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terça-feira, 24 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26953: Notas de leitura (1813): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte II: apresentação de Joaquim Pinto Carvalho



Lourinhã  > Salão Nobre da Câmara Municipal da Lourinhã > 21 de junho der 20256 >  Sessão de lançamento do livro do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1) (*)

Da esquerda para a direita, o Joaquim Pinto Carvalho (que fez o posfácio do livro, e apresentou o livro e o autor), o autor, Jaime Silva, e o Luís Graça (que fez o prefácio do livro, e falou sobre a Lourinhã e a guerra do ultramar / guerra colonial) (*). 

Três amigos... estremenhos, colegas, companheiros e camaradas, cofundadores da "Tabanca do Atira-te ao Mar... e Não Tenhas Medo!", em plena pandemia de Covid-19... Localização: Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã...

0 Jaime Silva foi alf mil pqdt, BCP 21 (Angola, 1970/72), cruz de guerra de 3. classe.

Foto: Página do Facebook do Municipio da Lourinhã (com a devida vénia...)


Seleção e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Sobre o Joaquim Pinto Carvalho:


(i) tem mais de 60 referências no nosso blogue,

(ii) é membro nº 633 da Tabanca Grande;

(iii) foi alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73);

(iv) natural do Cadaval, é advogado, poeta e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã;

(v) é autor, entre outras obras, de uma brochura com a história da unidade, a CCAÇ 3398, distribuída no respetivo XXV Convívio, realizado no Cadaval, em 18/9/2021.

2. A Tabanca do Atira-te ao Mar, apesar de "secreta", não escapa à "bisbilhotice" do assistente de IA / Gemini /Google, que nos informou o seguinte:


(...) Sim, conheço a "Tabanca do Atira-te Ao Mar". É uma organização localizada no Porto das Barcas, em Lourinhã, Portugal.

De acordo com as informações disponíveis:

  • foi criada por Joaquim Pinto Carvalho e Maria do Céu Pinteus, que são os responsáveis pelo apoio logístico;
  • está associada ao blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné":
  • é também referida como "Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo)", com sede no Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã.

Apesar de não ter conseguido aceder diretamente à página do blogue, obtive estas informações através de uma pesquisa geral.

Pode encontrar mais detalhes nos seguintes links:

Guiné 61/74 - P21328: Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Lourinhã (1)

Tabanca do Atira-te ao Mar - Luís Graça & Camaradas da Guiné " (...)



3. Texto da apresentação do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva,  na sessão de lançamento, realizada no passado dia 21, no Salão Nobre da Câmara Municipal d Lourinhã, às 11h00:

AO "BONIFÁCIO"

Estamos aqui três antigos colegas de estudo, três antigos combatentes e, sobretudo, três amigos já com uma alguma antiguidade.

Conheci o Jaime no seminário de Santarém, no ano em que começava a “guerra colonial”! Anos depois, acabaria por conhecer o Luís, mas não de maneira tão próxima e noutro seminário. E foi através do Jaime que, há alguns anos, voltei a reencontrar o Luís. O Jaime apresentou-me o Luís como o criador do blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, blogue que eu já conhecia porque também estivera na Guiné.

O reencontro deu-se, na minha casa, na Atalaia. Recordo que, no meio da conversa, virei-me para o Luís e disse-lhe: "Então tu, o Luís Graça do Blogue, és o mesmo Luís Graça que eu conheci no seminário?"... 

E a partir daí, os três temos mantido um contacto próximo e regular que foi, de forma mais assídua, no período da pandemia Covid 19 e depois! 

Somos três filhos do pós-guerra (da segunda guerra mundial – que a terceira ainda não acabou!) e fomos “camaradas” na “guerra colonial”. Quando começou, no dealbar dos anos 60 – não sei se era também a ideia destes meus amigos! – a “guerra do ultramar” não nos dizia nada nem pouco nos preocupava. 

Eu estava convencido que, quando chegasse o tempo da “tropa”, a guerra já teria terminado. Puro engano! Os três fomos mobilizados: o Jaime, caiu de paraquedas em Angola e nós, os dois, sem paraquedas, batemos com os costados na Guiné! 

Uma coisa é certa: quando nos conhecemos ou quando, mais tarde, estivemos na guerra colonial, estávamos bem longe de pensar estar aqui hoje, os três, nesta vida bem mais airada. Mas hoje aqui estamos, neste ato, com a solenidade merecida, muito por causa dessa guerra, mas muissimo mais por culpa da amizade que nos une. 

Aqui estamos os três, colegas de estudo, camaradas combatentes e amigos e, à nossa frente, temos esta ilustre assembleia que se reuniu por causa de um livro, acabadinho de nascer! De parto difícil, ao que sei! 

O Luís Graça fez o ""prefácio", eu fiz o "posfácio", e o Jaime fez o "bonifácio - “bonifácio”,  do latim “bonum” + "facere” – que significa “fazer o bem”...  

E o Jaime o fez muito bem! Mas este livro não tem três pais, não é, de forma alguma, uma obra comum dos três. Foi concebido e escrito apenas por duas mãos ou a um só teclado, ou, melhor dizendo, foi gerado pelo coração e pela vontade do Jaime Bonifácio Marques da Silva, paternidade autoral que está inscrita logo no topo da capa do livro. Nós dois seremos, digamos assim, os “padrinhos de guerra” deste ser recém-nascido! 

Nota-se bem   – ou será mera impressão minha – que o Jaime, hoje, parece estar mais tranquilo, menos estressado e deve estar satisfeito: ao fim de mais de uma década de pesquisa, de recolha de testemunhos, de compilação e organização de dados, e numa década atravessada pelos riscos da pandemia Covid 19 e pelas vicissitudes da sua vida familiar, o Jaime venceu mais um bom combate. 

