Mostrar mensagens com a etiqueta relatórios. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta relatórios. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24883: Ser solidário (263): Relatório da nossa 38.ª Missão Solidária que decorreu entre os dias 28 de Outubro e 04 de Novembro de 2023 na Guiné-Bissau (Afectos Com Letras)




1. Mensagem de Afectos com Letras - afectoscomletras@gmail.com
Date: 13/11/2023
Subject: 38.ª Missão Solidária Afectos com Letras

Car@s Amig@s,
Junto segue, para informação, o relatório da nossa 38ª Missão Solidária que decorreu entre os dias 28/10 e 04/11 de 2023 na Guiné-Bissau.

Com os nossos melhores cumprimentos,
Associação Afectos com Letras, ONGD
Rua Engº Guilherme Santos, 2
Escoural , 3100-336 Pombal
NIF 509301878
tel - 91 87 86 792
venha estar connosco no www.facebook.com/afectoscomletras

____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24763: Ser solidário (262): Fundação João XXIII - Casa do Oeste, Ribamar, Lourinhã: parafraseando Friedrich Schiller, "não temos em nossas mãos a solução de todos os problemas da Guiné-Bissau, mas perante os seus problemas temos as nossas mãos" - Fotogaleria (2014) - II (e última) Parte: agricultura, saúde e educação, três áreas-chave

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20641: Historiografia da presença portuguesa em África (199): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
Não é despiciendo voltar a sublinhar que este punhado de relatórios que tive a oportunidade de consultar na Biblioteca da Sociedade de Geografia, datados dos primeiros anos da autonomização da Guiné, elucidam o acervo de problemas que irão despoletar a ferro e fogo na transição do século.
O reino está sem dinheiro, vive-se em crise financeira, o constitucionalismo monárquico desengonça-se, a Guiné parece irrelevante. E no entanto estes relatórios tecem diagnósticos, há propostas de sugestões, não se esconde que a tropa é indisciplinada e constituída por degradados, não há Marinha, não há equipamentos, tudo parece que se anda a engonhar e a dançar à beira do abismo. E depois da guerra do Forreá e da revolta do Geba vão eclodir insurreições em série, estão veladamente referidas nestes documentos, que devem ter sido arquivados com sucessivos despachos resignados.

Um abraço do
Mário


Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889,
pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (2)

Beja Santos

Conselheiro Joaquim da Graça Correia e Lança

O conjunto dos primeiros relatórios enviados pelos governadores da Guiné para o Ministro do Ultramar e da Marinha são documentos indispensáveis para conhecer opiniões, reflexões e até sugestões de personalidades que se revelam de preparações culturais bastantes diferenciadas. Não escondem as dificuldades, as guerras entre os Fulas, as questões da agricultura, a degradação das instalações e dos equipamentos, as tremendas carências nos transportes, a falta de infraestruturas rodoviárias e portuárias. O primeiro documento importante saiu do punho de Pedro Inácio de Gouveia, já aqui foi publicado. Correia e Lança apresenta-se com uma enorme humildade, homenageia os governadores que o precederam, sem esconder o muito pouco tempo que por lá permaneceram.

Correia e Lança já discreteou sobre as guerras do Forreá, opinou sobre a questão agrícola, tem ideias seguras sobre o desenvolvimento da colónia. E prossegue o seu relatório dando a saber o estado das finanças.
Havendo um decréscimo da receita, em virtude da decadência económica atrás mencionada, exprime o seguinte ponto de vista, com um travo de humor negro e vitríolo:
“Para ser um bom empregado da Fazenda não basta ser honrado e sério. A honra e a seriedade são atributos de todo o homem digno. Para se ser um bom empregado em qualquer ramo do serviço público é preciso ter inteligência, instrução, zelo e actividade. E esses predicados que faltam muito na Guiné. Um dos mais queridos sistemas burocráticos desta Província é deixar para amanhã o que muito bem se podia fazer hoje. A parte da administração da Fazenda, em que o desleixo e incúria constituem um cúmulo, é o lançamento e a cobrança das contribuições directas. A Repartição Superior da Fazenda, que tem a superintendência em todo o serviço financeiro, declina a responsabilidade dele para os administradores de concelho; estes lançam-na sobre os escrivães da Fazenda, que por sua vez declaram não ter culpa nenhuma, e ser todo o Governo que lhes não paga convenientemente”.

Dá seguidamente o número impressionante da receita que ficou por cobrar em contribuições sobre o aluguer de habitações, predial e industrial, dizendo que uma dívida de tal ordem, numa Província que luta com tantas dificuldades é a prova do que acima proferira, e sentencia: “Reputo hoje como incobráveis dois terços de tal quantia”.
E continua do seguinte modo:
“Nos grandes centros civilizados, os povos constituídos em sociedades cultas, o aumento de impostos pode levantar protestos, mas produz receita; nas colónias como a Guiné, o aumento de tributos, a elevação exagerada da pauta não levanta protestos mas também não produz receita. Produz este simples efeito: a dispersão da colónia comercial, o aniquilamento da agricultura e a ruína da Guiné”. Como o défice orçamental da Província reclama algumas providências financeiras, endereça ao ministro a seguinte proposta: “Não devendo dificultar-se a entrada de mercadorias porque é da sua entrada fácil que pode resultar o aumento da sua circulação, deve suprimir-se o imposto para a importação. Mas devendo compensar de qualquer modo a perda da receita proveniente dessa medida, é à exportação que deve pedir-se essa compensação. O imposto de 10% sobre a exportação não é exagerado”.

Debruça-se agora sobre a questão política, pretende pronunciar-se sobre o mosaico étnico, quem é quem na colónia: “Estudada que seja uma colónia sob o ponto de vista da sua riqueza própria e adquirível, deve procurar saber-se em que mãos se acham essas riquezas para que se possa fixar a fórmula da sua exploração. Uma tribo existe na Guiné que é menos conhecida, os Bijagós, acerca da qual entendi alargar este trabalho”.
E lança-se minuciosamente, com estatísticas da população e tudo, a descrever a região do arquipélago, passando depois para as outras etnias e demora-se sobre os acontecimentos do Forreá:
“Desde que os Beafadas foram expulsos do Forreá as lutas multiplicaram-se e o Rio Grande decaiu tanto que hoje não pode decair mais. De 53 feitorias só restam 3! Da liberdade dada ao Forreá pela expulsão dos Beafadas, uma raça essencialmente da Guiné Portuguesa, só resultou a sujeição daquele território a um régulo estranho à nossa Província e de uma raça que ainda é mais estranha”. E neste ponto o seu relatório detém-se sobre os Fulas-Pretos e Mussá Muló e refere-se à revolta da Geba, contida por Francisco Marques Geraldes. Vê-se que Correia e Lança estudou com rigor o arquipélago dos Bijagós e conhece a ilha de Bissau, a quem dá muita importância não só pela sua área como pelo seu valor agrícola, e queixa-se: “É vergonha confessar que desde há séculos a nossa acção se não estende além dos muros que circundam a povoação”. A tecla dos Bijagós é constante, e profetiza: “Eu entendo que a parte mais rica da Província é o arquipélago dos Bijagós. Explorem-se estas extensas e numerosas ilhas e a prosperidade da Guiné surgirá”.

O último capítulo do seu relatório centra-se na questão administrativa. É terminante sobre a sua organização, escrevendo o seguinte: “A anacrónica instituição dos presídios, que fizeram o seu tempo, deve acabar de vez”. Propõe seis residências, divisão praticada no Congo, que ele acha bastante conveniente para a Guiné, em vez dos quatro concelhos de Bolama, Bolola, Bissau e Cacheu. Como era da praxe, expõe a situação nas áreas da instrução pública, imprensa nacional, saúde, obras públicas, serviços dos correios, administração da Fazenda, justiça, eclesiástica, militar e da Marinha. Não se coíbe de dizer que a Província carece de obras importantes, tais como: construção de edifícios para alfândega e hospitais em Cacheu e Bissau, saneamentos, pontes, cais, fortificações, era imperativo a ocupação de Cacine, ao deus-dará.
Não perde oportunidade para se pronunciar sobre a questão eclesiástica e a missionação:  
“A Guiné, que tem para opor à marcha dos muçulmanos os povos fetichistas do litoral, precisa com urgência do provimento de todos os cargos eclesiásticos. O elemento mais preponderante para a resolução desta grave questão é o religioso. Desenvolvam-se as missões na Guiné; transforme-se o vicariato geral numa prelazia, como a de Moçambique, ou ainda como a que vigora em São Tomé e Príncipe, e ter-se-á dado um passo importante para a sua civilização. Nesta Província está tudo por fazer”.
Também não quer ilusões sobre a questão da administração militar:  
“Da qualidade das praças que compõem o efectivo dos corpos da guarnição da Província nada tenho a acrescentar ao que têm dito os meus ilustres antecessores. Na sua maioria, são provenientes das companhias de correcção e dos depósitos disciplinares do reino, quando não vêm das prisões das colónias. A força pública, que deve ser a garantia da segurança e da ordem, é constituída pelo elemento indisciplinado do reino e das diversas províncias ultramarinas. Cabo Verde, São Tomé e Angola, quando têm esgotados os meios correccionais, socorrem-se à última medida de segurança: despejam para a Guiné a escuma da sua tropa”.
E apresenta uma proposta:  
“Nas guerras a valer da Guiné, a prática tem demonstrado que a força regular, por mais numerosa que seja, precisa de ser coadjuvada por forças auxiliares indígenas muitíssimo mais numerosas. O gentio grumete, com uma disposição extraordinária e entusiástica para o serviço militar, irregular porque tem horror ao assentamento de praça, podia formar um contingente numeroso para se organizarem dois batalhões de segunda linha”.

