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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26942: As nossas geografias emocionais (534): Arábia Saudita, Mar Vermelho, Jeddah, "a porta de Meca", 2023 (António Graça de Abreu, Cascais)






Arábia Saudita > Mar Vemelho > Jeddah (ou Gidá) > 2023... Nas duas fotos de cima, a esposa do nosso camarada, Hai Yuan. médica.



(...) Gidá se chama o porto aonde o trato / De todo o Roxo Mar mais florescia, / De que tinha proveito grande e grato / O Soldão que esse Reino possuía. / Daqui aos Malabares, por contrato / Dos Infiéis, fermosa companhia / De grandes naus, pelo Índico Oceano, / Especiaria vem buscar cada ano. (...)



(Luís de Camões, "Os Lusíadas, canto IX, estrofe 3. Fonte: Luís de Camões: Diretório de Camonística)


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu  (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Mais um "postal" enviado pelo nosso  incansável, (e)terno viajante António Graça de Abreu (aqui na foto à direita com a sua Hay Yuan),.

(Publicado originalmente na sua página do Facebook em 2 de junho de 2025, 20:36, enviado no dia seguinte,  3/06/2025, 15:42.)





Jeddah, Arábia Saudita, 2012

por Antóni0 Graça de Abreu


Na esteira das palavras de Claude Roy (1915-1997), grande senhor das letras francesas, concluo que já viajei por tantos países que sou capaz de falar estrangeiro na perfeição.

Nesta passagem por Jeddah, segunda maior cidade da Arábia Saudita com quase cinco milhões de habitantes, centro económico e logístico deste país, vou conversar com quem, em que língua, eu que do árabe tenho na memória uns lampejos de meia dúzia de palavras? 

Talvez seja melhor eu permanecer calado, e olhar simplesmente para Jeddah.


Posição relativa de Jeddah no Mar Vermelho.
 Fonte: Wikipedia (com a devida vénia...)
Debruçada sobre o Mar Vermelho, a cidade tem sido ao longo dos séculos um importante porto de comércio e a porta de entrada para muçulmanos vindos de todo o mundo que se dirigem à sagrada cidade de Meca, situada a apenas 88 quilómetros de distância. Chegam para cumprir um dos cinco pilares do Islão.

A importância de Jeddah está assim intimamente ligada a esse caminho terrestre, às estradas que daqui abrem para Meca. Todos os anos, todos os meses, todos os dias,  milhões, centenas de milhares, milhares de muçulmanos procuram a divina Meca, a Kaaba, o imponente edifício no centro de Meca a rodear em marcha apressada ou mais lenta por sete vezes, circundar o cubo em pedra negra erigido em outras eras que se crê ter sido inicialmente levantado pelo profeta Abraão há três mil e oitocentos anos atrás, restaurado por Maomé no século VII e casa sagrada, desde sempre, onde reside o espírito de Alá, o Deus Supremo.

Hoje, o acesso a Meca está proibido a todos quantos não são muçulmanos. 

Fiquemo-nos então pela Cidade Velha de Jeddah e pela Porta de Meca, tudo Património Mundial pela Unesco. Comecemos com a ruína bem conservada mas desinteressante do portão do burgo, aberto para Meca e logo depois avancemos para os antiquíssimos casarões com três ou quatro andares, alguns mal se sustentando em estacas para não cair. 

Numa arquitectura não muito trabalhada são edifícios com varandas, sacadas e janelas de madeira, as portas abertas para permitir a entrada e visita rápida do turista de passagem, conforto no interior da casa, poucos móveis, tapetes, alfombras, tapeçarias cobrindo as paredes. 

Na rua, os homens, quase todos vestem o thobe, uma túnica branca com um lenço na cabeça chamado shemagh, um turbante que tradicionalmente protege os sauditas, do vento, do calor e das areias do deserto. 

As mulheres, que quase não vemos percorrendo as velhas ruelas, usam a abaya preta que as tapa da cabeça aos pés.

Depois Jeddah espraia-se por quilómetros e quilómetros, a cidade cresceu aos poucos em cima da areia dos desertos, tendo hoje por horizonte, bem mais para leste, os 142 poços de petróleo que fazem destas terras inóspitas, abrasadas em calor,  lugares onde vicejam algumas das maiores fortunas da terra. 

Que o diga o futebol e o nosso Cristiano Ronaldo, há anos a chutar a bola e a marcar muitos golos no campeonato da Arábia Saudita. E a encher merecidamente o bolso no seu Al-Nassr, de Riade, a capital do petróleo, da bola e dos ricaços. 

Nassr, a equipa do Ronaldo significa “Vitória”. Estão a ver como eu, de tão viajado, quase falo todas as línguas?

António Graça de Abreu

(Revisão / fixação de texto,  título: LG)

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26915: As nossas geografias emocionais (52): Welcome to New York (António Graça de Abreu, Cascais)

Guiné 61/74 - P26941: In memoriam (551): J. L. Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025): ex-alf médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73): quatro referências no "Diário da Guiné" (2007), de António Graça de Abreu



José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025): referência maior da psiquiatria, da saúde mental, do SNS - Serviço Nacional de Saúde e da Academia Portuguesa (Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa), foi nosso camarada de armas, no CTIG, na qualidade de alf mil médico, BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73)... 

O seu funeral realiza-se hoje, sexta,  às 16h00,  para o Crematório Municipal de Coimbra, segundo informação do "Diário de Coimbra".

Era da geração que  protagonizou a crise estudantil de Coimbra, 1969;  foi contemporâneo em Teixeira Pinto, do cirurgião Luís Tierno Bagulho, também ele alf mil da mesma unidade, mas mais velho (é protagonista da crise estudantil de 1962, em Lisboa; voltou à Guiné como cooperante médico no pós-independência, tendo morrido de doença de evolução prolongada, em finais da década de 1970; era filho,  se não erramos, do almirante  António João Tierno Bagulho, n. Elvas, 1911, e falecido em data que não sabemos).

Fonte: Just News > 25 de novembro de 2023 - 15:28 > José Luís Pio Abreu homenageado no Congresso Nacional de Psiquiatria (Foto reeditada pel0 Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2025),.
 