O Jaime é assim, combatente e guerreiro, é um veterano, não só da guerra, mas também das armas literárias que defendem a memória da guerra colonial! O Jaime já teve oportunidade de participar num trabalho coletivo, semelhante, quando foi vereador na Câmara Municipal de Fafe e fá-lo agora, imagino eu, com redobrada dedicação e entusiasmo, na terra e no município que o viu nascer e onde nasceram ou de onde partiram os jovens militares que vão recordados nesta obra! 

O Jaime não só deve estar satisfeito como está de parabéns! Parabéns... Porque o livro está pronto e está lindo. Na capa e no conteúdo. E também o livro deve estar feliz e desejoso para seguir o seu destino: chegar às mãos dos leitores, de todos nós e de outros, e ser lido e compreendido. 

O livro aí está. Completo, até no título. E inteiro. Tem corpo. Compõe-se de cabeça, tronco e membros. 

Na cabeça, o primeiro capítulo, mais racional, faz-se o enquadramento factual e sociopolítico da eclosão e desenvolvimento da guerra colonial. 

No segundo capítulo, o tronco, onde se situa o coração, bate o senmento, pulsa o testemunho pessoal do autor e digere-se a sua experiência como paraquedista e combatente. 
Nos membros, terceiro e quarto capítulos do livro, acolhem-se os 20 jovens militares e dá-se a mão ao objetivo da obra e seguem-se os passos que aqueles combatentes deram até à sua morte. Tudo detalhada e profusamente documentado e ilustrado. 

Este é o seu corpo; reserva-se ao leitor o desafio de lhe perscrutar a alma. Quanto a mim, a alma, o intuito do autor vai além desse corpo, das palavras. O autor pretende também preservar a memória desse conflito, ou seja, proclamar que a guerra colonial existuu, foi real, é história documentada, não é uma ficção! 

É certo que foi uma guerra que não se venceu, que acabou com os “restos” do império colonial português. Perdeu-se a guerra e o império, mas, por ela, ganhou-se a liberdade e o direito à cidadania. Só por isso – e apesar disso – valeu a pena existir! Foi na guerra que nasceu o 25 de abril que lhe pôs fim! E se, neste ano, acabámos de celebrar os cinquenta anos da “Revolução dos Capitães e dos Cravos”, já se ouvem vozes, com alguma violência até, a denegrir (sem qualquer conotação racista) e deturpar este facto histórico que trouxe a democracia que nos permite hoje estarmos aqui juntos e expressarmo-nos...

E não tardará que, como aconteceu com o Holocausto da segunda guerra mundial, surjam também teorias negacionistas a tentar branquear esta guerra e as suas sequelas familiares e sociais. 
A guerra colonial é uma página importante, ainda que triste, da história de Portugal e sobretudo desta geração de combatentes que são, por assim dizer, os úl mos heróis  – ou mátires - do império colonial português, mesmo aqueles que não tombaram em combate! 

Daqui a 20 ou 30 anos, não haverá ninguém para contar a história desta guerra e da geração que a suportou! Por isso, é preciso que o David e os netos desta geração não a esqueçam e que a Pátria preste aos combatentes o devido louvor e reconhecimento  – o que nem sempre é feito na justa medida.

Este livro obriga a NÃO ESQUECER esses heróis e, no caso concreto, os jovens lourinhanenses que morreram na e por causa da guerra colonial, em Angola, Guiné e Moçambique e é louvável que a Câmara Municipal da Lourinhã se tenha mobilizado também para esta nobre missão de preservar a memória coletiva e contribuído, com a publicação deste livro, para este bom combate da escrita e da cultura. 

Li há dias no “Blogue do Luís Graça” as seguintes palavras num “post” do Zé Teixeira que tomo a liberdade de citar: 

“Todos ficámos presos ao lamaçal da guerra, apesar de ela ter acabado há muito tempo. Regressámos, mas trouxemo-la connosco. Dorme connosco todas as noites. Não conseguimos desenvencilharmo-nos dela, apesar de ter terminado há muito tempo”. 

É por isso que, para terminar, como posfácio desta minha intervenção, quero deixar um recado amigo ao Jaime. É verdade que não esquecemos... a guerra e outras coisas menos boas da vida, mas apesar das adversidades, a vida continuou ou, recorrendo a uma frase bati da e frequentemente usada até pelos políticos, há mais vida para além da guerra. E é esta que vale a pena viver! 

Por isso, meu caro Jaime, não te esqueças deste recado, em jeito de mensagem: fica em paz com aquilo que deste a este livro e que este livro contém e deixa que o livro, hoje menino, cresça para o mundo dos leitores e dos livros e siga o seu caminho, a sua vida! 

Obrigado, Jaime, pelo teu livro, pelo teu... "bonifácio"! (**)

Joaquim Pinto Carvalho

(Revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 23 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26949: Notas de leitura (1811): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte I: apresentação de Luís Graça

(**) Último poste da série > 23 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26950: Notas de leitura (1812): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26949: Notas de leitura (1811): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte I: apresentação de Luís Graça



Capa do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal da Lourinhã, 2025, 235 pp, il, ISBN: 978-989-95787-9-1) (*)




Nota biográfica di autor



Índice da obra



I. Texto do essencial da apresentação, por Luís Graça, do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos...",  Lourinhã, 21 junho 2025, 11h00 (**)



1. As minhas saudações lourinhanenses ao Jaime,e aos restantes membros da mesa.
A todos os demais antigos combatentes. Aos familiares
dos jovens lourinhanenses mortos na guerra do ultramar / guerra colonial que se voltam a homenagear com este livro. A todos os demais presentes nesta sala que é também, fisica e simbolicamente, a casa do poder autárquico democrático.

