terça-feira, 18 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > ... E as vulneráveis colunas de reabastecimento, sempre tão frágeis e fáceis das ciladas, transformaram-se num calvário de pesar e dor.

Foto 501 > No cruzamento de Guileje, uma viatura entra por uma picada abandonada já há tempo (desde quando?) a caminho de Gandembel.

Foto 502 > A coluna que nos trouxera até Gandembel, prepara o regresso.

Foto 503 > De quando em vez, apareciam os destroços de viaturas, já carcomidos pela voragem dos tempos.

Foto 504 > Uma outra coluna de Guileje, com tanta tragédia de permeio, prepara o regresso.

Foto 505 > De uma coluna de Aldeia Formosa (Quebo), a proceder às descargas de modo muito rápido.

Foto 506 > Um dos troços da estrada de ligação a Guileje.

Foto 507 > Um aspecto de outra coluna, mas esta a caminho de Aldeia Formosa.

Foto 508 > A fatídica zona de Changue-Iaia, a seguir a Chamarra, na estrada de Aldeia Formosa - Guileje.

Foto 509 > E daqui, se retiraram este conjunto de minas (mais de 6 dezenas!)...


Numa das últimas colunas de Aldeia, a ponte do Balana ruíu ao peso de uma GMC cheia de bidões...

Foto 510 > A colocação do passadiço na ribeira do Changue-Iaia [foto gentilmente cedida pelo José Samouco] (1)

Foto 511 > A parte posterior da GMC assenta no leito do rio, ainda cheia de bidões.

Foto 512 > A carga, com alguma perícia, lá se foi retirando.

Foto 513 > Toda a estrutura da ponte ruiu, felizmente sem grandes consequências pessoais.


Fotos: © Idálio Reis (2007). (Editadas por L.G.). Direitos reservados.




X Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1).

Texto enviado em 28 de Fevereiro de 2007. Continuação (2).

Assunto: As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados.

Caros Luís e demais companheiros da Tertúlia:

Aquando da incauta tomada de resolução sobre a implantação de Gandembel/Ponte Balana, dever-se-ia, desde logo:

— reconhecer que a execução de um aquartelamento, com uma finalidade claramente definida, em local inóspito, onde não havia qualquer população nativa, requereria um conjunto avultado e variado de materiais de construção;

— prever que para a realização de Gandembel e de Ponte Balana havia que enviar amiúde uma grande quantidade de víveres, pois o efectivo militar que estaria continuamente em acção, seria sempre o de um contingente com muitos homens, mesmo que uma parte estivesse em regime de transição;

— considerar que um posto militar fixo naquela zona determinaria à exigência de o dotar em suficiência com material bélico, de características meramente defensivas, a acrescer ao facto de ter de haver uma grande disponibilidade de um arsenal de munições.

E tudo isto teria de ser transportado unicamente por via terrestre, em colunas de reabastecimento, que só dispunham de 2 rotas, com ambas a utilizarem uma mesma estrada, que o PAIGC se tinha apoderado do seu controlo já há algum tempo.


Duas linhas de abastecimento: Gadamael-Porto/Guileje/Gandembel (sul) e BUba/Aldeia Formosa/Gandembel (norte)


A proveniência de Sul começava em Guileje, com reabastecimento prévio em Gadamael-Porto. Da parte Norte, partia-se de Aldeia Formosa, que por sua vez tinha em Buba o seu porto alimentador.

Dada a enorme imprevisibilidade que a guerra de guerrilhas, travada na província da Guiné, conseguia alcançar num qualquer sítio e num curto espaço de tempo, poder-se-ia afirmar que o vasto perímetro que englobava esses locais, estava sitiado entre 2 zonas nevrálgicas do maior interesse estratégico-político para o PAIGC.

Gandembel/Ponte Balana: um espinho encravado no coração de um região de vital importância estratégica e logística para o PAIGC


De um lado, na base de uma comprovada aliança com a Guiné-Conacri, ao dispor de uma fronteira aberta e sempre bastante próxima; do outro, a região de Salancaur, já no interior da Província, como grande bastião de apoio logístico e de disseminação de efectivos, com localização no centro de um arco geográfico, que ligava os braços dos grandes rios Cacine e Buba, abrangendo portanto Gadamael, Guileje e Mejo, Gandembel, Aldeia Formosa, Buba, Bedanda e Catió.

