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domingo, 29 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20789: Em busca de... (303): Alguém do Blogue que conheça Domingos Ferreira da Costa, da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, natural de Seixo Alvo, Olival, V. N. Gaia, morto em combate, nas imediações de Guileje, em 28/3/1968 (Rosa Cruz, sobrinha)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (Gandembel, Balana e Cansissé, 1968/69) > Março de 1968 > Na fase de carregamento dos cibes: algum destes militares pode ser o Domingos Ferreira Costa, municiador da metralhadora MG 42, que irá morrer em combate em 28/3/1969.

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: logue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. Mensagem da nossa leitora Rosa Cruz:

Date: sexta, 27/03/2020 à(s) 16:28
Subject: Domingos Ferreira da Costa, RI15, 28 de Março 1968

Boa tarde, tomo a liberdade de lhe enviar este e-mail.

O meu tio, Domingos Ferreira da Costa, serviu o exército, RI 15. Faleceu na Guiné em 28 de Março de 1968, em combate.
 
Nunca o conheci (nasci em 1977), mas sempre ouvi falar dele. Os meus avós... era o filho mais velho. Acho que nem os meus avós, nem os meus tios e minha mãe superaram a sua morte.

O meu avô faleceu em 1999, a minha avó em 2013. Vivi com eles muitos anos (mudaram-se para a nossa casa quando eu teria uns 14 ou 15 anos). Todos os anos, sem excepção, do dia 28 de Março ao dia 1 de Abril, ficavam quietos, calados, agarrados a um missal e a um terço. Eles só receberam o telegrama a comunicar a sua morte no dia 1 de Abril de 1968.

Talvez alguém no seu blogue conhecia o meu tio Domingos Costa?!... Poderão ter alguma foto dele, alguma história que possam contar para a minha mãe?...
Agradeço desde já qualquer informação.

Bem-haja
Rosa Cruz


2. Informação do nosso colaboração permanente, José Martins, a quem pedimos uma dica, um pista, como só ele sabe dar...
sexta, 27/03, 23:10

Boa noite, Luís.

Por aqui tudo bem, ao 15º dia de confinamento.

Quanto ao caso, e devido ao confinamento, só sei que foi ferido em Guilege, e morreu no HM de Bissau.

Suponho que o que a Rosa Cruz pretende, será uma foto. Mesmo que a haja, não havendo nenhuma referência à CCaç 2317 que pertenceu ao BCaç 2835 (o do Virgilio Teixeira), que esteve em Nova Lamego, não o conhecemos.

A hipótese seria conseguir autorização para consultar o processo do Domingos Ferreira da Costa, fotografando a foto do processo, mas estas consultas, depois de passada esta crise, ainda vão demorar, pois cada vez há menos gente nos arquivos para ler os mails,  sendo dada prioridade para se tratar de pedidos de contagem de tempo, para as reformas e para a esmola anual que é dada aos ex-combatentes em outubor

Por aí está tudo bem? Abreijos para todos, incluindo a neta.
Zé Martins


3. Comentário do editor LG:

Obrigado, Zé... Já é um pista, saber que o nosso infortunado camarada pertencia à CCAÇ 2317 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69).

É companhia do Idálio Reis, e temos mais de uma centena de referências a esta subunidade!... E muitas fotos...

O batalhão era de facto o BCAÇ 2835 (, o do Virgílio Teixeira era o BCAÇ 1933...). Este BCAÇ 2835 era o do teu amigo, o capelão Libório... Se confirmas a Companhia, temos muitas pistas e podemos dar a referência à sobrinha, que quer saber histórias destes martirizados construtores, defensores e coveiros de Gandemel (que o Domingos Costa não já chegou a conhecer)... Vou dar conhecimento ao Idálio Reis e à Rosa Cruz.

Vamos aguentando.
Abraço grande.
Luis

PS - Se o Domingos Ferreira da Costa foi ferido em combate em Guileje em 28 de Março de 1968, já não conheceu Gandembel, no sul, na Região Tombali, e muito menos Cansissé (Região Gabu, no Nordeste)...
Vamos perguntar ao Idálio Reis, que de resto publicou um livro sobre a epopeia da CCAÇ 2316 (também com muitas fotos). Haverá seguramente alguma referência ao Domingos Ferreira da Costa, e ao episódio em que foi ferido ou morreu....


4. Resposta do Zé Martins, com data de ontem, às 22h48

Boa noite.
O 2835 era o batalhão do Padre Libório [, é do tempo do BCAÇ 1933, do Virgílio Teixeira].  O Domingos Ferreira da Costa é, de facto, da CCaç 2317. O livro do Idálio Reis, que tenho aqui, fala da composição da unidade, estando o nome do Domingos na página 12. A acção está contada nas páginas 66 a 68. O livro tem muitas fotos: provavelmente, o Idálio Reis poderá identificar se, nalgumas delas, está o nosso camarada. Como o mail também lhe é dirigido, aguardemos.

Bom resto de fim de semana, que é mais curto 1 hora. Bom seria que pudéssemos avançar também um ano, no calendário.

Fiquem bem, com um grande abraço extensível à Rosa que, por ser sobrinha de um camarada nosso, nossa sobrinha é.

Um grande abraço para o Idálio Reis, que não vejo já há alguns anos, fazendo votos de que tudo esteja bem com ele.

Zé Martins


5. Resposta enviada hoje à Rosa Cruz:

Rosa, bom dia...
Obrigado por nos ter contactado...
Já teve conhecimento, em modo C/C, de algumas trocas de mensagens entre camaradas nossos que fazem este blogue, o José Martins e o Idálio Reis (, um dos alferes milicianos da Companhia de Caçadores 2317, que comandou o pelotão a que pertencia o seu tio, Domingos Costa, e que tem um livro publicado sobre a epopeia destes nossos bravos camaradas).

O Idálio Reis, hoje engenheiro agrónomo reformado, a viver em Castanheira de Pera, tem aqui, no nosso blogue, uma série, "Fotobiografia da CCAÇ 2317"... E neste poste (clicar no link), faz uma referência explícita ao nome do seu tio Domingos Costa, e às circunstâncias dramática em ele, que era municiador de metralhadora MG42, e outro camarada, o Meireles, municadiador da bazuca 8.9, foram mortos. Além do encontro fatal com uma força inimiga, houve um tremendo ataque de abelhas selvagens.
O corpo do seu tio teve que ser resgatado, num gesto heróico do 1.º Cabo Carmo, o "Lamego". (*)

(...) A acção heróica do 1.º cabo Carmo, de alcunha o Lamego

Com o casaco do camuflado a cobrir a cabeça [, por causa das abelhas], há um que sem dizer palavra dirige-se ao local onde o companheiro [, Domingos Ferreira Costa,] jazia, levanta-o sobre o ombro esquerdo e junta-se ao grupo que abandona o local. E, antes da coluna de reabastecimentos entrar, um grupo de combate da tropa periquita [o pelotão do alf mil Idálio Reis,] assome a Guileje em desespero, silenciadas as palavras, com os olhos marejados de lágrimas de pranto e de dor a libertarem-se em fios copiosos sobre o rosto abaixo, com 2 camaradas mortos.

Acabávamos de perder os primeiros dois elementos de um dilatado rol: o Domingos Costa, da freguesia de Olival, em Vila Nova de Gaia, e o Manuel Meireles Ferreira, de Pópulo, em Alijó. (...)

Leia o texto, que a vai emocionar, leia-o  por inteiro, pausadamente mas poupe os pormenores à sua mãe, quando falar com ela. Vamos tentar saber mais, se o nosso camarada Idálio Reis (, que estava mais perto do Meireles do que do seu tio,] nos puder contactar: temos o seu mail e o seu nº de telemóvel... (**)

Força de ânimo para si e demais família, nestes tempos difíceis...
Um grande beijinho de todos nós.
Luís Graça

PS - Mais referências ao Domingos Costa (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

(**) Último poste da série > 13 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20728: Em busca de... (302): instruendos do CISMI, Tavira, a tirar a especialidade de atiradores de infantaria, 6º Pelotão / 3ª Companhia, outubro de 1968: "Eu, o Torres, o Joaquim Fernandes, o Loureiro e o Saramago fomos todos para o CTIG...mas dos outros gostava de saber do paradeiro"... (Eduardo Francisco Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71; vive em Cacela)

(***) Vd. poste de 6 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2160: Militares mortos em campanha, no sul, entre Fevereiro de 1968 e Janeiro de 1969 (J. C. Abreu dos Santos)

> (...) – 5.ª feira 28Mar68 † DOMINGOS FERREIRA DA COSTA
nat. Seixo Alvo, freg. Olival, conc. Vila Nova de Gaia
Sold Inf Mun MG42 da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835-RI15 (a 2 meses da chegada e há 8 dias no local)
e
† MANUEL JOAQUIM MEIRELES FERREIRA
nat. Vale de Cunho, freg. Pópulo, conc. Alijó
Sold Inf Mun LGF 8.9 da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835-RI15 (a 2 meses de início c/8 dias no local) morrem ao início da tarde durante contra-emboscada no entroncamento Guileje> Ganturé> Gadamael. (...)