Já prefaciei e apresentei cerca de um dezena de livros de memórias, ficção e poesia, escritos por antigos combatentes da Guiné.

Mas este livro do nosso Jaime tem um particular significado para mim. Acompanhei o seu "making of". E fala da nossa terra e e da nossa gente. Foram vinte os nossos conterrâneos, mortos na guerra do ultramar / guerra colonial. Já homenageados na pedra, em monumento inaugurado em 2005.

Hoje este livro traz-nos mais informação, proveniente dos arquivos militares e outras fontes, sobre a vida e a morte destes bravos lourinhanenses. Traz a sua foto, e detalhes sobre a sua vida civil e militar, incluindo as circunstâncias em que morreram, 11 em combate e 9 por acidente ( incluindo com armas de fogo).

Alguns estavam mais próximos de nós, pela idade, o parentesco, a vizinhança, etc.

Por exemplo, o Arsénio Bonifácio Marques da Silva, do Seixal, era primo direito do Jaime. Morreu em Angola em 1972. Numa mina. Ou o José Henriques Mateus,da Areia Branca, seu colega de escola: desapareceu, no decurso de uma operação, no sul da Guiné, em 1966, ao atravessar o rio Tompar. O corpo nunca foi econtrado.

Já o José António Canoa Nogueira, o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em combate, em 1965, era meu parente. O seu pai e a minha mãe eram primos direitos. As nossas avós eram irmãs. Ele tinha mais cinco anos do que eu. Não éramos íntimos mas o seu funeral, três meses e meio depois, tocou-me profundamente.

Eu tinha 18 anos e na altura, eu era o redactor do nosso jornal "Alvorada"... Fui eu próprio que fiz a notícia do seu funeral. E publiquei uma das últimas cartas que ele escreveu, dirigida ao diretor. Foi-me entregue pelo pai, um homem destroçado. Fazia parte do seu espólio.

Já não chegou a tempo de ser enviada pelo SPM (Serviço Postal Militar). O Nogueira morreria 13 dias depois, em em combate, com um estilhaço de morteiro na cabeça.

Em boa hora o Jaime transcreve no seu livro, na página 119, esta carta singela e comovente. O Nogueira chamou-lhe "Um domingo do mato" (sic).

Escrevi, no jornal, em 23/5/1965, há 60 anos (!) que o texto revelava muito da solidão, da saudade e da sensibilidade dos nossos militares em África.

Os restos mortais do Nogueira, em urna de chumbo, foram transportados, de barco, a expensas não do exército mas dos seus camaradas. Onze contos. 5 mil euros a preços de hoje.

Só a partir de 1968 o Estado chamou assim esse encargo, o de trasladar para a metrópole os restos mortais dos seus soldados.

A cerimónia fúnebre, na qual se incorporou "uma multidão anónima e inumerável" (sic), para além das autoridades civis e militares e os Bombeiros Voluntários, foi das mais emocionantes que eu já vi em vida:

(...) À chegada do autofúnebre militar, com a urna, os clarins dos Soldados da Paz tocaram a silêncio. E o préstito atravessou a Vila, sob uma impressionante atmosfera de recolhimento e dor. (...)

2. Feita esta incursão pelas minhas própias memórias, deixem-me fazer duas perguntas a que os próprios leitores deste livro devem poder responder no final, e a quem o autor não deixa de dar a sua própria resposta:

(i) Qual o sentido destas mortes ?

(ii) Qual a dimensão desta guerra e o preço que tivemos de pagar, nós, lourinhanenses, a nossa terra ?


Permitam-me que vos mace com alguns números que, às s vezes, valem mais do que mil palavras.

Estas mortes não podem ter sido em vão. A nossa participação na guerra também não pode ser vista como totalmente absurda. Afinal “soubemos fazer a guerra e a paz”.

Servimos a Pátria, que está acima dos regimes políticos. Não desertámos. Pagámos o nosso imposto de sangue. Reafirmámos o direito de continuar a ser portugueses e a viver em Portugal.

E mais: como militares, assegurámos as condições que permitiriam ao regime da época encontrar soluções politicas para uma guerra que nunca poderia ter uma solução estritamente militar.

Para além do testemunho pessoal sobre a sua própria vivência da guerra, o Jaime reconstitui as histórias de vida de 20 combatentes da Lourinhã que não sobreviveram para as poder contar.

Ficamos a conhecer melhor pelo menos quem foram os nossos conterrâneos que pagaram com a vida o brutal esforço de guerra (militar, logístico, demográfico, financeiro, económico, social, político, diplomático, etc.) que o país fez entre 1961 e 1975.

Estima-se em c. 25 mil milhões de euros, a preços de hoje, o custo da guerra. São quase 8,8% do nosso PIB nominal

Mas a perda e vida e o sofrimento físico e psíquico não mais difíceis de contabilizar em termos de custos, diretos, indiretos e ocultos.

Reforço o que o Jaime escreveu no capítulo Um: a guerra colonial (1961/75) foi seguramente o acontecimento mais marcante da nossa Pátria no Séc. XX.

Em rigor dever-se-ia falar em guerras coloniais, e que remontam à expansão colonial europeia, na sequência da Conferência de Berlim, em 1884/85.

A última foi mais do que uma sucessão de operações militares: implicou também, paralelamente, uma aposta, se bem que tardia, no desenvolvimento socioeconómico do “ultramar português”.

Cedo se percebeu (até pelo exemplo de outras potências colonizadoras como a Inglaterra, a França e a Holanda) que aquela guerra não podia ser ganha pelas armas.

O seu desfecho levou não só à restauração da democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, mas também ao desmantelamento do velho império colonial e ao aparecimento de novas nações lusófonas, mais de cento e cinquenta anos depois da independência do Brasil (em 1822).