1. O Pio Abreu tinha consultório em Coimbra, na Rua Doutor António José de Almeida, nº 329 2º andar, Sala 68...  

E na sua página apresentava-se nos seguintes termos (não há quaisquer referência à sua experiência como alferes mil médico no CTIG, em 1971/73, na altura ainda era um jovem médico, acabado de se licenciar em 1968):

PSIQUIATRA COM MAIS DE 50 ANOS DE EXPERIÊNCIA


José Luís Pio Abreu é psiquiatra clínico.

Fez o Doutoramento em 1984, com uma tese ligada à Psiquiatria Biológica, e a Agregação em 1996, com uma lição sobre perturbações de ansiedade.

Foi médico no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC) e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra , sendo ainda membro do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL).

Ao longo dos 50 anos da sua actividade profissional tem desenvolvido e orientado investigação nas áreas da Psicopatologia e psicoterapias, com centenas de artigos publicados em revistas científicas e conferências. Também se tem empenhado nas psicoterapias, tendo sido Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama (SPP).

Publicou doze livros em Portugal (alguns destes foram também publicados no Brasil, em Espanha, na América Latina e Itália) e orientou a tradução de um livro de Neurofisiologia. Três deles foram premiados em Portugal e Itália.

O mais conhecido é: "Como Tornar-se Doente Mental". Nos seus escritos, dedica-se também a uma reflexão crítica da Psiquiatria e tenta abordar o enigma da Mente a partir das suas patologias. 

Foi sempre um cidadão ativo, com diversas intervenções, artigos de opinião e colunas em jornais nacionais e regionais.


 

Capa do livro de António Graça de Abreu, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz. 2007, 220 pp. il.


2. No Diário da Guiné, do António Graça de Abreu (alf mil, CAOP1,  Teixeira Pinto / Canchungo, Mansoa e Cufar, junho de 1972/abril de 1974), há algumas referências  ao J.L Pio Abreu, ex-alf mil médico do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73), falecido na passa quarta, dia 18.

Uma delas  (e justamente a última, 1 de fevereiro de 1973) está associada a uma tragédia  que atingiu os nossos camaradas da 38ª CCmds... 

Tudo começou com uma partida de futebol entre os  camaradas de Bachilé (CCAÇ 16, formada por graduados e especialistas de origem metropolitana, e praças do recrutamento local, de  maioria manjaca) e os de Teixeira Pinto (CCS/BCAÇ 3863), na região de Cacheu... 

Pio de Abreu também estava em Teixeira Pinto, em 31 de outubro de 1972, aquando a emboscada, entre Pelundo e Có, a uns quinze quilómetros do Canchungo, a um coluna de cerca de 40 viaturas, e em que seguiam vários oficiais superiores, incluindo o comandante do CAOP1 (o famoso coronel pqdt Durão), e em que houve cerca de 10 feridos, alguns com gravidade,

Nessa data, há no "Diário da Guiné"  uma referência à atuação do alf mil médico Pio  Abreu, na tentativa de salvar a vida a um fuzileiro do PAIGC, atingido por estilhaços de uma bala de helicanhão. 

Há mais 2 referências: 22 de julho de 1972 e 16 de agosto de 1972. 

Estas quatro referências são  suficientes para documentar algumas das  vezes em que o médico Pio Abreu esteve exposto  ao horror da guerra. A seguir se reproduzem essas quatro entradas do "Diário da Guiné", com a devida vénia.


Referências ao J. L. Pio Abreu no "Diário da Guiné" (2007), de António Graça de Abreu


(...) Canchungo, 22 de Julho de 1972

Fui hoje jantar com os dois alferes médicos no único tasco onde se pode comer cá na terra. Um bife duro, batatas mal fritas, um ovo estrelado, 45 escudos.

Os dois médicos são gente interessante, inteligentes, cabeças abertas para o mundo. Conversámos sobre a guerra, sobre as nossas vidas. 

 [Luís Tierno]  Bagulho  [já falecido, c. 1980] atem trinta e tal anos, é já cirurgião em Lisboa, esteve detido em Caxias quando da crise académica de 1962. 

  [José Luís] Pio Abreu  [Santarém, 1944 - Coimbra, 2025] ainda não tem trinta anos, é de Coimbra e faz parte daquele grupo de quarenta e nove estudantes da Universidade que, em 1969, na sequência das greves e desacatos na academia coimbrã, foram alistados coercivamente no exército.

Nenhum tem hoje qualquer actividade política nem de contestação do regime, mas carneiros não somos. É pena para mim – não para eles -, estarem em fim de comissão, só mais dois meses para o Bagulho.

São ótimos médicos, segundo a opinião de toda a gente. Dão consulta à população, com intérprete, tratam das milhentas doenças que afligem este povo manjaco e são os médicos militares, cuidam da tropa aqui estacionada e prestam assistência aos feridos em combate que chegam a Canchungo vindos diretamente do mato.

Têm uma casa grande apenas habitada por eles, fora do quartel, na avenida principal em frente ao hospital. Uma casa bonita com uma sala de estar confortável, com móveis e tudo. (pp. 31/32)

(...) Canchungo, 16 de Agosto de 1972

Hoje, o resultado das brincadeiras com as armas. Ouvi um tiro e gritos na caserna dos soldados do Batalhão [BCAÇ 3863], aqui diante do meu quarto, a uns quarenta metros. 

Fui dos primeiros a chegar, a ver o sucedido. Um soldado, quando brincava coma espingarda, esfacelara o pé direito de outro soldado com um tiro de G3. Tiraram a bota ao pobre rapaz que guinchava de dores, e meu Deus, como estava o pé, destroçado, atravessado de lado a lado, com os ossos e os tendões despedaçados, tudo à mostra, escorrendo sangue. 

Estava convencido de que era pouco impressionável, mas tive uma tontura, vi tudo branco. Recuperei rápido e ajudei a levar o rapaz em braços para a enfermaria. O Pio, o médico, fez o que pôde. Uma hora depois uma DO evacuava o soldado para o hospital de Bissau.