30 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2145: António Pereira Moreira, última baixa mortal da CCAÇ 2317 (J. C. Abreu dos Santos / Idálio Reis)
19 dre abril de  2006 > Guiné 63/74 - P704: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

(...) A tal passagem por Guilege, onde se encontrava a CART 1613, foi curta - de 20 de Março a 8 de Abril de 1968 - e serviu essencialmente como local de depósito de materiais destinados à construção de um aquartelamento [, em Gandembel]  junto ao célebre corredor de Guileje, por onde o PAIGC fazia passar grande parte dos seus reabastecimentos originários da ex-Guiné-Conacri.

Nesse lapso de tempo, várias colunas se fizeram desde Gadamael; numa missão de protecção, a 28 de Março, no cruzamento de Guilege, o meu grupo de combate num baptismo de fogo externo demasiado intenso (vimos militares não negros, porventura cubanos!), perdeu dois homens, a quem presto a minha sentida homenagem: Domingos Ferreira da Costa e Manuel Joaquim Meireles Ferreira. (...)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9945: Notas de leitura (363): "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", por Idálio Reis (Belarmino Sardinha)

Monte Real, 21 de Abril de 2012 > VII Encontro da Tabanca Grande > Idálio Reis dedica mais um exemplar do seu livro, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", a um dos camaradas presentes.
© Foto de Juvenal Amado


Em mensagem do dia 24 de Maio de 2012, o nosso camarada Belarmino Sardinha (foto à direita) (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), faz a sua apreciação ao livro "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", de autoria do nosso camarada Idálio Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69.
Como é sabido, este livro, edição de autor, foi autografado e oferecido aos presentes no último Encontro da Tabanca Grande.


Não vou fazer nenhuma crítica, não sou especialista na área e hoje até começo a ter dúvidas se ainda sei alguma coisa e quando acho que sei, interrogo-me se me lembro…

Quando compro um livro sinto-me na obrigação de o ler, gastei dinheiro, é o mínimo que posso fazer, mas quando alguém se propõe oferecer-me um livro e eu, de pronto e voluntariamente, aguardo para o receber, tenho a obrigação não só de o ler como dizer ao seu autor o que achei…

No caso concreto do livro escrito pelo Idálio Reis, não só devo dar-lhe conhecimento a ele, mas torná-lo público, razão para escrever estas linhas que mais não são que a minha opinião pessoal, pese o que pesar, sobre o que retirei da sua escrita.

Começo por agradecer-lhe o gesto e mais ainda por me considerar seu amigo, espero estar à altura de tal distinção.

Há muito que estava à espera deste livro, fui-me apercebendo pelos escritos no Blogue Luís Graça… ou Tabanca Grande, como preferirem, que coisas interessantes estariam para ser reveladas, não me enganei.

Comecei por verificar não se tratar de um livro de um eu, mas de, um nós. Coisa estranha e diferente dos demais, a particularidade como tudo é relatado, um envolvimento coletivo onde todos foram importantes e onde todos, sem exceção, são referidos pelos seus nomes e assim ficarão lembrados/imortalizados.

A forma como nos introduz naquele espaço de nome Guiné e nos faz a abordagem do povo que ali habita e do circundante, possibilitando a qualquer pessoa, mesmo a quem nada sabia ou sabe sobre aquela gente, como funcionavam as coisas no período mencionado. A forma como estruturou a sua narrativa, diferenciando os diferentes períodos e movimentos de meios no terreno em cada data e situação.

Depois, no descrever propriamente dito dos acontecimentos, a lembrança de todos que nos deixaram, quer por efeitos diretos da guerra, quer por acidentes motivados por esta. A forma como enaltece e reconhece o apoio e o trabalho, além do esforço de todos aqueles que marcaram presença naquele espaço no tempo a que se refere.

A crítica de como eram tratados os militares enviados para aquela terra e como eram de certa forma abandonados, sem uma preparação e apoio devidos, ficando apenas sujeitos ao desenrasca ou ao bom senso de um qualquer superior melhor preparado intelectualmente e por quem eram assumidas as responsabilidades e consequências, morais e patrimoniais.

Chega ao fim do livro sem nunca falar no eu, sempre nós, os militares, despido de qualquer vaidade ou protagonismo que só os grandes homens conseguem ter.

Por tudo que me ofereceu esta leitura, através do livro que irá ajudar a preservar a memória sobre estes homens e sobre tudo que passaram, aqui deixo o meu agradecimento ao autor do livro, que faz o favor de ser meu amigo, só possível por nos termos encontrado neste espaço onde escrevo estas linhas.

O meu obrigado ao Idálio Reis e a todos que não deixam esquecer este período da nossa história vivida, ajudando, sempre, a lembrar os que perderam a vida.
Belarmino Sardinha

Gandembel - Aquartelamento construído de raiz pelos militares da CCAÇ 2317
© Foto de Idálio Reis
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8385: Parabéns a você (270): Agradecimento de Belarmino Sardinha, aniversariante no dia 5 de Junho

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9944: Notas de leitura (362): "O Fardo do Homem Negro", de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

domingo, 18 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2277: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) - Anexo II: Gandembel/Balana, Março de 2007 (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 1 > Restos do brazão da CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969), Os Dragões Dourados....

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 2 > Um antigo abrigo, vendo-se restos das estruturas metálicas que sustentavam o tecto.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 3 > Mais restos do aquartelamento

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 4

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 5

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 6

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 7

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 8

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 9

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > 2007 > Foto 10>

Imagens de vestígios do antigo aquartelamento de Gandembel, outrora guarnecido pela CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69), tendo sido abandonado em 28 de Janeiro de 1969 (1).


Fotos: © Pepito / AD - Acão para o Desenvol vimento (2007). Direitos reservados


1. Imagens que nos foram enviadas pelo Pepito, fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, em 13 de Março de 2007:


Caro Luís Graça:

Seguem 10 fotos do antigo aquartelamento de Gandembel/Balana, que tirei há dois dias no sul.

Se todos estarão interessados, o Idálio Reis, mais ainda. Ele terá é que redescobrir o aquartelamento, pois o que sobrou foi pouco.

Abraços

Pepito


2. Comentário do Idálio Reis,


Meu caro Luís


Há itinerários pessoais particularmente difíceis de definir e perceber, quando reclamam o fulgor da plenitude, porquanto muito poucos a conseguem atingir. É o caso do Pepito, que um dia teve um forte apelo, para dar cumprimento a uma singular missão. Este seu apego à Guiné, um dos países mais pobres do Mundo, para se empenhar em acções de ajuda filantrópica aos seus naturais, sem nada reivindicar, merece um hino de louvor. Para ele, uma dedicação muito carinhosa, e que possa continuar por muitos anos, esse seu aliciante e abnegado préstimo ao povo-irmão guinéu.

As imagens que se revelam ante o meu olhar, sufocam de estupefacção. Causam-me um pesado sentimento de perda, ainda que reconheça que elas são circunstanciadas pela voragem avassaladora do binómio tempo/homem.

Passaram-se já 4 decénios, é certo, mas o que apenas resta, são fantasmas de uma obra tecida com muito sofrimento. Soerguida por um denodado esforço braçal, sofrida e chagada pelo fenecimento de tantos.

Reassumem estas fotos, a quem agradeço muito sensibilizado ao Pepito, também uma incontida emoção, porque me confrontei com aqueles recônditos, onde sobrevivi uma parte bastante curta, mas crucial da minha vida. A acção de existir é uma dádiva, e esta minha passagem por Gandembel/Ponte Balana, teve a particularidade de sublimar num jovem, a verdadeira dimensão da vida e o real significado da sua importância.