Resta saber se fizemos (ou soubemos fazer) o luto de tantas perdas (físicas e simbólicas).

Já no passado, a Lourinhã tinha pago a sua quota-parte do "imposto de sangue de sangue, suor e lágrimas" nas guerras que direta ou indiretamente a tocaram, desde pelo menos as invasões napoleónicas.

Mais próximo de nós, não posso esquecer o caso dos nossos 4,6 mil prisioneiros na Índia (1961/62) (dos quais 13 eram lourinhanenses).

Mas a Lourinhã, desde a batalha do Vimeiro, em 1808, e as guerras civis oitocentistas, não conheceu felizmente a brutalidade da guerra à sua porta.

Estas de que aqui falamos,  passaram-se a milhares de quilómetros de distância: 4 mil na Guiné, 8 mil em Angola, 12 mil / Moçambique, 8,3 mil na India (via Canal Suez) etc.

Quantos militares (e/ou civis) nossos conterrâneos, mesmo os que não tenham morrido nestas guerras e expedições, pagaram o "imposto de sangue, suor e lágrimas" ?

Será bom não esquecê-los, incluindo as famílias dos militares mobilizados, a população civil que "retornou" a Portugal, na sequência da descolonização (mais de meio milhão), etc.

Mas restringindo-nos ao período da guerra do ultramar / guerra colonial, podemos avançar com alguns números:

Estima-se em cerca de 1300 o número de mobilizados, da nossa terra

No total foram mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique cerca de 800 mil militares portugueses (número no qual se incluem também cerca de 30% de oriundos do recrutamento local, ou sejam, africanos como os meus soldados).

Em 1970, a população portuguesa era de 8,6 milhões e a da Lourinhã, não chegava aos 20 mil.

Portanto, 65 lourinhanenses em cada mil foram à guerra. E morreram 20 (11 por ferimentos em combate e 9 por acidente e outras causas), o que corresponde a uma taxa de letalidade de 1,56.

No total, morreram (por todas as causas) 10,4 mil militares portugueses, dos três ramos das Forças Armadas (incluindo os do recrutamento local).

E pelo menos 60 dos nossos militares lourinhanenses foram feridos gravemente. No cômputo geral houve 10 feridos (dos quais 3 graves) por cada morto.

O total de feridos da guerra foi de cerca de 117 mil.

Houve cerca de 28 mil feridos evacuados para os hospitais, metade dos quais metade foram classificados como deficientes.

Nestas baixas todas, para além das mortais, há lourinhanenses. Não sabemos quantos nem quem.

Também sabemos que um 1/5 dos mancebos em idade militar, em todo o país, não se apresentaram para cumprir o serviço militar. Estamos a falar de um total de mais 220 mil. Cerca de 500 seriam lourinhanenses.

Os números podem discriminar-se do seguinte modo:  faltosos (c. 202 mil), refratários (c. 
20 mil), desertores (c. 9 mil) (também os houve na nossa terra).

Neste número de faltosos e refratários estão muitos emigrantes. E é bom não esquecer que ao longo deste período (1961/74) a emigração em Portugal ultrapassou o milhão e meio.

Na década de 60, a Lourinhã perdeu cerca de 3,3 mil habitantes (c. 15%).

1300 homens em África foram também 1300 famílias. Fora o meio milhar que escapou a guerra.

Milhares de lourinhanenses (familiares, vizinhos e amigos) viveram a guerra à distância, com os oceanos Atlântico e Índico de permeio.

Dez toneladas de correspondência (aerogramas, cartas, jornais e revistas, encomendas, etc.) circulavam todos os dias através do Serviço Postal Militar, criado em 1961.

Calculamos, por baixo, que 250 milhões de aerogramas escritos, uns de cor amarela (reservados aos militares) e outros de cor azul (reservados às famílias), terão circulado num sentido e no outro. Sem falar das cartas pelo correio normal. Os aerogramas eram distribuídos pelo Movimento Nacional Feminino (mais de 30 milhões de impressos por ano).

À Lourinhã, com uma população a rondar os 20 mil, caberão c. 600 mil aerogramas  durante a guerra, enviados e recebidos pelos militares, famílias e amigos.

3. Passo o desafio à professora Leonor Bravo, a quem sugeri, através do Jaime, que falasse do direito e do dever de memória dos combatentes e da sua comunidade (incluindo a escola, professores, alunos, pais, avós) .

Mais de meio século depois (e quando mais de um terço dos antigos combatentes já terá morrido), não é tarde ainda para que a nossa comunidade (incluindo as escolas e as autarquias) se empenhe na recolha e salvaguarda de todo a documentação dessa época, com destaque para os álbuns fotográficos e a correspondência,

O Jaime dedica o seu livro ao seu neto David e a todos os netos dos antigos combatentes bem como aos cerca de 3,5 mil estudantes do concelho.

Há intencionalmente aqui uma “passagem de testemunho” e uma partilha de memória intergeracional.

4. Uma nota final: a guerra tem sempre um preço muito alto para qualquer combatente ou para quem a sofreu, a população. A guerra, e as suas múltiplas histórias, com h pequeno e com H Grande, as suas sequelas, os seus fantasmas, as suas memórias, as suas perplexidades... nunca acaba, mesmo quando morre o último combatente.

O músico e cantor Diogo Picão, que se orgulha das suas raízes lourinhanenses, diz isso, magistralmente:

“O meu tio (refere-se ao materno) fala muito da guerra. Ainda bem, fico mais tranquilo. Imaginem quem guardou aquelas explosões e aquele mato, aquelas entranhas todas dentro do peito.

