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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27029: E as nossas palmas vão para... (27): Rosa Serra, ex-tenente graduada enfermeira paraquedista (Guiné, Angola e Moçambique, 1969/73), homenageada na sua terra natal, Famalicão, no passado dia 9 de julho de 2025

 







Vila Nova de Famalicão > 9 de Julho de 2025 > "40 anos de Cidade" > Sessão solene evocativa do 40º aniversário do Dia da Cidade > Atribuição da medalha de mérito municipal a uma série de munícipes e instiutuições famalicenses, incluinso a nossa grã-tabanqueira Rosa Serra. 

Fotos da págima do facebook do Município de Famalicão, com a devida vénia. (Seleção e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 


1. Reprodução do discurso de agradecimento da Rosa Serra, ex-tenente ghraduada enfermeira paraquedista (Guiné, Angola e Moçambique, 1969/73):


Famalicão 9 de julho de 2025

 Boa a tarde a todos os presentes nesta cerimónia.

Permitam-me, primeiro, que comece por me dirigir ao Senhor presidente da Câmara, Professor Doutor Mário de Sousa Passos, para, na sua pessoa, agradecer ao município de Famalicão o facto de me incluir no grupo de munícipes, homenageados, hoje.

A todos vós o meu muito obrigado por reconhecerem que a minha participação, como enfermeira paraquedista na Guiné, Angola e Moçambique, durante a Guerra Colonial, entre 1969 e 1973, merece, 52 anos depois, a estima das gentes da minha terra.

Minhas senhoras e meus senhores, gostaria de enquadrar este meu muito breve percurso de vida no qual “prestei cuidados de saúde em zonas de combate", dirigindo-me às gerações, aqui presentes, nascidas após a Revolução de 25 de abril que instaurou a democracia em Portugal e colocou
fim à Guerra Colonial.

Nasci na Vila de Ribeirão. Os meus pais criaram seis filhos e, apesar das dificuldades, tiveram a coragem de me pôr a estudar num tempo em que o destino das raparigas, após terminarem a escola primária, era o campo ou a fábrica, casarem e ter filhos. Eu tive a sorte de frequentar, primeiro, o
Externato Camilo Castelo e, depois, prosseguir os estudos no Porto, com a ajuda de familiares de meus pais e frequentar o Curso de Enfermagem que terminei no Hospital de Santo António no Porto.

A minha entrada nas Tropas Paraquedista dá-se no final do Curso de Enfermagem, numa altura em que a Força Aérea estava a recrutar voluntárias para frequentarem o Curso de Enfermeiras Paraquedistas. Nunca me passou pela cabeça oferecer-me, mas a minha amiga e colega enfermeira Rosa Mota
desafiou-me e, apesar de lhe dizer que não estava interessada, tanto mais que não me estava a ver a saltar da porta de um avião em pleno voo e ficar suspensa no ar num paraquedas.

No entanto, sem me dizer nada e à minha revelia, a minha amiga Rosa Mota inscreveu-me para prestar provas em Tancos, no Regimento de Caçadores Paraquedistas. Lá fomos as duas, fizemos as provas, em tudo igual às dos homens, e ficámos apuradas.

A partir dessa data, fiquei a pertencer, para sempre, ao grupo daquelas 46 jovens enfermeiras Paraquedistas, formadas entre 1961 e 1974.

Durante este nosso percurso ao serviço das Forças Armadas Portuguesas e das populações civis, lembro a morte trágica da enfermeira furriel graduada Maria Celeste Costa, na Guiné, ao ser atingida pela hélice de um avião DO 27 quando se preparava para embarcar para uma evacuação na
zona de combate e a sargento graduada Maria Cristina Silva, ferida por tiro inimigo na região de Mueda, em missão de evacuação de feridos em combate.

Este, foi o grupo das primeiras mulheres em Portugal a entrar em quartéis, com postos militares e grau de dificuldade na instrução do Curso de Paraquedismo iguais à dos homens.

Quando terminei o Curso de Paraquedismo fui mobilizada para a Guiné em 1969. Seguiu-se Angola em 1970 e cumpri a última comissão e serviço no Norte de Moçambique, em Mueda, entre 1972 e 73.

Esta foi, seguramente, a zona operacional mais difícil onde tive de exercer a minha atividade como enfermeira. As duas enfermeiras, aí destacadas, para além do apoio às Forças Armadas portuguesas, socorriam, também, a população civil africana que apareciam na enfermaria improvisada,
dentro do arame farpado do nosso quartel, para serem tratadas, incluindo, sabíamos nós, alguns elementos da FRELIMO doentes e, que, obviamente, sem serem identificados, eram tratados com a mesma dignidade de outro ser humano. Nós sabíamos que eram, mas nunca os denunciámos à PIDE.

Para terminar, amigas e amigos aqui presentes, e sobre a crueza daquela Guerra, permitam-me que vos leia o que escrevi em 2016 quando fui convidada pela Câmara Municipal de Fafe a dar o meu testemunho no âmbito do evento solidário “Terra Justa”, durante o qual se homenageou o corpo das
Enfermeiras Paraquedistas pelo seu contributo humano e solidário prestado durante a Guerra Colonial.

Disse, então:

“Em Mueda existia uma placa que dizia: “Bem vindos a Mueda, Terra da Guerra. Aqui trabalha-se, Luta-se e Morre-se.”

E era bem verdade, morriam muitos! Eu, muitas vezes, olhava para as Companhias do Exército formadas antes das viaturas reiniciarem a progressão pela picada rumo ao objetivo da operação de combate, olhava para as caras daqueles jovens, alguns, ainda, com cara de meninos, e dava comigo a pensar: Daqui a pouco alguém me chamará para embarcar no Helicóptero para socorrer alguns destes jovens em consequência das emboscadas ou rebentamentos de minas.

Era quase sempre assim. Algumas vezes acontecia que, uma vez chegado ao local do combate ou do rebentamento de minas, já nada havia a fazer. Alturas houve em que me entregaram o corpo desfeito em pedaços embrulhado na capa impermeável!

Tudo irreconhecível. Horrível! Só quem viu!...

Finalizo: eu e as minhas camaradas enfermeiras sempre nos assumimos como gente que viveu a dor dos outros, gente igual a tanta gente. Gente que tratou gente,

Muito obrigado

Rosa Serra

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