Na hora da conclusão recapitula a necessidade do impulso à agricultura e ao comércio e despede-se do seguinte modo:
“A Guiné reclama imperiosamente a atenção de Vossa Excelência. A questão política tem de ser resolvida com a máxima urgência. Da falta de um plano e de uma acção governativa, enérgica e repressiva, apoiada fortemente pelo governo da metrópole, podem resultar desastres assombrosos. Tenho estudado durante os dois anos que estou na Província a índole dos diferentes povos que a habitam; e pela sua origem, pela sua história, pelas suas ambições, e sobretudo pelo seu estado social, podem num futuro muito próximo causar sérios cuidados e embaraços não só ao Governo da Província mas principalmente ao Governo da metrópole e ao país. A raça Fula, que podia estar aniquilada há 10 anos, tem progredido por tal forma, é tão contrária aos nossos interesses e à nossa civilização, que é urgentíssimo tomar uma medida rápida e enérgica a seu respeito”.
Não esconde que em política era urgentíssimo captar a simpatia das raças fetichistas do litoral, incluindo as raças Mandinga e Beafada e contrariar as marchas dos Fulas. Apela que se mande com urgência para a Província lanchas canhoneiras e lanchas a vapor, pois sem material naval a vapor não era possível governar a Guiné.

Edifício bolamense com seis arcos de volta perfeita que definem um alpendre alongado de acesso às habitações. 
Fotografia de Francisco Nogueira no livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20624: Historiografia da presença portuguesa em África (198): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20624: Historiografia da presença portuguesa em África (198): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2019:
Queridos amigos,
A historiografia da Guiné colonial não pode prescindir destes relatos de uma Guiné autónoma desde 1879, todos estes relatórios revelam vozes múltiplas, tecem-se críticas à indiferença da metrópole, relevam-se potencialidades na agricultura, denunciam-se concessões em que não se explora a terra, acentua-se o definhamento do Sul devido às guerras entre Fulas do Forreá, passa-se ao crivo o funcionamento da administração, de um modo geral não se esconde a lástima da administração civil e militar, tudo ao abandono, a administração não chega ao interior.
Sem a análise destes documentos são incompreensíveis os levantamentos na região de Bissau, na circulação do Geba, na hostilidade permanente em todo o interior da Guiné. Sem este pano de fundo que os primeiros governadores descrevem jamais se entenderão as guerras de pacificação. Mas será preciso esperar por Vellez Caroço para se poder falar da colónia da Guiné como um todo territorial e administrativo.

Um abraço do
Mário


Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, 
pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (1) 

Beja Santos

Conselheiro Joaquim da Graça Correia e Lança

O conjunto dos primeiros relatórios enviados pelos governadores da Guiné para o Ministro do Ultramar e da Marinha são documentos indispensáveis para conhecer opiniões, reflexões e até sugestões de personalidades que se revelam de preparações culturais bastantes diferenciadas. Não escondem as dificuldades, as guerras entre os Fulas, as questões da agricultura, a degradação das instalações e dos equipamentos, as tremendas carências nos transportes, a falta de infraestruturas rodoviárias e portuárias. O primeiro documento importante saiu do punho de Pedro Inácio de Gouveia, já aqui foi publicado. Correia e Lança apresenta-se com uma enorme humildade, homenageia os governadores que o precederam, sem esconder o muito pouco tempo que lá permaneceram.

Nada melhor do que lhe dar a palavra para lhe conhecer o pensamento, o que ele pretende obter enquanto Governador Interino:
“Uns governadores dividem o relatório anual em tantos capítulos quanto os diversos ramos do serviço público; outros seguem a ordem por que nos orçamentos estão descontadas as despesas, e vão assim relatando os vários serviços; outros ainda não adoptam nenhum destes sistemas e dão-lhes uma ordem de harmonia com os principais assuntos da sua administração. Eu, e releve-se-me a ousadia, não seguirei nenhuma das maneiras que tenho visto adoptar, talvez porque as condições especiais da Guiné me aconselham a dar ao relatório uma forma mais metódica, de maneira que muito natural e logicamente se vão tirando as conclusões a que eu quero chegar”.

O curioso, depois desta nota introdutória, é que ele vai estruturar a sua narrativa em moldes praticamente idênticos a anteriores relatórios, ou seja, enuncia considerações gerais, fala das questões económicas, das questões políticas e depois das questões administrativas.
Relembra que “Foi em virtude de um grave conflito gentílico, que é doloroso recordar (subentenda-se: o massacre de Bolor), pelo que foram vitimados cruelmente muitos soldados portugueses, que surgiu a reorganização administrativa da Guiné em Província independente. Se até essa data, 1879, as autoridades superiores apenas se preocupavam em resolver questões de administração, e unicamente à medida que as questões surgiam, levando-se uma vida de expedientes e imprevidências, não foi mais feliz o território que dá um título constitucional ao augusto monarca português. Em seguida a criação da Província não se resolveu o problema gentílico, antes se agravou; que não foram lançadas as bases de uma reforma económica que assegurasse o desenvolvimento agrícola e não se cuidou em reorganizar a administração: decaiu a agricultura; estão agravados os conflitos gentílicos, está comprometido o comércio. É convicção arreigada de que a Guiné há de definhar porque o seu comércio diminui e se desnacionaliza”.
E para mostrar que na opinião nacional a descrença na Guiné era um dado assente, reproduz a opinião de um publicista: “A Guiné pouca importância tem; são feitorias comerciais que nada comerciam com a metrópole, e cujo foco de atracção está nos estabelecimentos vizinhos da Senegâmbia francesa”. E comenta: “O sábio publicista recorreu à lenda que de há muito se formou acerca da decadência desta colónia portuguesa. É assim que a opinião pública se desorienta, que os mais ousados se entibiam, que os capitais se retêm, que a própria navegação nacional passa de roda como se a Guiné de facto já não pertencesse à monarquia portuguesa”.

Correia e Lança mostra-se profundamente cético com a situação degradada que se vive no Forreá, está descrente na dedicação dos Fula-Pretos ou Forros pela agricultura, acha que a sua opinião se distingue da opinião geral de quem vive na Guiné. Mas ele explica porquê: “Mamadu Paté Bolola, o chefe do Forreá, ludibria o próprio Governo. Tendo-se-lhe feito um empréstimo de cereais que pediu a pretexto da fome originada pela guerra, prometendo pagar pela colheita, pois que ia desenvolver a agricultura em larga escala, não pode cumprir esta promessa pela simples razão de que não fez lançar à terra semente alguma da que se lhe emprestou”.

Centrado na questão agrícola, observa que a zona agrícola de grande fertilidade é a do litoral, mas fala num grave condicionalismo: “Não está porém ocupado administrativamente em toda a sua grande extensão, mas nas margens do Rio Grande, Geba e Cacheu até Farim seria fácil abrir grandes propriedades agrícolas com resultado certo e remunerador”. E comenta com absoluta franqueza: “Na Guiné fizeram-se muitas concessões de terrenos mas a propriedade agrícola não se fundou. A Província de África que naturalmente estava indicada para colonizar a Guiné era Cabo Verde. Os cabo-verdianos aclimatam-se facilmente e poderiam prestar à agricultura grandes serviços. A Província conta hoje com um grande número de colonos daquela precedência, mas em geral os que para aqui vêm preferem a vida burocrática aos labores do campo, e os que não conseguem qualquer emprego público vão arrastando com dificuldade uma vida de expedientes comerciais. Ultimamente, porém, algumas propriedades têm-se organizado, pertencem de uma parte a cabo-verdianos”. O mundo das feitorias que tinha conhecido um franco desenvolvimento no último período da escravatura estava a definhar, como ele escreve: “Hoje no Rio Grande apenas se mantêm as feitorias da Casa Blanchard & C.ª e a do Sr. João Hopffer”.

Faz uma descrição minuciosa da economia dos Bijagós e depois dá conselhos sobre culturas promissoras: mancarra, cana sacarina, algodoeiro, índigo, cochinilha, tabaco, borracha, palmeira de dendém, coqueiros. Exalta também a plantação da cola: “O fruto desta bela árvore, semelhante a uma castanha, de um sabor amargo mas agradável, constitui um artigo de primeira necessidade na larga zona da Senegâmbia e do Sudão, onde residem as raças Fula e Mandinga”.