" O meu outro tio (refere-se ao paterno) nunca me falou da guerra, mas sei que alguma coisa também morre dentro dele todas as noites”

Caros amigos e conterrâneos, leiam o livro e falem dele aos vossos netos: a palavra é agora do Jaime, que legitimamente reivindica, para ele e todos os demais antigos combatentes, o direito de não ficar na “vala comum do esquecimento”.

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 22 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26947: Agenda cultural (890): Lançamento do livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial": Lourinhã, 21 de junho de 2025: fotogaleria

(**) Último poste da série > 20 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26943: Notas de leitura (1810): A presença portuguesa no Gabu, a relação colonial com os Fulas, por José Mendes Moreira (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26929: Agenda cultural (889 : Lourinhã, Salão Nobre da Câmara Municipal, sábado, 21, às 11 horas: sessão de lançamento do livro de Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos: os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial"



Cartaz de lançamento do livro "Não esquecemos: os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial", da autoria do lourinhanense Jaime Bonifácio Marques da Silva

Cortesia de: Página do facebook de Município da Lourinhã, terça, 17 de junho d2 2025, 13:00

 1. Estão convidados os nossos leitores para assistir à sessão de lançamento do livro, "Não esquecemos: os jovens militares do concelho da Lourinhá mortos na guerra colonial".

O evento vai realizar-se na Lourinha, no Salão Nobre da Câmara Municipal, dia 21, sábado, às 11h00.

A edição do livro tem a chancela da Câmara Municipal da Lourinhã (2025, c. 230 pp.).  O autor é o nosso grão-tabanqueiro nº 643 (desde 31 de janeiro de 2014), Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72). 

O livro será apresentado pelos nossos tabanqueiros Joaquim Pinto Carvalho e Luís Graça. 

Na mesa terão ainda presentes, além do autor, o presidente da edilidade,engº  João Duarte (tem 3 irmãos antigos combatentes),  a profª Leonor Bravo (professora de história, do Agrupamento de Escolas João das Regras, Lourinhã) e ainda a profª Maria João Picão Oliveira (moderadora).






(i) nasceu em 1946, no Seixal,Lourinhã;

(ii) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72);

(iii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate;

(iv) viveu em Angola até 1974;

(v) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH);

(vi) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ;

(vii) autarca em Fafe, em três mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura;

(viii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;

(ix) é membro da nossa Tabanca Grande, nº  643, desde 31/1/2014;

(x) tem uma centena de referências no nosso blogue.


(Fixação do texto e edição de fotos: LG)
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sábado, 26 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26732: Efemérides (453): Lourinhã, 25 de abril de 2025: cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ulltramar / guerra colonial

 




Foto nº 1 > Aspeto parcial do Monumento aos Combatentes da Lourinhã > Largo António Granjo. Inaugurado em 2005. Autoria: 2005. Arquiteto: Augusto Silva; escultora: Andreia Couto.


Foto nº 2 > Intervenção do Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21 (Angola, 1970/72), e membro da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste


Foto nº 3 > O Jaime Silva chamando pelos nomes dos 20 lourinhanenses mortros em comnbate (11) ou por acdiente (9), nos 3 TO da guerra do ultramar / guerra colonial. (Está já no prelo o livro que o Jaime Silva, nosso grão-tabanqueiro, elaborou de homensagem aos seus conterrâneos,  mortos na guerra colonial)



Foto nº 4 > Intervenção do presidente da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã. aO Adelino sucedeu ao Castro.  (A AVECO tem cerca de 4 centenas de associados.)



Foto nº 5 : Intervenção do município, engº João Duarte (que teve 3 irmãos mobilizados)



Foto nº 5 > Deposição de um ramo de flores na base do munumento


Foto nº 6 >  Intervenção do Calçada, que foi condutor auto, tendo integrado uma CCmds (Moçambique, 1969/71)

Lourinhã > 25 de abril de 2025 > Cerimónia de homenagem aos combatentes da Lourinhá que morreram na guerra do ultramar / guerra colonial: foram 20 ao todo (11 em combate e 9 por acidente); 9 em Angola, 6 na Guiné; 5 em Moçambique. 


Fotos (e legendas):  © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26671: Efemérides (452): Cerimónias de inauguração do Monumento Concelhio aos Combatentes do Ultramar, do Dia do Combatente e do 16.º Aniversário do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes (Carlos Vinhal)

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26168: Efemérides (446): Cerca de 300 fafenses homenagearam Jaime Bonifácio Marques da Silva, que na cidade de Fafe foi: Professor, Autarca, Fundador do Clube de Andebol, Treinador, etc. (Manuel Barros de Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 17 de Novembro de 2025:


Há já um mês que cerca de 300 fafenses, em agradecimento ao Prof. Jaime Bonifácio lhe prestaram uma mais que merecida homenagem. O professor foi que marcou Fafe e as suas gentes. Professor, Autarca, Fundador do Clube de Andebol, Treinador, etc.

Esta homenagem que fez mover muita gente, não só com as suas presenças mas dadas impossibilidades ou compromissos fizeram presença por diversos meios.

Foram os ex-atletas os promotores do evento, eles que, então, foram arrastados pelo pai do andebol em Fafe, a que aderiram, ex-alunos que não esquecem o carinho do seu professor de Educação Física; amigos pelo Homem que, vindo lá de baixo, mostrou o seu prestígio, o seu saber e a sua vontade de bem servir; ex-paraquedistas de Fafe pela sua camaradagem; e a Câmara Municipal na pessoa do seu presidente pelo empenho do seu trabalho como vereador.

Para ele o meu repetido e apertado abraço.
Manuel Castro



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(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72);
(ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate;
(iii) viveu em Angola até 1974;
(iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH);
(v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ;
(vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura;
(vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;
(viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014;
(ix) tem quase uma centena de referências no nosso blogue.


