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quinta-feira, 19 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26937: In Memoriam (550): José Luís Pio Abreu (Santarém, 1944 - Coimbra, 2025), psiquiatra, foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto / Canchungo,1971/73)


Capa do livro de J. L. Pio Abreu (1944-2025), "Como tornar-se doente mental", 18ª ed, Lisboa, Dom Quixote, 2008. (Prémio Città delle Rose, 2006). (O livro foi um sucesso editorial: lançado em 2006, já teve pelo menos 26 edições)

Citando e parafraseando o autor  (pp. 155/156, negritos nossos), podemos dizer:

  • se não mentires a ti próprio, descobrirás que és uma pessoa com limites e deixarás de querer ir a todas, como fazem os fóbicos;
  • também não serás dono da verdade nem tão importante como são os paranóicos;
  • não serás o mais perfeito, o que fica para os obsessivos;
  • nem tão brilhante ou poderoso como os histriónicos e psicopatas;
  • não serás uma pessoa muito especial, como os esquizofrénicos,
  • nem um génio, como os maníaco-depressivos;
  • serás apenas uma pessoa comum que aceita os desafios e os paradoxos da vida, faz o possível para, em cada momento, dar o que pode e actuar em conjunto com os outros;

No entanto, tens de assumir a responsabilidade completa pelas tuas acções:

  • afinal, todos fomos expulsos do Paraíso e condenados à solidariedade;
  • fizemos das fraquezas forças e, uns com os outros, construímos coisas admiráveis;
  • convenhamos entretanto que tudo isto é muito complicado, pouco gratificante e difícil de fazer;
  • fácil, fácil, é mesmo tornares-te um  doente mental.


1. José Luís Pio Abreu foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73 (*), ao tempo dos nossos grão-tabanqueiros António Graça de Abreu e Mário Bravo. Foi, portanto,  nosso camarada de armas.

Morreu ontem.  Nunca foi membro da nossa Tabanca Grande, nem sabemos se alguma vez nos leu. Tem 4 referências no nosso blogue. Não temos nenhuma foto dele. Merece, no mínimo, que a gente se lembre dele, neste dia triste, em que se despede da Terra da Alegria (**).

Psiquiátra e psicoterapeuta, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra,  onde se licenciou (erm 1968), se doutorou (em 1984) e fez a agregação (em 1996), publicou diversos livros ligados à psiquiatria, com destaque para:

  • "Como Tornar-se Doente Mental“ (2006); 
  • “Quem Nos Faz Como Somos“ (2007);
  • “Estranho Quotidiano“(010);
  • "O Bailado Da Alma“ (2014);
  • “A Queda dos Machos (2019);
  • “Pequena História da Psiquiatria“ (2021).

Outras frases do nosso camarada médico (teve  um papel ativo na crise académica de 1969, em Coimbra) que nos obrigam a pensar:

  • “Quando o medo se torna o solo em que se pisa, o pensamento abandona a razão e regressa ao instinto.” In: O Bailado da Alma (2014)
  • “Não há loucura maior do que manter-se são num mundo insano.” In: Como Tornar-se Doente Mental (2009).

3 comentários:

António Graça de Abreu disse...

Conheci bem o Pio de Abreu, médico, um grande senhor, em Teixeira Pinto. Sobre ele escrevi no meu Diário da Guiné. Está tudo no poste: Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu) .Descansa em paz, meu AMIGO:

Antonio Graça de Abreu disse...

No texto no blogue em 2009:

Perguntas-me pelo Bagulho, o médico, cirurgião de Teixeira Pinto. Falo nele no meu livro, conheci-o bem quando cheguei a Teixeira Pinto, em Junho de 1972. Estava lá com outro médico, outro grande senhor chamado Pio de Abreu que é hoje professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e um dos maiores especialistas portugueses em Psiquiatria. Foram duas pessoas que me orgulho muito de ter conhecido. Do Dr. Bagulho, filho do almirante Tierno Bagulho, sei que faleceu poucos anos depois de voltar da Guiné. Afinal tu conheces a viúva, a Raquel. Infelizmente não tenho nenhuma fotografia do Bagulho e do Pio de Abreu, apenas uma onde apareço com o outro médico, o Mário Bravo, que veio substituir um deles em Teixeira Pinto. Um abraço ao Mário Bravo. (...)

Canchungo, 22 de Julho de 1972

Fui hoje jantar com os dois alferes médicos no único tasco onde se pode comer cá na terra. Um bife duro, batatas mal fritas, um ovo estrelado, 45 escudos.

Os dois médicos são gente interessante, inteligentes, cabeças abertas para o mundo. Conversámos sobre a guerra, sobre as nossas vidas. O Bagulho tem trinta e tal anos, é já cirurgião em Lisboa, esteve detido em Caxias quando da crise académica de 1962. O Pio de Abreu ainda não tem trinta anos, é de Coimbra e faz parte daquele grupo de quarenta e nove estudantes da Universidade que, em 1969, na sequência das greves e desacatos na academia coimbrã, foram alistados coercivamente no exército.

Nenhum tem hoje qualquer actividade política nem de contestação do regime, mas carneiros não somos. É pena para mim – não para eles -, estarem em fim de comissão, só mais dois meses para o Bagulho.

São óptimos médicos, segundo a opinião de toda a gente. Dão consulta à população, com intérprete, tratam das milhentas doenças que afligem este povo manjaco e são os médicos militares, cuidam da tropa aqui estacionada e prestam assistência aos feridos em combate que chegam a Canchungo vindos directamente do mato.

Têm uma casa grande apenas habitada por eles, fora do quartel, na avenida principal em frente ao hospital. Uma casa bonita com uma sala de estar confortável, com móveis e tudo.
In: António Graça de Abreu: Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz. 2007. pp. 31/32.

Eduardo Estrela disse...

Mas alguém tem duvidas de que a Guiné da terra vermelha e do amor pelas pessoas se sobrepõe a particularidades?
Aceitem, se quiserem, um grande e fraterno abraço
Eduardo Estrela