No capítulo do comércio e indústria, Correia e Lança adiciona a sua opinião, deste modo: “A Guiné Portuguesa está destinada a um papel muito secundário da vasta zona compreendida entre o Senegal e a Serra Leoa”. E explica que as grandes artérias por onde o comércio interior há de deslizar passa pelos rios Senegal e Gâmbia, Casamansa, Nunes e Pongo. Mostra-se muito crítico sobre as pautas aduaneiras, a obtenção de receitas e a movimentação de mercadorias. Os três centros mais importantes de comércio da colónia eram Farim, Geba e Bissau, e dá a relação dos géneros comercialmente mais apetecíveis: borracha, cera, marfim, couros, tudo em troca de pólvora, tabaco, cola, panos, álcool e armas. Observa que em Cacheu o comércio que se fazia era de coconote e borracha. Em Bolama o principal produto exportável era a mancarra. Buba já estava pouco comercial: “A índole dos Fulas do Forreá, em correrias e pilhagem contínua pelos caminhos que conduzem do Futa Djalon a Buba, contribuiu para a decadência comercial daquela praça”.

E faz conclusões:  
“A Província da Guiné Portuguesa, envolvida por uma zona de comércio livre, não pode manter-se no equilíbrio de concorrência senão declarando livre a importação. A corrente comercial, que a liberdade da importação deve estabelecer, barateando a vida, auxiliando a agricultura e facilitando o comércio, há de determinar o aumento considerável na exportação. A Província deve ser ligada directamente à metrópole por meio de carreiras a pavor de grande tonelagem. A situação monetária estrangeira deve ser limitada à moeda que nos mercados da Europa não sofra depreciação. A indústria indígena está no seu período rudimentar, sem manifestação de progresso sensível.”

(continua)

Antiga casa de sobrado, hoje sede da AMI, que preservou o edifício. 
Fotografia de Francisco Nogueira no livro “Bijagós, Património Arquitetónico”, Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20611: Historiografia da presença portuguesa em África (197): "Nha" Carlota (1889-1970) e Artur Lopes Nunes (1909-2007), dois portugueses de antanho

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20499: Historiografia da presença portuguesa em África (193): Relatório Anual do Governador da Guiné (1921-1922) - Velez Caroço e um relato incontornável para a história da Guiné (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
O Governador Velez Caroço encontrou a Guiné pacificada, ou quase (haverá operações na região Bijagó, ainda insurgente), traz carta branca para pôr cobro à moleza e à corrupção, encontra uma resistência feroz da classe mercantil de Bolama, o Governo de Lisboa está sem dinheiro, a crise financeira na Guiné é acentuada, Velez Caroço toma medidas, verga um antigo Secretário-Geral da Colónia, consegue ultrapassar a questão dos cambiais, caminha sempre em cima da lâmina, reorganiza serviços, lança-se no fomento em plena crise fiduciária.
É o nome sonante da governação republicana na Guiné, bem merecia um estudo mais aturado à sua obra.

Um abraço do
Mário


Velez Caroço e um relato incontornável para a história da Guiné (2)

Beja Santos

A I República não ofereceu grandes vultos governativos na Guiné. A figura excecional, que se irá projetar no trabalho dos governadores seguintes, como Leite Magalhães, Carvalho Viegas ou Ricardo Sá Monteiro, é Jorge Velez Caroço, teve dimensão político-cultural e entusiasmo para deixar obra. Apanhou a paz, tinha suficiente prestígio político (era Senador) para atacar interesses instalados de gente inescrupulosa. E o mais relevante deste relatório, correspondente ao seu primeiro ano de gerência, foi a dinâmica introduzida. Já se falou do saneamento das contas, do seu pensamento sobre a política indígena, vamos continuar. Reorganizou o seu gabinete e a secretaria do Governo.
É neste momento que ele vai afrontar um tabu, a questão cabo-verdiana, veja-se o que ele envia ao Ministro das Colónias:
“Sabido é por todos os funcionários que por aqui têm transitado, que, devido à falta de instrução nesta colónia, não podem os nativos preencher os lugares que vagam nas diferentes repartições, até mesmo os de simples amanuenses. A Província encontrava-se enxameada de empregados recrutados em Cabo Verde e que, com raras exceções, as suas habilitações e competências não iam além das manifestadas pelos nativos. São raros os cabo-verdianos que falam português. A linguagem por eles empregada, até mesmo no desempenho dos seus cargos oficiais, é esse estropiado dialeto que nos envergonha aos olhos dos estrangeiros. O português ouve-se falar em Bolama e Bissau por alguns funcionários e comerciantes portugueses. Os próprios estrangeiros que forçados pela sua vida comercial se vêm obrigados a aprender a língua da colónia aprendem e falam o crioulo, julgando falar o português! A obra de desnacionalização desta colónia era lenta, mas era contínua e persistente. É preciso que não se continue a dizer que a Guiné Portuguesa é uma colónia de Cabo Verde. Façamos do guineense um cidadão português com plena consciência dos seus direitos e correlativos deveres, e assim, prestando-lhe esse serviço, cumprimos ao mesmo tempo um dever patriótico ligando esta região pelo comunismo de ideias, pela conjugação de interesses e pelo amor e veneração à mesma bandeira, à terra onde nascemos e que para todos, europeus e coloniais, será sem distinções mãe extremosa”.

Velez Caroço estudara os dossiês à exaustão, daí a profundidade com que fala dos serviços da Fazenda, da política aduaneira, do movimento comercial e marítimo, dos serviços de fomento da Província, cuidando até ao pormenor do que se tinha feito nas obras públicas, satisfeito com os serviços novos, com a radiotelegrafia, registando o que se estava a fazer na saúde e nos serviços da Marinha, lembrando que se concluíra o edifício do Observatório Meteorológico em Bolama, bem como a modernização que puder imprimir aos serviços militares.
Dá igualmente conta das explorações agrícolas, é interessante o que ele nos diz:
“As explorações agrícolas mais importantes da Província são as existentes na região de Bambadinca-Bafatá. Entre elas destaca-se a dirigida pela Companhia de Fomento Nacional, que na sua exploração tem já empregado quantiosas somas. Todas estas explorações são dignas de protecção, pois do seu desenvolvimento resultarão fatalmente grandes benefícios para a Província, ensinamento para o indígena, familiarizando com os modernos engenhos, aperfeiçoadas alfaias agrícolas, emprego de tracção animal, aperfeiçoamento da pecuária, modernos processos de sementeira de arroz, cana-sacarina, milho, etc., serração de madeiras, construção de carros – tanto na parte referente a obra de carpintaria como na relativa a ferragens”.

Debruça-se sobre a pecuária, os correios e telégrafos, o orçamento colonial, exalta a honestidade de funcionários cumpridores, enumera o muito que há a fazer no setor da saúde; mais adiante, analisa os serviços da Marinha e os melhoramentos que prevê mandar executar.
E deixa um retrato duríssimo sobre os serviços militares:
“Encontrei as unidades militares da Província em condições de não poderem prestar qualquer serviço de valia, caso a elas tivéssemos de recorrer, quer para a manutenção da ordem nas populações urbanas, quer as tivéssemos de empregar para dominar qualquer revolta do gentio.
Os soldados não têm disciplina, não tinham instrução militar, nem mesmo sabiam fazer uso da arma que lhes estava distribuída. Mantinham-se as aparências, porque os indígenas são respeitadores da autoridade do branco e isto, para olhos profanos, podia dar a ilusão de haver disciplina militar. Afinal, eles distinguiam-se dos outros indígenas, simplesmente porque vestiam uma farda de caqui, em geral mal feita e deselegante.
Impunha-se uma nova organização acabando com a caótica composição das companhias mistas de infantaria e artilharia que ninguém sabe para que serviam, desdobravam-se em uma companhia de artilharia de guarnição com sede em Bissau, e em duas companhias de infantaria indígena, uma com sede em Bissau, outra em Bolama.
A instrução dos quadros tem sido lamentavelmente descurada. As exigências de competência e aptidão dos postos inferiores das tropas coloniais são mínimas, e assim chega-se a dar ingresso no quadro dos oficiais sem cultura correspondente às exigências do meio social em que vão viver e sem preparação militar para o desempenho das múltiplas obrigações hoje impostas a um oficial”.

É minucioso, daí a relevante importância que tem este documento para o estudo da Guiné no arranque da década de 1920: dá-nos conta do funcionamento da Imprensa Nacional, do municipalismo, do ensino, do fomento, até do pessoal administrativo das circunscrições. No final do seu relatório apensa documentos e dados estatísticos de grande importância. Junta-se uma imagem curiosa do croqui da Guiné Portuguesa em 1922, a ser verdade o que ali se escreve sobre etnias dominantes, os Fulas-Pretos, os Fulas-Forros e os Futa-Fulas ocupariam quase metade do território, Beafadas e Nalus a zona do Quinara e do Tombali, a norte temos Banhuns, Baiotes, Cassangas e depois os Mandingas, até chegar ao Oio, os Papel predominariam em Bissau. É um croqui interessante mas há sérias dúvidas que tenha validade para estudos etnológicos e até antropológicos.