(Fixação do texto e edição de fotos: Carlos Vinhal)

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Nota do editor

Último post da série de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26129: Efemérides (445): Passam hoje 51 anos que este louvor foi publicado na Ordem de Serviço do Comando Territorial Independente da Guiné (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Inf)

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25986: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - X (e última) Parte: papel do município e gentes de Fafe na preservação da memória da guerra colonial

 



SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.

Capa e dedicatória autografada,com data de 12/12/2014.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada  ao papel do município e gentes de Fafe na preservação da memória da guerra do ultramar / guerra colonial (pp. 79/84).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] (*)


XI (e última) Parte: O concelho de Fafe e a evocação da memória da Guerra Colonial (pp. 79/84)



O concelho de Fafe, nomeadamente a partir de 1996, tem tido um papel meritório na luta contra o esquecimento a que todos os combatentes da Guerra do Ultramar foram votados pelos sucessivos governos de Portugal, desde a Revolução de Abril de 1974.

O primeiro momento ocorreu a 25 de abril de 1996, quando a Câmara Municipal organizou, na Casa Municipal de Cultura, uma exposição de fotografia alusiva à Guerra Colonial, cedida pelos ex-combatentes de Fafe e intitulada: “África: Memórias de uma Guerra  - 100 Fotografioas de Ex-Combatentes de Fafe" (...).

Na altura, sendo o vereador responsável pelo Pelouro da Cultura, dinamizador e responsável pela exposição, escrevi um texto com o objetivo de enquadrá-la e contextualizá-la no tempo e espaço histórico e do qual destaco:

"Trinta e cinco anos volvidos sobre a eclosão da guerra em África e numa altura em que sociedade se dispõe, finalmente, a soletrar as primeiras letras de um livro que não é “branco”, parece-me importante, no momento em que se comemora mais um aniversário da Revolução de Abril, abrir nesta Casa de Cultura uma exposição de reflexão sobre a guerra em África.

As 100 fotografias expostas são retalhos do quotidiano de 20 ex-combatentes fafenses que operaram nas três frentes de combate." (…)


Levei dois anos a concretizar esta exposição. Não foi fácil a busca e a cedência do material ora exposto. Obtive respostas como: 


Fafe > Monumento
 aos combatentes
da guerra colonial.
 (2012)
  • “queimei tudo”;
  • “não quero saber”;
  • "já não sei onde param as fotografias”; ou 
  • “porquê uma exposição sobre guerra se há problemas mais importantes a resolver?”.

Esta exposição, património da Câmara Municipal,  percorreu o país no âmbito das iniciativas da Delegação de Fafe da APVG (Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra).

Quatro anos depois, em 28 de maio de 2000, a Assembleia Municipal aprova por unanimidade uma proposta apresentada por mim, à data membro da mesma Assembleia, no sentido da Câmara Municipal mandar projetar e erigir, em local digno, um simples Memorial onde se eternizem os nomes dos Combatentes de Fafe mortos na Guerra Colonial.

Em 2001, a Câmara Municipal cedeu uma sala de trabalho para a Delegação de Fafe da APVG instalar a sua sede, organizando esta,  
nesse ano, o I Encontro de Ex-Combatentes de Fafe.

A 6 de novembro de 2005, inaugurou-se o
 monumento em memória dos Combatentes 
da Guerra Colonial, erigido na Av Brasil.  A sua construção só foi possível graças ao empenho dos membros da direção da Delegação da APVG e ao apoio financeiro da Câmara Municipal, das Juntas de Freguesia, de algumas empresas e população de Fafe. (...)

 Em 17 de março de 2012, um grupo de ex-combatentes de Fafe tomou a iniciativa de organizar a Cerimónia Evocativa dos 50 anos do início da Guerra do Ultramar em homenagem aos militares de Fafe mortos em combate. (..,)

 A efeméride iniciou-se em 5 de abril de 2013 com uma Exposição Documental sobre a Guerra Colonial, coordenada pelo Museu da Guerra Colonial de V. N. Famalicão (5 a 19.4.2013), seguindo-se o “II Curso Livre de História Local” (24.10 a 21.11.2013), da responsabilidade do Núcleo de Artes e Letras de Fafe (NALF), e o “Ciclo de Cinema sobre a guerra (25 a 29.11.2013), organizado pelo Cineclube de Fafe.

O programa da “Evocação dos 50 anos do início da Guerra Colonial” prolongou-se ao longo do ano de 2013, nomeadamente com o lançamento do Livro de Atas do Curso Livre de História Local, subordinado ao tema da participação dos militares de Fafe na Guerra Colonial (1961 -1974).

Nota final

Como nota final e à guisa de conclusão, gostaria de clarificar a minha posição pessoal sobre as razões que me levaram a aceitar o convite para abordar a História do enquadramento e da participação dos militares de Fafe durante a Guerra Colonial. 

Obviamente, não me move nenhuma tentativa de recuperação de saudosismos do passado ou a apologia de pretensos heroísmos serôdios, descabidos e sem sentido, mas, tão só, contribuir de forma lógica e racional, com base nos documentos, testemunhos e na minha participação no conflito, para um melhor conhecimento e compreensão dos factos que ocorreram durante os percursos destes militares, uma vez chamados e obrigados a fazer uma guerra que, como afirmou o General Ramalho Eanes quando em viagem oficial à Guiné – Bissau, foi uma guerra inútil, uma guerra injusta e uma guerra evitável (Teixeira, 2010, p. 55) (1).

Ficaram muitas questões por abordar e dar resposta, nomeadamente, ouvir o testemunho dos feridos graves. No futuro, esse será, certamente, um dos temas importantes a prosseguir na pesquisa. O primeiro passo foi dado.