Com as fotografias que em tempos te enviei, tentarei inserir estas que como o Nuno Rubim me referiu, são “fresquinhas...acabadas de chegar”.


Eis então:

Foto 1 > [Minha foto 412] (1)

Sobre uma camada de betão fresco, pode surgir um mosaico gravado, que pode ser essoutro ou um bastante similar.

O que nos interessa é que possa e deva ser uma lápide a colocar no museu de Guileje, de forma a perpetuar no interminável, a presença dos Dragões Dourados da CCaç 2317.

Foto 2 > [Minhas fotos 301 a 308] (1).

Há uma visualização das estruturas metálicas que sustentavam as casernas-abrigo, e que na sua parte exterior eram colocadas: como paredes laterais, troncos de árvores justapostos e uma camada de pedras (bem visíveis), e na parte superior, uma forte camada de betão assente em aplainadas chapas aproveitadas dos bidões, as quais assentavam sobre cibes.

Há ainda uma parede adobada, que julgo ser parte integrante do forno, e que teve de ser refeito parcialmente pelo menos 2 vezes (as minha recordações!), em virtude de ataques ao aquartelamento.

Foto 3 > [Minhas fotos 419 a 421] (2)

Um achado mais complexo. Mas, porque o Pepito também refere o destacamento de Ponte Balana, a minha inclinação propende para este belo sítio. Este destacamento tinha 2 entradas: a nascente, a própria ponte; do outro lado, vislumbro os restos de um pequeno fortim aí situado.


Foto 4 > Uma inscrição, como a de milhares que devem estar espalhados por esse País. Consigo ler: VISEUS,..., GLOB-TROTTERS.

O que se me afigura dizer?. Havia cerca de uma vintena de militares deste distrito, que como se testemunha, se consideravam vagamundos de um destino cruel e incerto.

Mas estes Viriatos também se dignaram fazer a sua história, à maneira do seu antepassado, deixando as suas marcas ao tempo, numa terra tão diferenciada da que os viu nascer.

Foto 5 > Numa outra qualquer parede, um paraquedista também quis deixar o seu registo. Foi um Barreto. E também os que por aqui tiveram uma passagem mais efémera, mas de uma enorme valia, dedicados, valentes e intemeratos, quiseram deixar gravado que Gandembel também lhes foi ponto de passagem e encontro.

Foto 6 > Parece que esta infra-estrutura tomou a intenção de melhor resistir, onde inclusive, na parte superior de uma parede lateral, sobressai ainda a concavidade onde assentava a trave mestra.

Era o armazém dos víveres, uma das últimas construções a substituir uma tenda de campanha.

Foto 7 > Sombras do passado..., mas há aqui restos de uma caserna-abrigo. E à sua direita, um muro de formato circular, que me leva a apontar que era aqui que esteve postado o ninho da metralhadora pesada Browning.

Foto 8 > Parece manifestamente ser o resto de uma edificação mais isolada, a brotar do subsolo. E por isso, só pode ser o paiol, onde milhares munições de todo o tipo, foram guardadas.

Já não espera nenhum SOS, para que um helicóptero se desloque de Bissau, a aportar mais uns cunhetes em falta.

Foto 9 > Uma estrutura metálica que servia de viga, o que indicia que aqui se implantou mais uma das 8 casernas-abrigo.
De pé, eventualmente o resto da parede posterior, que ainda resiste, porventura como cofre-forte a resguardar alguma mágoa mais dolente.

Foto 10 > Trata-se de uma outra perspectiva do local da Foto 2. Esta caserna-abrigo parece tenazmente guardar as suas estruturas metálicas. E como se trata da última fotografia, deixem-me exorcizar os meus fantasmas, e digam da vossa justiça. Aqueles 3 pilares mais seguidos, hoje colocados numa rotunda de uma nossa qualquer cidade ou vila, não daria um belo monumento aos combatentes da guerra colonial?

E se fosse possível transmutá-las, tal e qual, para a nossa Guileje?

É tudo caro Luís. Em nome da minha Companhia, ficam estes 2 pedidos. Sê o mediador com o Pepito, a quem reitero os meus agradecimentos.

E o resto por lá ficará!

Com uma imensa cordialidade, Idálio Reis.

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

Guiné 63/74 - P2276: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) - Anexo I: Destacamento da Ponte Balana

Guiné <> CCAÇ 2317 (1968/69) > O pequeno destacamento de Ponte Balana, foi um bastião na defesa de uma ponte que a engenharia militar recuperaria, mas que também acabaria por ruir

Foto 422 > Aproveitando os restos da antiga ponte, davam-se belos mergulhos para banhos retemperadores



Foto 419 > Ponte Balana: Uma visão do destacamento

Foto 420 > Um aspecto interior de Ponte Balana

Foto 421 > Uma vista da entrada contrária à ponte

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) >

Foto 423 > A retirada de Gandembel, deixa para a posterioridade, este facto pungente, ainda que nenhum documento oficial o revele: 372 ataques e flagelações ao aquartelamento...

Nota de L.G.: Na parede, o seguinte grafito: 17-1-68. [CCAÇ] 2317, A Velhice de Gandembel. 372 ataques. É Pouco ? É!...

Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados (1).
_________

Nota dos editores:

(1) Idálio Reis, engenheiro agrónomo, reformado, foi Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)
Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Depois do abandono de Gandembel/Balana em 28 de Janeiro de 1969...

Em Buba, [, Região de Quínara,] durante os 3 meses de permanência [de 8 de Fevereiro a 14 de Maio de 1969], tomámos parte das forças de segurança na construção da nova estrada [Buba - Aldeia Formosa].

Foto 603 > Um camião-zorra para transporte das máquinas serviam de poiso ao pessoal apto para qualquer contrariedade.




Foto 601 > Um elevado número de nativos limpavam as bermas, com o uso de catanas.




Foto 602 > E dois tractores de rodas com bulldozer regularizavam os terrenos da faixa de implantação da estrada.





Foto 604 > Uma vista de Samba-Sabáli, uma antiga tabanca abandonada, que servia de posto avançado e permanente na segurança



Foto 605 > Aqui, já a estrada tinha sido beneficiada de uma primeira camada. Este morteiro fazia parte de uma segurança de rectaguarda.




Foto 606 > Todos os dias se deslocava um T-6. Esta aeronave aterrou coxa, e o seu piloto pode considerar-se um homem feliz, pois as bombas que se postavam sob o bojo, não rebentaram.




Foto 607 > E as minas anti-pessoais pareciam continuar em nossa perseguição...


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Assunto > A Companhia continuaria no Sul, bem próximo de Gandembel/Ponte Balana. Buba, a necessitar de grandes efectivos, foi o nosso destino, a perdurar até 14 de Maio de 1969. E finalmente o sossego de Nova Lamego, até ao regresso definitivo.




XI (e última) parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)


(1).Texto enviado em 28 de Fevereiro de 2007.

Caros Luís e demais companheiros da Tertúlia.

Chegados a Aldeia Formosa [actualmente, Quebo], foi-nos propiciado uns dias de descanso. Pela forma afectuosa como fomos recebidos, foram dias de expurgo, e também de recuperação. Também o da fuga à solidão, o do reencontro com nós mesmos, e estes poucos dias, de um maior convívio e solidariedade, soube-nos particularmente bem.


Segurança à construção da estrada Buba-Aldeia Formosa


Havia uma fundamentada esperança que a Companhia iria ser colocada num local de maior sossego, mas o que é verdade, é que a 8 de Fevereiro, parte-se para Buba.

E o objectivo estava definido, que era o de manter segurança aos trabalhos relacionados com a pavimentação da estrada de ligação entre estes 2 aquartelamentos [Buba - Aldeia Formosa].

E a execução desta empreitada, antevia-se desde logo, bastante complexa, pois que requereria grandes efectivos militares, a fim de manterem a necessária segurança às máquinas operadoras.

E os locais de implantação da estrada, vinham sendo fortemente fustigados por uma actuação empenhada e sistemática do PAIGC, que intentava contrariar, de todo, a realização dessa infra-estrutura rodoviária.

O bastião de Salancaur, como local de refúgio dos guerrilheiros do PAIGC, não era distante, e as suas acções de armadilhamento e de contacto directo com as NT, apareciam com bastante frequência, o que demonstrava uma forte obstinação tendente à sua não concretização. E agora, despreocupados de Gandembel, até podiam agir com maior poderio.


