Vigésimo sétimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
No velho Oeste Americano, passava a célebre diligência, puxada por três parelhas de cavalos, conduzida por um homem com umas grandes botas, um casaco feito de peles, grandes barbas e um grande chicote, que além do seu assobio, fazia esse mesmo chicote estalar no ar umas tantas vezes, servindo de meio de comunicação com os cavalos, que ao ouvirem o assobio e o estalo do chicote, aceleravam a sua marcha, ou única e simplesmente paravam. Eram o meio de comunicação entre diversas localidades, às vezes isoladas. Havia a “West Fargo”, a “Ponny Express”, a “Stage Coach Company”, a “Overland West Line” e muitas mais.
Enquanto o Cifra prestou serviço militar, na nossa então província da Guiné Portuguesa, havia alguns meios de transporte que poderiam ser: canoa, que os naturais moviam com um enorme remo, que quase sempre viajava a favor da maré, barco movido a diesel e outros combustíveis, da marinha portuguesa,
uns barcos construídos em madeira e pintados com cores garridas, que quase sempre viajavam à vela, a favor do vento, alguns também tinham um pequeno motor fora de borda que, entre outros locais, faziam a ligação às ilhas dos Bijagós, de helicóptero e avioneta do correio, da força aérea, e a célebre “Coluna Militar”, do exército de Portugal, que era a mais popular, pelo menos para os naturais.
Uns dias antes perguntavam no aquartelamento quando havia transporte para o norte, ou para o sul, davam o nome, dizendo o que queriam levar, nunca em dia certo, pois a data alterava-se sempre por causa das possíveis surpresas dos guerrilheiros, e avisados com algumas horas de antecedência, lá se apresentavam, com galinhas, gaiolas, animais, trouxas de roupa, balaios de arroz, bicicletas, caixotes, mulheres com filhos amarrados com um grande pano às costas, já falámos em animais, mas alguns levavam o seu cão, preso com uma corda muito bonita feita de tiras da casca de uns arbustos que o referido cão, às vezes coberto de moscas e outros insectos, se entretinha a roer
durante a viajem, de o “homem grande”, com uma bengala feita de um pau muito grande, que parecia que era para bater em alguém, e mais um amalganhado de coisas sem fim.
Quando a coluna chegava ou partia, era uma azáfama com o
transbordo de pessoas e bens, tal e qual como num posto avançado da fronteira. Nessa ocasião, o Pastilhas, que era o cabo enfermeiro, que às vezes fazia de doutor, aparecia sempre com uma mala à tiracolo, para ver se alguém precisava de curativos, e era uma boa oportunidade para se lhe roubar o frasco do álcool, que quando via o grupo do Cifra a aproximar-se, logo dizia:
- Queres o frasco do álcool, toma lá uma “pica”! - Que era uma injecção, com dose de cavalo, com que às vezes injectava o Cifra, quando este estava com uma simples
constipação e andava com o ranho no nariz.
Os militares, aceitavam toda esta companhia, de pessoas e bens, de bom humor, pois era uma espécie de protecção durante o percurso, pensando que os guerrilheiros não iriam atacar os seus próprios conterrâneos, até se fazendo amizades durante a viagem. Só houve notícia de um ataque a uma coluna militar que transportava pessoas naturais, portanto quando apareciam no aquartelamento, procurando transporte, todos eram bem-vindos, e às vezes até se aproveitava para se fazer viagens que não estavam programadas, mas que havendo pessoal civil para transportar, os militares faziam deslocações de pessoal militar e abastecimento de unidades, tudo dentro de zona de combate que, de outra maneira, seria mais difícil.
Eram os chamados “escudos humanos”, passe o termo, claro.
Tony Borie,
Setembro de 2012
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Nota do editor
Último poste da série de 13 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11936: Bom ou mau tempo na bolanha (26): Os amigos regressados do Vietname (Toni Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 17 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11947: Parabéns a você (611): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11943: Parabéns a você (610): Armando Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)
Nota do editor
Último poste da série de 16 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11943: Parabéns a você (610): Armando Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11946: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (1): Capítulo I (Manuel Lima Santos)
Capítulo I do Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Cajambari", enviado pelo nosso camarada Manuel Lima Santos (ex-Fur Mil Inf.ª nesta Companhia açoriana que esteve em Canjambari e Dugal, nos anos de 1971 a 1973.
