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terça-feira, 15 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27019: Felupes, balantas e outros combatentes que eu conheci (3): Coisas difícieis de acreditar (Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71)



Foto nº 1  > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate >  1973 >  A 
 população balanta prepara a bolanha  para o cultivo do arroz 



Foto nº 2  > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate >  1973 >  Uma patrulha da CCaç 13 atravessa uma bolanha de Cate, na época seca, sob o comando do capitão Carlos Oliveira 


Foto nº 3  > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate >  1973 >  Trilho em Cate 



Fotos (e legendas): © Carlos Oliveira   (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Carlos Fortunato e Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Bissorã > 1969  > Uma patrulha da CCAÇ 13 regressa ao quartel, , ao anoitecer. O fur mil at inf Carlos Fortunato, o mais alto, é o segundo do grupo.  
As capacidades dFotoos balantas permitem-lhes 
 

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Já aqui o dissemos por mais de uma vez: seria uma pena o fabuloso "baú" do Carlos Fortunato, com as coisas & loisas da Guiné, se perder... Referimo-nos nomeadamente à página na Net, Guiné - Os Leões Negros, que esteve alojada no Sapo, até há uma dúzia de anos. Foi depois descontinuada (o "Sapo" tirou o tapete a quem "viajava" de borla...), mas felizmente foi salva, sendo capturada pelo Arquivo.pt.


De vez em quando eu gosto de a revisitar e vou lá repescar algumas das "pérolas literárias" do Carlos (fizemos juntos a viagem para a Guiné no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969, ele foi para a futura CCAÇ 13, Bissorã, e eu para a CCAÇ 12, Bambadinca; regressámos, de novo, juntos, no T/T Uíge, em 17 de março de 1971; "sãos e salvos", e com o "bichinho" da Guiné; "Guiné - Os Leões Negros", uma página ou portal, que não é um blogue, criada em 2003, é, cronologicamente, mais antiga que o nosso blogue, de 2004).

Este texto da autoria do Carlos Fortunato, foi  publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006 (*). É uma homenagem aos combatentes balantas, que foram grandes soldados, ao serviço tanto do PAIGC como das NT (**).

Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga. Tem sido de uma dedicação extraordinária à causa da solidariedade para com o povo de Bissorã.


Felupes, balantas e outros combatentes que eu conheci (3): Coisas difíceis de acreditar...

por Carlos Fortunato (*)



As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar.

Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das acções que realizámos a Cate, creio que em Novembro de 1969. Saímos por volta da meia noite, mas um dos soldado africanos só acordou 2 horas depois de já termos saído. Apesar de desconhecer qual o nosso destino ou o caminho que íamos seguir, conseguiu seguir-nos encontrar-nos, numa noite escura, depois de termos passado por água, mato cerrado, etc.

Devo confessar que eu me perdi nessa patrulha. Já andávamos há mais de uma hora caminhando noite dentro, quase sempre a corta mato, tendo atravessado as inevitáveis bolanhas que nos deixavam totalmente encharcados, quando chegámos a uma zona em que o mato era de tal forma cerrado, que tivemos que o passar rastejando.

Ora como é natural, os primeiros que passaram a rastejar fizeram-no muito lentamente, mas quando retomaram a marcha normal os que vinham atrás tiveram que correr para os apanhar, vindo eu praticamente no fim da coluna, quando acabei de rastejar, só vi o soldado que ia à minha frente largar a correr para não perder a ligação com o resto da coluna.

Mal atravessei o mato cerrado, larguei a correr para não perder de vista o vulto que corria à minha frente, mas era uma noite muito escura, e não vi um enorme buraco feito por um javali, no qual cai numa confusão de corpo, G3, e granadas.

A minha primeira preocupação foi se alguma das cavilhas de segurança das granadas não tinha saído (o que faria rebentar a mesma ao fim de 4 segundos), depois de verificar/repôr corretamente as cavilhas, atirei a arma para fora do buraco, e consegui sair do mesmo com alguma dificuldade.

Neste espaço de tempo a coluna tinha desaparecido, e eu não fazia a mínima ideia onde estava, e sentia-me incapaz de encontrar o caminho de regresso, assim tentei seguir na direcção para onde tinha visto o último soldado correr.