Em Bafatá, caiu um das avionetas DO ao levantar voo, parece que por acidente, descuido do piloto, um alferes que eu não conhecia. Morreram o piloto e um cabo mecânico. (pp. 43/44).


(...) Canchungo, 31 de Outubro de 1972


(…) Quando acontecem estas coisas, pedem-se logo os helicópteros de Bissau para a evacuação dos feridos e vem também o helicanhão que faz fogo sobre os itinerários de retirada do IN. 

Foi então abatido um guerrilheiro que veio de héli para aqui. Eu sabia que havia feridos e lá estava na pista. O fuzileiro do PAIGC chegou ainda vivo, com um uniforme azul manchado de sangue e um estilhaço na cabeça de bala de helicanhão. 

O médico [Pio Abreu]  e um furriel enfermeiro fizeram-lhe massagens no coração que de nada valeram, o homem morreu. Foi o primeiro guerrilheiro que vi, e logo agonizando numa maca de lona. (pág. 62)


(...) Canchungo, 1 de Fevereiro de 1973

É uma hora da manhã, escrevo sereno, lúcido, sem paixão, tudo de enfiada.

Ver viver, ver morrer, três homens mortos, sete feridos graves, quatro ligeiros. A causa próxima foi um desafio de futebol, a causa remota foi o destino e o facto de estarmos numa guerra.

Esta tarde houve um jogo de futebol entre o pessoal branco do Batalhão, CCS/BCAÇ 3863,  e a tropa branca e negra do aquartelamento do Bachile [CCAÇ 16, constituida sobretudo por militares manjacos, do recrutamento local. 

Não sei se por culpa dos brancos ou dos negros, decerto por culpa de ambos, o jogo descambou em grossa pancadaria o que levou o coronel [pára, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] a intervir, a assestar uns tantos socos em não sei quem e a dar voz de prisão a dois negros.

Cerca das oito da noite, foi recebida aqui uma comunicação rádio do capitão branco do Bachile, a braços com uma insubordinação dos militares negros. Quarenta africanos armados haviam saído do aquartelamento e marchavam a pé para Canchungo, a fim de tirarem da prisão os seus dois camaradas detidos. 

Aprontaram-se imediatamente cerca de cinquenta comandos da 38ª. Companhia e o coronel seguiu com eles.

Na ponte Alferes Nunes, já próximo do Bachile, os Comandos ficaram e o coronel avançou sozinho, no jipe, ao encontro dos soldados africanos. Graças à sua coragem, ao respeito que impõe a toda a gente - é o “homem grande” branco -, à promessa de libertar os presos, os soldados negros regressaram pacatamente ao Bachile.

Aqui em Teixeira Pinto estávamos na expectativa, não sabíamos o que ia acontecer. Em frente do edifício do CAOP, eu conversava com o major Malaquias, com um alferes da 38ª [CCmds] e outro do Batalhão quando ouvimos um grande rebentamento muito próximo. 

Que será? Um minuto depois chegou a informação, via rádio. Era preciso preparar imediatamente o hospital, havia mortos e feridos.

No regresso dos comandos, à entrada da vila, rebentara uma caixa cheia de dilagramas – granadas disparadas pelas G 3 com um dispositivo especial – em cima de um Unimog onde vinham catorze homens. Dois mortos de imediato, os restantes feridos vinham a caminho. Corremos para o hospital. Os comandos chegaram.

Como vinham, meu Deus! Um furriel morria na sala de operações. As suas últimas palavras para o Pio [Abreu], o médico, foram: “Doutor, cuide dos outros, eu estou bem.”

Nas macas, no chão de pedra do hospital jaziam feridos graves, corpos semi-desfeitos, barrigas, intestinos de fora e quatro rapazes só com alguns estilhaços. Não ouvi um queixume, mas havia muitos homens a chorar.

Era preciso evacuar os feridos para o hospital de Bissau. Onze horas da noite, iluminámos a pista com os faróis das viaturas e com as mechas acesas em muitas garrafas de cerveja cheias com petróleo, distribuídas aí de dez em dez metros ao longo do campo de aviação. Aterraram quatro DO. Ajudei a transportar feridos entre o hospital e as avionetas, num dos nossos Unimog. Dois deles iam muito mal, cravados de estilhaços, em estado de choque ou coma, não sei se escaparão.

O condutor do Unimog em cima do qual as granadas rebentaram é um dos meus soldados, do CAOP 1, Loureiro de seu nome, com apenas oito dias de Guiné. Ia a conduzir, não sofreu uma beliscadura. Trouxeram-no cambaleando, o espanto, incapaz de falar. Evacuados os feridos, fui buscá-lo, abracei-o, sentei-o na minha cadeira na secretaria, animei-o, bebemos quatro águas Castelo.

Foi um acidente de guerra. Corpos ensanguentados, dilacerados, muitos homens destruídos, não apenas os mortos e os feridos.

Reações de alguns dos nossos soldados. “Tudo por culpa dos cabrões dos negros, filhos da puta, só fuzilados!”...

Quem resiste aos corpos esventrados dos companheiros de armas?!...As razões sem razão porque se avivam ódios, porque se morre! 

Não sei que horas são, deve ser tarde, não tenho ponta de sono. Já ouço os galos cantar. Um novo dia nasce. (...) (pãg. 70).

__________

Fonte: Excertos de: António Graça de Abreu - "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp., il.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)


3. Dias depois, a 3 de fevereiro de 1973, o António Graça de Abreu é transferido, com o CAOP1, para Mansoa (que tinha a grande desvantagem, em relação a Teixeira Pinto/  Cachungo, de “embrulhar uma vez por mês”, pág. 73).

Perdemos então o rasto do Pio Abreu, que, como já dissemos, pertencia à CCS / BCAÇ 3863, com sede em Canchungo (Teixeira Pinto). Não sabemos se chegou a trabalhar no HM 241, como é provável, já que era cirurgião.

Mobilizado pelo RI 1, o BCAÇ 3863, esteve sediado (o comando e a CCS) em Teixeira Pinto. A comissão de serviço na Guiné foi de 17/9/1971 a 16/12/1973. Foi comandado pelo Ten Cor António Joaquim Correia. Era composto pelas CCAÇ 3459 (Bassarel), 3460 (Cacheu) e 3461 (Carenque e Teixeira Pinto).