Recomenda-se a todos os interessados por estudos desta natureza que releiam a obra “A Presença Portuguesa na Guiné, História política e militar, 1878-1926”, por Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016, a partir da páginas 762, estão ali dados extremamente úteis sobre a governação de Velez Caroço, o relato das hostilidades que encontrou, destaca-se este relatório, as operações militares empreendidas nos Bijagós, a ação de fomento por ele empreendida.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20467: Historiografia da presença portuguesa em África (192): Relatório Anual do Governador da Guiné (1921-1922) - Velez Caroço e um relato incontornável para a história da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20467: Historiografia da presença portuguesa em África (192): Relatório Anual do Governador da Guiné (1921-1922) - Velez Caroço e um relato incontornável para a história da Guiné (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
O destino tem destas coisas, surpreende-nos com imprevistos muitos amáveis. Fui levar umas lembranças a um amigo meu, alfarrabista em Tomar e ele mostrou-me este relatório que ainda vinha com as páginas fechadas, oferecido por Velez Caroço em 12 de março de 1925 ao Dr. Lino Netto.
É um documento de leitura obrigatória, este Tenente-Coronel de Infantaria, politicamente prestigiado, confrontou-se com muita gente hostil em Bolama, desde a primeira hora, não faltaram intrigas em Lisboa, impávido e sereno abriu estradas, estabeleceu alianças étnicas, saneou as contas orçamentais, trazia um projeto e, contra ventos e marés, foi-lhe dando execução.
É de uma grande importância o que escreve, e daí os parágrafos que aqui se transcrevem, eloquentes quanto ao governador e ao estado da colónia.

Um abraço do
Mário


Velez Caroço e um relato incontornável para a história da Guiné (1)

Beja Santos

Velez Caroço está no topo da lista dos mais importantes governadores da Guiné e há razões de sobra para a sua alta classificação: foi desenvolvimentista intransigente, o seu nome é evocado pela honestidade, pelos princípios republicanos, pela boa equipa que constituiu com os administradores, pela boa gestão económica e financeira num período crítico, já que a seguir à I Guerra a Guiné definhou; e pela organização dos serviços e da administração, no rescaldo da pacificação adotou um sistema de alianças e conivências étnicas que se veio a solidificar nas governações seguintes, e que tanta importância teve aquando da luta pela independência.

Só que este relatório introduz elementos novos para a leitura da vida política, económica, para o relacionamento entre o Governo e as populações indígenas, traz uma nova luz entre o contencioso dos comerciantes de Bolama e o governador pelas razões das lutas entre os republicanos e os democratas que aqui tiveram pálido reflexo e pelo princípio do definhamento de Bolama face à crescente notoriedade da dinâmica de Bissau. Tudo conjugado, vale a pena, para não dizer que é obrigatório, atender ao que ele escreve no seu primeiro relatório para o Ministro das Colónias.
Veja-se logo no seu arranque:
“Para a elaboração deste relatório dispensarei os informes do Secretário do Governo da Província, visto que o relatório apresentado por este funcionário além de considerações descabidas contém pontos de vista sobre administração e política indígena, perfeitamente opostos ao ensinamento que tenho tirado do exercício do meu cargo. Este funcionário está sendo sindicado. A seu tempo lhe será feita justiça”.
Informa o ministro de que encontrou más vontades e resistência, o que lhe veio fortalecer o ânimo, procurou fazer o saneamento da Província. “Eram acusados altos funcionários. Forçoso era começar por cima, para me revestir daquele prestígio e autoridade que deve manter e inspirar sempre aquele que é chamado a administrar justiça. Esta minha orientação foi recebida como uma orientação de guerra por parte daqueles que iam ser atingidos. Fui mal correspondido por alguns. Acobertados com sorrisos de amabilidade e aquiescência, com afirmações de lealdade e promessas da mais desinteressada cooperação, fomentavam na sombra a intriga; informavam-me com deslealdade, já de ânimo preconcebido de mais tarde se aproveitarem das fraquezas e dos erros que porventura pudesse cometer, orientado por tais informes – que eram recebidos de boa-fé e sem suspeições, – e fazerem então uma campanha que tivesse como consequência – ou ter de arrepiar caminho e servilmente me submeter às suas imposições, passando o governador a ser governado, ou ser aniquilado, embarcando pressurosamente para a metrópole no primeiro transporte disponível”.

Revela o entendimento que tem sobre uma política indígena num período em que se extinguiram desacatos. Sabe que se estão a desenvolver más vontades e calúnias daqueles que querem fazer fortuna rápida à custa da exploração indígena, era o enriquecimento grande e depressa sem atender ao progresso moral e material da colónia. Fala sobre o trabalho imposto como uma necessidade de vida, um princípio social de incontestável moralidade.
E desenvolve o seu pensamento:
“Para as necessidades actuais da Província da Guiné, pode dizer-se que o indígena produz o bastante, mas a verdade é que isto não basta e há-de acabar um dia. A exportação tem aumentado e muito, mas não tenhamos ilusões, esse aumento é aparente, não foi devido a um correspondente desenvolvimento agrícola; não, foi devido ao desenvolvimento comercial. O indígena tem facilidade na venda da mancarra, do coconote, do arroz, do milho, da borracha, da cera, etc., etc. E daí a ilusão de que todo esse movimento comercial é acompanhado pelo correspondente desenvolvimento agrícola. Chegará a época em que a produção estagnará. Para evitar que esta previsão fatídica se realize, só há um remédio – fomentar a Província, desenvolver-lhe a agricultura.
É preciso trabalhar. Se o indígena não quer trabalhar voluntariamente, seja compelido a fazê-lo. Faça-se um regulamento estabelecendo-se um mínimo de trabalho para cada indivíduo. Rodeie-se esse regulamento de todas as cautelas e seguranças para evitar abusos, mas tenhamos também em vista que se o indígena que trabalha precisa de protecção fiscalizadora aos actos do patrão, por sua vez este precisa também de ser defendido da falta de cumprimento das obrigações do indígena trabalhador. E só assim haverá confiança”.

Espraia-se sobre a situação económica e financeira da Guiné, lembrando a falta de estradas, a incúria da instrução, pois não havia edifícios escolares, não esquece a tremenda crise económica, e o ter agido comprando casas para os funcionários, aumentando-lhes os vencimentos, remodelando as pautas alfandegárias, suprimindo a receita dos direitos de importação do álcool, procurando proteger os produtos colhidos na Guiné, manifesta a intenção de transformar o imposto de palhota em imposto de capitação. Sumariza o que está a fazer: na criação das escolas, nas obras locais do Pidjiquiti, nas pontes, hospitais, edifícios para as repartições, instalação de um museu, e tudo levava a supor que o orçamento de 1922-23 iria fechar com saldo positivo.

Encontrou a magistratura judicial numa lástima, procurou dar-lhe dignidade:
“Tem a Guiné duas comarcas – Bolama e Bissau. Existindo só uma – a de Bolama – esteve sempre a Guiné sem magistrados de carreira. Os julgamentos fazem-se com interinos, com substitutos, com provisórios, com delegados e advogados ad hoc, etc.. Se o recrutamento dos interinos para uma era difícil, é intuitivo que para as duas é quase impossível. Só assim se explica que ainda há pouco tempo se tivesse proposto para advogado ad hoc um indivíduo condenado em audiência pública por ferimentos e furto.
Na comarca de Bolama, logo após a minha chegada à Província, fui informado de que estava exercendo as funções de juiz um funcionário que tinha no mesmo juízo um processo pendente. Esse processo era de pouca importância, mas apesar disso chamei esse funcionário e aconselhei-o a que pedisse a sua demissão”. 
E escreve esperançado: 
“Ainda havemos de chegar um dia em que os juízes hão-de deixar de considerar a Guiné simplesmente como uma estação de passagem para o gozo de licenças graciosas (tão caras estão custando à Província) e hão-de para aqui vir com firmes propósitos de trabalhar também um pouco para a disciplina e morigeração dos costumes da Guiné”.

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20440: Historiografia da presença portuguesa em África (191): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (6): "O Império Marítimo Português”, por Charles Ralph Boxer; Edições 70, 2017 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19926: Agenda cultural (691): Convite para a sessão de lançamento do livro "Os cronistas do canal do Geba - O BNU da Guiné", de Mário Beja Santos, dia 10 de Julho de 2019, às 15,00 horas, no Palácio Conde de Penafiel, Sede da CPLP, Rua S. Mamede ao Caldas, 21 - Lisboa



A mais insólita, truculenta informação bancária: 
segredos do BNU na Guiné

Que documentação está ao alcance do investigador da História da Guiné no século XX, ainda no período colonial? Há o acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino, também as bibliotecas especializadas como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, relatórios de governadores, um acervo de publicações com destaque para os boletins da Escola Superior Colonial ou as revistas da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar) e sobretudo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Os livros são escassos, depois da independência há uma outra torrente de investigação e não se pode descurar a literatura da guerra, os investigadores guineenses são igualmente indispensáveis.

Mas jazia no então Arquivo Histórico do BNU uma tonelada de papel que se revela completamente distinta da literatura oficial, glorificadora e apologética: os relatórios dos gerentes do BNU em Bolama e Bissau desmontam traquibérnias, denunciam imoralidades, corrupção, a mais aparatosa bandalhice. Estes gerentes, sempre à espreita, legaram uma documentação espantosa, que se revela indispensável para o estudo da colónia da Guiné desde a I República até à independência.