CCAÇ 3476
BEBÉS DE CANJAMBARI
RESUMO DOS FACTOS E FEITOS MAIS IMPORTANTES
CAPÍTULO I
A – UNIDADE MOBILIZADORA E NATURALIDADE DO PESSOAL
A Companhia constituída na sua grande maioria por Soldados naturais das várias ilhas dos Açores, com predominância para as de S. Miguel e Terceira, teve como Unidade Mobilizadora o Batalhão Independente de Infantaria Nº 18, na Ilha de S. Miguel.
A maior parte das Praças especialistas, assim como os Oficiais e Sargentos são de quase todos os distritos do Continente, nomeadamente Lisboa, Porto, Coimbra, Aveiro, Beja, Braga, Castelo Branco, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila real e Viseu, sendo o Comandante de Companhia natural da Província de Macau.
B – CERIMÓNIA DE DESPEDIDA, PARTIDA PARA LISBOA E CONCENTRAÇÃO
Efectuou-se no dia 6 de Setembro de 1971, no Quartel do BII18, a cerimónia de despedida, presidida por Sua Exa. o Governador Militar Interino dos Açores. Foi entregue à Companhia o seu Guião, oferta da Câmara Municipal de Ponta Delgada, tendo a Comissão de Apoio ao Soldado Açoriano oferecido na mesma cerimónia um Oratório do Senhor Santo Cristo dos Milagres para ser colocado no futuro Aquartelamento da Companhia.
Ao mesmo tempo que desembarcavam em Ponta Delgada, debaixo de chuva copiosa, duas Companhias que haviam cumprido a sua Missão na Guiné – as CCaç 2636 e 2637, no dia 13 de Setembro de 1971 a CCaç 3476 embarcava juntamente com a CCaç 3477, no navio “Uíge”, a caminho de Lisboa.
A chegada à Capital verificou-se a 16 do mesmo mês, tendo a Companhia seguido logo, em viaturas Militares, atravessando a ponte Salazar, para o RI 11 em Setúbal, que serviu de Unidade de Concentração, até à partida para a Guiné. Aí juntaram-se à Companhia um Oficial, todos os Sargentos Especialistas e as Praças Especialistas formadas nas Unidades do Continente.
Aproveitaram-se os dias de permanência em Setúbal para continuar a instrução do pessoal, a qual incidiu então mais em aspectos relacionados com “acção psicológica” e informações.
C – PARTIDA DE LISBOA E ACTIVIDADE NO DECORRER DA VIAGEM
A partida para a Guiné foi aprazada para 25 de Setembro no navio “Angra do Heroísmo” onde embarcaram também a CCaç 3477 e o BCav 3864, com o mesmo destino.
Um Oficial Superior, em representação de Sua Exa. o Ministro do Exército, apresentou a bordo do navio os cumprimentos de despedida às tropas embarcadas.
Aproveitaram-se os poucos dias de viagem para actividades recreativas (jogos de sala, piscina, campeonatos de ténis de mesa e outros), tendo a Companhia conquistado vários primeiros e segundos lugares nos torneios realizados.
Organizou-se também uma festa de variedades que contou com a activa participação de elementos da Companhia.
Mau grado as muito deficientes instalações para praças, a viagem foi agradável, em mar quase sempre calmo e com vento bonançoso.
D – DESEMBARQUE E INSTALAÇÃO INICIAL
Na tarde de 30 de Setembro, já se avistava terra e um navio-patrulha que começou a escoltar o navio à medida que se aproximava do Rio Geba. Fundeado pouco depois diante do Cais de Bissau, tiveram início as operações de desembarque em lancha, após rápida reunião com Oficiais de várias Repartições do Quartel General. Já noite efectuou-se o deslocamento de todo o pessoal e respectiva bagagem em viaturas civis, para o Campo Militar de Instrução no Cumeré onde se realizaria o IAO.