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 19 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26937: In Memoriam (550): José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025), psiquiatra, foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto / Canchungo,1971/73)

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26937: In Memoriam (550): José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025), psiquiatra, foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto / Canchungo,1971/73)


Capa do livro de J. L. Pio Abreu (1944-2025), "Como tornar-se doente mental", 18ª ed, Lisboa, Dom Quixote, 2008. (Prémio Città delle Rose, 2006). (O livro foi um sucesso editorial: lançado em 2006, já teve pelo menos 26 edições)

Citando e parafraseando o autor  (pp. 155/156, negritos nossos), podemos dizer:

  • se não mentires a ti próprio, descobrirás que és uma pessoa com limites e deixarás de querer ir a todas, como fazem os fóbicos;
  • também não serás dono da verdade nem tão importante como são os paranóicos;
  • não serás o mais perfeito, o que fica para os obsessivos;
  • nem tão brilhante ou poderoso como os histriónicos e psicopatas;
  • não serás uma pessoa muito especial, como os esquizofrénicos,
  • nem um génio, como os maníaco-depressivos;
  • serás apenas uma pessoa comum que aceita os desafios e os paradoxos da vida, faz o possível para, em cada momento, dar o que pode e actuar em conjunto com os outros;

No entanto, tens de assumir a responsabilidade completa pelas tuas acções:

  • afinal, todos fomos expulsos do Paraíso e condenados à solidariedade;
  • fizemos das fraquezas forças e, uns com os outros, construímos coisas admiráveis;
  • convenhamos entretanto que tudo isto é muito complicado, pouco gratificante e difícil de fazer;
  • fácil, fácil, é mesmo tornares-te um  doente mental.


1. José Luís Pio Abreu foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73 (*), ao tempo dos nossos grão-tabanqueiros António Graça de Abreu e Mário Bravo. Foi, portanto,  nosso camarada de armas.

Morreu ontem.  Nunca foi membro da nossa Tabanca Grande, nem sabemos se alguma vez nos leu. Tem 4 referências no nosso blogue. Não temos nenhuma foto dele. Merece, no mínimo, que a gente se lembre dele, neste dia triste, em que se despede da Terra da Alegria (**).

Psiquiátra e psicoterapeuta, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra,  onde se licenciou (erm 1968), se doutorou (em 1984) e fez a agregação (em 1996), publicou diversos livros ligados à psiquiatria, com destaque para:

  • "Como Tornar-se Doente Mental“ (2006); 
  • “Quem Nos Faz Como Somos“ (2007);
  • “Estranho Quotidiano“(010);
  • "O Bailado Da Alma“ (2014);
  • “A Queda dos Machos (2019);
  • “Pequena História da Psiquiatria“ (2021).

Outras frases do nosso camarada médico (teve  um papel ativo na crise académica de 1969, em Coimbra) que nos obrigam a pensar:

  • “Quando o medo se torna o solo em que se pisa, o pensamento abandona a razão e regressa ao instinto.” In: O Bailado da Alma (2014)
  • “Não há loucura maior do que manter-se são num mundo insano.” In: Como Tornar-se Doente Mental (2009).

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26923: Humor de caserna (200): "Bomba" no Clube de Oficiais, em Santa Luzia, Bissau, em plena sessão de cinema ao ar livre (Abílio Magro, ex-fur mil, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)


Guiné > Bissau > Outubro de 1973 > O António Graça de Abreu, em boa forma, no regresso de férias na Metrópole, na  piscina do Clube de Oficiais, Santa Luzia,  enquanto aguardava transporte para o CAOP1, em Cufar, no Sul].

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné ] 



Guiné > Bissau > c- 1973/74 > Clube de Oficiais, QG/CTIG em Santa Luzia > "Eu, na messe e piscina em Santa Luzia; ao fundo vê-se o ecrã de cinema, que funcionava à noite... Os sargentos podiam frequentar a piscina aos sábados, o cinema era acessível a oficiais e sargentos.

Foto (e legenda): © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É uma história hilariante (*), esta, vivida e contada pelo  Abílio Magro, um dos seis manos Magro que a Pátria chamou ao seu serviço em Portugal e terras de alé-mar em Áfriica:

(i) foi fur mil, CSJD/QG/CTIG, 1973/74);

(ii) trocado por miúdos, a sigla quer dizer "Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné";

(iii) entrou para a Tabanca Grande em 2013;

(iv) é nosso colaborador e tem mais de seis dezenas e meia de referências no blogue;

(v) vive no Porto.


"Bomba" no Clube de Oficiais do QG/CTIG, em Santa Luzia, Bissau, em plena sessão de cinema ao ar livre

por Abílio Magro

Nas Instalações Militares de Santa Luzia existia um Clube de Oficiais, composto de acomodações, messe, piscina, esplanada bar e cinema ao ar livre. (Podia-se fumar enquanto se via uma "sessão"... "Porreiro, pá!").

A classe de Sargentos tinha acesso a esse Clube para assistir à exibição de filmes e, uma vez por semana (às quintas, julgo eu) [e/ou sábados, segundo o Carlos Filipe Gonçalves, que trabalhava na ChefInt] tinha também acesso à piscina.

O local era circundado por um muro formado com aqueles tijolos geométricos que permitem ver de um lado para o outro.

O cinema era montado no recinto da piscina e a tela era composta de um grande pano branco suportado por duas altas estacas. 

As cadeiras eram metálicas, daquelas de fechar, usadas normalmente nos parques de campismo e nas nossas praias.

Nestas circuntâncias, as sessões de cinema eram efetuadas à noite, como é óbvio,  e, como do outro lado do muro existiam tabancas, os respetivos habitantes viam o filme do outro lado da tela com as legendas do avesso, o que nunca impedia uma razoável assistência nativa.