O estudioso vai-se envolver num universo de intrigas, mão-baixa, falências calamitosas, informações detalhadas sobre a economia agrícola, sobre o início da insurreição que conduziu a mais de uma década de luta armada… momentos há em que estes relatos atingem o nível do burlesco, da ópera bufa, e em simultâneo eram enviados para Lisboa dados preciosos sobre a sociedade, a mentalidade colonial, os negócios da mancarra operados pela CUF e pela Sociedade Comercial Ultramarina. Mal sabiam estes cronistas desconhecidos que estavam a processar História (e que histórias!).

************

O Autor:

Mário Beja Santos
Licenciado em História, foi alferes miliciano de infantaria na Guiné, de 1968 a 1970. 
Toda a sua vida profissional, entre 1974 e 2012, esteve orientada para a política dos consumidores, sendo autor de mais de três dezenas de títulos relacionados com esta temática.
Foi professor do ensino superior; colaborou durante mais de duas décadas em emissões radiofónicas ligadas à defesa do consumidor, foi autor e apresentador de programas televisivos e teve uma participação ativa no consumerismo europeu.
Colabora em blogues, revistas digitais, na imprensa diária e regional.
Alguns dos seus últimos livros foram dedicados à Guiné: "Diário da Guiné – Na Terra dos Soncó", "Diário da Guiné – O Tigre Vadio", "Mulher Grande", "A Viagem do Tangomau", "Adeus, até ao meu regresso", um levantamento da literatura sobre e de combatentes na Guiné, e, posteriormente, foi co-autor da obra "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", "História(s) da Guiné Portuguesa e História(s) da Guiné-Bissau".
Presentemente ultima um livro de investigação – "Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné".
Ao nível da sua participação cívica e associativa, Beja Santos mantém-se ligado à problemática dos direitos dos doentes e da literacia em saúde, domínio onde já escreveu algumas obras orientadas para o diálogo dos utentes de saúde com os respetivos profissionais, a saber "Quem mexeu no meu comprimido?", 2009, "Tens bom remédio", 2013, e "Doente mas Previdente", 2017.

(Com a devida vénia a Ponte de Lima Cultural
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19913: Agenda cultural (690): Rescaldo da Sessão de autógrafos de José Ferreira da Silva, na 89.ª Feira do Livro de Lisboa, onde esteve com o seu livro "Memórias Boas da Minha Guerra", vol III

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19670: Notas de leitura (1167): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (80) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Dá-se a feliz circunstância de ter acabado a leitura do trabalho de Silva Cunha (durante muitos anos Ministro do Ultramar e o último Ministro da Defesa de Marcelo Caetano), trata-se da missão de estudos aos movimentos associativos em África, neste caso a Guiné, 1958. Em dado passo, o então professor de assuntos ultramarinos dirá que na Guiné o setor da economia capitalista era muito restrito e limitava-se quase exclusivamente à atividade comercial. Era raro o europeu que se dedicava à agricultura por conta própria e os que o tinham ensaiado quase sempre tinham fracassado.
Esta documentação do BNU certifica todos estes fracassos, e de muitos deles até se encontra a explicação. A maior alegria que me deu ter feito este levantamento documental foi descobrir a sua importância, estão aqui chaves explicativas para o que era o mercado colonial da Guiné no século XX, como funcionava a economia e a importância crucial da agricultura. Há olhares implacáveis sobre os políticos e o funcionamento da administração, há relatórios preciosos sobre o período que antecede e acompanha os primeiros anos da luta armada, impossível imaginar que estes gerentes em Bolama ou em Bissau pudessem ensaiar assassinatos de caráter, tão drásticas seriam as consequências. E não menor é a alegria de pôr na praça pública todo este vastíssimo silêncio das caixas conservadas no Arquivo Histórico do BNU.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (80)

Beja Santos

Chegámos ao último ato da existência do BNU da Guiné, o documento que abaixo se transcreve sela o seu destino, os seus ativos e passivos, estabelece responsabilidades entre as partes contratantes, os trabalhadores, conforme consta num extenso anexo que aqui não tem sentido publicar, verão os seus direitos assegurados, poderão optar entre Portugal e a Guiné-Bissau. A partir deste momento, fecha-se o livro, abre-se um caminho para a História, todo o processo iniciado em 1902 (e cuja investigação cronologicamente sequenciada não se pode fazer por declarada falta de elementos, até se pode admitir que o acervo esteja incorporado na documentação da Casa Gouveia), escreve as suas últimas linhas neste acordo de tramitação de património.

Ficou tudo dito e esclarecido? Seguramente que não, desapareceram peças elementares, e mesmo que todo o levantamento documental existisse, a história de um Banco, mesmo sendo uma pedra angular para qualquer investigação sobre o funcionamento de uma praça colonial, é uma nesga de luz sobre qualquer parcela colonial. E no entanto, digo-o sem qualquer hesitação, doravante qualquer investigação aprofundada sobre o mercado guineense, a sua agricultura, o seu comércio, as suas contas com a Metrópole, o perfil dos empresários, o olhar experimentado de conhecedores, caso das notas incontornáveis de Castro Fernandes, em 1957, não pode prescindir de uma submersão nesta tonelada de papel, que aguardava avidamente o seu arejamento, a sua entrada no espaço público.

Ao despedir-me do Arquivo Histórico do BNU, jamais poderei esquecer o fruto do acaso que aqui me trouxe, a este lugar de Sapadores, um espaço enorme que até poderia ter como destino uma garagem ou uma serralharia, e o desvelo recebido de competentes funcionários, a quem publicamente agradeço o acolhimento e a disponibilidade de porem toda a documentação para minha consulta: Filomena Rosa, Nuno Fernandes Carlos e Rui Lopes Costa, oxalá que em breve àquele espaço acorram mestrandos e doutorandos de várias nações. 
E nada mais por hora, a aventura mal começou…


FIM

Ilha de Uno, Bijagós. Vista sobre terreiro. Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.

Imagem extraída de “Guiné Portuguesa”, por Carvalho Viegas, 1936.

Imagem extraída do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1948.
____________

Notas do editor

Poste anterior de 29 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19630: Notas de leitura (1164): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19659: Notas de leitura (1166): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19630: Notas de leitura (1164): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Assim se chegou ao termo da documentação encontrada nos livros de atas da Administração do BNU no que se refere à transição do património da filial de Bissau para o Banco Nacional da Guiné-Bissau.
Não é de mais insistir que este levantamento só foi possível pelo competente patrocínio dos técnicos do Arquivo Histórico do BNU que me puseram à disposição não só os relatórios existentes, a inúmera documentação avulsa e depois estes livros de atas, indispensáveis para acompanhar o processo de transição, após a independência.
No próximo e último texto facultaremos ao leitor os documentos oficiais, subscritos pelas duas partes sobre a incorporação da filial do BNU no Banco Nacional da Guiné-Bissau. Daí a escolha de algumas imagens do Arquivo Histórico do BNU, só possíveis de publicar graças à solicitude destes competentes técnicos.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (79)

Beja Santos

Actas do Conselho de Gestão do BNU, Livro I

Reunião n.º 11, 1 de Março de 1976

Guiné-Bissau – Transferência do departamento do BNU

O Sr. Dr. Alberto Oliveira Pinto referiu que convocara esta reunião expressamente para tratar do problema da cessação da actividade do BNU na República da Guiné-Bissau, decretada pelo respectivo Governo, como aliás devia ser do conhecimento de todos os colegas, face à ampla divulgação dada ao assunto pelos órgãos de comunicação social. A posição assumida pelo Governo da Guiné-Bissau não surpreende completamente, pois previa-se que algo de semelhante pudesse acontecer, face ao impasse a que se havia chegado e que se manteve nas conversações com a Delegação Portuguesa que recentemente regressou da Guiné.

Seguidamente, o Sr. Dr. Oliveira Pinto transmitiu ao Conselho que, na sexta-feira passada, o Governador do Banco de Portugal lhe telefonara dando indicações no sentido do BNU tomar certas medidas de prevenção com vista a evitar qualquer movimento anormal quanto às disponibilidades da Filial de Bissau junto do Banco de Portugal ou de qualquer correspondente estrangeiro, pois receava-se que se processasse algo no fim de semana, o que veio, de facto, a acontecer.

Entretanto, foi anunciada a cessação da actividade do BNU naquele país e hoje mesmo foi recebida com a data de 28 de Fevereiro último uma carta do Governador do Banco Nacional da Guiné-Bissau acompanhada de fotocópias dos originais da Decisão n.º 1, de 28 de Fevereiro, do Conselho de Estado, e do Decreto n.º 6/66, também de 28 do mesmo mês, do Conselho de Comissários de Estado da República da Guiné-Bissau contendo as medidas que unilateralmente fora resolvido tomar.

Informou ainda o Sr. Dr. Oliveira Pinto que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro o convocara, hoje, para uma reunião às 12 horas no Ministério da Cooperação. A essa reunião, além do Sr. Ministro da Cooperação, assistiram os Srs. Secretários de Estado do Tesouro, das Finanças e da Cooperação e o Administrador do Banco de Portugal Dr. Walter Marques, tendo sido debatido o assunto e resolvido, face à citada decisão unilateral, fazer sair um comunicado, o qual deverá ser ainda hoje presente ao Sr. Primeiro-Ministro, no qual o Governo Português, além de rejeitar aquela posição, informará ter dado instruções para a imobilização das disponibilidades da Guiné-Bissau, além de outras medidas, até serem negociadas bilateralmente as condições de transferência do Departamento do Banco.