(Continua)
Guiné 63/74 - P11945: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (3): Da chegada a Bissau ao aquartelamento no Xitole
1. Terceiro episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:
A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado
No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.
CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES
ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU
3 - DA CHEGADA A BISSAU AO AQUARTELAMENTO NO XITOLE
O velho “Carvalho Araújo” atracava em Bissau. Lembras-te camarada da minha reacção após o impacto das primeiras imagens de Bissau? Isto não parece tão mau quanto nos pintavam, dizia eu. Como esta primeira impressão terá sido tão enganosa para muitos de nós. Chegada a hora, saltamos para cima das “Berliets”, misturados com os sacos da nossa “fortuna” e iniciamos a marcha com destino ao Depósito de Adidos. Percorríamos a avenida principal de Bissau e, do cimo das viaturas, os nossos olhares absorviam e registavam imagens de cada esquina e os nossos pensamentos fervilhavam de interrogações. Para nosso espanto a pequenada guineense esforçava-se por acompanhar (saltitando) a marcha das viaturas e, com o dedo indicador direito na horizontal, cantarolavam um refrão repetitivo que nos primeiros momentos não conseguimos decifrar. “Salta Periquito Salta” e “Periquito Vai Para o Mato” vindo da pequenada, parecia-nos um ritual de boas-vindas, mas na verdade era uma vulgarizada lengalenga a mostrar-nos que estávamos na 1º ano do curso “VAIS VER COMO ELAS TE MORDEM”. Chegados à rotunda ao fim da Avenida deparamo-nos com um bem cuidado e bonito palacete que era a residência do Governador e Comandante-Chefe, General António de Spínola e, cuja Guarda de Honra se colocou em posição de sentido à passagem da nossa coluna. Sendo um ritual militar, significou para muitos de nós como que um silencioso discurso de boas-vindas que respeitosamente aceitamos.
E a marcha prosseguiu até ao Depósito de Adidos, sendo de assinalar no percurso, pelo seu significado, o Hospital Militar. Uma unidade de referência, de boa memória para tantos de nós que nela encontraram a solução dos seus problemas físicos e mentais em resultado da permanência no cenário de guerra.
Chegados ao Depósito de Adidos, local em que iríamos aguardar transporte para o Xitole e que nos permitiu alguns dias de permanência em Bissau, logo me dirigi à enfermaria na procura de apoio para debelar um persistente e incómodo desarranjo intestinal, em resultado do excessivo consumo de citrinos devido aos enjoos na viagem de barco.
- Então rapaz, como é que te deixaste chegar a este ponto?
Quem me dirigia estas palavras era o Primeiro Sargento Enfermeiro, de trato muito afável, que me acompanhou como se dos seus eu fizesse parte. O nosso Cabo vai ter que ficar aqui uns dias, dizia-me ele, quase como que pedindo. Fiquei marcado pela dedicação e profissionalismo deste Homem maduro de quem não recordo o nome mas, de quem guardo uma saudosa recordação. Enquanto me recuperava nos Adidos, recebia manifestações do vosso apoio. Enquanto se aguardava transporte para o interior, a “malta” entusiasmava-se com as idas a Bissau. Começaram a fazer parte do vocabulário expressões como: “Vamos ao Pilão" e “Vamos ao café Bento”. Eram os primeiros sinais de envolvência dos encantos africanos.
Já recomposto, chega o dia do transporte em LDG para o Xime, primeira etapa do nosso destino. Enquanto navegávamos no Geba Largo, não se notavam cuidados especiais de segurança e os semblantes eram descontraídos. Mas, quando as suas margens começaram a ficar bem menos largas, aí por alturas da confluência com o Rio Corubal, passamos a ser sobrevoados por helis e aviões e, percebendo-se que as coisas podiam ficar feias, os semblantes passaram a ficar carregados. Instintivamente o pessoal embarcado procurou abrigo na estrutura da embarcação e, quando deitava um olho de fora, sentia as margens demasiado próximas e entendia o porquê do apoio aéreo para além das armas da LDG prontas a disparar. Entre o pessoal da Marinha falava-se da Ponta do Inglês com se do inferno se tratasse mas chegamos ao Xime sem qualquer contratempo. A Força Aérea, a Marinha e porventura o nosso pessoal colocado ao longo das margens tinham garantido a nossa segurança.