Quando no filme se desenrolava uma qualquer cena de pancadaria entre um branco e um negro (Sidney Poitier, por ex.) e o negro dava um murro no branco, invariavelmente se ouvia uma grande salva de palmas vinda do outro lado do muro. Compreensível, diga-se de passagem.

Alguns soldados sentavam-se nos muros e também assistiam ao espectáculo.

Naquela altura pairavam no ar receios fundados de provável início de guerrilha urbana em Bissau. Ali, no cinema ao ar livre e com as luzes apagadas por via da exibição cinematográfica, e com as tabancas do outro lado do muro, uma bombita era "canja!"

O pessoal andava nervoso.

Naquela noite o cinema estava cheio, como de costume. Eu também lá estava a ver uma "sessãozita".

De repente vê-se um clarão... e a debandada foi geral! Com a confusão, algumas cadeiras "ensarilharam-se", provocando tropeções e quedas e os que caíam ao chão eram, espezinhados pelos outros, como foi o meu caso.

No chão, a ser espezinhado e com as cadeiras a atrapalhar, não conseguia fugir e entrei em pânico! Ouvia o som das "Kalashnikov"! Ia ser apanhado à mão, despedi-me da família!

Passadas longos minutos, lá me consegui erguer e, já pronto para saltar o muro, ouço risadas!

O pessoal da primeira fila tinha-se safado bem das cadeiras e, junto à tela, deliciava-se com o espectáculo. 

Extremamente nervoso e com o coração a bater a 200 r.p.m., mandei umas "bocas foleiras" aos de "tacha arreganhada" e dirigi-me ao chuveiro da piscina para lavar os arranhões (face, braços e pernas)... Tive a companhia do brig Galvão de Figueiredo que lá foi fazer o mesmo às mãos e que vociferou:

− Cambada de cretinos!

Entretanto:

− De quem são estas chaves?...

− Ó Magro, olha aqui o teu cartão!

Os meus "bens pessoais" lá foram aparecendo aos poucos.

Resumindo:
  • a "bomba" tinha sido uma caixa de fósforos que se incendiara a um soldado, enquanto acendia um cigarro em cima do muro e que se terá desequilibrado; 
  • na queda, terá arrastado consigo mais dois ou três camaradas;
  • os longos minutos no chão a ser espezinhado, ter-se-ão resumido a meia dúzia de segundos;
  • os tiros de Klashnikov seriam, afinal, as cadeiras metálicas a bater umas nas outras.
Mais um filme que ficou a meio e eu, novamente, fui direitinho ao quarto (no "Biafra" dos Sargentos).

Acreditem que foi o maior susto que apanhei em 18 meses de Guiné. Acreditem que, em pânico, a ser pisado, sem me poder levantar, nem ver o que se passava ao redor, nem que fosse feijão fradinho entrava no "uropígio"!

No dia seguinte, quando entro na CSJD,  vejo o cabo condutor-motorista do ten cor com a mão esquerda ligada.

− Então, que foi isso?

− Queimei-me ontem à noite no cinema.

Ali estava o autor do "crime"! (**)

(Revisão / fixação de texto / título: LG)



Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG / CTIG >"Cartão que nos foi distribuído para podermos circular no QG depois da bomba. Reparem nas datas de emissão e validade (parece que contavam comigo até ao fim da comissão)"

De facto, o cartão era válido de 27 de abril de 1974 a 27 de março de 1975... A bomba no QG/CTIG terá sido em 22 de fevereiro de 1974... A burocracia militar levou dois meses a emitir o cartão de acesso ao QG/CTIG!...

Foto (e legenda): © Abílio Magro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné- Bissau > Bissau > c. 1975 > Novo mapa, pós-colonial, da capital da nova república, já com as novas designações das ruas, avenidas e praças, que vieram substituir o roteiro português: Av 3 de Agosto, Av Pansau Na Isna, etc. Veja-se a localização do porto do Pijiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante).

Santa Luzia e o Cupelon (já fora da malha urbana da "Bissau Velha") ficavam paredes meias... 

Pensando bem, o QG/CTIG podia ser, teoricamente, um alvo fácil para uma ação terrorista do PAIGC... Até porque trabalhavam muitos civis naquelas instalações militares, onde se integrava o Clube de Oficiais e o "Biafra" (dormitório dos oficiais milicianos em trânsito por Bissau).

Foto: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de maio de 2025 >  Guiné 61/74 - P26835: Humor de caserna (199): O meu grande "bubu" azul!... Que pena não mo terem deixado levar, vestido, no avião da TAP, de regresso a casa !... (Jorge Cabral, 1943-2021)


(**) Excerto do poste de 7 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11164: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (6): Regresso a Bissau

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26915: As nossas geografias emocionais (52): Welcome to New York (António Graça de Abreu, Cascais)


1. Mais um "postal" enviado pelo nosso (e)terno viajante António Graça de Abreu, em 10 de abril de 2025, 02:36.  Publicado originalmente na sua página do Facebook em 25 de fevereiro de 2025, 17:52

 
 Nova Iorque, Estados Unidos da América

Welcome to New York, it’s been waiting for you.


Uma curta semana em Nova Iorque. Tentar, de pés bem assentes no chão, avançar na descoberta e leve entendimento da cidade.

Pela primeira vez metido lá dentro, em Manhattan, rua 46, um pequeno apartamento alugado, segundo piso numa vetusta construção de cinco andares entre arranha-céus. Logo por baixo, fumega um restaurante de churrascos argentinos, largando um cheiro a parrilhadas de carne magra e gorda que tresanda. 

Ah, mas estou no coração da Big Apple. Aqui a norte, o Central Park -- um abraço a John Lennon, homem de todas as canções, de todos os sonhos --, ao lado Times Square e a Broadway, o excelso melting pot norte-americano, a Quinta Avenida, a ostentação e o luxo, o teatro das gentes.

Foram quilómetros e quilómetros a pé, por ruas e avenidas até ao sul de Manhattan. Chelsea, Tribeca, a Chinatown com estátuas de Confúcio (551 a.C - 469 a.C.) e Lin Zexu, o herói da Guerra do Ópio, em 1839/42. 