O Conselho, após troca de impressões, resolveu que fosse enviado um telex aos correspondentes do Banco, no estrangeiro, cancelando as assinaturas e “chaves” telegráficas da Filial do BNU na Guiné-Bissau, e instruídas as Dependências do Continente e Ilhas para não executarem as ordens provenientes daquele país sem instruções prévias da Sede, e para remeterem com urgência uma relação discriminada das operações em curso sobre a Guiné-Bissau.

Seguidamente, e de acordo com a orientação definida no Ministério da Cooperação, foi deliberado enviar ao Governador do Banco Nacional da Guiné-Bissau o seguinte telegrama:
“Relativamente à carta de V. Ex.ª. de 28 de Fevereiro, hoje recebida, informo que o assunto foi presente ao Governo Português que sobre o mesmo tratará directamente com o Governo da República da Guiné-Bissau.”

Por último, o Conselho tomou conhecimento do telegrama da Filial do BNU em Bissau comunicando a cessação da sua actividade e a transferência para o Banco Nacional da Guiné-Bissau dos valores existentes nas caixas-fortes. No mesmo telegrama a Filial informa que parte do pessoal deseja continuar a servir o BNU e solicita decisão imediata do Conselho de Gestão.

Foi resolvido pedir os nomes dos empregados naquela situação para oportuna resolução.


Acta n.º 25, de 22 de Abril de 1976

Acerca do congelamento das contas na Filial de Bissau, foram dadas sugestões para procedimentos relativamente a diferentes operações em suspenso: ordens de pagamento e transferência no valor de mais de 1.700.000 contos a favor de residentes no estrangeiro, emanados da ex-Filial do BNU em Bissau, bem como vários créditos abertos nas caixas do BNU. Foi deliberado, entre outras questões, dar seguimento às ordens de pagamento e às transferências, reclamando ao Banco Nacional da Guiné-Bissau a reposição das diferenças e autorização de crédito a beneficiários.


Acta n.º 29, de 11 de Maio de 1976

O Conselho apreciou os documentos de trabalho apresentados pelo Sr. Abílio Dengucho acerca de eventuais negociações do Governo sobre a transferência do Departamento do BNU na Guiné-Bissau. A este respeito, o Conselho manifestou mais uma vez a opinião de que a transferência dos valores activos e passivos do citado Departamento não deverá implicar quaisquer ónus ou encargos para o Banco.


Acta n.º 33, de 25 de Maio de 1976

Foi comunicado pelo Presidente ao Conselho que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro lhe dissera não dever haver impedimento na movimentação das contas de credores gerais, tituladas ao Governo da Guiné-Bissau (sobre este assunto ver a ata nº32 de 20 de maio de 1976). O Sr. Presidente deu nota do telegrama do Banco Nacional da Guiné-Bissau inquirindo por que o BNU não tem efectivado determinados pagamentos que lhe tinham sido ordenados na conta “credores gerais” em nome do Governo da Guiné-Bissau. Foi deliberado efectuar diligências junto do Sr. Secretário de Estado do Tesouro com vista a dar uma resposta que não prejudique as futuras relações do BNU com o Banco Nacional da Guiné-Bissau.

(Continua)

Homenagem em casa do Dr. Vieira Machado pelos Corpos Directivos do BNU, 1972.

Francisco Vieira Machado foi figura determinante do BNU mas foi igualmente um esteio da política colonial.
Imagem cedida pelo Arquivo Histórico do BNU, agradece-se a deferência.

Agência do BNU de Bissau e zonas circundantes, 1921.
Por amável deferência do Arquivo Histórico do BNU.

Moradia de funcionários do BNU, 1922
Por amável deferência do Arquivo Histórico do BNU.
____________

Notas do editor

Poste anterior de 22 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19610: Notas de leitura (1161): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19622: Notas de leitura (1163): O que "ultra" Dutra Faria (citado pela doutoranda e nossa grã-tabanqueira Sílvia Torres) pensava de Amílcar Cabral: um menino de coro (que "ia à missa, todos os domingos, em Bissau"), transviado em Lisboa pelo marxismo e por uma mulher, 'branquíssima'...

sexta-feira, 22 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19610: Notas de leitura (1161): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
No delineamento desta pesquisa, mandava o rigor que se procurasse apurar o que de mais relevante se passou no processo que se iniciou com a independência da Guiné-Bissau e a transferência do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Havia que proceder a uma leitura sistemática dos volumosos livros de atas da administração, não se podia hesitar, com paciência e meticulosidade, proceder-se a tal escrutínio. Deixou-se o registo devidamente datado na presunção de que se está a facilitar a vida a quem no futuro queira consultar toda esta documentação do último ato da vida da filial de Bissau.
Como se verá adiante, foi um processo com algumas tensões mas que decorreu de forma amistosa e onde o Dr. Victor Freire Monteiro, o primeiro governador do Banco da Guiné-Bissau, teve um desempenho fulcral.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78)

Beja Santos

Chegámos a uma fase do trabalho em que se impõe um esclarecimento sobre o derradeiro levantamento, em torno de um conjunto de livros de atas do Conselho de Administração do BNU. Pelo que se pode ler logo na primeira ata da reunião de 24 de setembro, está para breve a independência, em Lisboa, o BNU manifesta disponibilidade para tratar todo o processo da transição patrimonial, que tinha as suas delicadezas, logo as escolhas do pessoal, os ativos, as dívidas, a carga fiscal, e muito mais. Com a preciosa colaboração, como sempre, dos técnicos do Arquivo Histórico do BNU, consultaram-se estes livros volumosos e bem encadernados, pinçando tudo o que respeitava a Guiné, desde esta data de setembro de 1974 até à conclusão do processo da transferência patrimonial para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Fez-se o possível por reter o essencial das nuances de todo este processo. Está aqui, em esquisso, o derradeiro ato da presença do BNU em Bissau. Cumpre explicar que se procurou com alguma minúcia deixar as referências essenciais para facilitar posteriores consultas a eventuais investigadores.


Livro de Actas do Conselho de Administração do BNU 1973 – 1974

Reunião de 24 de Setembro de 1974

Guiné – Independência
Face à carta confidencial n.º 199, de ontem, e ao telegrama, de hoje, da Filial de Bissau, o Conselho resolveu que se respondesse que deve a Gerência dar às novas autoridades da Guiné a colaboração que for necessária, aguardando as decisões da Comissão Governamental Portuguesa que em breve ali se deslocará para apreciação dos problemas relacionados com o processo da descolonização.
Mais foi decidido que, entretanto, o Director dos Serviços para o Ultramar, Sr. Abílio Dengucho, se deslocará à Guiné para prestar o apoio julgado indispensável na situação presente, mormente quanto à transmissão do departamento do Banco para o novo Estado.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 14 de Novembro de 1974

Guiné – Descolonização
O Sr. Vice-Governador deu conhecimento ao Conselho de uma carta de 8 de Novembro dirigida pelo Encarregado da Filial de Bissau ao Director dos Serviços Sr. Abílio Dengucho, na qual relata que o Dr. Victor Freire Monteiro, indigitado Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau manifestara a intenção de ocupar uma moradia do Bairro do Banco, de utilizar a residência do gerente para nela instalar a Caixa de Crédito da Guiné e de mobilizar pessoal da Filial com vista ao estudo da transferência do Banco, pedindo instruções sobre o procedimento a adoptar.
O Conselho deliberou instruir o Encarregado da Filial no sentido de manter uma atitude passiva quanto à utilização referida do edifício do Banco, tanto mais que estão em causa edifícios, em parte deles, desocupados; continuar a fornecer às autoridades locais todos os elementos respeitantes à actividade do Banco na Guiné; enviar a Bissau uma equipa de 2/3 elementos para ajudarem no fecho do balanço.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Guiné – Descolonização
O Sr. Governador informou de que havia recebido um telegrama datado de 20 do corrente mês do Dr. Victor Freire Monteiro solicitando em nome do Conselho de Comissários de Estado da República da Guiné-Bissau autorização para, com vista à preparação de quadros aptos, três pessoas efectuarem um estágio no BNU em Lisboa, que lhes prestaria apoio e orientação.
Deu-se concordância à solicitação formulada.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 9 de Janeiro de 1975

Departamento do Banco na República da Guiné-Bissau:
Dando conhecimento ao Conselho da Informação da Direcção do Ultramar de 7 de Janeiro de 1975 sobre uma carta do Gerente da Filial do Banco em Bissau onde se focam os seguintes pontos:
1) A suposição de que o Governo da República da Guiné-Bissau pretende resolver o problema da transferência até ao fim do mês em curso;
2) O pedido feito à Filial pelo Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau de um mapa com as indemnizações a pagar a todo o pessoal;
3) O convite que lhe foi feito para trabalhar no futuro Banco Central, com lugar de Inspector-Geral sem quebra de vencimentos que actualmente aufere;
4) Não desejar tomar qualquer resolução acerca de tal convite sem saber qual a opinião do BNU, salientando que tem 26 anos de serviço efectivo;
5) Ter sido convocada para 30 de Dezembro de 1974 uma reunião de pessoal com a seguinte OT: discussão de alguns pontos do caderno reivindicativo; discussão da situação dos empregados do BNU face à transferência do BNU para novo Banco;
6) Que continua proibida no exterior a troca de notas da Guiné-Bissau;
7) Brevemente apresentará orçamento de obras a efectuar no edifício do Banco.