Buba: Sede do COP 4, sob comando do saudoso major Carlos Fabião


Buba era um pequeno agregado de população indígena, com uma larga rua de permeio, como que a ligar a pista de aviação com o rio Grande de Buba.

Os edifícios militares estavam na parte mais baixa, juntos ao rio. As instalações eram substancialmente melhores que as deixadas atrás, com pavilhões prefabricados a servirem de casernas, e onde todos os militares tinham direito a uma cama com colchão. Também a qualidade da alimentação, em nada se comparava com a que nos fora ofertada noutros tempos.

Estava sedeada em Buba um grande efectivo militar, onde se incluía uma das Companhias de Comandos, salvo erro a 15ª CCmds, para além da Companhia que aí estava há mais tempo — a CCAÇ 2382 —, a que se viriam juntar a minha e a CCAÇ 2381.

Todo este efectivo militar, estava sob o comando do saudoso major Carlos Fabião (2), que detinha o COP 4.

E durante estes 3 meses de permanência [de finais de Janeiro a Maio de 1969], a nossa acção incidiu na segurança da estrada, com as tropas a permanecerem em Buba, com excepção de algum tempo (cerca de 2 semanas) em que cada grupo de combate se deslocou por Nhala e Samba Sabáli.



De novo as minas e as emboscadas, mas sem consequências para a malta da companhia


Estivemos, por 3 vezes, directamente envolvidos com o inimigo, em forma de emboscadas, mas as consequências dos confrontos não foram graves. Recordo que num ataque a Samba Sabáli (uma das tabancas abandonadas, e que foquei atrás, quando me referi a essa data de 15 de Maio) haver 2 feridos, um dos quais com uma certa gravidade e que viria a ser evacuado para Lisboa.

Os patrulhamentos tinham a sua origem em Buba, faziam-se incidir essencialmente nas imediações da frente dos trabalhos da estrada, e eram realizados ao princípio da noite ou então antes do alvorecer. Desenvolviam-se a nível de Companhia, portanto com quantitativos considerados suficientes.

No que se relacionou com os trabalhos, era desenvolvido um grau de segurança da estrada, de cada lado da mesma, com um algum afastamento do seu eixo. Nestas andanças deste tipo, o meu grupo, foi apanhado mais uma vez por um enxame de abelhas, que se encontrava num carcomido tronco de uma velha árvore. Alguns foram picados por várias vezes, onde me incluí, e que o inchaço nos desfigurou durante um certo tempo.

Todos os dias, na deslocação para a frente dos trabalhos, havia que proceder à picagem da velha estrada. Num dessas vezes, levantámos 38 minas anti-pessoais.


Os cataneiros chegaram a recusar a ida para a mata


As máquinas, montadas as seguranças, começavam então a funcionar. A limpeza de uma larga berma era levada a efeito por um grande grupo de nativos não autóctones, cujos utensílios eram as catanas.

Estes grupos de cataneiros eram em geral bastante sacrificados, pois as armadilhas e as minas anti-pessoais eram sempre em grande número, e era raro o dia, que não houvesse feridos muito graves. Até que chegou um dia, que recusaram a ida para a mata.

Os ataques ao aquartelamento de Buba faziam-se com alguma frequência. E os abrigos eram apenas umas valas abertas para esse fim. Recordo, num desses ataques, a morte de um soldado da Companhia residente, que quando fugia para se refugiar nos abrigos, foi apanhado por um rocket, que o estropia muito marcadamente.

Das contrariedades provocadas aos cataneiros, assim como dos ataques perpetrados ao aquartelamento, Carlos Fabião considera que alguém da tabanca presta informações para o exterior. Era quase certo que no dia em que a tropa não se empenhasse nos patrulhamentos, que o PAIGC ousava enfrentar mais próximo do aquartelamento.


Spínola expulsa toda a população civil de Buba, acusada de traição


Este recado chega a Spínola que num certo dia chega a Buba, reúne a população para que fosse reconhecido os que transmitiam informações ao PAIGC. Perante o mutismo desta gente, Spínola considera-a traidora e, no dia seguinte, 2 LDG encostam a Buba, e toda a população é coagida a abandonar as suas casas. O destino que tomaram, não o sei, mas disse-se então que foram para o arquipélago dos Bijagós.

Mau grado esta afronta, a situação que se começou a viver em Buba, pareceu melhorar.


A recuperação da nossa auto-estima e a ida para o Gabu


Não se pode afirmar que a Companhia, durante este tempo de permanência em Buba, conheceu um clima de paz e serenidade. Havia por aqueles sítios, uma outra faceta da guerra, bem distinta da vivida em Gandembel, e que, em abono da verdade, não foi demasiado provocante, fundamentalmente porque já éramos gente mais crescida, só porque nos era fornecido o essencial: comida bastante e uma cama decente. Quanto foi importante a conquista desta emancipação!

Julgo, inclusive, que a Companhia recuperou muito a sua auto-estima, e algumas energias mais abaladas, iam-se revigorando.

De todo o modo, o dia 14 de Maio, com partida aérea para Nova Lamego, onde sempre permaneceu a CCS do Batalhão a que pertencíamos (o BCAÇ 2835) [então sob o comando do tenente-coronel Pimentel Bastos, o Pimbas] (3), representou para esta plêiade de homens sacrificados, o fim definitivo das hostilidades.

Por lá nos quedámos até ao fim da comissão, melhorando infra-estruturas no aquartelamento, fazendo pequenos patrulhamentos, mas nunca mais ouvimos o mínimo silvar de uma bala inimiga.

Aqui, encontrámos serenidade, e tornámo-nos outros, perdemos timidezas e inibições, ainda que sempre conscientes e previdentes. E também um certo bem-estar, um lenitivo fundamental para o encontro das estabilidades, da emocional à física, e que durante tanto tempo se tinham arredado de vez, inclementemente.

E aqui, fomos gente feliz, sem lágrimas! (4) ... E sobre os momentos de dor e de sofrimento, a CCAÇ 2317 nada mais tem a narrar. E porque considera que a guerra com que se confrontou, termina em Nova Lamego, também finda aqui a sua história.

E só me resta acrescentar, o quanto custou a esta Companhia, em termos humanos, o nosso sacrifício. Da frieza dos números, que agora aponto, talvez um dia me debruce com uma leitura mais atenta.

A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos.

Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria.

Não nos foi possível contabilizar os evacuados para Bissau, e que iam regressando mais tarde ao nosso seio, mas as estimativas de quem viveu sempre de perto os 23 meses de comissão, apontam para valores da ordem das 4 dezenas.

Com imenso gosto, procurei corresponder ao que tinha prometido. É uma narração sucinta, mas que terei oportunidade de vir a pormenorizar muitas das facetas aí insertas. Continuarei sempre atento ao blogue, que considero de excepcional valia para o conhecimento da guerra colonial na Guiné, dos seus tempos e dos seus sítios.

Por isso, em nome da minha Companhia, um firme agradecimento ao nosso editor.
Bem hajas, Luís.

Só mais dois aspectos finais:

(i) Amiudadas vezes me têm afirmado, que a nossa ida para Gandembel, é resultado de uma oferta voluntária por parte do Comandante da Companhia. Por desconhecimento, não posso, nem devo confirmar. O que sei, é que este oficial do quadro, não possuía nenhuma comissão em teatro de guerra.Contudo, o que sempre me causou uma certa perplexidade, é que as Companhias do Batalhão se esparsaram pela Província, sem dependência da CCS, o que não era usual.

(ii) O feitiço lançado a este vosso escriba, que no seu itinerário como militar, passou por duas Lamegos. A serrana Lamego, num curso de operações especiais, ainda no quartel velho, e onde morreram 2 companheiros que tombaram do alto da torre da igreja, quando faziam o slide. E esta Nova Lamego, hoje Gabú, da ardente e multifacetada Guiné.E se não fora as saudades a minarem e a proximidade do regresso, a passagem por esta última, saber-me-ia bem melhor que as piratarias da dureza 11 e quejandas, só suplantadas devido à porfiada ajuda prestada pelo meu velho parelha Amaro.

Para todos, um cordial abraço do Idálio Reis.