Todos percebemos, ao pisarmos a plataforma de desembarque no Xime, que estávamos já no temível MATO. Nesta zona iria ficar aquartelada a CART 2715, uma das Companhias que integravam o nosso BART 2917. O quartel ficava ao alcance visual talvez aí a dois quilómetros, “montado” numa pequena elevação e colado de um dos lados a uma floresta e do outro espraiava-se uma grande bolanha que se estendia até perto do cais em que nos encontravamos.
Como se devem recordar camaradas, uma razoável coluna de viatura, entre militares e civis, iria fazer a segunda etapa do nosso percurso com passagem por Bambadinca. Iria acontecer neste trajecto o nosso primeiro contacto com uma “picadas, com as incómodas das nuvens de pó e, com os violentos balanços das viaturas em resultado das cavernas no piso provocadas por antigos rebentamentos de “MINAS”. Era assim que passariam a ser as nossas deslocações qualquer que fosse o destino envolvente do Xitole. Neste trajecto, conhecemos também as “bolanhas” que, passariam a ser “companheiras” do nosso quotidiano e que, quando ficavam mais alagadas, na época das chuvas, provocavam o isolamento de muitas localidades, incluindo o Xitole.
Chegados a Bambadinca, povoação de razoável dimensão e que funciona como entroncamento para vários destinos no interior da Guiné, ficamos com a convicção de ser um local seguro e em que fervilhavam muitas crianças de sorriso aberto, não sei se pela nossa presença ou porque seria assim a sua postura cultural e de vida.
Aqui iria ficar aquartelada a CCS do nosso Batalhão e aqui ficavas tu camarada. Um forte e sentido abraço e o desejo de boa sorte mútuos selou a nossa separação mas não secou na nossa amizade.
Retomamos a marcha a caminho do Xitole.
Neste percurso, sentimos o abraço fechado da floresta sobre a picada, fomos atravessando o que seriam pequenos riachos secos, com pontes algo improvisadas e, aqui e ali, pequenas bolanhas com alguma água acumulada e muita verdura, povoadas de aves brancas e elegantes a que chamavam “enfermeiros” pela semelhança das roupagens. Esta era a visão da beleza natural da geografia do percurso entre Bambadinca e o Xitole, com passagem, sensivelmente a meio por Mansambo, local em que ficaria aquartelada a CART 2714. Esta localidade fica num desvio à direita, algo afastada da estrada, o que não me permitiu vislumbrar pormenores do quartel. Foi possível assinalar, anichados na floresta, a presença das nossas tropas a fazer a segurança da coluna em praticamente todo o trajecto, pois a zona era propícia a emboscadas.
E continuamos o caminho.
A paisagem do restante trajecto não se alteraria até ao aparecimento de uma grande bolanha, rematada por uma ponte, um fortim e outras infra-estruturas que indiciavam que estávamos perante um aquartelamento militar.
Será o Xitole? Terá sido a pergunta que todos se faziam. Não o era ainda, mas o destacamento de um pelotão de protecção à ponte que garantia a travessia do Rio Pulon e a chegada ao Xitole. O Rio Pulon é um pequeno curso de água, afluente do Corubal, que se mantém vivo mesmo na época seca e onde é possível encontrar alguns pequenos crocodilos na proximidade da Ponte dos Fulas como é conhecida. Estamos a um passo do Xitole, a cerca de três quilómetros conforme nos informaram os militares aí aquartelados que não escondiam, estampada nos seus rostos, a satisfação pela nossa presença.
