Albino Cláudio (30.05.1946 – 23.07.1968), sold at inf, CCAÇ 2368 (Cacheu, Bissorã, Teixeira Pinto, 1968-70)
Soldado atirador infantaria nº 1135736/67
Naturalidade - Ribamar, Lourinhã
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1. REGISTO DE NASCIMENTO
Albino Cláudio nasceu a 30 de maio de 1946, às 8 horas, no lugar de Ribamar, então freguesia de Lourinhã.
Era filho legítimo de Artur Cláudio, de 38 anos, casado e jornaleiro, e de Jacinta da Conceição, 33 anos, casada, doméstica, ambos naturais da freguesia e concelho da Lourinhã e domiciliados no lugar de Ribamar. Neto paterno de Manuel Cláudio e de Maria da Conceição, ambos falecidos, e materno de Januário Feliciano (falecido) e Luzia de Jesus.
O registo de nascimento foi efetuado pelo pai, às onze horas e quinze minutos, de 13 de junho de 1946, teve como testemunhas Manuel Pereira, casado, moleiro, morador em Pregança, e Mateus Baltazar, solteiro, empregado de comércio e residente na Lourinhã, sendo assinado pelas testemunhas e não assinado pelo declarante por não saber escrever.
A importância dos emolumentos foi de seis escudos e a dos selos devidos pela parte de três escudos. Registo de nascimento n.º 272, efetuado a 13 de junho de 1946 na Conservatória do Registo Civil da Lourinhã.
2. REGISTO MILITAR
Recenseamento: recenseado pelo concelho e freguesia de Lourinhã sob o nº 8 em 1966, solteiro, com a profissão de marítimo, pescador.
Tinha como habilitações literárias o 1º grau (3ª classe) do Ensino Primário Elementar e morava em Santa Bárbara, Ribamar.
Colocação durante o serviço: foi incorporado em 23 de outubro de 1967, como recrutado, no RI 10 (Aveiro) na 1ª Companhia. A 04.12. 67 tomou parte nos exercícios de campo da 8ª semana de Iinstrução Básica (IB) /1º ER/67; 20.12.67 Jurou Bandeira; 23.12.67 termina a IB (Recruta); 02.01.1968 marchou para o BCAÇ 10 (Chaves), sendo aumentado ao efetivo do Batalhão e da 2ª Companhia.
Em 03.02.68 fica Pronto da Especialidade de Atirador.
Unidades onde prestou serviço: RI 10 (Aveiro), 23.10.67. BCAÇ10 (Chaves), 02. 01. 68
2.1. Comissão de serviço no ultramar, Guiné
Mobilizado: em 09. 02. 68 nos termos da alínea e) do artº 3º do Dec. 42937 de 22.04.1960 para servir no ultramar, sendo transferido para a CCAÇ 2368.
Embarque:
em Lisboa a 1 de maio de 1968 com destino ao CTIG, fazendo parte da CCAÇ
2368.
Desembarque: Bissau a 7 de maio 68
desde quando aumenta 100% ao tempo de serviço.
Data do falecimento:
23.07.1968
Causa da morte:
acidente com arma de fogo
Local do acidente: Bissorã.
Abatido ao efetivo: nos termos das NEP/Pessoal – III – I Pág. 9 – F. 4a. Da 1ª Rep/QG/CTIG, é abatido ao efetivo desta Subunidade (CCAÇ 2368), desde 23 julho 1968, por morte de acidente com arma de fogo (OS 2 de 27.07.68), desde quando deixa de contar 100% de aumento do tempo de serviço.
2.2. Registo disciplinar: condecorações e louvores:
Medalha: de segunda classe de
comportamento (Artº 88.º do RDM) é-lhe atribuída em 25 de outubro de 1967.
3. PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES AO ACIDENTE: ANOTAÇÕES E CONTEXTO
Participação do acidente: no dia 23 de julho de 1968 o Oficial de Dia, de serviço à CCAÇ 2368, pertencente ao BCAÇ 1915, aquartelado em Bissorã, participa ao seu Comandante de Companhia as circunstâncias do acidente:
- Que “pelas 7.00 horas da manhã
quando me encontrava a assistir à primeira refeição na qualidade de Oficial de
Dia, ouvi uma detonação na caserna e acorri lá imediatamente tendo deparado com
o soldado nº 113573 67, Albino Cláudio, caído à entrada da caserna e com o
sangue a sair abundantemente por uma ferida no peito, o que me levou a chamar
prontamente o médico e alertar o Comandante de Companhia ao mesmo tempo que
providenciava o seu transporte para o Posto de Socorros.
São testemunhas da ocorrência o
soldado nº 11485267, Joaquim da Cunha Moreira e o soldado nº 11699667, Cipriano
Martins da Silva”.
A 24 de julho de 68, o
Comandante do BCAV 1915 ordena que o alf mil António de Matos de Almeida
proceda ao respetivo processo por acidente com arma de fogo.