Comentário do editor L.G.:

Querido amigo e camarada Idálio: Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande. A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue.

Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

(...) A CCAÇ 2317 chega a Bissau a 24 de Janeiro de 1968. Uma aclimatação de 2 meses, o quanto bastou para enveredar por um sinuoso rumo, a uma fatídica zona do Sul da Província. Aí, num local estranho da região do Forreá e apenas no efémero prazo de 11 meses, houve lugar às facetas mais pérfidas da guerra, em que do mito e do mistério sobrou só o nome: Gandembel/Ponte Balana (...).

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

(...) Após o Treino Operacional, a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana Em Guileje, a guerra não se fez esperar, e dolosamente começou a insinuar as suas facetas mais pérfidas, com as ocultas ciladas montadas na vastidão dos nossos olhares e a espreitarem o horror a todo o instante (...).

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

(...) Em Gandembel, vinga a insensatez, a obrigarem-nos a penar um inextinguível tempo de arrastados sacrifícios. Do período mediado entre o início da construção do aquartelamento e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio (...) O dia 8 de Abril de 1968 alvoreceu para um conjunto de homens inquietamente sós, desunidos de um futuro confiante, porque, por mais que se procurasse predizer, não lhes era possível reconhecer se se podia atingir. Um imenso manto de silêncio ali estava especado, com secretas sombras negras a envolver-nos (...).

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel. Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968(...).

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel (continuação) > Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

(...) A generosidade de um punhado de gente jovem, onde os ecos dos seus ais de desespero e dor, não ressoavam para além da região do Forreá. Gandembel/Ponte Balana, de 9 de Maio a 4 de Agosto. (...) A época plena das chuvas aproximava-se, começava a fazer surtir os seus benéficos efeitos, o que para nós incidia muito especificamente na água que o rio Balana pudesse debitar. Este, logo que retomasse alguma capacidade de vazão, significaria que a tão ansiada água já abundaria, e as restrições ao consumo que tinham prevalecido até então, evolavam-se no tempo (...).

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

(...) Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança (...).

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

(...) Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968. (...) A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem. (...) A deslocalização de um permanente efectivo de pára-quedistas foi fundamental para o surgimento de uma fase de muita maior tranquilidade, que resultou numa acentuada diminuição belicista por parte do PAIGC (...).

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

(...) Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino. (...) À alvorada do dia 28 [de Janeiro de 1969], o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa. (...)

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(...) As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados (...).

(...) As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

(...) Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969 (...).



(2) Sobre o major Carlos Fabião em Buba:

4 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2080: Estórias do Zé Teixeira (22): Tuga na tem sorte

4 de Abril de 2006 > Guine 63/74 - DCLXVIII: O major Fabião e o furriel Samouco, da CCAÇ 2381 (1968/70)

Vd. também, entre outros, os posts:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

8 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXIV: Antologia (37): Carlos Fabião, o conciliador

5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 : DCLXXV: O outro Carlos Fabião (3) (Rui Felício)

5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXIII: O outro Carlos Fabião (1) (J. Vacas de Carvalho)

2 Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006)

(3) O tenente-coronel Pimentel Bastos foi originalmente o comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), antes de ser alvo de punição disciplinar por parte do Com-Chefe:

22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(4) Por analogia com o título do romance de João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas, Grande Prémio de Novela e Romance APE, 1989. João de Melo, nasceu nos na Ilha de S. Miguel, Açores, em 1949, pertencendo à geração da guerra colonial (esteve em Angola, entre 1971 e 1974, como furriel miliciano enfermeiro).

"A experiência da Guerra Colonial foi pela primeira vez tematizada em 1977, com A Memória de Ver Matar e Morrer. Em 1984, publicou Autópsia de um Mar em Ruínas, onde a barbárie da guerra é filtrada pelos olhos de um furriel enfermeiro, cargo que assumiu em Angola.Os livros de contos Entre Pássaro e Anjo e Bem-Aventuranças completam o testemunho apresentado nos romances".

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > ... E as vulneráveis colunas de reabastecimento, sempre tão frágeis e fáceis das ciladas, transformaram-se num calvário de pesar e dor.

Foto 501 > No cruzamento de Guileje, uma viatura entra por uma picada abandonada já há tempo (desde quando?) a caminho de Gandembel.

Foto 502 > A coluna que nos trouxera até Gandembel, prepara o regresso.

Foto 503 > De quando em vez, apareciam os destroços de viaturas, já carcomidos pela voragem dos tempos.

Foto 504 > Uma outra coluna de Guileje, com tanta tragédia de permeio, prepara o regresso.

Foto 505 > De uma coluna de Aldeia Formosa (Quebo), a proceder às descargas de modo muito rápido.

Foto 506 > Um dos troços da estrada de ligação a Guileje.

Foto 507 > Um aspecto de outra coluna, mas esta a caminho de Aldeia Formosa.

Foto 508 > A fatídica zona de Changue-Iaia, a seguir a Chamarra, na estrada de Aldeia Formosa - Guileje.

Foto 509 > E daqui, se retiraram este conjunto de minas (mais de 6 dezenas!)...


Numa das últimas colunas de Aldeia, a ponte do Balana ruíu ao peso de uma GMC cheia de bidões...

Foto 510 > A colocação do passadiço na ribeira do Changue-Iaia [foto gentilmente cedida pelo José Samouco] (1)

Foto 511 > A parte posterior da GMC assenta no leito do rio, ainda cheia de bidões.

Foto 512 > A carga, com alguma perícia, lá se foi retirando.

Foto 513 > Toda a estrutura da ponte ruiu, felizmente sem grandes consequências pessoais.


Fotos: © Idálio Reis (2007). (Editadas por L.G.). Direitos reservados.




X Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1).

Texto enviado em 28 de Fevereiro de 2007. Continuação (2).

Assunto: As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados.

Caros Luís e demais companheiros da Tertúlia:

Aquando da incauta tomada de resolução sobre a implantação de Gandembel/Ponte Balana, dever-se-ia, desde logo:

— reconhecer que a execução de um aquartelamento, com uma finalidade claramente definida, em local inóspito, onde não havia qualquer população nativa, requereria um conjunto avultado e variado de materiais de construção;

— prever que para a realização de Gandembel e de Ponte Balana havia que enviar amiúde uma grande quantidade de víveres, pois o efectivo militar que estaria continuamente em acção, seria sempre o de um contingente com muitos homens, mesmo que uma parte estivesse em regime de transição;

— considerar que um posto militar fixo naquela zona determinaria à exigência de o dotar em suficiência com material bélico, de características meramente defensivas, a acrescer ao facto de ter de haver uma grande disponibilidade de um arsenal de munições.

E tudo isto teria de ser transportado unicamente por via terrestre, em colunas de reabastecimento, que só dispunham de 2 rotas, com ambas a utilizarem uma mesma estrada, que o PAIGC se tinha apoderado do seu controlo já há algum tempo.


Duas linhas de abastecimento: Gadamael-Porto/Guileje/Gandembel (sul) e BUba/Aldeia Formosa/Gandembel (norte)


A proveniência de Sul começava em Guileje, com reabastecimento prévio em Gadamael-Porto. Da parte Norte, partia-se de Aldeia Formosa, que por sua vez tinha em Buba o seu porto alimentador.

Dada a enorme imprevisibilidade que a guerra de guerrilhas, travada na província da Guiné, conseguia alcançar num qualquer sítio e num curto espaço de tempo, poder-se-ia afirmar que o vasto perímetro que englobava esses locais, estava sitiado entre 2 zonas nevrálgicas do maior interesse estratégico-político para o PAIGC.

Gandembel/Ponte Balana: um espinho encravado no coração de um região de vital importância estratégica e logística para o PAIGC


De um lado, na base de uma comprovada aliança com a Guiné-Conacri, ao dispor de uma fronteira aberta e sempre bastante próxima; do outro, a região de Salancaur, já no interior da Província, como grande bastião de apoio logístico e de disseminação de efectivos, com localização no centro de um arco geográfico, que ligava os braços dos grandes rios Cacine e Buba, abrangendo portanto Gadamael, Guileje e Mejo, Gandembel, Aldeia Formosa, Buba, Bedanda e Catió.