A intenção da construção de Gandembel/Ponte Balana, como forma de inflectir ou alterar profundamente toda essa estratégia de vital interesse para o PAIGC, provocou neste uma atitude de antagonismo e confrontação, puro e duro, e evidentemente a única que lhe caberia enfrentar perante tais circunstâncias. Ousa fazer ainda uma mais ampla concentração de efectivos militares extremamente organizados, a fim de poderem desencadear um substancial recrudescimento no campo bélico, tanto mais provocante e mortífero quanto maior o grau de abrangência e incisividade.

As flagelações e ataques aos postos fixos das NT aumentaram substantivamente, onde Gandembel pontificava por razões óbvias. E as vulneráveis colunas de reabastecimento, sempre tão frágeis e fáceis das ciladas, seriam os alvos preferenciais para o desgaste, o desalento e o cansaço, com um único intuito de provocarem acintosamente o sofrimento, a dor, a morte.


23 colunas logísticas em 9 meses (Abril de 1968/Janeiro de 1969)


As colunas de reabastecimento intimidavam pela sua violência. Para além de não facultarem percursos alternativos, os efectivos que as acompanhavam eram sempre bastante insuficientes para uma missão de protecção em cada lado da estrada; mesmo com a ajuda de certos meios aéreos, estes mostravam ser muito pouco eficazes.

As colunas de reabastecimentos assemelhavam-se a lutas desleais, em que um dos contendores caminhava na iminência do perigo, ao encontro do desastre, enquanto o outro, sabotador, escolhia os melhores locais do precipício, e que no geral resultava em consequências de uma devastadora crueldade.


Durante o lapso de tempo da existência de Gandembel/Ponte Balana, de 8 de Abril de 1968 a 28 de Janeiro de 1969 (2), a minha contagem atinge o global de 23 colunas, das quais somente 5 é que são provindas de Guileje.

A narração dos factos mais amargurados e pungentes que algumas destas colunas foram testemunho, baseiam-se muito do baú da minha memória pessoal, à míngua de documentação oficial. Em razão desta lacuna, certamente este excerto pecará por defeito, tanto mais que várias Companhias estiveram envolvidas.


10 de Abril de 1968: dois mortos e um dezena de feridos logo na 1ª coluna


Assim, logo a 10 de Abril, parte de Guileje a primeira coluna, que chegou ao anoitecer, com algumas minas anti-carro de permeio e uma forte emboscada a causar a perda de 2 homens, um dos quais pertença do Pelotão de Reconhecimento Fox.

Na madrugada do dia seguinte há o regresso, e à passagem nas imediações do corredor de Guileje ouvem-se os ecos de um tiroteio de uma intensa emboscada, que se repetiriam mais adiante, como também mais uma série de minas a travar a marcha.

As consequências foram pesadas: mais 2 mortos (1 furriel de um Pelotão de Caçadores Nativos e 1 cabo da CART 1613), e mais de uma dezena de feridos graves e ligeiros a terem que ser evacuados para Bissau.

Com tantas colunas ainda por concretizar, pressagiavam-se para as sequentes, o pesadelo de tenebrosas vivências de terror e horror, a dilacerarem sem dó nem piedade muitos de nós. Mas o que causava maior angústia, pela envolvência intemperada do sofrimento inumano, cruel e doloroso, é que era indispensável a realização destas colunas a um ritmo bastante repetitivo, sem alternância.

E estas circunstâncias favoreciam o desempenho beligerante do PAIGC, na preparação cuidada e ardilosa dos mais adequados estratagemas para desferirem os seus ataques, até porque era reconhecidamente, detentor de um forte arsenal bélico. E para este tipo de operação militar, em que a vantagem pendia essencialmente para o seu lado, só lhe restava saber agir com argúcia e sageza bastantes, de forma a incutir a perturbação, a desconfiança, a inquietação, o nervosismo.


24 de Abril de 1968: a barbaridade dos fornilhos


Mesmo nas colunas que se realizavam sem o registo de quaisquer incidências, o pânico e o terror continuavam a prevalecer, ainda que dissimuladamente. É que muito em breve, haveria mais uma, para surgir dentro de dias mais uma outra.

À 3ª coluna proveniente de Guileje, a 24 de Abril, surge, quiçá, o artefacto mais temível e aterrador de todos, para o qual não havia nenhum método de defesa possível: os fornilhos accionados por comando à distância.

Estes engenhos explosivos, dissimulados em plena estrada, eram comummente construídos com um forte poder de detonação, e constituídos por substâncias distintas, desde componentes metálicos até materiais pétreos.

