pelos utensilios em uso, trabalhando na sua oficina".

Só conheci ourives mandingas (etnia de eram grandes artesões: em Bafatá, na zona leste, havia um famoso ourives, mandinga). (LG)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 > Foto s/n (1) >



Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 >  Foto s/n (2) >


Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 >  Foto s/n  (3)>
 
Estas três últimas fotos, não numeradas, fazem parte de uma notável sequência de um funeral muçulmano, realizado fora do perímetro do quartel e tabanca de Guileje e que o fotógrafo acompanhou (juntamente com soldados do pelotão) do princípio ao fim (**), e de que mais abaixo se apresenta uma descrição resunida.

Fotos (e legendas): © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1.  São fotos notáveis do Armindo Batata, reveladoras de uma grande sensibilidade sociocultural (que nem todos tinham,  os graduados metropolitanos, a servir em subunidades com praças do recrutamento local). 

Comandante de um subunidade militar composta por guineenses, de diversas etnias, este nosso camarada estava atento a aspetos da vida quotidiana e da cultura da população  onde  se inseria, como era o caso dos rituais de passagem como o "fanado" (feminino) ou das cerimónias fúnebres.

Acrescente-se que as fotos aqui publicadas foram objeto de edição, como é prática de resto habitual no nosso blogue: melhoria da resolução, do brilho, do contraste, do enquadranento, etc..

 2. Relativamente ao cortejo funerário e enterro muçulmano, podemos fazer aqui uma  uma breve descrição:

(i) os participantes encaminham-se para a mata; à esquerda, é visível um troço de arame farpado do aquartelamento e tabanca  [foto s/nº, (1)];  

(ii) o fotógrafo acompanhou a cerimónia desde a saída da tabanca até ao local, na mata, onde se realizou o enterro; não parece haver qualquer escolta militar;

(iii) percebe-se pelas  imagens que o morto, presumivelmente civil, do sexo masculino, é transportado numa maca (possivelmente cedida pela NT), e vem coberto com um lençol ou um pano branco;

(iv) os familiares e amigos, só homens, quer civis quer militares, descalços, fazem um círculo à volta da sepultura, e possivelmente rezam em voz alta  uma primeira oração; 

(v) inumação do cadáver, envolto em panos... e que parece ser depois encimado por uma esteira  [foto s/nº, (2)];

(vi) descida do corpo à terra.possivelmente a oração de despedida à volta da sepultura, vísível pelo montículo de terra  [foto s/nº, (3)],
 
Comentou o nosso Chero Baldé (**): 

"O Armindo Batata dá-nos nestas imagens a impressão de um observador atento ao que se passa ao redor, no obstante, escapou-lhe a parte da oração fúnebre (conjunta) que é feita na morança, antes de partir para a sua última morada onde participam todos, homens e mulheres.

"Torna-se quase impossível identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola [maca,] é militar e deve pertencer aos serviços sanitários do quartel que, neste caso substitui a função tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

"A praxe muçulmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteção da sepultura suficientemente sólida para evitar que as hienas e jagudis façam das suas.

"O funeral muçulmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniências, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, são cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e económicos) ligados às tumultuosas e repetitivas cerimónias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada" (...)

Posteriormente acrescentou, à foto s/n (3): "O último adeus ou a breve reza da despedida do defunto após o seu enterro".


3. Cerca de uma centena de fotos, a preto e branco, foram cedidas pelo Armindo Batata ao nosso amigo Pepito (1949-2014), integrando hoje o Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Temos cópia desse arquivo desde 2007.  

O Armindo Batata é também um dos nossos grão-tabanqueiros mais antigos. Infelizmente não temos tido, desde há uma boa dúzia de anos, notícias dele.   É formado pelo ISEL e,  a tratar-se da mesma pessoa, vive em Alpiarça, onde é autarca. 

Um alfabravo muito especial para ele, com toda a nossa gratidão e apreço eela partilha das suas memórias da Guiné .

4. Ainda para a história do Pel Caç Nat 51 (***),  refira-se:

(i) a origem do Pel Caç Nat 51 remonta a setembro de 1966, devendo ter sido extinto em meados de 1974, como as demais subunidades africanas;

(ii)   segundo informação do Henique Matos, primeiro cmdt do Pel Caç Nat 52, o seu e os Pel Caç Nat 51, 53,  54, 55 e 56 formaram-se em Bolama;  

(iii) passado um curto IAO,  
o Pel Caç Nat 51 saiu numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca;

(iv) na mesma ocasião também sairam de Bolama:  o Pel Caç Nat 53, do Alf Mil Serra, que ficou no Xime em reforço à CCAÇ 1550; o Pel Caç Nat 51, do Alf Mil Perneco, que foi para Guileje; e o Pel Caç Nat 54, do Alf Mil Marchand (que foi inicialmente para Mansabá mas passado pouco tempo também foi parar ao Enxalé.) 



Odivelas > 16 de Junho de 2007 > Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56> "Uma imagem do que foi possivel juntar da formação inicial dos primeiros Pelotões de Caçadores Nativos, passados 41 anos do seu início em Bolama.

(i) Pel Caç Nat 51 > Alf mil Perneco (16), fur mil Carvalho (3), fur mil  Azevedo (1) , fur mil  Castro (12), 1º  cabo Ramos(4) e 1º cabo Marques(6);

(ii) Pel Caç Nat 52 > Al mil Henrique Matos (13), fur mil Vaz (15), fur mil Altino (11), fur mil  Monteiro (10) e 1º cabo Cunha (7);

(iii) Pel Caç Nat 54 > Fur mil  Viegas (9), fur mil Costa (2), 1º cabo Januário (14) e 1º cabo Coelho (8):

(iv) Pel Caç Nat 56 > Fur mil  Delgado (5).

(v) "Para nosso desconsolo, e muito falamos nisso, não possível até agora encontrar os restantes elementos dos nossos pelotões que regressaram, porque tivemos algumas baixas, nem qualquer elemento do 53 e do 55". (****).


Foto (e legenda): © Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 27 de setembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10442: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (2): Funeral fula em Guileje (ou melhor, funeral muçulmano, segundo o nosso amigo Cherno Baldé)

(****) Vd. poste de 28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)