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segunda-feira, 3 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26547: Notas de leitura (1777): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
A obra Os Mais Jovens Combatentes, do ex-marinheiro José Maria Monteiro, não se confina à guerra na Guiné, é uma narrativa que se estende à Angola, Moçambique e à Índia. Mas naquilo que nos diz respeito, vê-se claramente que consultou bibliografia adequada quanto às atividades da Marinha na Guiné, vai cronologicamente da chegada de um pelotão de fuzileiros no final de 1961 à Guiné até ao relato do marinheiro Quintão de Andrade Rodrigues, radiotelegrafista em Caió, o último a retirar, embarcou na Fragata Comandante Roberto Ivens na manhã do dia 15 de outubro de 1974. O autor releva as principais operações em que estiveram envolvidos os destacamentos de fuzileiros especiais, enumera os marinheiros mortos bem como as unidades especiais de combate e o dispositivo naval. Um documento seguramente descrito com emoção de quem sente que cumpriu o seu dever, palmilhando leituras que permitissem pôr em livro singelo o papel da Marinha na guerra de África.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (3)

Mário Beja Santos


A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Antes de se contar a interessantíssima história do último militar português que saiu da Guiné, na manhã do dia 15 de outubro de 1974, há que fazer uma síntese das atividades dos fuzileiros entre 1971 e 1974. Terminada a operação Mar Verde, os combatentes integrados nos DFE 4, 8, 12, 13 e 21, continuaram em sucessivas operações, tendo sido ordenado ao DFE 21 e à Companhia de Artilharia 2673 a participação na operação Boa Festa, deslocaram-se para a região de Empada, na península da Pobreza. Foi uma as operações mais negativas para os fuzileiros, há um relato do comandante do DFE 21 que refere que a partir do anoitecer o local do estacionamento foi batido por granadas de morteiro, horas mais tarde flagelado por 50 a 60 elementos da guerrilha, o destacamento reagiu, sofreu 1 morto e 3 feridos graves, mudou de posição, passadas horas passou a ser flagelado, houve reação enérgica do efetivo do destacamento, o IN retirou.

No mês seguinte, realizou-se a operação Boa Festa, quatro secções do DFE 13 embarcaram na lancha Orión, avistaram uma canoa sem tripulantes na zona de Garsene, ao aproximarem-se caíram numa violenta emboscada que lhes causou 2 mortos; em novembro de 1971 foi criado o 2.º Destacamento de Fuzileiros Especiais africanos, o seu comandante era o primeiro-tenente Rebordão de Brito, a atividade operacional ao longo de 1972 não abrandou, os destacamentos de fuzileiros africanos deram provas de grande bravura. Em 1973, a partir de agosto o dispositivo dos fuzileiros situava-se na Bapatganturé, era o DFE 1; o DFE 21 estava sediado em Cacheu; o DFE 12 aquartelado em Cafine; o DFE 4 no Chugué e o DFE 22 em Cacine, sofrendo flagelações diárias.
E o autor refere os acontecimentos anteriores ao 25 de Abril:
“Chegados a 1974, a região de Gadamael continua sistematicamente a ser bombardeada, o DFE 22, sediado em Cacine, participa em diversas operações de intervenção e fiscalização, em que nenhuma dessas intervenções o DFE 22 sofreu várias baixas. Poucos dias antes do 25 de Abril, a Norte, o DFE 1 sofreu uma emboscada no rio Cacheu, perto das clareiras do Jagali e do Leto, sofrendo três baixas.”

Portugal reconheceu a independência da antiga colónia portuguesa em 10 de setembro de 1974. É neste contexto que ganha luminosidade a narrativa do último marinheiro a tirar o pé do último território marinhense, Quintão Mendes de Andrade Rodrigues. Ele fora nomeado radiotelegrafista para a estação Rádio Naval de Bissau, em 1972. Viera em comissão para o Comando da Defesa Marítima da Guiné. Foi colocado numa pequena ilha, Caió, transportado para ali por uma secção de fuzileiros, e a substituir quem ali se encontrava há três meses. Se o radiotelegrafista quisesse continuar, apenas teria de informar a chefia do Rádio Naval. A proteção e segurança da ilha era constituída por dez praças fuzileiros e o radiotelegrafista, a chefia era de um sargento; a ilha tinha uma equipa de pilotos de barra e alguns marinheiros civis. Caió deve ter pouco mais de 1 km de comprimento e uns 800 m de largura, a sua importância tinha a ver com a estação de pilotos e o posto rádio, além de uma estação meteorológica.