Em geral, o inimigo montava uma emboscada, minava as bermas e fazia rebentar os fornilhos. E esta cruenta simbiose, provocava sempre efeitos devastadores e terríveis para as NT, matando, desagregando corpos, causando muitos feridos pelo efeito do sopro e das minas ou dos projécteis das armas, danificando material.

Na vinda, há a lamentar a perda de 2 homens, um dos quais ficaria completamente desintegrado, e mais de uma dezena de feridos a serem evacuados, muitos como resultado do sopro; já o regresso, no dia seguinte, far-se-ia sem quaisquer problemas.

E a partir desta data, as consequências do accionamento destes fornilhos, sempre presentes, mostrar-se-iam de uma enorme barbaridade, impiedosa, desumana, pungente.

E comprovadamente, as colunas de Guileje eram caminhos de calvário, martirizantes pela razia das agruras que provocavam às NT. Para além dos mortos, os feridos evacuados atingiam quantitativos absurdos, e a fobia instintiva ia-se apoderando dos restantes, com um efectivo disponível já muito diminuto, a ter que ser considerado mais que insuficiente.

Julgo mesmo que, do efeito deste acentuado recrudescimento das acções bélicas do PAIGC, é que a partir de uma determinada data se começaram a realizar colunas de ambos os lados, uma vez que as provenientes de Guileje, desde logo, se tornaram extremamente complexas, pela acerada violência exercida pelo inimigo, que fazia demorar a percorrer os cerca de vinte quilómetros de uma estrada de um piso sofrível, durante toda uma longa jornada. Tantas vicissitudes de permeio!


A alternativa de Aldeia Formosa e o tabu do Cherno Rachid


Ter-se-ia pois que gizar uma outra estratégia, para a qual só havia uma única alternativa: a proveniência passaria para Aldeia Formosa, a distâncias similares, e onde o PAIGC parecia, até então, dar a entender não desejar tomar medidas de represália para esses lados.

Em meu entendimento, a postura refreada para esta atitude, passava pela presença do chefe religioso Cherno Rachid (3).

E o que é verdade, é que as 2 primeiras colunas efectuadas na primeira década de Maio, e advindas de Aldeia, realizam-se sem incidentes e com regresso no mesmo dia.

Todavia, o putativo estado de graça que o PAIGC parecia manter, sofre uma notória inversão, porque num espaço de tempo muito curto, toda a região envolvente de Aldeia Formosa é acintosamente fustigada por uma acentuada, provocante e violenta movimentação dos seus grupos.

Todos aqueles destacamentos, onde havia muita população local, são coagidos a alterarem o seu estado de vigilância, com alguns deles a virem a sofrer rudes reveses, mesmo o do abandono.

Parece ter-se quebrado, de vez, um pacto de não agressão, com o PAIGC a sentir-se ofendido pela afronta com este tipo de movimentações das NT, oriundas de Aldeia Formosa, e porventura não expectáveis.


15 de Maio de 1968: 6 corpos desintegrados e uma dezena de feridos

E então, só lhes restou esperar a ocasião para dar início às hostilidades, que recaiu no dia 15 de Maio, data da 3ª coluna de reabastecimentos, com consequências bastante funestas, resultantes de emboscadas com um grande potencial de fogo e também do accionamento de fornilhos.

Já quase a chegar a Ponte Balana, o grupo que vinha na picagem, na sua quase generalidade composto por elementos de um Pelotão de Nativos, depara-se surpreso com um fio eléctrico que as chuvadas puseram a descoberto e param. Um dos alferes da CART 1612, que vinha à cabeça da coluna, aproxima-se do grupo para indagar as causas da paragem. Num relance, o accionamento em simultâneo de vários fornilhos, provocariam de imediato a morte a 6 homens, cujos corpos são desintegrados; e como resultado do forte efeito do poder de sopro, mais de uma dezena de militares são feridos, a obrigar a sua evacuação para Bissau.

Um ponto fatídico no troço Aldeia Formosa / Chamarra / Ponte Balana / Gandembel: Changue-Iaia


Para além do mais, a época das chuvas começava a fazer agravar a situação, uma vez que as colunas advindas de Aldeia Formosa deparavam-se um pouco a seguir ao povoamento de Chamarra, com um obstáculo natural, configurado por um pequeno riacho em zona arbórea mais aberta — o Changue-Iaia —, que obrigava à montagem de um passadiço constituído por peças móveis de madeira.