Chegados enfim ao Xitole onde fomos entusiasticamente recebidos pelos militares residentes e, com manifestações de regozijo especialmente pela pequenada que não escondia a curiosidade pelos “Piriquitos” e que pareciam ter pressa em fazer novas amizades. Quando levantamos o olhar e “miramos” o quartel, sentimos um misto de alívio e admiração. A nossa primeira impressão é de que chegamos a uma casa arrumada e que as infra-estruturas inspiravam alguma tranquilidade. Uma parada comprida, ladeada de edifícios e com abrigos abaixo do nível do solo, em que se destaca logo à entrada do lado esquerdo a oficina mecânica e, mais ao fundo à direita, uma casa com aspecto europeu que mais tarde identificamos como sendo a sede da Autoridade Administrativa - “Chefe de Posto”.
No centro da parada, uma grande árvore e, num pequeno espaço com arranjo ajardinado encontram-se o mastro em que está hasteada a Bandeira Nacional e o monumento à memória dos que haviam tombado da companhia que íamos render.
E lançamos aqui a âncora do nosso destino por tempos de esperança.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11927: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (2): A viagem para a Guiné
A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado
No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.
CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES
ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU
3 - DA CHEGADA A BISSAU AO AQUARTELAMENTO NO XITOLE
O velho “Carvalho Araújo” atracava em Bissau. Lembras-te camarada da minha reacção após o impacto das primeiras imagens de Bissau? Isto não parece tão mau quanto nos pintavam, dizia eu. Como esta primeira impressão terá sido tão enganosa para muitos de nós. Chegada a hora, saltamos para cima das “Berliets”, misturados com os sacos da nossa “fortuna” e iniciamos a marcha com destino ao Depósito de Adidos. Percorríamos a avenida principal de Bissau e, do cimo das viaturas, os nossos olhares absorviam e registavam imagens de cada esquina e os nossos pensamentos fervilhavam de interrogações. Para nosso espanto a pequenada guineense esforçava-se por acompanhar (saltitando) a marcha das viaturas e, com o dedo indicador direito na horizontal, cantarolavam um refrão repetitivo que nos primeiros momentos não conseguimos decifrar. “Salta Periquito Salta” e “Periquito Vai Para o Mato” vindo da pequenada, parecia-nos um ritual de boas-vindas, mas na verdade era uma vulgarizada lengalenga a mostrar-nos que estávamos na 1º ano do curso “VAIS VER COMO ELAS TE MORDEM”. Chegados à rotunda ao fim da Avenida deparamo-nos com um bem cuidado e bonito palacete que era a residência do Governador e Comandante-Chefe, General António de Spínola e, cuja Guarda de Honra se colocou em posição de sentido à passagem da nossa coluna. Sendo um ritual militar, significou para muitos de nós como que um silencioso discurso de boas-vindas que respeitosamente aceitamos.
E a marcha prosseguiu até ao Depósito de Adidos, sendo de assinalar no percurso, pelo seu significado, o Hospital Militar. Uma unidade de referência, de boa memória para tantos de nós que nela encontraram a solução dos seus problemas físicos e mentais em resultado da permanência no cenário de guerra.
Chegados ao Depósito de Adidos, local em que iríamos aguardar transporte para o Xitole e que nos permitiu alguns dias de permanência em Bissau, logo me dirigi à enfermaria na procura de apoio para debelar um persistente e incómodo desarranjo intestinal, em resultado do excessivo consumo de citrinos devido aos enjoos na viagem de barco.
- Então rapaz, como é que te deixaste chegar a este ponto?
Quem me dirigia estas palavras era o Primeiro Sargento Enfermeiro, de trato muito afável, que me acompanhou como se dos seus eu fizesse parte. O nosso Cabo vai ter que ficar aqui uns dias, dizia-me ele, quase como que pedindo. Fiquei marcado pela dedicação e profissionalismo deste Homem maduro de quem não recordo o nome mas, de quem guardo uma saudosa recordação. Enquanto me recuperava nos Adidos, recebia manifestações do vosso apoio. Enquanto se aguardava transporte para o interior, a “malta” entusiasmava-se com as idas a Bissau. Começaram a fazer parte do vocabulário expressões como: “Vamos ao Pilão" e “Vamos ao café Bento”. Eram os primeiros sinais de envolvência dos encantos africanos.
