Foto nº 1 > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate > 1973 > A população balanta prepara a bolanha para o cultivo do arroz
Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate > 1973 > Uma patrulha da CCaç 13 atravessa uma bolanha de Cate, na época seca, sob o comando do capitão Carlos Oliveira
1. Já aqui o dissemos por mais de uma vez: seria uma pena o fabuloso "baú" do Carlos Fortunato, com as coisas & loisas da Guiné, se perder... Referimo-nos nomeadamente à página na Net, Guiné - Os Leões Negros, que esteve alojada no Sapo, até há uma dúzia de anos. Foi depois descontinuada (o "Sapo" tirou o tapete a quem "viajava" de borla...), mas felizmente foi salva, sendo capturada pelo Arquivo.pt.
De vez em quando eu gosto de a revisitar e vou lá repescar algumas das "pérolas literárias" do Carlos (fizemos juntos a viagem para a Guiné no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969, ele foi para a futura CCAÇ 13, Bissorã, e eu para a CCAÇ 12, Bambadinca; regressámos, de novo, juntos, no T/T Uíge, em 17 de março de 1971; "sãos e salvos", e com o "bichinho" da Guiné; "Guiné - Os Leões Negros", uma página ou portal, que não é um blogue, criada em 2003, é, cronologicamente, mais antiga que o nosso blogue, de 2004).
Este texto da autoria do Carlos Fortunato, foi publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006 (*). É uma homenagem aos combatentes balantas, que foram grandes soldados, ao serviço tanto do PAIGC como das NT (**).
por Carlos Fortunato (*)
As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar.
Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das acções que realizámos a Cate, creio que em Novembro de 1969. Saímos por volta da meia noite, mas um dos soldado africanos só acordou 2 horas depois de já termos saído. Apesar de desconhecer qual o nosso destino ou o caminho que íamos seguir, conseguiu seguir-nos encontrar-nos, numa noite escura, depois de termos passado por água, mato cerrado, etc.
Devo confessar que eu me perdi nessa patrulha. Já andávamos há mais de uma hora caminhando noite dentro, quase sempre a corta mato, tendo atravessado as inevitáveis bolanhas que nos deixavam totalmente encharcados, quando chegámos a uma zona em que o mato era de tal forma cerrado, que tivemos que o passar rastejando.
Ora como é natural, os primeiros que passaram a rastejar fizeram-no muito lentamente, mas quando retomaram a marcha normal os que vinham atrás tiveram que correr para os apanhar, vindo eu praticamente no fim da coluna, quando acabei de rastejar, só vi o soldado que ia à minha frente largar a correr para não perder a ligação com o resto da coluna.
Mal atravessei o mato cerrado, larguei a correr para não perder de vista o vulto que corria à minha frente, mas era uma noite muito escura, e não vi um enorme buraco feito por um javali, no qual cai numa confusão de corpo, G3, e granadas.
A minha primeira preocupação foi se alguma das cavilhas de segurança das granadas não tinha saído (o que faria rebentar a mesma ao fim de 4 segundos), depois de verificar/repôr corretamente as cavilhas, atirei a arma para fora do buraco, e consegui sair do mesmo com alguma dificuldade.
Neste espaço de tempo a coluna tinha desaparecido, e eu não fazia a mínima ideia onde estava, e sentia-me incapaz de encontrar o caminho de regresso, assim tentei seguir na direcção para onde tinha visto o último soldado correr.
Algum tempo depois deste incidente, e já estando nós a montar uma emboscada, ouvi um ruído de alguém que se aproximava a coberto do capim, alertei os soldados, mas estes disseram-me que era o soldado do nosso pelotão que não se tinha apresentado à partida, e para grande surpresa minha era mesmo...
Como foi possível ele conseguir-nos seguir? Como sabiam os soldados que era ele?
O conhecimento do terreno e os sentidos mais desenvolvidos dos soldados africanos, permitiam-lhes realizar coisas, que para um soldado vindo da metrópole eram simplesmente impossíveis.
O alferes Roda, da CCaç 14, realizou em Bolama uma secção de hipnotismo, em que num dos números dava a cheirar uma folha de papel em branco, e os africanos, depois de hipnotizados e com os olhos vendados, eram capazes de localizar e apanhar os bocados de papel espalhados pelo chão.
Notas do editor LG:
3 comentários:
Carlos Fortunato. Um homem que tem pela Guiné e suas gentes um amor " que arde sem se ver ".
Obrigado Carlos pela tua extraordinária dedicação à causa da solidariedade. O sentido de orientação dos africanos é espantoso. Os Felizes então, progrediam no mato emitindo sons de pássaros e daziam-no com mestria
Grande abraço Carlos
Eduardo Estrela
"O conhecimento do terreno e os sentidos mais desenvolvidos dos soldados africanos, permitiam-lhes realizar coisas, que para um soldado vindo da metrópole eram simplesmente impossíveis". Uma grande verdade e nao era so em relacao ao balanta, mas a todos soldados nativos que viviam no campo antes de fazer parte da tropa.
Ainda criancas, com idades de 10/11 anos, ou menos que isso, tomavamos conta de uma manada de mais de 50 vacas, metiamos no mato atras dos animais a distancias de mais de 10 km, chovesse ou fizesse sol, sem agua nem comida e, deviamos traze-los de volta e, caso faltasse soh um que fosse, tinhamos a obrigacao, de as procurar, mesmo a noite, e traze-las para casa, junto ao rebanho, antes de recolher a casa dos nossos pais.
Entregues a si mesmos, os recursos para o sustento (agua e comida) deviam ser encontrados na natureza e ninguem ia a nossa procura para nos socorrer, sendo que se acontecesse qqualquer coisa (ataque de animais selvagens, chuvas prolongadas e intensas, encontros indesejados com os homens do mato, cada um devia fazer o possivel para se orientar e regressar a casa, sozinho ou em grupo e tudo com o minimo de perdas possiveis dos animais a sua responsabilidade.
Como dizem os naturalistas ou marxistas, o homem eh um produto do seu meio e nao eh de admirar que os africanos (guineenses) estivessem melhor adaptados para enfrentar as adversidades no decurso da guerra na Guine.
Cordialmente,
Cherno AB
Este elogio do Carlos Fortunato aos seus balantas (e aos seus felupes), podia eu fazê-lo aos meus/nossos soldados fulas da CCAç 12... Nunca vi um dos nossos camaradas da Guiné ser evacuado em pleno mato, por desidratação, insolação, fome, ataque de abelhas, etc. Iam para operações no mato, durante 2 a 3 ias, só com um pugnado de arroz cozido, e os dois cantis de água...Ao fim da manhã, já os "tugas" tinham mamado os dois cantis de água e estavam a comer merdas da ração de combate que ainda fazia mais sede: frutas cristalizadas, chocolate, conservas, etc.
Infelizmente não lidei tanto com os balantas... Conheci-os como "turras" e "prisioneiros"...
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