Livro de Actas da Administração do BNU de Janeiro a Maio de 1975

Reunião de 23 de Janeiro de 1975

O Sr. Governador deu conhecimento da carta do Dr. Victor Freire Monteiro, em nome do Conselho de Comissários da República da Guiné-Bissau agradecendo todo o apoio concedido aos seus colaboradores durante o estágio feito no BNU.
Haverá nova referência a este assunto na acta de 30 de Janeiro de 1975.
Na mesma reunião, com o título
Guiné – Propriedades do Banco
Dação de 28 prédios de Aly Souleiman & Cª.

Reunião de 4 de Fevereiro de 1975

Refere-se que a Companhia de Pesca e Conservas da Guiné não pagou a 1.ª prestação do empréstimo.
A República da Guiné-Bissau solicita um empréstimo de 50.000 contos, o Conselho pede esclarecimentos quanto às condições (prazo, juro, etc.).
O Dr. Victor Freire Monteiro considera fundamental consultar a documentação do BNU, o Conselho delibera que não há qualquer óbice.

Reunião de 27 de Fevereiro de 1975

Banco Nacional da Guiné-Bissau
O Dr. Victor Freire Monteiro, Governador do Banco, com vista à arrumação dos valores selados, já mandados emitir pelo Governo do território, solicitou a colocação de prateleiras na casa-forte instalada no Pavilhão n.º 2, cujas obras, a cargo da firma Construções, Lda., não estão ainda concluídas por força da ausência dos sócios desta firma.
Dada a urgência posta no assunto pelo Sr. Governador, o Gerente da Filial do BNU confiou a execução do trabalho a outra empresa pelo custo de 66 contos e veio pedir rectificação ao seu procedimento. O Conselho deu a sua sanção.

Reunião de 6 de Março de 1975

Anuncia-se a falência da Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, o BNU comprou um navio.
Rubrica do Banco Nacional da Guiné-Bissau. Informação de que foi criado o Banco Nacional, passando, de imediato, esta instituição a exercer naquele país as funções de Banco emissor e comercial e de Caixa de Tesouro, sendo revogadas todas as disposições contrárias ao estatuto do novo Banco.

Reunião de 20 de Março de 1975

Transferência da Filial do BNU – desejo do Governo da Guiné-Bissau de serem iniciadas, a partir de 18 de Abril próximo, conversações com vista à transferência daquela Filial do BNU para o novo Estado.
Foi deliberado comunicar ao Governo Português a disposição do Governo de Bissau.

Reunião de 24 de Abril de 1975

Depósitos das entidades militares portuguesas
Telefonema da Gerência da Filial de Bissau informando que as autoridades da República da Guiné-Bissau desejavam utilizar com urgência os depósitos deixados no BNU pelas entidades militares portuguesas, para o que teriam sido já autorizados pelo General Carlos Fabião. O Governador informou que desconhecia totalmente essa autorização. Efectuaram-se diligências infrutíferas em contactar o Sr. General Carlos Fabião. Foram contactados os Srs. Secretários de Estado da Cooperação Externa e do Tesouro, tendo ambos, embora ignorando tal autorização, mas tendo em vista a alegada urgência na mobilização de fundos, concordado que foram dadas instruções à Filial do BNU autorizando-a a conceder um descoberto em conta do valor igual às importâncias daqueles depósitos, independentemente da solução de fundo a tomar.


Livro de Actas da Administração do BNU Junho de 1975 em diante

Reunião de 19 de Junho de 1975

Sociedade Industrial Ultramarina. A dissolução da empresa foi decidida em conselho, determina-se que a Sociedade aplique de imediato a sua carteira de depósitos na liquidação dos seus débitos para com o BNU.

Reunião de 10 de Julho de 1975

Transferência do Departamento do BNU na Guiné-Bissau. Os trabalhadores invocaram ter direito a uma satisfação de 6 mil contos. O Conselho entendeu não ser legítima a hipótese de uma indemnização e ser arbitrário o seu cômputo à luz do contrato colectivo.

Reunião de 12 de Agosto de 1975

Guiné-Bissau – Projeto de bases para acordo de transferência do departamento.
Os trabalhadores da Filial que adquirem nacionalidade guineense pretendem ser ressarcidos pelo tempo de serviço prestado. O Conselho entende que não é legítima a hipótese de suportar tal pretensão. Entende o Conselho que essa responsabilidade deve transitar para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, cumprindo ao BNU resolver apenas os problemas dos trabalhadores que não querendo adquirir a nacionalidade guineense regressam a Portugal. Quanto aos valores patrimoniais, entende o Conselho que se deve insistir na transferência de todo o activo e passivo. A CICER será transaccionada como crédito. Quanto à Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, a sua responsabilidade deverá ser assumida pelo Estado da Guiné-Bissau.
Informava-se o Conselho que o Governo da Guiné-Bissau se recusava a pagar empréstimos contraídos pela Colónia.

(Continua)


Imagens retiradas do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1946.

O segundo desenho é assinado por Stuart Carvalhais, um grande desenhador de humor e artista gráfico. Tudo leva a crer, tendo em atenção o traço, que o primeiro desenho é também da autoria de Stuart.

Antigo posto militar da Ilha das Galinhas, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
____________

Nota do editor

Poste anterior de 15 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se faz menção da derradeira documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU.
São papéis que referem a pretensão de criar uma delegação do BNU em Bafatá, o processo iniciou-se em 1970, nunca foi concretizado, naturalmente se abandonou a ideia com a independência. Fala-se também das expetativas depositadas na CICER - Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, um empreendimento industrial que recebeu o entusiasmo de muitos, desgraçadamente acabou no charco. Fala-se em dádivas do BNU para a construção do busto de Amílcar Cabral e para o monumento aos mártires do colonialismo, em 1975; consta no processo o parecer dado por Lisboa sobre o pagamento da contribuição industrial e imposto complementar do BNU em Bissau. E por fim aqui se refere a notícia de que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser nacionalizada, o mesmo já acontecera com a Casa Gouveia e com a empresa Barbosa e Comandita.
A última etapa deste trabalho será aqui expor o que demais relevante se encontrou a partir de 1974 para a transferência do património do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, no fundo são peças históricas que terão que ser integradas um dia no que foi a vida do BNU na colónia da Guiné, de 1902 até depois da independência.
Peço a todos que vejam a beleza das imagens que a investigadora Lúcia Bayan nos ofereceu sobre os jogos e a sua função didática na etnia Felupe, que ela investiga com tanto entusiasmo.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77)

Beja Santos

Continuamos à volta com a documentação avulsa constante do Arquivo Histórico do BNU. Em termos cronológicos, há que referir que em 4 de fevereiro de 1972 se produzira um memorando sobre a criação de uma dependência do BNU em Bafatá. Em setembro de 1970, o subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino autorizara a abertura em Bafatá de uma dependência. O Banco já deslocara a Bafatá um funcionário para analisar as hipóteses de escolha de um edifício, concluíra-se que o imóvel com melhores condições era um edifício pertencente ao Banco então arrendado a Afif Elawar, súbdito libanês. O Banco começou os seus preparativos, definindo o modo de funcionamento, o número de empregados necessários e estabeleceu contactos com o arrendatário do prédio, a fim de obter a sua devolução.

Devido à reação do arrendatário, que não queria prescindir do arrendamento, o Banco chegou a encarar a hipótese de tentar a ação de despejo. O representante do arrendatário apresentou uma proposta no sentido de rescisão amigável, a proposta foi aceite. Já em janeiro de 1972 as gentes de Bafatá insistiam na criação da dependência, fora mesmo enviado à filial de Bissau um telegrama em que as autoridades, comerciantes, industriais e agricultores e toda a população dos concelhos de Bafatá e Gabu lamentava que ainda não tinha sido dada execução à promessa feita em 1970.

O processo arrasta-se e vem a independência da Guiné-Bissau, o último documento que possuímos data de 23 de outubro de 1974, o despacho é concludente acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá: “Não é oportuno neste momento”.