Mais a sul, tristeza, o memorial às vítimas dos aviões loucos que em 2001 colidiram deliberadamente com os dois edifícios do World Trade Center, provocando quase três mil mortos. Hoje a construção toda em vidro com nome de One World, levantado sobre as ruínas dos dois World Center é o sétimo maior arranha-céus do mundo, com 540 metros de altura e 104 andares. Não longe, Wall Street, e anexos, a exaltação do dinheiro, o maior centro financeiro do mundo.

Desta parte da Lower Manhattan se viaja no itinerário curto por barco para a ilhota onde se ergue a Estátua de Liberdade, com paragem em outra pequena ilha, Ellis Island. Aqui se procedia no passado à quarentena e exame médico dos pobres emigrantes europeus que buscavam a América na ilusão da terra do feliz concretizar de todos os sonhos. E quanta tragédia e vilania.

Ah, Nova Iorque tem tudo. Vêmo-la quase todos os dias entrando em nossas casas, com infindáveis histórias na TV. Temos o embeber das aventuras das quatro desvairadas mas brilhantes mocetonas do “Sex and the City”, os intrincados enredos nova-iorquinos de Woody Allen, quase nada e tudo “once upon a time in America.”

Sim, mas os museus de Nova Iorque com tanta Europa transplantada lá para dentro, (o dinheiro compra quase tudo). Que maravilha! A lenta passagem pelo Metropolitan Museum of Art, o Guggenheim, o MoMA e a Frick Collection.

 Fotografando e tomando notas do genial abrir da cor dos pincéis, dos encantos mil, do requintado alvoroço, corações batendo, o baloiçar do olhar. Escrevi:

  • El Greco em Toledo, águas negras do Tejo, prata pendurada nas nuvens, 
  • Velasquez, o retrato da infanta triste, no rosto, maçãs róseas de futuro, 
  • Breughel, o Velho, as ceifeiras crescendo no ouro ondulante das searas, 
  • Vermeer, um beijo na menina sem brinco de pérola, um sorriso iluminando o mundo, 
  • Goya, gatos, pássaros e a criança imaculada como o nascer do dia, 
  • Ingres, a duquesa azul, formosa e serena, uma deusa no céu, 
  • Cézanne, no vale do Oise, pintando o chilrear dos pássaros, 
  • Van Gogh nos trigais de Arles molhando os pincéis no orvalho das nuvens, 
  • Renoir, as crianças azuis com o sol poente embalando a lua, 
  • Picasso, as mãos no decote das meninas de Avignon, não disse nada, pintou tudo,
  • Modigliani, as mulheres nuas, sinuosos querubins, a dádiva, o prazer,
  • Gauguin, o sol quente entrando por dentro do mar, gáudio no rubor das ondas,
  • Chagall, o violinista verde e roxo, um sapato preto, outro branco, até um homem voa,
  • Warhol e Marilyn, a boca entreaberta, um ícone, o desenho dos deuses.

  • Frank Sinatra e Lizza Minelli, ainda com memórias de Leonard Bernstein, entoando loas a Nova Iorque. Assim:

    If I can make it there,
    I'll make it anywhere,
    Come on, come through,
    New York, New York.


    António Graça de Abreu

    (Revisão / fixação de texto, edição de foto, links, itálicos e negritos, para efeitos de publicação no blogue: LG)
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    Nota do editor:
    Último poste da série > 11 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26907: As nossas geografias emocionais (51): Jerusalém, Israel (António Graça de Abreu, Cascais)

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26907: As nossas geografias emocionais (51): Jerusalém, Israel (António Graça de Abreu, Cascais)




Israel > Jerusalém  e Nazaré, "lugares santos"> 2013 > Vista panorámica da cidade de Jerusalém; "Muro das Lamentações"; "Jesus, Maria e José"(presume-se que em Nazaré) 


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2025). Todos os direitos reservados [Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O escritor, sinólogo, 
tradutor e "globe-trotter"  
António Graça de Abreu
com a esposa, médica,
Hai Yuan. O casal vive em
São Pedro do Estoril, Cascais
1. Texto enviado pelo nsso amigo e camarada António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74),  e já publicado, no passado dia 9, 22:29, na sua página do Facebook


“Vi a Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia dos céus, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido. Eles serão os seus povos. Ele enxugará dos seus olhos todas as lágrimas.”

Apocalipse 21, 2-4

No mar tanta tormenta e tanto dano,Tantas vezes a morte apercebida.
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?



Luís de Camões, Os Lusíadas, 
canto I, 116


Ia à Palestina, minha senhora! Ia ver Jerusalém, o Jordão! (…) E havia de trazer apontamentos, minha senhora, havia de publicar impressões históricas.


Eça de Queirós, A Relíquia


As nossas geografias emocionais >
 Jerusalém, Israel

por António Graça de Abreu



Há muitos séculos é esta terra a sombra iluminada de cristãos, o lugar do acariciante respirar de Deus Pai, o altar supremo do sacrifício de Deus Filho. 

Para quem crê, aqui desceu o Espírito Santo em línguas de fogo ao encontro de Maria e dos apóstolos de Jesus, trazendo-lhes iluminação e sabedoria. 

Para os judeus é também a sua cidade sagrada, onde tomou forma o mundo, com reverências no Muro das Lamentações do tempo do rei Salomão (sec. X a.C.). 

Para os muçulmanos, aqui, na mesquita dourada de Al Aksa, construída logo por cima do Muro judeu de Salomão, subiu Maomé ao céu, três dias após a sua morte acontecida em Medina, a dois mil quilómetros de distância. 

Três religiões, duas mãos cheias de ódio e de lutas de morte entre pais e filhos transviados, gerados numa mesma terra. Onde encontrar a “Glória a Deus nas alturas e a paz na terra aos homens de boa vontade" ?

Venho desde Haifa, de autocarro até Nazaré. Almoço num kiboutz na estrada, estas unidades agrícolas criadas pelos judeus para cultivar e dominar um pequeno território que há mais de trinta séculos consideram como seu. 

Chego a Nazaré onde Jesus terá crescido e com seu pai, São José, terá aprendido a arte de carpinteirar. Venho de visita à casa da família, quase uma espécie de gruta. Antiquíssimas paredes de pedra, vetustos instrumentos para se trabalhar a madeira, Jesus passou por aqui.