E sobre a importância do estudo da História e do dever de todos lutarem contra a amnésia coletiva que se instalou em Portugal após o final da Guerra em África, tal como já se tinha instalado em relação à participação dos soldados portugueses na Primeira Guerra Mundial, finalizo, citando o ex-presidente da República e Alto-Comissário das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, Jorge Sampaio, que no passado dia 29 de outubro de 2013, na Fundação Calouste Gulbenkian, defendeu, na abertura da conferência “Portugal e o Holocausto – Aprender com o Passado, ensinar para o Futuro”, que o ensino da História do século XX é fundamental para a procura de pontos para a resolução de conflitos. O século XX ainda há pouco nos deixou e os seus medos já estão a ser empurrados para a memória espúria. O passado recente é o mais difícil de perceber e nós tratamos o século passado com ligeireza, alertando que o “genocídio” não foi um acidente da história, foi um produto de um estrato social (in jornal Público, de 30.10.13).

Também a Guerra em África, pensamos nós, foi o produto de um estrato social dominante no Portugal do após Segunda Guerra Mundial que, não querendo compreender os sinais de mudança dos tempos, tomou uma má decisão política, feita à revelia dos portugueses e de todos os pareceres da comunidade internacional, arrastando este pobre país para uma Guerra sem sentido e para a qual nem sequer estava preparado, nem tinha meios técnicos e humanos para a suportar. Só a carne para canhão da sua juventude, incluindo a dos jovens de Fafe que por lá deixaram a vida.

Estão de parabéns, por isso, a Câmara de Fafe, o NALF, o Cineclube e todos os que cooperaram na concretização desta efeméride.

Nota do autor:

(1) Teixeira, A, A, (2010) - A Guerra de Angola: 1961/1974.  Edição QuidNovi.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25953: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte X: Testemunho 5: "Desaparecido em combate, em Moçambique, em 15/11/1972: fur mil op esp / ranger João Manuel de Castro Guimarães"

(**) Vd. postes de:

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25953: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte X: Testemunho 5: "Desaparecido em combate, em Moçambique, em 15/11/1972: fur mil op esp / ranger João Manuel de Castro Guimarães"

 


SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhos e depoimentos recolhidos pelo autor (pp. 67/82).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 


Parte X:  Testemunho 5: "Desaparecido em combate,  em Moçambique, em 15/11/1972: fur mil op esp / ranger João Manuel de Castro Guimarães"  (pp. 78/79)



Testemunho 5 : 

Há algum militar fafense desaparecido em combate?


O furriel miliciano ranger João Manuel de Castro Guimarães desapareceu em combate no Norte de Moçambique durante a Guerra Colonial. O seu desaparecimento ocorreu durante uma operação realizada junto da povoação de Kytaia, aldeia situada no sul da Tanzânia, nas margens do rio Rovuma, e cujo corpo nunca mais foi resgatado.

Tenho em meu poder cópia de um documento que me foi cedido pela Direção do Centro de Trabalhos de Fafe da Associação de Operações Especiais – “Ranger” em 12.03.2012 e que descreve as circunstâncias do desaparecimento do furriel Guimarães.

O texto é da autoria de Carlos Vardasca, ex-soldado condutor nº mec. 15263570,  da CCAÇ 3309, estacionada no aquartelamento de Nangade. 

Vardasca afirma que só foi possível elaborar o documento com o depoimento de Filipe Manuel Cardão Pinto, ex-furriel mil da  CCAÇ 3309 e comandante dos GES 212, estacionados no aquartelamento de Nhica do Rovuma, em Cabo Delgado.

Relata que a operação denominada “Baga 6” teve como objetivo vigiar junto da fronteira da Tanzânia, a cerca de nove quilómetros do aquartelamento, as movimentações da população moçambicana que trabalhava em machambas (terrenos de cultivo) comunais junto da povoação tanzaniana de Kytaia, nas margens do rio Rovuma, e cujos produtos alimentares serviam para guarnecer os guerrilheiros da FRELIMO que, com bastante regularidade, ali se abasteciam para reentrarem em Moçambique e efetuarem as suas operações contra o exército português.

A operação decorreu entre os dias 14 a 16 de novembro de 1972, sendo enviado um pequeno grupo comandado pelo furriel Guimarães, recentemente chegado da Metrópole (designação dada a Portugal no período colonial).

Na tarde de 14 de novembro, o grupo atingiu o local previsto junto ao rio Rovuma e, dado o adiantado da hora, decidiu emboscar ali para observar as movimentações do outro lado da fronteira. 

Na manhã de 15, iniciaram-se as observações, ainda o cacimbo (nevoeiro) flutuava por cima do capim e o rio em maré baixa deixava emergir do seu leito vastos bancos de areia, permitindo alguns deles o acesso fácil ao outro lado da fronteira.

Talvez por inexperiência e desconhecimento da realidade ou por simples espírito de aventura, continua Verdasca, o furriel Guimarães, apesar de ser advertido pelos seus soldados africanos dos perigos em que ia incorrer, decidiu percorrer um dos bancos de areia que se estendia até à outra margem, tendo mesmo pisado território tanzaniano.

Inesperadamente e perante a angústia dos companheiros, ouvem-se dois tiros de arma de precisão e o corpo do Guimarães tombou de imediato, ficando inerte. 

Alguns dos elementos do grupo iniciam os preparativos para resgatar o corpo, mas, advertidos pelos mais experientes de que seriam, certamente, alvos, também da emboscada do atirador que os esperava, decidem não avançar e comunicar com o destacamento de Nhica do Rovuma que, consciente da gravidade da situação, decide enviar para o local um novo Grupo de Combate comandado pelo furriel Pinto para coordenar as ações no terreno. 