Passamos agora para o dossiê CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné. Possuímos dois documentos de junho e novembro de 1974. Diz-se no primeiro que a CICER foi constituída em finais de dezembro de 1971, eram os seus principais acionistas a Sociedade Central de Cervejas, a Companhia União Fabril Portuense, a Cuca de Angola e a Fábrica de Cervejas Reunidas de Moçambique, Lda.
Fazia-se uma relação dos encargos da construção da fábrica da CICER em Bandim. Em novembro de 1974, o BNU emitiu um parecer do seguinte teor:
“Após o 25 de Abril, a sua produção baixou para a média de 4 a 5 milhões de litros anuais de cerveja e 2 a 2,5 milhões de litros de refrigerantes. As suas vendas cifram-se entre 6 a 8 mil contos mensais.
Pensam, muito em breve, lançar no mercado, também, água de mesa e água gaseificada.
Dada a boa qualidade dos seus produtos e o interesse dos territórios vizinhos na sua aquisição, prevê-se num futuro muito próximo que a fábrica volte a trabalhar em pleno. Sabemos ainda que a Nação Cubana está também interessada na produção da fábrica, pelo que se estão encetando as respectivas negociações através do Governo local.
O valor atribuído à fábrica é de 130 mil contos. Tem-na visitado muitos estrangeiros, após o 25 de Abril, tecendo-lhe os maiores encómios, pois esperavam encontrar uma fabriqueta e não uma moderníssima fábrica, muito bem situada e com o privilégio de possuir no seu subsolo uma das melhores águas do mundo – dizem – para a fabricação dos seus produtos.
Em face do que fica exposto, e pelas perspectivas que se antevêem, damos o nosso acordo à concessão do crédito de 50 mil contos solicitado, com vista à liquidação das três conta-correntes caucionadas.”

Estamos já em 1975, o BNU é contactado para contribuir para a construção do monumento aos mártires do colonialismo. O documento reza o seguinte:
“A tarde do dia 3 de Agosto de 1959 ficou dolorosamente marcada na história do nosso povo.
Nesse dia, em Bissau, no cais do Pindjiquiti, armas empunhadas por mãos assassinas de servidores fiéis do colonialismo ceifaram as vidas de dezenas de irmãos nossos, indefesos, levando a dor e a morte a centenas de lares.
Fizeram-se vítimas. E tal acto repercutiu-se tragicamente por todo o nosso país, pela África e pelo mundo.
Mas, nesse dia, o Governo colonial, contrariamente a todos os seus desejos, ajudou a dar um grande passo na caminhada pela reconquista da liberdade e da dignidade do nosso povo.
O massacre do Pindjiquiti jamais será esquecido, dado o seu alto significado na luta de libertação nacional.
Por isso, o nosso Partido e o nosso Estado tomaram a decisão de comemorar essa data, considerando feriado nacional o dia 3 de Agosto. A população de Bissau, no grande comício de 20 de Janeiro último, dia dos ‘Heróis Nacionais’, decidiu dar o nome de ‘Avenida do 3 de Agosto’ à avenida marginal e o nome ‘Praça dos Mártires do Colonialismo’ ao largo existente na zona do Pindjiquiti.
Neste local existia um monumento através do qual o Governo colonialista pretendia glorificar o ‘descobridor da Guiné’, Nuno Tristão.
Pois bem: na actual Praça dos Mártires do Colonialismo, na zona onde esteve o monumento a Nuno Tristão, é dever nosso honrar os mártires do colonialismo, erguendo-lhes um monumento que deve ser inteiramente custeado pelo nosso povo e por todos aqueles que, vivendo na nossa terra, quiserem juntar-se a nossa homenagem de gratidão eterna aos que ficaram pelo caminho nos longos anos de resistência contra a dominação e a exploração estrangeiras.
Para começar a concretizar essa ideia, foi criada uma comissão para recolha de fundos”. 

E indicavam-se os nomes: Rui das Mercês Barreto, Tiago Aleluia Lopes, Carlos Gomes, Armindo Ferreira, Teodora Inácia Gomes e João Maurício Chantre. A comissão era designada por “Comissão do Abota Nacional para o Monumento aos Mártires do Colonialismo”. O Comissário de Estado Rui Barreto, Presidente da Comissão assinava o manifesto em 26 de julho de 1975. O BNU ofereceu 5 mil escudos como oferta na contribuição do busto mandado erigir a Amílcar Cabral. O recibo de receção é assinado por Carlos Domingos Gomes com a data de 16 de maio de 1975, tratou-se de uma dádiva distinta da anterior.

Em 30 de junho de 1975, a administração em Lisboa informa a gerência do BNU em Bissau que a atividade exercida pela filial obedece a condicionalismos legais que têm de ser tidos em conta, no pressuposto de que as disposições fiscais, então vigentes, não sofreram alteração: o BNU continuaria a ser tributado pela contribuição industrial; sujeito a ser coletado pelos rendimentos anuais no Estado quanto ao imposto complementar.
E emitia-se o seguinte parecer:
“Em face do que antecede, é nosso entendimento que os elementos a declarar durante o corrente mês de Junho estão de harmonia com os preceitos legais vigentes nessa ex-colónia portuguesa; é evidente que, salvo acordo ou determinação legal das actuais autoridades desse Estado, os preceitos legais referidos como aplicáveis à actividade do Banco durante todo o ano de 1974, são de aplicar, pelo menos, até à data da proclamação da independência desse território".

Nesta documentação avulsa, encontra-se a fotocópia de uma notícia publicada no vespertino Diário de Lisboa, com a data de 30 de julho de 1976, com o seguinte título: Técnicos portugueses negoceiam nacionalização de duas empresas.
Notícia com a seguinte redação:
“Encontram-se em Bissau dois técnicos portugueses para conduzir as negociações com o Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina, do capital social desta empresa comercial, a segunda do país, depois da Casa Gouveia, já integrada nos Armazéns do Povo, 80% ficará para o Estado guineense e os restantes 20% para uma companhia portuguesa de sabões do grupo CUF.
Foram entretanto transferidos para os Armazéns do Povo os bens da empresa Barbosa e Comandita. A integração fez-se a pedido e por iniciativa dos antigos proprietários, devido às dificuldades encontradas para a realização dos lucros anteriormente auferidos. Segundo o Comissário de Estado do Comércio, Armando Ramos, ‘nenhuma destas empresas tinha possibilidades de sobreviver sem a intervenção do Estado para transformar as suas estruturas. Isto porque os moldes em que foram implantadas na nossa terra estão em desacordo com os princípios da nossa sociedade que estamos a criar’. A Sociedade Comercial Ultramarina começara como sociedade por quotas, com o capital social de 500 contos. Mas com a subida vertiginosa dos lucros, o capital foi sendo aumentado até chegar a 100 mil contos e até assumir a forma de sociedade anónima. Dedicava-se ao comércio de exportação, mas na fase final passou também a explorar o comércio interno e pequenas unidades industriais. Possui 54 postos de venda espalhados pelo País e emprega 672 trabalhadores efectivos”.

Assim se encerra a consulta à documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU.

A derradeira parte deste trabalho tem a ver com a documentação do BNU para a transferência do património para a Guiné-Bissau, documentação extensa, a que procedemos necessariamente a uma simplificação dos elementos considerados mais pertinentes, até ao momento em que o BNU da Guiné se extinguiu e passou a estar integrado no Banco Nacional da Guiné-Bissau.

(Continua)

Foto 1

Foto 2

Foto 3

Foto 4

Comentários de Lúcia Bayan, investigadora da etnia Felupe, que amavelmente cedeu estas imagens para o nosso blogue, agradeço-lhe em nome de todos esta prova de consideração:

Os jogos tradicionais entre Felupes

As sociedades tradicionais africanas, como a Felupe, utilizam estratégias próprias para a educação e integração dos jovens na organização social. É sabido que os Felupes prezam muito a liberdade individual, mas sempre limitada por regras e valores sociais. Um exemplo é “meter a mão em seara alheia”, considerado um dos maiores crimes, podendo ser penalizado com expulsão da tabanca. Desta forma, em chão Felupe, raramente alguém é roubado. A eficácia do método felupe para resolver estas questões tem levado a que seja adotado em algumas povoações multiculturais, como, por exemplo, em São Domingos.

Uma das estratégias felupe para educar as suas crianças e jovens e os integrar na sua organização social são os jogos e as lutas. Dos primeiros ficam aqui fotos de dois: o jogo das vacas e um jogo, que não sei o nome, mas é do género do “Seega”, um jogo de tabuleiro tradicional jogado em partes do Norte e da África Ocidental, por dois jogadores, num tabuleiro de 5×5, geralmente com pedras. Um exemplo deste jogo pode ser visto aqui: https://elegbaraguine.wordpress.com/2015/02/11/jogos-africanos/.

O jogo das vacas é jogado por dois jogadores, munido cada um de um pequeno pau com um fruto espetado numa ponta, simbolizando uma vaca, e consiste numa luta de vacas. Indicado para rapazes da 2.ª classe de idade (dos 5 aos 12 anos), este jogo, além da função lúdica, visa desenvolver as capacidades necessárias para estes rapazes exercerem a principal obrigação desta classe de idade, pastorear e tomar conta do gado, e também o início da sua preparação como guerreiros.

O jogo do Seega visa estimular o raciocínio lógico matemático e cognitivo. Na sociedade Felupe, o tabuleiro é o chão, onde são escavados 25 pequenos buracos e as 12 pedras, que não existem em chão de areia, foram trocadas por paus ou palhas, num jogo indicado a adultos e crianças. As três fotos mostram três homens a jogar (foto 1), um adulto a ensinar crianças (foto 2) e estas a jogarem (foto 3).
____________

Nota do editor

Poste anterior de 8 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 13 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)