E consequentemente, as colunas sustinham o andamento, e as forçadas paragens sempre afeitas ao olhar do espião, poderia a todo o momento fazer irromper o embate do inimigo, aparecido do lado da fronteira ali tão próxima. Era, foi, um dos locais em que PAICC fez concentrar o campo de minas mais denso (renques de centenas de minas anti-pessoais, num pequeno tramo), e que se tornou o mais assustador e terrífico de todos, a perdurar sempre com grande apreensão durante bastante tempo. Foi, neste sítio de suplício, que as colunas para Gandembel, tiveram mais perdas, e lhes causaram maior sofrimento.

« passagem sobre o rio Balana, mesmo no destacamento de Ponte Balana, com uma ponte improvisada construída pela Engenharia Militar, a substituir uma outra destruída há anos pelo PAIGC, também não oferecia a segurança adequada, como mais tardiamente se viria a comprovar.

Mas Gandembel/Ponte Balana continuava a precisar de mais alguns materiais de construção, para acabar definitivamente com as casernas-abrigo, em especial para o reforço das suas coberturas, a fim de os seus homens se protegerem da inclemência das chuvas ou da deflagração de uma qualquer granada de morteiro.


5 de Juho de 1968: a morte do Alf Leitão


Ainda restava em Guileje algum deste material; também lá se encontrava um grupo de combate para regressar ao seio da Companhia. A parte restante do material, os víveres e outros meios logísticos haviam de aparecer do lado de Aldeia Formosa.

E a 5 de Junho, partem 2 colunas de ambas as origens. A proveniente de Aldeia, vem e regressa no mesmo dia, sem incidentes. Contudo, a de Guileje, é sujeita a fortes ataques, por força de emboscadas envolvidas com o rebentamento de fornilhos, que vêm a provocar 2 mortos e mais de uma dezenas de feridos evacuados para Bissau. O regresso também se faz com imensas dificuldades, a causar 2 feridos graves.

Desta fatídica coluna, a Companhia perde o seu 3º elemento, o alferes Álvaro Vale Leitão, que é atingido mortalmente na cabeça por fragmentos de um fornilho, e 5 elementos que foram cuspidos pelo sopro, com alguma gravidade, mas que após cura das mazelas em Bissau, ainda conseguem regressar ao nosso seio.

E de Guileje, a partir dessa data, restaria apenas a separação. Só havia conhecimento da sua presença, quando por vezes, se ouviam distintamente os estrondos de algum ataque ao aquartelamento, em que foi fustigada por várias vezes.

E o PAIGC, na prática, recuperava uma parte do seu reduto, e então faz deslocar efectivos para tentar entravar as colunas entre Buba e Aldeia Formosa, uma vez que as condições geomorfológicas do trajecto a isso proporcionavam.

O que reconheço, e surpreendentemente não encontro motivos para tal, é que as 4 colunas realizadas na última quinzena de Junho e de todo o mês de Julho, advindas de Aldeia, se processaram sem registo de acções da presença inimiga, embora o mesmo não viesse a acontecer com os postos fixos de Gandembel/Ponte Balana.


4 de Agosto de 1968: o massacre de Changue-Iaia


Mas, a 4 de Agosto, acontece o maior desaire para a Companhia. Dois grupos de combate saem de Gandembel em viaturas, com o propósito de em Changue-Iaia se proceder à permuta dos reabastecimentos, como solução encontrada para a imensa dificuldade no atravessamento do riacho, cada vez mais largo e de maior débito.

Quando as nossas viaturas alcançam o local, desencadeia-se uma emboscada com rebentamento de fornilhos, e as bermas do caminho pejadas de minas anti-pessoais. A resistência mostra-se demasiado ténue, ante a visibilidade do terror que se lhe antepara. Não há outra solução, que não procurar sair do local a todo o transe.

As consequências são terríveis, pois para além de alguns feridos, dos quais 2 com bastante gravidade, há a lamentar a morte de 5 homens (1 era um soldado nativo), em que o corpo de um deles se desintegra, pelo efeito deletério dos malfazejos fornilhos.

A perda definitiva, num único dia, de 4 elementos da Companhia, provocou-lhe um forte abalo moral, muito em especial ao grupo de combate que faziam parte, mas o apoio a prestar só poderia ser superada pelo forte sentido gregário que existia entre todos, e ter a esperança que nos tempos sequentes não houvesse contrariedades a pesar. Foi um período crítico, o mais difícil de ultrapassar, de cair no rol do esquecimento, como tive o cuidado de referir no excerto anterior.