Naquela direcção havia apenas alguns tufos de capim, e a escuridão não permitia procurar um rasto, talvez por o meu nome ser Fortunato (nome de origem italiana, que significa sorte), acabei por encontrar o resto da coluna, a qual tinha parado um bocado mais à frente, pois já tinha sido dado como "desaparecido em combate".

Algum tempo depois deste incidente, e já estando nós a montar uma emboscada, ouvi um ruído de alguém que se aproximava a coberto do capim, alertei os soldados, mas estes disseram-me que era o soldado do nosso pelotão que não se tinha apresentado à partida, e para grande surpresa minha era mesmo...

Como foi possível ele conseguir-nos seguir? Como sabiam os soldados que era ele?

O conhecimento do terreno e os sentidos mais desenvolvidos dos soldados africanos, permitiam-lhes realizar coisas, que para um soldado vindo da metrópole eram simplesmente impossíveis.

O alferes Roda, da CCaç 14, realizou em Bolama uma secção de hipnotismo, em que num dos números dava a cheirar uma folha de papel em branco, e os africanos,  depois de hipnotizados e com os olhos vendados, eram capazes de localizar e apanhar os bocados de papel espalhados pelo chão.


(Revisão / fixação de texto: LG)
___________________


Notas do editor LG:

(*)  Texto do furriel Carlos Fortunato Publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006 por Carlos Fortunato. Título original: Realizando o impossível

(**) Último poste ds série > 8 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26245: Felupes, balantas e outros combatentes que eu conheci (2): O Dudu veio para Portugal, obteve a nacionalidade portuguesa, era DFA, vivia em Torres Vedras (Eduardo Estrela, ex-fur mil, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)

3 comentários:

Eduardo Estrela disse...

Carlos Fortunato. Um homem que tem pela Guiné e suas gentes um amor " que arde sem se ver ".
Obrigado Carlos pela tua extraordinária dedicação à causa da solidariedade. O sentido de orientação dos africanos é espantoso. Os Felizes então, progrediam no mato emitindo sons de pássaros e daziam-no com mestria
Grande abraço Carlos
Eduardo Estrela

Anónimo disse...

"O conhecimento do terreno e os sentidos mais desenvolvidos dos soldados africanos, permitiam-lhes realizar coisas, que para um soldado vindo da metrópole eram simplesmente impossíveis". Uma grande verdade e nao era so em relacao ao balanta, mas a todos soldados nativos que viviam no campo antes de fazer parte da tropa.

Ainda criancas, com idades de 10/11 anos, ou menos que isso, tomavamos conta de uma manada de mais de 50 vacas, metiamos no mato atras dos animais a distancias de mais de 10 km, chovesse ou fizesse sol, sem agua nem comida e, deviamos traze-los de volta e, caso faltasse soh um que fosse, tinhamos a obrigacao, de as procurar, mesmo a noite, e traze-las para casa, junto ao rebanho, antes de recolher a casa dos nossos pais.

Entregues a si mesmos, os recursos para o sustento (agua e comida) deviam ser encontrados na natureza e ninguem ia a nossa procura para nos socorrer, sendo que se acontecesse qqualquer coisa (ataque de animais selvagens, chuvas prolongadas e intensas, encontros indesejados com os homens do mato, cada um devia fazer o possivel para se orientar e regressar a casa, sozinho ou em grupo e tudo com o minimo de perdas possiveis dos animais a sua responsabilidade.

Como dizem os naturalistas ou marxistas, o homem eh um produto do seu meio e nao eh de admirar que os africanos (guineenses) estivessem melhor adaptados para enfrentar as adversidades no decurso da guerra na Guine.

Cordialmente,

Cherno AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Este elogio do Carlos Fortunato aos seus balantas (e aos seus felupes), podia eu fazê-lo aos meus/nossos soldados fulas da CCAç 12... Nunca vi um dos nossos camaradas da Guiné ser evacuado em pleno mato, por desidratação, insolação, fome, ataque de abelhas, etc. Iam para operações no mato, durante 2 a 3 ias, só com um pugnado de arroz cozido, e os dois cantis de água...Ao fim da manhã, já os "tugas" tinham mamado os dois cantis de água e estavam a comer merdas da ração de combate que ainda fazia mais sede: frutas cristalizadas, chocolate, conservas, etc.

Infelizmente não lidei tanto com os balantas... Conheci-os como "turras" e "prisioneiros"...