Já recomposto, chega o dia do transporte em LDG para o Xime, primeira etapa do nosso destino. Enquanto navegávamos no Geba Largo, não se notavam cuidados especiais de segurança e os semblantes eram descontraídos. Mas, quando as suas margens começaram a ficar bem menos largas, aí por alturas da confluência com o Rio Corubal, passamos a ser sobrevoados por helis e aviões e, percebendo-se que as coisas podiam ficar feias, os semblantes passaram a ficar carregados. Instintivamente o pessoal embarcado procurou abrigo na estrutura da embarcação e, quando deitava um olho de fora, sentia as margens demasiado próximas e entendia o porquê do apoio aéreo para além das armas da LDG prontas a disparar. Entre o pessoal da Marinha falava-se da Ponta do Inglês com se do inferno se tratasse mas chegamos ao Xime sem qualquer contratempo. A Força Aérea, a Marinha e porventura o nosso pessoal colocado ao longo das margens tinham garantido a nossa segurança.
Todos percebemos, ao pisarmos a plataforma de desembarque no Xime, que estávamos já no temível MATO. Nesta zona iria ficar aquartelada a CART 2715, uma das Companhias que integravam o nosso BART 2917. O quartel ficava ao alcance visual talvez aí a dois quilómetros, “montado” numa pequena elevação e colado de um dos lados a uma floresta e do outro espraiava-se uma grande bolanha que se estendia até perto do cais em que nos encontravamos.
Como se devem recordar camaradas, uma razoável coluna de viatura, entre militares e civis, iria fazer a segunda etapa do nosso percurso com passagem por Bambadinca. Iria acontecer neste trajecto o nosso primeiro contacto com uma “picadas, com as incómodas das nuvens de pó e, com os violentos balanços das viaturas em resultado das cavernas no piso provocadas por antigos rebentamentos de “MINAS”. Era assim que passariam a ser as nossas deslocações qualquer que fosse o destino envolvente do Xitole. Neste trajecto, conhecemos também as “bolanhas” que, passariam a ser “companheiras” do nosso quotidiano e que, quando ficavam mais alagadas, na época das chuvas, provocavam o isolamento de muitas localidades, incluindo o Xitole.
Chegados a Bambadinca, povoação de razoável dimensão e que funciona como entroncamento para vários destinos no interior da Guiné, ficamos com a convicção de ser um local seguro e em que fervilhavam muitas crianças de sorriso aberto, não sei se pela nossa presença ou porque seria assim a sua postura cultural e de vida.
Aqui iria ficar aquartelada a CCS do nosso Batalhão e aqui ficavas tu camarada. Um forte e sentido abraço e o desejo de boa sorte mútuos selou a nossa separação mas não secou na nossa amizade.
Retomamos a marcha a caminho do Xitole.
Neste percurso, sentimos o abraço fechado da floresta sobre a picada, fomos atravessando o que seriam pequenos riachos secos, com pontes algo improvisadas e, aqui e ali, pequenas bolanhas com alguma água acumulada e muita verdura, povoadas de aves brancas e elegantes a que chamavam “enfermeiros” pela semelhança das roupagens. Esta era a visão da beleza natural da geografia do percurso entre Bambadinca e o Xitole, com passagem, sensivelmente a meio por Mansambo, local em que ficaria aquartelada a CART 2714. Esta localidade fica num desvio à direita, algo afastada da estrada, o que não me permitiu vislumbrar pormenores do quartel. Foi possível assinalar, anichados na floresta, a presença das nossas tropas a fazer a segurança da coluna em praticamente todo o trajecto, pois a zona era propícia a emboscadas.
E continuamos o caminho.
A paisagem do restante trajecto não se alteraria até ao aparecimento de uma grande bolanha, rematada por uma ponte, um fortim e outras infra-estruturas que indiciavam que estávamos perante um aquartelamento militar.