Foi decidido, relata o Verdasca, pedir apoio aéreo para proteger e apoiar o grupo de resgate do corpo do Guimarães. O comando do destacamento de Mueda negou esse apoio, sob o pretexto de se poder vir a abrir um conflito internacional com um país vizinho.

O corpo permaneceu no local e, no dia seguinte, 16 de novembro (de 1972), o soldado que estava de sentinela,  alertou os restantes, informando que o corpo do furriel já não se encontrava no local.

A convicção de todos é que o corpo do Guimarães teria sido levado pelos tanzanianos, facto corroborado por um dos GEs da aldeia de Nhica do Rovuma que disse ter ouvido no seu rádio um comunicado difundido por uma rádio tanzaniana em dialeto Swahili,  segundo o qual "as nossas forças fronteiriças abateram e capturaram um mercenário branco, de farda negra e armado de G3, que tentava penetrar no nosso espaço territorial".

Conclui que, com aquela informação oficial, o corpo do furriel Guimarães tinha sido retirado do local por quem o abateu, sendo mais tarde sepultado em território tanzaniano, local que ainda hoje se desconhece, mas provavelmente nas imediações da aldeia mais próxima do local, ou seja, na aldeia tanzaniana de Kytaia.

Insurge-se 
ainda pelo facto de o seu nome não constar na lista inscrita no Monumento Nacional aos Mortos da Guerra Colonial, erigido em Belém e insiste no dever de Portugal em recuperar ainda os seus mortos sepultados e dispersos por vários locais do continente africano. (**)

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25912: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte IX: Testemunho 4: "Assumi a minha filha!" (Manuel Barros Castro,ex-fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/64, e Cabo Verde, 196465)

 


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.(...)  A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África. (*)

O Zé Saúde, alentejano de Aldeia Nova de São Bento, "ranger", jornalista  e escritor, foi o primeiro a levantar aqui, entre nós, a dolorosa e delicada questão dos "filhos do vento"... Temos uma centena de referências a esta temãtica ("filhos do vento" e "fidju di tuga").



SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhos e depoimentos recolhidos pelo autor (pp. 67/82).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 


Parte IX:  Testemumho 4: "Assumi a minha filha!" (Manuel Barros Caastro,ex-fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/64, e Cabo Vderde, 1964/65) (pp. 75/77)





Testemunho 4


No seu relacionamento com a população nativa, quem deixou por lá os chamados “ filhos do vento” ou assumiu os filhos, perfilhando-os e trazendo-os consigo para a Metrópole?


Já perto do final da sessão, levantei esta questão pertinente, dirigindo-me aos presentes: "Quantos de nós deixaram por lá os, hoje, designados 'filhos do vento' 
 e não assumiram?"

Manuel Barros Castro,
ex-fur mil enf, CCAC 414,
 Catió, 1963/64,
e Cabo Verde, 1964/65)

Ato contínuo, o ex-furriel Castro, presente na sala, levanta imediatamente o braço e diz: "Eu assumi".

O Manuel Barros Castro /foto à direita, c. 1963) fez o favor de me relatar esta sua história de vida no 28 de novembro de 2013. É natural de Fafe, e deu-me autorização para publicar este texto, lido por si, previamente.

Esteve na Guiné e pertenceu a uma companhia operacional ndependente (atiradores) , CCAÇ  414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona. Tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965.

Formou Companhia em Chaves e, esta, esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse, eu, a determinada altura: "Até por que havia algumas facilidades de relacionamento pelo facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras"

- Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci, disse, emocionado. Emociono-me, sempre, que falo neste período da minha vida.

A gravidez foi problemática e a jovem, apesar de ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau, por falta de condições.

Em Bissau, para onde a companhia (CCAÇ 414) se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e, numa das vezes qua a visitou, perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que só queria que ela fosse branca. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica, concordou em batizar a filha.

Após 18 meses no mato, a Companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde, alterando os planos do Furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da Companhia” e protegida da esposa do Comandante da Companhia.

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A Companhia esteve nove meses em Cabo Verde e durante esse tempo a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do Bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois (1969) de ter terminado a Comissão, a madrinha da Mimi veio a Portugal trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu o Curso de Professores do 1.º ciclo e casou com um colega professor. 

Infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009 de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, Maceira da Lixa, deixando uma filha de 11 anos.

Disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e conheceu alguns casos, alguns de oficiais, tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense a residir nos Estados Unidos, filha de uma situação ocorrida na sua Companhia e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer:  "Eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!"

Na última vez em que nos encontrámos, comentámos a mentalidade daquela época, dos preconceitos sociais em relação à “cor” da pele e à rejeição social, sobretudo nas aldeias do Norte e interior do país, em aceitar casos destes. 

Diz que sentiu bem os “olhares” quando a filha chegou. Aliás, quando se referiam à filha, perguntavam-lhe: "Então como vai a sua filha adotiva?"... E o Manuel Castro respondia, perentório: “Eu não a adotei. A menina é mesmo minha filha”.

Disse-me, ainda, que no dia do funeral da filha, a madrinha (de quem já falei) estava em Portugal e esteve presente. Acrescentou que as pessoas, ainda hoje “cochichavam ao ouvido” e perguntaram-lhe se ela não seria a mãe. Teve que esclarecer que a mãe já tinha falecido e que aquela senhora era a madrinha da Mimi.

Contou-me, também, que num dos encontros da Companhia, alguém (que ele identificou) lhe perguntou: "Trouxe a miúda, porquê?”.

Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida.

A história do Manuel Castro está contada, por sua autorização, no blogue sobre a Guerra Colonial, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, onde pode ser consultada. Uma história exemplar. (**)

Agradeço-lhe publicamente o seu testemunho. Muito obrigado.

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense, e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)