-A 25.07.68 o alf mil Almeida interroga as duas testemunhas mencionadas que declaram para os autos:
1.ª testemunha, o
1º cabo Atirador Cipriano Martins Silva, casado, de 22 anos de idade, natural
de Oliveira Santa Maria, concelho de Famalicão, após juramento, declarou:
“Que no dia 23.07.68, uns dez minutos antes das 7.00 horas, vira o sinistrado a limpar a arma, pois iria entrar de serviço às sete horas, que não viu o acidente porque foi para o refeitório tomar a primeira refeição, que, quando se deu o tiro, viu o oficial de serviço correr para a caserna e fazer transportar o sinistrado para o posto de socorros, onde foi assistido pelo médico, em vão, pois que acabou por morrer.
O sinistrado tinha dito algumas vezes aos amigos, que logo que passasse
à disponibilidade se casaria e construiria uma casa com o dinheiro que já tinha
no banco, pelo que pensa que o sinistrado não se tivesse suicidado”.
2.ª testemunha, o
soldado atirador de infantaria, Joaquim Moreira, solteiro, de 21 anos de idade,
natural da freguesia e concelho de Penafiel, após juramento, disse:
“que estava à porta da caserna quando ouviu um tiro dentro da caserna, que, entrando lá dentro, viu o sinistrado caído no chão com a arma ao lado e com muito sangue a sair-lhe do peito, que vira momentos antes o sinistrado a limpar arma.
Disse ainda que pensa que o
sinistrado não se matou propositadamente porque lhe parecia uma pessoa pacata e
sem problemas”.
Certidão de óbito: a
23.07.68 no quartel de Bissorâ, o médico da Companhia confirma que “a causa
principal da morte foi o ferimento perfurante na caixa torácica”.
Espólio: relação de fardamento, calçado e outros haveres, pertencentes ao soldado Albino Cláudio: o comandante de companhia, capitão de infantaria Manuel Joaquim Sampaio Cerveira assina, em 27.07.68, a relação dos haveres elaborada pelo alferes António Matos e pelas testemunhas, furriel mil, António Pimenta Rodrigues e 1º cabo Victor Manuel da Costa.
Entre os diversos pertencentes, consta: “01 fio de prata contendo uma pequena medalha. Por declaração de camarada da praça falecida, soube-se que este em situação operacional declarara, se viesse a falecer em combate, que apenas desejava que o fio em prata que contém a pequena medalha fosse entregue à sua namorada”.
Dúvidas do Comando
Territorial Independente da Guiné:
Conclusão do Processo e
despacho final do Comando Militar da Guine “Serviço da República, Ministério do
Exército, Comando Territorial Independente da Guiné, Quartel General – 1ª
Repartição, Processo – Por desastre em serviço
Mostra o Processo:
- Que em 23 julho 68, este soldado ao limpar a sua arma em virtude
de ir entrar de serviço, disparou involuntariamente um tiro que o atingiu
mortalmente;
- Que o certificado de óbito revela como causa da morte “ferimento
perfurante na caixa torácica”;
- Que segundo se investigou não há indícios de se ter suicidado;
- Que está demonstrado o nexo desastre-serviço;
O Processo foi organizado nos termos da Determinação 6ª da O.E. nº 8 – 1ª Série – 1965;
Em face do exposto é parecer desta Repartição:
a) que o desastre deve ser considerado em serviço;
b) dado que para o sinistrado adveio a morte, deve o processo, depois de despachado nos termos da Determinação 3º da O.E. nº 6 – 1ª Série 1966, ser enviado à RSP/DSP/ME-
Quartel General em Bissau 10 de
dezembro de 1968; O Chefe da 1ª Repartição; Carlos Beirão, ten cor inf c/
CGEM.
DESPACHO: "Sou de parecer que deve
ser considerado ocorrido por motivo de serviço o desastre sofrido por este
militar e que motivou a sua morte, em 23 julho 68. O Comandante Militar”.
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 9 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26998: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - II (e última) Parte: testemunhos de camaradas
5 comentários:
O Albino era pecador... Nasceu em 1946... Só tinha a 3ª classe... O pai era "cavador de enxada" e não sabia ler nem escrever... Era de Ribamar, terra dos meus antepassados do lado materno... Gente que tem o ADN do mar, gente habituada a ficar meses e meses no mar... Desde a aventura dos "Descobrimentos"... Terra marcada também pela sua histórica trágico-marítima... O Albino, analfabeto funcional, não morreu no mar, morreu em Bissorã, a limpar a G3...
8 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20428: Recortes de imprensa (107): Homenagem, em Ribamar, Lourinhã, aos 23 pescadores, de um total de 38 mortos, que ficaram insepultos no mar nos últimos 50 anos ("Alvorada", 15 de novembro de 2019)
(...) Notícia dada no suplemento "Grito Rural", do jornal quinzenário "Alvorada", Lourinhã, 15 de novembro de 2019,
(...) Desde 1960, 38 pescadores de Ribamar, Lourinhã, naufragaram no mar, tendo perdido a vida... Desses, houve 23 corpos que nunca foram recuperados, encontrando no fundo do mar a sua derradeira sepultura.