22 de Agosto de 1968. coluna com apoio dos pára-quedistas, com 64 minas anti-pessoais


Passados alguns dias, a 20 de Agosto, que marca a chegada dos pára-quedistas, intentou-se fazer uma outra coluna, mas ante o poderio ameaçador do inimigo, as partes que partiram de Gandembel e de Aldeia Formosa, voltaram para trás. Esta detectou 2 fornilhos e 5 minas anti-pessoais, enquanto a minha Companhia conseguiu levantar nas imediações do Changue-Iaia, 68 minas anti-pessoais.

Estes víveres acabariam por chegar a Gandembel a 22 de Agosto, mas a coluna com o apoio dos pára-quedistas, teve 64 minas anti-pessoais para desactivarem, mas a postura do inimigo é de tal modo vincado, que já no regresso de Aldeia, mais propriamente entre Chamarra e Mampatá (um troço tão curto), monta uma emboscada e causa 5 feridos graves aos homens da CCAÇ 381 que vinham na escolta.


Reabastecimentos por meios aéreos


Indubitavelmente que estas colunas, revelavam uma terrível ameaça para a integridade dos homens que lhes prestavam segurança, e algumas chefias de bom senso não desejavam criar cemitérios para alguns, e levar ao desespero como porta de entrada à loucura, para outros tantos.

Muito provavelmente foram estas as razões que determinaram que até ao fim do período das chuvas, as colunas tivessem um hiato, mas nunca me foi dado a conhecer os seus reais motivos. E Gandembel/Ponte Balana foi servida por meios aéreos, muito em especial por helicópteros, já que as Dorniers que tinham de lançar os seus sacos, só serviam para objectos mais leves.

A partir de fins de Setembro, reatam-se então as colunas via terrestre, e até ao fim de Gandembel realizam-se mais 7, nas quais não há registos de danos de grande monta para as NT. Não tenho conhecimento de mortos, apenas de alguns feridos ligeiros, mas o que é incontestável, é o reconhecimento que a agressividade do inimigo tinha diminuído substancialmente.

Procurei fazer uma descrição dos factos que se desencadearam nas colunas de reabastecimento para Gandembel, as suas tragédias, os seus dramas e pesares. Elas desenvolvem-se em 2 períodos bem distintos e assentam em 2 espaços territoriais de pouca similitude.

As colunas advindas de Guileje duram apenas 2 meses, com consequências funestas para as NT. Claramente, o PAIGC detinha um forte contingente bélico na zona, com um conjunto de acções consecutivas nos aquartelamentos de Gandembel e também de Guileje, e espera os dias das colunas, de si tão fáceis de tomar conhecimento.

Nos sítios mais propícios, cria pontos de paragem com abatises, armadilha a estrada com minas e fornilhos, e ser-lhe-ia fácil encetar com a sua estultícia, todo um sortilégio de façanhas, que tinham como fim, massacrar os homens que escoltavam essas colunas, e se possível, fazer destruir os meios logísticos.

Em meu entendimento, não há aqui, por parte do PAIGC, factos ousados. O acesso à estrada, mesmo vindo da fronteira, faz-se rapidamente, e com tudo preparado, só lhes restava agir, sem pôr em perigo os seus homens. Mas este acesso facilitado devia-se fundamentalmente a uma notória falta de efectivos suficientes das NT, para tentarem cercear os seus propósitos.

O rescaldo das cinco colunas de Guileje

Com a percepção clara das dificuldades que os esperavam, a saída de Guileje a caminho de Gandembel, era um calvário para os homens da escolta, cada vez em menor número, pois que não se lhes deparava na iminência do confronto com o inimigo, quaisquer alternativas de resguardo. Meios alternativos de protecção, os aéreos com 1 ou 2 T-6, mas que em pouco ou nada serviam. O único que amedrontava e desempenhava uma função altamente dissuasiva era o héli-canhão, mas este nem sempre aparecia.

O rescaldo das 5 colunas de Guileje é inquietamente pesado. Muito em especial para a CART 1613, sedeada num local bastante problemático, com a comissão a mais de metade, com um contingente fatigado, e que é chamada a desempenhar uma impiedosa missão, onde vem a perder muitos homens (mortos e feridos graves); dos que restaram, é gente molestada, vincadamente traumatizada.