A intenção da construção de Gandembel/Ponte Balana, como forma de inflectir ou alterar profundamente toda essa estratégia de vital interesse para o PAIGC, provocou neste uma atitude de antagonismo e confrontação, puro e duro, e evidentemente a única que lhe caberia enfrentar perante tais circunstâncias. Ousa fazer ainda uma mais ampla concentração de efectivos militares extremamente organizados, a fim de poderem desencadear um substancial recrudescimento no campo bélico, tanto mais provocante e mortífero quanto maior o grau de abrangência e incisividade.

As flagelações e ataques aos postos fixos das NT aumentaram substantivamente, onde Gandembel pontificava por razões óbvias. E as vulneráveis colunas de reabastecimento, sempre tão frágeis e fáceis das ciladas, seriam os alvos preferenciais para o desgaste, o desalento e o cansaço, com um único intuito de provocarem acintosamente o sofrimento, a dor, a morte.


23 colunas logísticas em 9 meses (Abril de 1968/Janeiro de 1969)


As colunas de reabastecimento intimidavam pela sua violência. Para além de não facultarem percursos alternativos, os efectivos que as acompanhavam eram sempre bastante insuficientes para uma missão de protecção em cada lado da estrada; mesmo com a ajuda de certos meios aéreos, estes mostravam ser muito pouco eficazes.

As colunas de reabastecimentos assemelhavam-se a lutas desleais, em que um dos contendores caminhava na iminência do perigo, ao encontro do desastre, enquanto o outro, sabotador, escolhia os melhores locais do precipício, e que no geral resultava em consequências de uma devastadora crueldade.


Durante o lapso de tempo da existência de Gandembel/Ponte Balana, de 8 de Abril de 1968 a 28 de Janeiro de 1969 (2), a minha contagem atinge o global de 23 colunas, das quais somente 5 é que são provindas de Guileje.

A narração dos factos mais amargurados e pungentes que algumas destas colunas foram testemunho, baseiam-se muito do baú da minha memória pessoal, à míngua de documentação oficial. Em razão desta lacuna, certamente este excerto pecará por defeito, tanto mais que várias Companhias estiveram envolvidas.


10 de Abril de 1968: dois mortos e um dezena de feridos logo na 1ª coluna


Assim, logo a 10 de Abril, parte de Guileje a primeira coluna, que chegou ao anoitecer, com algumas minas anti-carro de permeio e uma forte emboscada a causar a perda de 2 homens, um dos quais pertença do Pelotão de Reconhecimento Fox.

Na madrugada do dia seguinte há o regresso, e à passagem nas imediações do corredor de Guileje ouvem-se os ecos de um tiroteio de uma intensa emboscada, que se repetiriam mais adiante, como também mais uma série de minas a travar a marcha.

As consequências foram pesadas: mais 2 mortos (1 furriel de um Pelotão de Caçadores Nativos e 1 cabo da CART 1613), e mais de uma dezena de feridos graves e ligeiros a terem que ser evacuados para Bissau.

Com tantas colunas ainda por concretizar, pressagiavam-se para as sequentes, o pesadelo de tenebrosas vivências de terror e horror, a dilacerarem sem dó nem piedade muitos de nós. Mas o que causava maior angústia, pela envolvência intemperada do sofrimento inumano, cruel e doloroso, é que era indispensável a realização destas colunas a um ritmo bastante repetitivo, sem alternância.

E estas circunstâncias favoreciam o desempenho beligerante do PAIGC, na preparação cuidada e ardilosa dos mais adequados estratagemas para desferirem os seus ataques, até porque era reconhecidamente, detentor de um forte arsenal bélico. E para este tipo de operação militar, em que a vantagem pendia essencialmente para o seu lado, só lhe restava saber agir com argúcia e sageza bastantes, de forma a incutir a perturbação, a desconfiança, a inquietação, o nervosismo.


24 de Abril de 1968: a barbaridade dos fornilhos


Mesmo nas colunas que se realizavam sem o registo de quaisquer incidências, o pânico e o terror continuavam a prevalecer, ainda que dissimuladamente. É que muito em breve, haveria mais uma, para surgir dentro de dias mais uma outra.

À 3ª coluna proveniente de Guileje, a 24 de Abril, surge, quiçá, o artefacto mais temível e aterrador de todos, para o qual não havia nenhum método de defesa possível: os fornilhos accionados por comando à distância.

Estes engenhos explosivos, dissimulados em plena estrada, eram comummente construídos com um forte poder de detonação, e constituídos por substâncias distintas, desde componentes metálicos até materiais pétreos.

Em geral, o inimigo montava uma emboscada, minava as bermas e fazia rebentar os fornilhos. E esta cruenta simbiose, provocava sempre efeitos devastadores e terríveis para as NT, matando, desagregando corpos, causando muitos feridos pelo efeito do sopro e das minas ou dos projécteis das armas, danificando material.

Na vinda, há a lamentar a perda de 2 homens, um dos quais ficaria completamente desintegrado, e mais de uma dezena de feridos a serem evacuados, muitos como resultado do sopro; já o regresso, no dia seguinte, far-se-ia sem quaisquer problemas.

E a partir desta data, as consequências do accionamento destes fornilhos, sempre presentes, mostrar-se-iam de uma enorme barbaridade, impiedosa, desumana, pungente.

E comprovadamente, as colunas de Guileje eram caminhos de calvário, martirizantes pela razia das agruras que provocavam às NT. Para além dos mortos, os feridos evacuados atingiam quantitativos absurdos, e a fobia instintiva ia-se apoderando dos restantes, com um efectivo disponível já muito diminuto, a ter que ser considerado mais que insuficiente.

Julgo mesmo que, do efeito deste acentuado recrudescimento das acções bélicas do PAIGC, é que a partir de uma determinada data se começaram a realizar colunas de ambos os lados, uma vez que as provenientes de Guileje, desde logo, se tornaram extremamente complexas, pela acerada violência exercida pelo inimigo, que fazia demorar a percorrer os cerca de vinte quilómetros de uma estrada de um piso sofrível, durante toda uma longa jornada. Tantas vicissitudes de permeio!


A alternativa de Aldeia Formosa e o tabu do Cherno Rachid


Ter-se-ia pois que gizar uma outra estratégia, para a qual só havia uma única alternativa: a proveniência passaria para Aldeia Formosa, a distâncias similares, e onde o PAIGC parecia, até então, dar a entender não desejar tomar medidas de represália para esses lados.

Em meu entendimento, a postura refreada para esta atitude, passava pela presença do chefe religioso Cherno Rachid (3).

E o que é verdade, é que as 2 primeiras colunas efectuadas na primeira década de Maio, e advindas de Aldeia, realizam-se sem incidentes e com regresso no mesmo dia.

Todavia, o putativo estado de graça que o PAIGC parecia manter, sofre uma notória inversão, porque num espaço de tempo muito curto, toda a região envolvente de Aldeia Formosa é acintosamente fustigada por uma acentuada, provocante e violenta movimentação dos seus grupos.

Todos aqueles destacamentos, onde havia muita população local, são coagidos a alterarem o seu estado de vigilância, com alguns deles a virem a sofrer rudes reveses, mesmo o do abandono.

Parece ter-se quebrado, de vez, um pacto de não agressão, com o PAIGC a sentir-se ofendido pela afronta com este tipo de movimentações das NT, oriundas de Aldeia Formosa, e porventura não expectáveis.


15 de Maio de 1968: 6 corpos desintegrados e uma dezena de feridos

E então, só lhes restou esperar a ocasião para dar início às hostilidades, que recaiu no dia 15 de Maio, data da 3ª coluna de reabastecimentos, com consequências bastante funestas, resultantes de emboscadas com um grande potencial de fogo e também do accionamento de fornilhos.

Já quase a chegar a Ponte Balana, o grupo que vinha na picagem, na sua quase generalidade composto por elementos de um Pelotão de Nativos, depara-se surpreso com um fio eléctrico que as chuvadas puseram a descoberto e param. Um dos alferes da CART 1612, que vinha à cabeça da coluna, aproxima-se do grupo para indagar as causas da paragem. Num relance, o accionamento em simultâneo de vários fornilhos, provocariam de imediato a morte a 6 homens, cujos corpos são desintegrados; e como resultado do forte efeito do poder de sopro, mais de uma dezena de militares são feridos, a obrigar a sua evacuação para Bissau.