O Comando de Defesa Marítima da Guiné, ao tomar conhecimento dos movimentos marítimos de e para Bissau, gerava uma mensagem que era enviada para o rádio de Caió. O radiotelegrafista recebia a mensagem e entregava uma cópia ao chefe dos pilotos e a outra ao sargento fuzileiro. Na referida mensagem também vinha a ordem de ativação do radiofarol da ilha. Quintão habituou-se à ilha, na manhã de 25 de Abril chegou a mensagem onde fazia referência aos acontecimentos na metrópole e que o MFA derrubara o regime. Recebeu a indicação de Bissau para que ele se aguentasse no posto de rádio operacional durante a retirada. Aceitou ficar ali sozinho, a mulher de um dos pilotos cozinhava para ele, ali permaneceu cerca de mais de dois meses depois da retirada dos fuzileiros.

Um dia apareceram-lhe uns homens do PAIGC, depois dos cumprimentos mostrou-lhes o posto de rádio, a central elétrica, o farol e as instalações. Finda a visita informaram-no que não podia alienar nada e que em breve voltariam. No seu relato, Quintão de Andrade Rodrigues refere o vaivém dos navios de transporte de tropas, o radiofarol a funcionar quase sem descanso, ele ia tomando notícia da retirada dos militares da Guiné-Bissau até que lhe chegou a informação que os últimos militares portugueses deixariam o país no dia seguinte. Quintão recebeu a informação de Bissau para estar pronto para embarcar a partir da ilha de Caió no dia seguinte, a bordo da fragata Roberto Ivens.

Quintão quis fazer as contas com a sua diligente cozinheira, esta não aceitou o dinheiro, ele entregou ao casal o dinheiro guineense que tinha e tudo o que ainda havia na dispensa, bem como algum equipamento de cozinha. No nosso blogue é possível encontrar um texto alusivo ao teatro de operações da Guiné em:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/os%20nossos%20%C3%BAltimos%20seis%20meses.

E Quintão conclui assim a sua narrativa:
“Na manhã do dia 15 de outubro de 1974, acompanhado por todo o pessoal da ilha até ao porto, foi levado a bordo da pequena embarcação dos pilotos de barra por dois marinheiros civis assalariados da Marinha. A bondade e a simplicidade daquelas pessoas eram imensas e vi lágrimas nos olhos de muitos que estavam presentes no pequeno porto. Levava comigo pouca bagagem. Na ilha, andava quase sempre de calções e chinelos, mas tinha uma farda de trabalho completa que enverguei para o embarque. A pequena embarcação dos pilotos encostou-se à fragata e da entrada a bordo, a minha primeira preocupação foi entregar uma espingarda G-3 e uma pistola Walter, que me estavam atribuídas. Entreguei também uma bandeira nacional, que continuei a hastear na ilha até ao reconhecimento da independência da Guiné-Bissau.
Pouco tempo depois de regressar, os antigos pilotos de barra começaram a chegar a Portugal à procura de uma pensão, a que diziam ter direito. Confessaram-me que, na Guiné, estava tudo difícil e caótico: a estação de pilotos de barra deixara de existir e o farol estava sem funcionar.
Quero apenas contribuir para que a história seja dita e contada como ela foi. Vou tentar juntar-me ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Marinheiros, os primeiros a chegar e os últimos a partir."

A LDG Alfange
NRP Roberto Ivens
Caió, antigas instalações da Marinha, estação de pilotos. Ao fundo o farol, que terá sido construído em 1944, fotografia constante do nosso blogue
_____________

Notas do editor:

Vd post de 24 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26524: Notas de leitura (1775): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

Úl timo post da série de 28 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26538: Notas de leitura (1776): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Quando escreveu em parceria com António Estácio sobre os chineses na Guiné (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9972: Efemérides (100): Guidaje foi há 39 anos... A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando)







1. Reprodução, com a devida vénia, de um artigo, da autoria de João Ogando e Amílcar Mendes, publicado no Boletim Informativo da delegação de Comandos de Almada e Seixal, nº 11-II Série, Dezembro de 2011, p. 8. Acrescenta, à guisa de explicação, o nosso camarada Amílcar Mendes, grã-tabanqueiro: 

"Todo o relato desta coluna é feito na 1ª pessoa pelo então comandante da 38ª Companhia de Comandos Sr Capitão de Inf Cmd Victor Manuel Pinto Ferreira e constante na história da companhia. Foi publicado neste Boletim com arranjos meus e do ex-furriel mil cmd João Ogando".