Para todos eles e o seu grande comandante, o Capitão Eurico Corvacho [da CART 1613], um sentido testemunho de gratidão (4).


Rescaldo das colunas de Aldeia Formosa


Quanto às colunas provenientes de Aldeia Formosa, elas poderiam ser consideradas bietápicas: em primeiro, de Buba a Aldeia, e depois até ao destino final — Gandembel.

Já me referi sobre a coluna de 15 de Maio, e o que ela parece contextualizar quanto ao procedimento que o PAIGC viria a fazer incidir nesta zona.

A estrada de ligação de Buba a Aldeia era de um péssimo piso, mormente na época das chuvas. E os artefactos armadilhados e as emboscadas começaram a revelar os seus perniciosos efeitos.

Na verdade, este itinerário começa também a ser alvo das maiores contrariedades, avassalado pela perda de muitos militares, com incidência especial na CART 1612 [tristes sinas para estas Companhias-gémeas!] e no Pelotão Fox. E estes reveses, mais se vêm a ampliar com o abandono de Gandembel, mas aqui as razões prendem-se, em muito, com os trabalhos de reperfilamento/construção da nova estrada.

À notória obsessão que o PAIGC se firmava a este tipo de acções, com uma grande concentração de guerrilheiros, fortemente organizados e armados, bem conhecedores dos locais a intervir, é justo reconhecer que os cenários que se anteviam aos homens que se empenhavam na segurança destas colunas, era perfeitamente dantescos.

Spínola, com a fixação dos pára-quedistas em Gandembel, alivia notoriamente o pesadelo das colunas de Aldeia Formosa para este local, mas não as que provinham de Buba, agora sentidamente muito mais perigosas.

E estas, forçosamente, tinham que ter a sua continuidade, agora com mais dificuldades, pelo agravo de uma mais forte concentração inimiga.

De toda esta pungente história das colunas, estiveram largas centenas de homens envolvidos na beira do abismo. Dos parcos dados que o meu baú das memórias tem recolhido, não pecarei demasiado em afirmar, que elas dizimaram entre mortos e feridos de maior gravidade, muito mais de meia centena de militares.

Na faceta deste tipo de guerra, a envolvência dos 2 contendores com modos de actuação inteiramente distintos, para além de desproporcionada, era de uma iniquidade extrema. E o nosso militar, que era compelido para a protecção a estas colunas, entrava em estado de enorme tensão para uma antecâmara infernal, de alojamento do desespero, da raiva e da dor.

A última foi a do regresso definitivo, só com a Companhia. E julgo que a estrada de Guileje a Aldeia Formosa continuou para sempre à guarda do PAIGC, tanto mais que a ponte sobre o Balana tinha derrocado numa das últimas colunas: a 22 de Novembro.

Nas descrições que narrei quanto aos postos fixos de Gandembel/Ponte Balana, tentei-me confrontar com a forma como Spínola explanava as suas concepções no seu dossier sobre este arrepiante teatro de guerra.


A estratégia militar do PAIGC, sob o comando de Nino Vieira

Resta-me agora, procurar tentar fazer um julgamento de valor quanto à estratégia militar encetada pelo PAIGC, em que Nino Vieira foi o protagonista maior e fortemente se comprometeu.

Terminadas as colunas de Guileje, Nino proclama vitória. Restar-lhe-ia, para cercear quaisquer veleidades que ainda restassem às NT, de tomar de assalto ou destruir Gandembel, e na vertente das colunas de reabastecimento, incidir mais sobre as que envolviam directamente Aldeia Formosa.

E toma, como resolução, reduzir substancialmente as suas acções. Usa o velho e pérfido estratagema, o de procurar incutir um clima de maior sossego, de maneira a que se percam ou minimizem alguns dos predicados essenciais neste tipo de guerra: a compenetração, a previdência, a cautela, etc.

Se assim foi, no que se refere aos homens da minha Companhia, e porque de algum modo já estávamos bastante acossados, não conseguiu minimamente alcançar as suas intenções.

Todos estávamos sobreavisados e bem conscientes que na guerra insidiosa que nos circundava (era o nosso meio-ambiente), subjazia uma matiz de casualidade tão forte, que a impreparação aliada a uma menor concentração, poderia levar a um desencontro fatal, e um grande ronco surgir inopinadamente. A vida de cada um de nós pulava a cada momento entre a sorte e o azar, e saber dar-lhe o dom da primazia, não tentando aventuras de risco, revelava-se fundamental. Era uma condição necessária, mas tantas vezes, debalde, resvalava para o infortúnio.