Um ponto fatídico no troço Aldeia Formosa / Chamarra / Ponte Balana / Gandembel: Changue-Iaia


Para além do mais, a época das chuvas começava a fazer agravar a situação, uma vez que as colunas advindas de Aldeia Formosa deparavam-se um pouco a seguir ao povoamento de Chamarra, com um obstáculo natural, configurado por um pequeno riacho em zona arbórea mais aberta — o Changue-Iaia —, que obrigava à montagem de um passadiço constituído por peças móveis de madeira.

E consequentemente, as colunas sustinham o andamento, e as forçadas paragens sempre afeitas ao olhar do espião, poderia a todo o momento fazer irromper o embate do inimigo, aparecido do lado da fronteira ali tão próxima. Era, foi, um dos locais em que PAICC fez concentrar o campo de minas mais denso (renques de centenas de minas anti-pessoais, num pequeno tramo), e que se tornou o mais assustador e terrífico de todos, a perdurar sempre com grande apreensão durante bastante tempo. Foi, neste sítio de suplício, que as colunas para Gandembel, tiveram mais perdas, e lhes causaram maior sofrimento.

« passagem sobre o rio Balana, mesmo no destacamento de Ponte Balana, com uma ponte improvisada construída pela Engenharia Militar, a substituir uma outra destruída há anos pelo PAIGC, também não oferecia a segurança adequada, como mais tardiamente se viria a comprovar.

Mas Gandembel/Ponte Balana continuava a precisar de mais alguns materiais de construção, para acabar definitivamente com as casernas-abrigo, em especial para o reforço das suas coberturas, a fim de os seus homens se protegerem da inclemência das chuvas ou da deflagração de uma qualquer granada de morteiro.


5 de Juho de 1968: a morte do Alf Leitão


Ainda restava em Guileje algum deste material; também lá se encontrava um grupo de combate para regressar ao seio da Companhia. A parte restante do material, os víveres e outros meios logísticos haviam de aparecer do lado de Aldeia Formosa.

E a 5 de Junho, partem 2 colunas de ambas as origens. A proveniente de Aldeia, vem e regressa no mesmo dia, sem incidentes. Contudo, a de Guileje, é sujeita a fortes ataques, por força de emboscadas envolvidas com o rebentamento de fornilhos, que vêm a provocar 2 mortos e mais de uma dezenas de feridos evacuados para Bissau. O regresso também se faz com imensas dificuldades, a causar 2 feridos graves.

Desta fatídica coluna, a Companhia perde o seu 3º elemento, o alferes Álvaro Vale Leitão, que é atingido mortalmente na cabeça por fragmentos de um fornilho, e 5 elementos que foram cuspidos pelo sopro, com alguma gravidade, mas que após cura das mazelas em Bissau, ainda conseguem regressar ao nosso seio.

E de Guileje, a partir dessa data, restaria apenas a separação. Só havia conhecimento da sua presença, quando por vezes, se ouviam distintamente os estrondos de algum ataque ao aquartelamento, em que foi fustigada por várias vezes.

E o PAIGC, na prática, recuperava uma parte do seu reduto, e então faz deslocar efectivos para tentar entravar as colunas entre Buba e Aldeia Formosa, uma vez que as condições geomorfológicas do trajecto a isso proporcionavam.

O que reconheço, e surpreendentemente não encontro motivos para tal, é que as 4 colunas realizadas na última quinzena de Junho e de todo o mês de Julho, advindas de Aldeia, se processaram sem registo de acções da presença inimiga, embora o mesmo não viesse a acontecer com os postos fixos de Gandembel/Ponte Balana.


4 de Agosto de 1968: o massacre de Changue-Iaia


Mas, a 4 de Agosto, acontece o maior desaire para a Companhia. Dois grupos de combate saem de Gandembel em viaturas, com o propósito de em Changue-Iaia se proceder à permuta dos reabastecimentos, como solução encontrada para a imensa dificuldade no atravessamento do riacho, cada vez mais largo e de maior débito.

Quando as nossas viaturas alcançam o local, desencadeia-se uma emboscada com rebentamento de fornilhos, e as bermas do caminho pejadas de minas anti-pessoais. A resistência mostra-se demasiado ténue, ante a visibilidade do terror que se lhe antepara. Não há outra solução, que não procurar sair do local a todo o transe.

As consequências são terríveis, pois para além de alguns feridos, dos quais 2 com bastante gravidade, há a lamentar a morte de 5 homens (1 era um soldado nativo), em que o corpo de um deles se desintegra, pelo efeito deletério dos malfazejos fornilhos.

A perda definitiva, num único dia, de 4 elementos da Companhia, provocou-lhe um forte abalo moral, muito em especial ao grupo de combate que faziam parte, mas o apoio a prestar só poderia ser superada pelo forte sentido gregário que existia entre todos, e ter a esperança que nos tempos sequentes não houvesse contrariedades a pesar. Foi um período crítico, o mais difícil de ultrapassar, de cair no rol do esquecimento, como tive o cuidado de referir no excerto anterior.


22 de Agosto de 1968. coluna com apoio dos pára-quedistas, com 64 minas anti-pessoais


Passados alguns dias, a 20 de Agosto, que marca a chegada dos pára-quedistas, intentou-se fazer uma outra coluna, mas ante o poderio ameaçador do inimigo, as partes que partiram de Gandembel e de Aldeia Formosa, voltaram para trás. Esta detectou 2 fornilhos e 5 minas anti-pessoais, enquanto a minha Companhia conseguiu levantar nas imediações do Changue-Iaia, 68 minas anti-pessoais.

Estes víveres acabariam por chegar a Gandembel a 22 de Agosto, mas a coluna com o apoio dos pára-quedistas, teve 64 minas anti-pessoais para desactivarem, mas a postura do inimigo é de tal modo vincado, que já no regresso de Aldeia, mais propriamente entre Chamarra e Mampatá (um troço tão curto), monta uma emboscada e causa 5 feridos graves aos homens da CCAÇ 381 que vinham na escolta.


Reabastecimentos por meios aéreos


Indubitavelmente que estas colunas, revelavam uma terrível ameaça para a integridade dos homens que lhes prestavam segurança, e algumas chefias de bom senso não desejavam criar cemitérios para alguns, e levar ao desespero como porta de entrada à loucura, para outros tantos.

Muito provavelmente foram estas as razões que determinaram que até ao fim do período das chuvas, as colunas tivessem um hiato, mas nunca me foi dado a conhecer os seus reais motivos. E Gandembel/Ponte Balana foi servida por meios aéreos, muito em especial por helicópteros, já que as Dorniers que tinham de lançar os seus sacos, só serviam para objectos mais leves.

A partir de fins de Setembro, reatam-se então as colunas via terrestre, e até ao fim de Gandembel realizam-se mais 7, nas quais não há registos de danos de grande monta para as NT. Não tenho conhecimento de mortos, apenas de alguns feridos ligeiros, mas o que é incontestável, é o reconhecimento que a agressividade do inimigo tinha diminuído substancialmente.

Procurei fazer uma descrição dos factos que se desencadearam nas colunas de reabastecimento para Gandembel, as suas tragédias, os seus dramas e pesares. Elas desenvolvem-se em 2 períodos bem distintos e assentam em 2 espaços territoriais de pouca similitude.

As colunas advindas de Guileje duram apenas 2 meses, com consequências funestas para as NT. Claramente, o PAIGC detinha um forte contingente bélico na zona, com um conjunto de acções consecutivas nos aquartelamentos de Gandembel e também de Guileje, e espera os dias das colunas, de si tão fáceis de tomar conhecimento.

Nos sítios mais propícios, cria pontos de paragem com abatises, armadilha a estrada com minas e fornilhos, e ser-lhe-ia fácil encetar com a sua estultícia, todo um sortilégio de façanhas, que tinham como fim, massacrar os homens que escoltavam essas colunas, e se possível, fazer destruir os meios logísticos.

Em meu entendimento, não há aqui, por parte do PAIGC, factos ousados. O acesso à estrada, mesmo vindo da fronteira, faz-se rapidamente, e com tudo preparado, só lhes restava agir, sem pôr em perigo os seus homens. Mas este acesso facilitado devia-se fundamentalmente a uma notória falta de efectivos suficientes das NT, para tentarem cercear os seus propósitos.