Este recorte já tinha sido publicado por nós, em poste de 25 de março último, mas está  lá com resolução mais fraca, e portanto menos legível ou pouco amigável para o leitor... (*). Esta republicação do recorte faz sentido na série Efemérides, numa altura em que estamos a reviver os 39 anos da "batalha de Guidaje" (**) (***), fazendo jus aos vivos e aos mortos.

2. Sobre o "novo tipo de minas", usadas pelo PAIGC em Guidaje, e que é referido  no artigo supra,  logo no segundo parágrafo,  cite-se José Moura Calheiros (A Última Missão, Lisboa: CR - Caminhos Romanos, 2010, pp. 460/461): 

"(...) em quase todos os relatórios  eram referidos rebentamentos de minas anticarro por simples acção de 'picagem' e era-lhes atribuída a designação  de minas antipessoal reforçada com mina anticarro. Apenas o Cap Mil Inf Carlos Alberto Pereira da Silva, comandante da [2ª CCaç/BCaç] 4512/72 (que realizou a coluna de 15 de Maio) refere no seu relatório datado de 1JUN73 que o inimigo utilizava minas com dispositivo eléctrico antipicagem. E, apesar de a Repartição de Operações do Quartel-General ter sido alertada para o novo tipo de mina no final da coluna realizada pela CCP 121 e DFE4, em 23 de Maio, a coluna realizada a 30 de Maio ainda utilizou o mesmo método de detecção de minas, o que originou mais uma morte.

"No seu realatório, o Cap Cav Fernando Salgueiro Maia refere 'face ao accionamento de minas por picas, é de substituir estas por paus aguçados' (...)".

3. Ainda segundo esta fonte (Moura Calheiros, 2010, pp. 458/459), a operação para a abertura de novo itinerário, realizada a 29 de maio de 1973, teve a participação de seis agrupamentos, "cada um deles com efectivos de cerca de uma Companhia"):

(i) Agrup A: 38ª CCmds + Pel Sap / BCaç 4512;
(ii) Agrup B: 1ª CCaç / BCaç 4512 + GEsp Mil 342 (Olossato);
(iii) Agrup C: CCav 3420 + grupo de picadores de Binta;
(iV) Agrup D: CCP 121 / BCP 1;
(v) Agrup E: DFE1;
(vi) Agrup F: CCaç 3414 (Cumeré).

Os agrupamentos A, B, C e F partem de Binta, comandados pelo Cap Inf Comando Pinto Ferreira, da 38ª CCmds.  Os agrupamentos D e E (os páras e os fuzos) partem de Guidaje.

4. Depois da "batalha de Guidaje" e do seu regresso a Mansoa,  foram concedidos ao pessoal da 38ª CCmds 15 dias de descanso operacional em Bolama, na 2ª quinzena de junho de 1973, conforme se pode ler na história da unidade (vd. excertos a seguir):





38ª CCmds (Brá, 1972/74): História da Unidade > Atividade operacional entre os dias 25 de maio  e 19 de junho de 1973 (Documento disponibilizado pelo Amílcar Mendes)
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9662: Guidaje, Maio de 1973: 2ª coluna a 4 companhias, a caminho de Guidage - 29/05/1973 (Amílcar Mendes/João Ogando)


(**) Último poste da série > 31 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9970: Efemérides (65): Guidaje foi há 39 anos: Relembrando a primeira trágica coluna, dos dias 8 e 9 de maio de 1973 (Manuel Marinho, 1ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Nema, Farim e Binta, 1972/74)

(***) Sobre a participação do Salgueiro Maia e dos seus homens, nesta coluna, ver o poste 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (João Afonso)