Nino Vieira então prepara cuidadosa e convenientemente um ataque de assalto a Gandembel, firmemente convicto da sua destruição. E envolve todo o arsenal bélico que tinha à sua mercê, para atingir esse fim, e que tem lugar a 15 de Julho.

Contudo, sai vexado pela derrota, e reconhece que está ante um grupo de homens, já bem resguardados, que reagiram de forma que jamais supôs.

O fatídico 4 de Agosto, em Changue-Iaia, será uma retaliação contundente por parte de Nino? Em minha opinião, numa qualquer coluna de reabastecimentos, tudo era possível acontecer. E bastou um pequeno grupo a desencadear a emboscada, já que a troca de tiros foi ligeira, para semear o terror, pois a grande destruição foi provocada pelos fornilhos e uma infinidade de minas anti-pessoais. Pelo que me foi descrito, pois não fiz parte dessa coluna, se o inimigo dispusesse de um grande efectivo, poderia até ter provocado acentuadas baixas àqueles 2 grupos de combate.

Os acontecimentos posteriores a este dia, com a permanência dos pára-quedistas em Gandembel, contêm toda esta impetuosidade e refreia quaisquer veleidades.

O Changue-Iaia é inteiramente desminado, passa a ser bem vigiado, e o PAIGC recua atemorizado, apenas mantendo grupos localizados no lado da Guiné, apoiado na forte bateria de morteiros que sempre demonstrou conservar.

As 7 colunas necessárias fazem-se com poucos incidentes, e quando chega o dia 28 de Janeiro de 1969 [o do abandono de Gandembel/Ponte Balana], há efectivamente uma outra serenidade, mas responsável. E nesse dia, chegávamos sem problemas a Aldeia.

E acabo as narrativas da odisseia de Gandembel/Ponte Balana, dedicando um capítulo muito sentido aos que se viram compelidos a tomarem parte nessas violentas e aterrorizadoras colunas de reabastecimento. Em especial, os 3 trajectos de curta distância, Guileje — Gandembel, Aldeia Formosa — Gandembel e Buba — Aldeia Formosa, foram locais de uma acção temível, onde a tragédia surgia tão repentinamente, da forma mais absurda e cruel, a espalhar a miséria.

Quantas vidas num permanente suspenso, e num ápice todos os desígnios feneciam estupidamente. Para ínvios caminhos, só o tamanho da falsidade das colunas de reabastecimento parecia caber.

As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.

E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

E, embora reconheça, que para a grande generalidade dos militares, a guerra foi-lhes sempre tenebrosa, ela era, ainda assim, bem díspar nos diferentes chãos da Província.

Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969.

E até breve.


Um abraço do Idálio Reis.

______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXII: A tragédia da ponte sobre o Rio Balana (José M. Samouco)

(2) Vd. os postes anteriores desta série (que foram saíndo no nosso blogue com bastante irregularidade, por razões que não são imputáveis ao autor, mas sim ao editor, nomeadamente devido à riqueza e à abundância do material fotográfico que é preciso, no entanto, editar, consumindo bastante tempo):

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques


(3) Sobre o dignatário religioso Cherno Rachid, vd. posts de:

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).


(4) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

1 comentário:

Luís Graça disse...

Caros co-editores CV e VB: O Idálio Reis e a valorosa malta da sua companhia merece um destaque especial... Por esta noite o blogue é só deles... Por não favor, não insiram hoje mais nada... Seria puro ruído...

Tenho publicado com irregularidade o longo texto do Idálio,
sobre Gandembel/Balana, acompanhado de um valioso e extenso álbum fotográfico.

Esta é a penúltima parte da fotobiografia da CCAÇ 2317. Estes
camaradas merecem um momento especial de leitura, recolhida, em
silêncio... Prestemos a nossa sentida homenagem aos valorosos
camaradas da CCAÇ 2317, com o nosso Idálio à cabeça... Aos que
morreram, aos que foram feridos, aos que sofreram, aos que
sobreviveram, aos que a sorte protegeu...

Na XI (e última) parte do texto do Idálio (que já vem de Fevereiro de
2007!) vamos encontrá-los em Buba, num merecido descanso. Será
publicado proximamente.

Luís Graça, co-editor