O rescaldo das cinco colunas de Guileje

Com a percepção clara das dificuldades que os esperavam, a saída de Guileje a caminho de Gandembel, era um calvário para os homens da escolta, cada vez em menor número, pois que não se lhes deparava na iminência do confronto com o inimigo, quaisquer alternativas de resguardo. Meios alternativos de protecção, os aéreos com 1 ou 2 T-6, mas que em pouco ou nada serviam. O único que amedrontava e desempenhava uma função altamente dissuasiva era o héli-canhão, mas este nem sempre aparecia.

O rescaldo das 5 colunas de Guileje é inquietamente pesado. Muito em especial para a CART 1613, sedeada num local bastante problemático, com a comissão a mais de metade, com um contingente fatigado, e que é chamada a desempenhar uma impiedosa missão, onde vem a perder muitos homens (mortos e feridos graves); dos que restaram, é gente molestada, vincadamente traumatizada.

Para todos eles e o seu grande comandante, o Capitão Eurico Corvacho [da CART 1613], um sentido testemunho de gratidão (4).


Rescaldo das colunas de Aldeia Formosa


Quanto às colunas provenientes de Aldeia Formosa, elas poderiam ser consideradas bietápicas: em primeiro, de Buba a Aldeia, e depois até ao destino final — Gandembel.

Já me referi sobre a coluna de 15 de Maio, e o que ela parece contextualizar quanto ao procedimento que o PAIGC viria a fazer incidir nesta zona.

A estrada de ligação de Buba a Aldeia era de um péssimo piso, mormente na época das chuvas. E os artefactos armadilhados e as emboscadas começaram a revelar os seus perniciosos efeitos.

Na verdade, este itinerário começa também a ser alvo das maiores contrariedades, avassalado pela perda de muitos militares, com incidência especial na CART 1612 [tristes sinas para estas Companhias-gémeas!] e no Pelotão Fox. E estes reveses, mais se vêm a ampliar com o abandono de Gandembel, mas aqui as razões prendem-se, em muito, com os trabalhos de reperfilamento/construção da nova estrada.

À notória obsessão que o PAIGC se firmava a este tipo de acções, com uma grande concentração de guerrilheiros, fortemente organizados e armados, bem conhecedores dos locais a intervir, é justo reconhecer que os cenários que se anteviam aos homens que se empenhavam na segurança destas colunas, era perfeitamente dantescos.

Spínola, com a fixação dos pára-quedistas em Gandembel, alivia notoriamente o pesadelo das colunas de Aldeia Formosa para este local, mas não as que provinham de Buba, agora sentidamente muito mais perigosas.

E estas, forçosamente, tinham que ter a sua continuidade, agora com mais dificuldades, pelo agravo de uma mais forte concentração inimiga.

De toda esta pungente história das colunas, estiveram largas centenas de homens envolvidos na beira do abismo. Dos parcos dados que o meu baú das memórias tem recolhido, não pecarei demasiado em afirmar, que elas dizimaram entre mortos e feridos de maior gravidade, muito mais de meia centena de militares.

Na faceta deste tipo de guerra, a envolvência dos 2 contendores com modos de actuação inteiramente distintos, para além de desproporcionada, era de uma iniquidade extrema. E o nosso militar, que era compelido para a protecção a estas colunas, entrava em estado de enorme tensão para uma antecâmara infernal, de alojamento do desespero, da raiva e da dor.

A última foi a do regresso definitivo, só com a Companhia. E julgo que a estrada de Guileje a Aldeia Formosa continuou para sempre à guarda do PAIGC, tanto mais que a ponte sobre o Balana tinha derrocado numa das últimas colunas: a 22 de Novembro.

Nas descrições que narrei quanto aos postos fixos de Gandembel/Ponte Balana, tentei-me confrontar com a forma como Spínola explanava as suas concepções no seu dossier sobre este arrepiante teatro de guerra.


A estratégia militar do PAIGC, sob o comando de Nino Vieira

Resta-me agora, procurar tentar fazer um julgamento de valor quanto à estratégia militar encetada pelo PAIGC, em que Nino Vieira foi o protagonista maior e fortemente se comprometeu.

Terminadas as colunas de Guileje, Nino proclama vitória. Restar-lhe-ia, para cercear quaisquer veleidades que ainda restassem às NT, de tomar de assalto ou destruir Gandembel, e na vertente das colunas de reabastecimento, incidir mais sobre as que envolviam directamente Aldeia Formosa.

E toma, como resolução, reduzir substancialmente as suas acções. Usa o velho e pérfido estratagema, o de procurar incutir um clima de maior sossego, de maneira a que se percam ou minimizem alguns dos predicados essenciais neste tipo de guerra: a compenetração, a previdência, a cautela, etc.

Se assim foi, no que se refere aos homens da minha Companhia, e porque de algum modo já estávamos bastante acossados, não conseguiu minimamente alcançar as suas intenções.

Todos estávamos sobreavisados e bem conscientes que na guerra insidiosa que nos circundava (era o nosso meio-ambiente), subjazia uma matiz de casualidade tão forte, que a impreparação aliada a uma menor concentração, poderia levar a um desencontro fatal, e um grande ronco surgir inopinadamente. A vida de cada um de nós pulava a cada momento entre a sorte e o azar, e saber dar-lhe o dom da primazia, não tentando aventuras de risco, revelava-se fundamental. Era uma condição necessária, mas tantas vezes, debalde, resvalava para o infortúnio.

Nino Vieira então prepara cuidadosa e convenientemente um ataque de assalto a Gandembel, firmemente convicto da sua destruição. E envolve todo o arsenal bélico que tinha à sua mercê, para atingir esse fim, e que tem lugar a 15 de Julho.

Contudo, sai vexado pela derrota, e reconhece que está ante um grupo de homens, já bem resguardados, que reagiram de forma que jamais supôs.

O fatídico 4 de Agosto, em Changue-Iaia, será uma retaliação contundente por parte de Nino? Em minha opinião, numa qualquer coluna de reabastecimentos, tudo era possível acontecer. E bastou um pequeno grupo a desencadear a emboscada, já que a troca de tiros foi ligeira, para semear o terror, pois a grande destruição foi provocada pelos fornilhos e uma infinidade de minas anti-pessoais. Pelo que me foi descrito, pois não fiz parte dessa coluna, se o inimigo dispusesse de um grande efectivo, poderia até ter provocado acentuadas baixas àqueles 2 grupos de combate.

Os acontecimentos posteriores a este dia, com a permanência dos pára-quedistas em Gandembel, contêm toda esta impetuosidade e refreia quaisquer veleidades.

O Changue-Iaia é inteiramente desminado, passa a ser bem vigiado, e o PAIGC recua atemorizado, apenas mantendo grupos localizados no lado da Guiné, apoiado na forte bateria de morteiros que sempre demonstrou conservar.

As 7 colunas necessárias fazem-se com poucos incidentes, e quando chega o dia 28 de Janeiro de 1969 [o do abandono de Gandembel/Ponte Balana], há efectivamente uma outra serenidade, mas responsável. E nesse dia, chegávamos sem problemas a Aldeia.

E acabo as narrativas da odisseia de Gandembel/Ponte Balana, dedicando um capítulo muito sentido aos que se viram compelidos a tomarem parte nessas violentas e aterrorizadoras colunas de reabastecimento. Em especial, os 3 trajectos de curta distância, Guileje — Gandembel, Aldeia Formosa — Gandembel e Buba — Aldeia Formosa, foram locais de uma acção temível, onde a tragédia surgia tão repentinamente, da forma mais absurda e cruel, a espalhar a miséria.

Quantas vidas num permanente suspenso, e num ápice todos os desígnios feneciam estupidamente. Para ínvios caminhos, só o tamanho da falsidade das colunas de reabastecimento parecia caber.

As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.

E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

E, embora reconheça, que para a grande generalidade dos militares, a guerra foi-lhes sempre tenebrosa, ela era, ainda assim, bem díspar nos diferentes chãos da Província.

Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969.

E até breve.


Um abraço do Idálio Reis.

______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXII: A tragédia da ponte sobre o Rio Balana (José M. Samouco)

(2) Vd. os postes anteriores desta série (que foram saíndo no nosso blogue com bastante irregularidade, por razões que não são imputáveis ao autor, mas sim ao editor, nomeadamente devido à riqueza e à abundância do material fotográfico que é preciso, no entanto, editar, consumindo bastante tempo):

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques


(3) Sobre o dignatário religioso Cherno Rachid, vd. posts de:

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).


(4) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba