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Primeira parte de um conjunto de textos que o nosso amigo e camarada, o Coronel DFA, na reforma, A. Marques Lopes, nos começou a enviar, em 13 de Setembro de 2007:
Caros camaradas:
Envio-vos um primeiro texto que é o começo de uma explanação sobre a instrução ministrada pelo PAIGC aos seus militantes e guerrilheiros, sobre a forma como accionava as suas forças no terreno e sobre todo o esquema logístico que apoiava a sua acção.
Este, e os que farei chegar ao vosso conhecimento depois, foram extraídos do SUPINTREP nº 32 (1), um documento distribuído em Junho de 1971 aos Comandos das unidades do CTIG.
É, pois, uma visão que se tinha, menos de três anos antes do 25 de Abril, do tipo de guerra em que andávamos envolvidos e das perspectivas da sua evolução. Nessa altura e nos anos seguintes estavam na Guiné muitos dos principais intervenientes na preparação e no desenlace do 25 de Abril de 1974. Talvez por isso, porque começaram a ter uma visão mais clara da situação. Os textos (não na totalidade, por haver aspectos que considero de pouco interesse, e dada a sua grande extensão) são transcritos ipsis verbis, limitando-me eu, num caso ou noutro, a fazer um comentário pessoal (devidamente assinalado como tal).
PAIGC > Instrução, táctica e logística > I parte
[Fixação do texto: A.M.L. e editor L.G]
SITUAÇÃO GERAL
[...] Considera-se vital para a vida do PAIGC o substancial apoio que tem disfrutado quer da parte dos países limítrofes, quer da maior parte das potências de ideologia comunista, bem como das Organizações Internacionais, apoio esse que, considerado nos mais diferentes aspectos, lhe é indispensável para a manutenção do seu esforço de guerra.
Assim, nos países limítrofes da República da Guiné e da República do Senegal, mercê das facilidades concedidas, montou o PAIGC toda uma “máquina de apoio” às forças que no interior do TN [território nacional] e junto à linha de fronteira, mantêm e incrementam luta armada. Dos restantes países e organizações internacionais, o apoio concedido e já referido, materializa-se por:
- Instrução de quadros, quer políticos quer militares, na Rússia, China Popular, Argélia e Cuba;
- Fornecimento de material de guerra da parte da Rússia, China Ppular e Cuba;
- Instrutores e Conselheiros Militares de Cuba [,além de médicos, L.G.];
- Fornecimento de bolsas de estudo com vista à formação de técnicos, médicos, advogados, engenheiros agrónomos, civis e de máquinas bem como outras licenciaturas na Rússia, China Popular, Alemanha de Leste e Bulgária;
- Auxílios em dinheiro quer dos países já referidos, quer da Suécia e numerosas Organizações Internacionais.
Para esta situação, tal como se definiu, nada permite antever qualquer alteração no que respeita aos países do bloco comunista.
Quanto aos países limítrofes há a considerar para já a diferença entre o apoio incondicional e o apoio com determinadas restrições concedidos respectivamente pelos governos da República da Guiné e República do Senegal, os quais, aliás, mantêm entre si acentuado antagonismo.
Assim, só uma mudança do actual regime político da República da Guiné, não previsível mormente os graves problemas de política interna com que se debate, conduziria a uma quebra que se adivinha muito significativa no apoio que este país concede ao PAIGC e que levaria muito provavelmente o governo senegalês, tradicionalmente mais moderado, a impor um maior número de restrições à liberdade de acção de que o PAIGC goza em todo o Casamance. [Expressa-se aqui uma certa mágoa pelo falhanço da Operação Mar Verde, em Novembro de 1970 - A.M.L.]
GENERALIDADES
No quadro da organização geral do PAIGC, ressalta a absoluta necessidade da criação de elites para enquadramento dos diferentes sectores da vida do Partido, já que, face ao avanço da luta, se torna necessária a obtenção de dirigentes qualificados.
Em função dessa necessidade e aproveitando as numerosas bolsas de estudo obtidas dentro do quadro geral de apoio que pelos países do bloco comunista é concedido ao PAIGC, o Partido tem enviado com regularidade elementos seus para o estrangeiro a fim de se especializarem nos diferentes ramos de actividade da Guerra de Guerrilhas e para a frequência de cursos superiores e técnicos.
Assim, tem sido referenciada a ida de “bolseiros” do PAIGC para a Rússia, Checoslováquia, Alemanha de Leste, Bulgária, China Popular, Cuba, Marrocos, Argélia, Ghana, Argélia, Senegal e Guiné, países estes onde está referenciada a frequência dos seguintes cursos e especializações:
(1) Cursos e especializações de Carácter Militar e Político
(a) Os cursos e especializações de Aeronáutica são ministrados na Rússia;
(b) Os de Marinhagem e Fuzileiros (tropas de assalto) estes últimos a incluir a especialização de minas aquáticas e transposição de cursos de água, são ministrados na Rússia;
(c) As especializações de Política e Guerra Subversiva são obtidas na China (Instituto Popular de Política Estrangeira, em Pequim, e na Universidade Política Militar, em Nanquim) e ainda na Rússia;
(d) A preparação militar dos futuros quadros do Exército Popular é ministrada na Rússai, China Popular, Argélia, Marrocos e CubaA.
(2). Cursos e especializações civis
(a) Na Rússia são ministrados: Cursos de Medicina e Agronomia (Universidade Patrice Lumumba, em Moscovo); Direito Internacional (Moscovo); Medicina e Enfermagem (Kiev) [Kiev é a capital da Ucrânia, que pertenceu à União Soviética, a Rússia, como se lhe chamava. A.M.L.]; Geologia, Pedagogia, Sindicalismo, Cursos Comerciais e Mecânica Auto (Kiev);
(b) Na Checoslováqui os alunos do PAIGC cursam Engenharia d Minas, Máquinas e Civil; Medicina e Sindicalismo (controle dos bens do Estado); Espionagem, Higiene e Profilaxia Social;
(c) Na Alemanha do Leste, Electricidade e Máquinas;
(d) Enfermagem e Sindicalismo na China Popular;
(e) Na Bulgária, Agronomia e Medicina, Medicina Veterinária, Enfermagem, Pesca e Indústria Conserveira;
(f) Na Hungria, Engenharia e Minas e Economia;
(g). Transmissões e Enfermagem em Cuba;
(h). Serviços de Vacinação no Senegal;
(i). Sindicalismo na República da Guiné.
É possível que, além destes cursos e especializações cuja duração vai dos três meses aos cinco anos, existam outros funcionando nestes ou noutros países, o que de momento se desconhece.
A instrução militar geral e a instrução literária é também ministrada nas bases de instrução que o IN mantém nos países limítrofes e nas escolas do Partido[...].
INSTRUÇÃO POLÍTICA
Os elementos que assumem responsabilidades no âmbito da organização do Partido, são, na sua maioria, recrutados entre caboverdeanos e nas etnias mancanha e papel em virtude de serem estas as que apresentam um maior grau de evolução.
Uma vez seleccionados, os futuros quadros políticos vão para o estrangeiro nomeadamente Rússia e China Popular, sendo conhecidos neste último país, o Instituto de Política Estrangeira, em Pequim, e a Universidade Político-Militar de Nanquim, estabelecimentos estes já frequentados por inúmeros quadros do PAIGC. Estes, após o regresso, são submetidos de tempos a tempos a estágios de aperfeiçoamento, denominados Seminários de Quadros, tendo-se conhecimento que o último foi realizado em Conakry, de 19 a 24 de Novembro de 1969.
Os quadros inferiores e combatentes treinados nos campos de instrução dos países limítrofes, recebem também educação política a qual consiste em conhecimentos elementares sobre a história da Guiné, sobre os dirigentes do Partido, o Partido e seus programas, situação política e económica da Guiné e Portugal, aprendendo ainda como fazer a propaganda da luta de Libertação Nacional entre as populações.
Igualmente as populações são educadas politicamente, função esta principalmente a cargo dos Comissários Políticos dos diferentes escalões da estrutura político-administrativa, o mesmo acontecendo com os alunos das escolas do Partido [...].
(Continua)
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Nota de L.G.:
(1) SUPINTREP: Do inglês, Supplementary Intelligence Report, ou seja, Relatório de Informação Suplementar.
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