Depois, a cidade de Jerusalém, a capital de David e Salomão, do Templo Sagrado, recordar maravilhas gravadas no Cântico dos Cânticos. E relembrar encantamentos e sobretudo sofrimentos de Jesus, da nossa velha fé cristã, da exaltação, da morte e ressurreição de Deus feito homem.

No Muro das Lamentações, caminho rodeado de judeus em permanente peregrinação. Votos e pedidos ao Yehowah, Deus dos hebreus, em papéis colocados nos interstícios da pedra antiquíssima. Preces pela paz. 

Logo acima, a cúpula dourada da Domo muçulmana e a mesquita de Al-Aqsa, depois de Meca e Medina, o lugar mais sagrado do Islão.

 Como é possível haver harmonia entre judeus e muçulmanos? Ao longo dos séculos, a fé e as crenças tão díspares, a terra que ambas as crenças religiosas reivindicam como apenas suas, tanto sangue judeu e muçulmano, algum também cristão a correr pelas lajes delapidadas de Jerusalém... Terra Santa e de paz, infindáveis ódios, ignomínias e guerras. As lágrimas descendo pela face dos deuses.

Avanço na esteira da divindade de Jesus. Nas ruelas de antiga Jerusalém, como outrora, os vendilhões de quinquilharia e pasmosa fancaria, parecem enraizados na pedra da cidade. 

Sigo pela Via Sacra, imagino o Senhor carregando a cruz até ao lugar do Calvário, hoje a igreja do Santo Sepulcro, quase uma fortaleza de pedra. Aqui veio morrer Jesus Cristo, crucificado entre dois ladrões, aqui os cristãos ajoelham diante das cruzes do sec. XII. Adiante, abre-se a estrutura circular no meio da qual se situa a construção que abriga o túmulo onde Cristo terá sido sepultado. Está sempre vazio porque, três dias após a morte, terá subido gloriosamente aos céus.

Todos nós, poderemos, talvez um dia, também na hora da morte, ressuscitar e ascender a paragens celestiais. Jesus Cristo disse: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem acredita em mim, ainda que morra, viverá.” João, 11, 25-26.

Ah, homens de pouca fé – eu também, tanta incerteza e tanta dúvida, até em Jerusalém 
, porque duvido da palavra do Senhor?

terça-feira, 3 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26876: Questões politicamente (in)corretas (60): Afinal o "tuga" também jogava xadrez no CTIG (José Belo /António Graça de Abreu / Carlos Vinhal / José Botelho Colaço / Ernestino Caniço / Eduardo Estrela)



Guiné > Bolama > CIM - Centro de Instrução Militar > 1969 > CCAÇ 2592 (futura CCAÇ 14) > O fur mil Eduardo Estrela a jogar zadrez com o seu camarada Abel Loureiro.



Mensagem do Eduardo Estrela, a propósito do poste P26873 (*):

Data - 2 jun 2025 10:32;

Bom dia, Luís!

Nós também jogávamos xadrez.

Como prova anexo uma fotografia tirada ainda em Bolama. À esquerda estou eu e na direita o Abel Loureiro que foi Fur Mil na minha companhia.

Para além da lerpa, abafa e outros que tais, também se jogava xadrez.
A qualidade da fotografia não é a melhor, mas sei que vais conseguir melhorar a mesma.

Grande abraço
Eduardo Estrela


Foto (e legenda): © Eduardo Estrela (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Suécia > Estocolmo >7 de maio de 2017 > Jogando xadrez (em grande formato) no Kungsträdgården" (o "Jardim do Rei"), parque muito conhecido e central em Estocolmo. 

Link enviado ontem pelo Joseph Belo.


Foto: © Tommy Gerhad (2017) (com a devida vénia...)


1. Afinal, o "tuga" também jogava xadrez, no CTIG... Comentários ao poste P26873 (*):


(i) António Graça de Abreu

Em Cufar, 73/74,  joguei muitas vezes xadrez com o alferes Eiriz, o oficial das Transmissões no nosso CAOP 1. Normalmente era depois do jantar, na nossa pequeníssima messe de oficiais, ao lado do gabinete do capitão miliciano Dias da Silva, comandante da CCaç 4740.

Logo ao lado tínhamos as valas para onde mergulhávamos em caso de ataque do PAIGC. No meu caso, naquela maravilhosa colónia de férias, Cufar sur Cumbijã, aconteceu quatro vezes. Não nos deixavam jogar xadrez em paz.

António Graça de Abreu
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 13:10:11 WEST


(ii) Carlos Vinhal

Não me lembro de na nossa messe se jogar xadrez, os jogos mais vulgares eram as damas, a lerpa, o king e o rummy, este muito parecido com o bridge, ao que sei. Os mais solitários jogavam paciências de cartas. Tínhamos também uma mesa de ténis para destilar as gorduras (?).

Cá fora jogava-se a bola no campo de futebol ou contra as paredes dos dormitórios, onde havia alguém a centrar a bola e outros a cabeceá-la, conforme a habilidade que tinham, para uma baliza imaginária, onde estava um guarda-redes de ocasião.

Eu nunca fui grande jogador de cartas, mas uma noite aventurei-me a jogar lerpa. Ao fim de pouco tempo tinha já perdido 100 "paus". O 1.º Rita chegou-se a mim e disse-me: "Vinhal. deixe-me ocupar o seu lugar".

Ao fim de algum tempo, tinha ele ganho já uma boa maquia, levantou-se e discretamente deu-me os 100 pesos que havia perdido. Aceitei o dinheiro e a lição e, nunca mais na minha vida joguei cartas a dinheiro.

Carlos Vinhal
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 13:57:25 WEST


(iii) José Botelho Colaço


No Cachil, CCAÇ  557, havia quem jogasse Damas: ganhar um jogo ao capitão Ares era caso raro. Mas como diz o camarada Graça Abreu, também no Cachil por vezes o jogo era interrompido pelo som das costureirinhas do PAIGC a quererem entrar: Não no jogo; mas sim no aquartelamento. 

Abraço Colaço.
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 14:04:44 WEST

(iv) Ernestino Caniço

Enquanto estive em Mansabá (na primeira metade de 1970 ) joguei muitas vezes xadrez com o ex-capitão Carreto Maia, cmdt  da CCAÇ 2403. Os jogos eram no bar de oficiais (preferencialmente junto ao balcão, que era feito de cimento e pedra,  se bem lembro), que obviamente poderia proporcionar alguma "proteção". Não me lembro de quem era o tabuleiro nem a sua origem. Registo que não tinha ar condicionado como na Amura em Bissau.

Abraço,
Ernestino Caniço
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 17:10:16 WEST

 (v) Eduardo Estrela

Jogar à batota na messe?

Nunca o fiz! Somente no abrigo e com muito recato. E,  quando não havia batota, havia xadrez e paciências.

A propósito, mandei pela manhã um mail ao Luís com uma foto dum jogo de xadrez.

Grande abraço
Eduardo Estrela
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 19:17:30 WEST

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 2 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26873: Questões politicamente (in)corretas (59): Porque é que os "turras" jogavam xadrez e os "tugas" não ? (José Belo, Suécia)

domingo, 1 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26872: Convívios (1036): Fotorreportagem do 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 29 de maio de 2025 (Manuel Resende / Luís Graça ) - Parte III

 



Foto nº 19A e 19> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Ao centro (foto nº19), o cor cmd ref Raul Folques, o nosso "Torre e Espada", com o ten gen pilav ref José Nico... Do lado esquerdo, é o José Augusto Oliveira.

Foto nº 19A (a primeira de cima): o cor Raul Folques tem já c. 30 referências no nosso blogue, mas ainda não se senta à sombra do nosso poilão; o mesmo se passa com o ten gen pilav José Nico, com 32 referências; o Raul Folques é um assíduo frequentador da Tabanca da Linha; sem um nem outro, a história da nossa guerra ficará incompleta...



Foto nº 20> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 >  António Brito Ribeiro (São João Estoril, Cascais)


Foto nº 21> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Orlando Pinela (Caxias / Oeiras) e, a seu lado, o Jorge Lopes Passos (Carnaxide) (este camarada ficou triste por não ter visto o Briote, já não o vê desde 1966).



Foto nº 22> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 >  
João Pereira da Costa (Lisboa) e António Alves (Lisboa),. dois bons camaradas que eu também gostaria de ver sentados à sombra do nosso poilão...


Foto nº 23> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > O António Graça de Abreu (à direita), um dos veteranos do nosso blogue (para o qual entrou em 05/02/07); foi também cofundador, em 2010, da Tabanca da Linha)... A seru lado, um convidado, GNR, que veio com o José Augusto Batista (furriel da minha Companhia, a CCAÇ 2585, que se vê em outra foto).


Foto nº 24> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > O Júlio Campos (que foi da CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72), de rendição individual: mora no Serixal, e é "pira" aqui na "Magnífica". AS seu lado, o Vitor Simões (Carnaxide) (não foi à Guiné, esteve sempre no Quartel do Lumiar e foi como convidado pelo José Augusto Oliveira).



Foto nº 25> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Domingos Pardal (Beloura / Sintra) e Jorge Ferreira (Caxias / Oeiras)....

Estes dois camaradas que nunca se tinham encontrado na vida, conheceram-se no Hotel Riviera ( Junqueiro. Carcavelos, Cascais), por ocasião do 32º almoço-convívio do Magnífica Tabanca da Linha, em 20 de julho de 2017: tinham um ponto em comum, chamado Buruntuma, lá no cu de Judas" da Guiné... e ficaram todo o almoço a conversar animadamente à volta de um álbum de fotografias... Domingos Pardal, conhecido empresário de mármores em Pero Pinheiro, e o então "periquito" Jorge Ferreira, o fotógrafo de Buruntuma... que ficou encantado com a partilha de informação e conhecimento e com o ambiente da Tabanca da Linha (de tal maneira ficou fã, que raramente falha ao nossos almoços- convívios...).

O Pardal esteve em Cufar (que foi estrear) e depois em Buruntuma (aqui esteve 11 meses)... Em Cufar foi contemporâneo do meu primo José António Canoa Nogueira (1942-1965) (sold do Pel Mort 942, adido ao BCAÇ 619, morto em combate).

Na altura o Domingos Pardal aceitou o meu convite para integrar a Tabanca Grande; foi sold cond auto da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66). A esta subunidade pertenceu também o nosso grão-tabanqueiro Manuel Luís Lomba. Por qualquer razão, nunca chegou a mandar a foto da praxe (a do "antigamente")...Em suma, estás em falta, Domingos Pardal!)


 
Foto nº 26> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Carlos Silvério (Ribamar. Lourinhã), ao centro; Joaquim Grilo  Almeida (Lisboa), à direita, e  o António Andrade (Oeiras) à esquerda (Estes dois últimos ainda não são membros da Tabanca Grande, distração deles ou minha).



Foto nº 27> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > 
 O Manuel Gonçalves, a esposa, Maria de Fátima, "Tucha" (Carcavelos, Cascais), e a Alice Carneiro, esposa do nosso editor LG (Lourinhã).


Foto nº 28> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 >  Hélder Sousa  (Setúbal) e Rogé Guerreiro (Cascais)  (O Rogé Henriques Guerreiro foi 1.º Cabo Op Cripto, CCAÇ 4743, Gadamael e Tite, 1972/74; é m,membro da nossa Tabanca Grande desde 6 de maio de 2012).

Fotos: © Manuel Resende (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da fotorreportagem do último almoço-convívio da Tabanca da Linha,  Algés, 29 de maio de 2025, em que participaram 83 "magníficos" dos 87 inscritos. Fotos do Manuel Resende;  legendagem: LG.

PS - Alguns camaradas só consegui identificá-los com a preciosa ajuda do "régulo" Manuel Resende (e da sua "base da dados").

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26868: Convívios (1035): Fotorreportagem do 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 29 de maio de 2025 (Manuel Resende / Luís Graça ) - Parte II