É uma imensa e dolorosa história trágico-marítima para uma terra só...
Ribamar, terra de que me orgulho por ser berço dos meus antepassados Maçaricos, quis fazer uma homenagem a estes "23 pescadores que o mar guardou", erguendo no cemitério local um "Farol Memorial", inspirado por farol do Cabo Carvoeiro que guia os pescadores desta vila, matriculados na capitania de Peniche (onde, atualmente, a maior parte da frota pesqueira, nomeadamente a do mar alto, é de gente de Ribamar)...
Além dos nomes dos homenageados, há uma inscrição onde se lê: "Não importa a distância que nos separa, há um céu que nos une".
O monumento ‘Memorial aos que não tornaram’ é um projecto executado pela Junta de Freguesia de Ribamar, presidida pelo meu amigo Pedro Alexandre Rato, através da edição de 2018 do orçamento participativo, do qual foi responsável Nuno Cruz. A cerimónia teve a presença (inesperada) do Cardeal Patriarca de Lisboa. Apesar da chuva, por vezes torrencial, que caiu na manhã do dia 2 de novembro último, cerca de 120 pessoas não arredaram pé. (Fonte: Alvorada "on line", 5/11/2019).
De entre esses pobres náufragos, há gente meus parentes, e há seguramente alguns que fizeram a guerra do ultramar, tendo passado pela Guiné .
Há cerca de quatro anos atrás, foi inaugurado em Ribamar o monumento aos combatentes do Ultramar (...) que contou com a presença ativa de um dos filhos mais conhecidos da terra, o ten gen ref Jorge Manuel Silvério.(...)
Não sei se o infortunado Albino ainda tem parentes em Ribamar. É mais que provável. De qualquer modo, é importante que os seus conterrâneos, lourinhanenses, e os seus antigos camaradas saibam que a sua morte não foi motivada por suicídio...
Ficava sempre a "suspeita", em casos como este, de acidentes com armas de fogo. O exército fazia questão de esclarecer e confirmar o nexo de causalidade acidente-serviço. Até por causa da família e da pensão de preço de sangue.
O suicídio pode ser honroso se for altruístico, mas não motivado por razões de saúde mental ou de anomia social...O chamado suicídio egoísta ou o suicídio anómico ou ainda o suicídio fatalista, na tipologia do sociólogo Durkheim, não podiam ser aceites pelas Forças Armadas...
E bom que as circunstâncias da morte do Albino, sete meses mais velho do que eu, nascido na terra da minha bisavó (e onde ainda tenho dezenas e dezenas de parentes!), tenham sido esclarecidas ou minimamente esclarecidas...
Tempo duro aquele, em nasceu a nossa geração... O Albino era "neto paterno de Manuel Cláudio e de Maria da Conceição, ambos falecidos, e materno de Januário Feliciano (falecido) e Luzia de Jesus"... Bem razão tinha o ditado popular: "Esta vida não chega a netos nem a filhos com barba"...
Por outro lado, todos os 20 jovens lourinhanenses mortos na guerra colonial têm mães que são classificadas, na conservatória do registo civil, como "domésticas" (e seguramente analfabetas, na maior parte dos casos)...
Já tínhamos aqui comentado, anteriormente, no início desta série:
Além de ter consultados os processos individuais dos nossos camaradas lourinhanenses, mortos na guerra de África, no Arquivo Geral do Exército e no Arquivo da Força Aérea (para o que teve de obter a competente autorização dos familiares ainda vivos),e de ter feito entrevistas a estes, bem como a vizinhos e amigos, o autor consultou também o arquivo da conservatória do registo civil da Lourinhã... E, sem surpresas, constatou "o atraso e as desigualdades sociais e escolares" então existentes nas décadas de 40, 50 de 60...
Eis alguns números (respeitantes aos 20 militares lourinhanenses mortos):
(i) escolaridade muito reduzida: 8 não tinham a escolaridade obrigatória (3 alfabetos; 2 "sabiam ler/escrever"); 3 tinham apenas 3ª classe); 10 tinham a 4ª classe; 1 tinha o ciclo preparatório (seis anos de escolaridade) e um outro o 7º ano.
(ii) os pais eram praticamente analfabetos: 17 pais (em 19, já que de um não há esse dado) não assinam o registo de nascimento e 8 testemunhas (eram duas por cada regiosto) também não assinam.
(iii) quase todas as ocupações / profissões dos militares são ligadas ao campo ou ao mar, ao sector primário (agricultura e pescas) (proprietários, fazendeiros, jornaleiros...) ou, minoritariamente, à construção civil... (Dois eram estudantes; um que vivia em Moçambique, estava matriculado em medicina).
(iv) três eram "filhos ilegítimos" (1 de pai incógnito);
(v) as mães eram todas "domésticas"...
Não foi suicídio, garante o exército... Mas o acidente dá-se dois meses e meio depois do Albino ter chegado ao CTIG... E Bissorã não era uma "colónia de férias", pertencia à temível região do Oio...
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