Será o Xitole? Terá sido a pergunta que todos se faziam. Não o era ainda, mas o destacamento de um pelotão de protecção à ponte que garantia a travessia do Rio Pulon e a chegada ao Xitole. O Rio Pulon é um pequeno curso de água, afluente do Corubal, que se mantém vivo mesmo na época seca e onde é possível encontrar alguns pequenos crocodilos na proximidade da Ponte dos Fulas como é conhecida. Estamos a um passo do Xitole, a cerca de três quilómetros conforme nos informaram os militares aí aquartelados que não escondiam, estampada nos seus rostos, a satisfação pela nossa presença.
Chegados enfim ao Xitole onde fomos entusiasticamente recebidos pelos militares residentes e, com manifestações de regozijo especialmente pela pequenada que não escondia a curiosidade pelos “Piriquitos” e que pareciam ter pressa em fazer novas amizades. Quando levantamos o olhar e “miramos” o quartel, sentimos um misto de alívio e admiração. A nossa primeira impressão é de que chegamos a uma casa arrumada e que as infra-estruturas inspiravam alguma tranquilidade. Uma parada comprida, ladeada de edifícios e com abrigos abaixo do nível do solo, em que se destaca logo à entrada do lado esquerdo a oficina mecânica e, mais ao fundo à direita, uma casa com aspecto europeu que mais tarde identificamos como sendo a sede da Autoridade Administrativa - “Chefe de Posto”.
No centro da parada, uma grande árvore e, num pequeno espaço com arranjo ajardinado encontram-se o mastro em que está hasteada a Bandeira Nacional e o monumento à memória dos que haviam tombado da companhia que íamos render.
E lançamos aqui a âncora do nosso destino por tempos de esperança.
Posto de sentinela e arame farpado
Vista do quartel a partir do posto de socorros
Hora de hastear a Bandeira e Memorial da CART 2413
Ponte dos Fulas
Ponte dos Fulas e picada Xitole/Bambadinca
(Continua)
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Nota do editor
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Guiné 63/74 - P11944: Notas de leitura (511): Gentes de Catió na Revista Geographica de 1972 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2013:
Queridos amigos,
O trabalho etno-antropológico nada traz de novo, o seu autor revelou estudo aprofundado, ruminou sobre matérias consabidas e fez súmulas quanto baste.
As fotografias são excelentes, o inventário étnico é detalhado e correto.
Como andou em trabalho de campo durante dois anos nesta zona a ferro e fogo, faz-se silêncio. Na verdade, há ali descrições fora de tempo como as tabancas no Cubisseco ou no Cantanhez, ele redige imperturbavelmente, só em dois ou três momentos é que o autor fala na situação anormal que ele atribui ao terrorismo.
Um abraço do
Mário
Gentes de Catió, na revista Geographica, 1972
Beja Santos
O tenente-coronel António José de Mello Machado, do Centro de Estudos Vasco da Gama e do Centro de Estudos de Etnologia, publicou um trabalho sobre as gentes de Catió, subsidiado pelo Projeto de Investigação Científica “Mudança Social em Portugal (Metrópole e Ultramar) do Instituto de Alta Cultura”. O investigador dá provas de um bom conhecimento geral nas áreas da etnologia e antropologia, apresenta um bom resumo da história da Guiné à luz dos conhecimentos da época e espraia-se sobre as etnias predominantes.
O território de Catió, escreve, é chão antigo de Nalus, outrora seus povoadores. Sofreram a expressão expansionista dos Balantas que se assenhorearam das planícies baixas e alagadiças, esta foi e é a etnia predominante de Catió. Ao tempo, os Nalus eram a segunda etnia da região, posicionavam-se em ambas as margens do rio Cacine, ocupando o Tombali, o Como e o Cubucaré, estando em acentuada fase de assimilação pelos Sossos. Refugiaram-se na floresta, deixando as bolonhas aos Balantas, habitavam as clareiras escondidas no arvoredo. Apareciam superficialmente islamizados, conservavam as suas práticas de magia, ao que parece ligado a práticas canibais. Acresce que a expansão dos Beafadas absorveu muitos Nalus na região de Cubisseco. Recorde-se que os Nalus conservavam talvez a mais notável tradição escultórica da Guiné.
Os Balantas foram-se gradualmente expandido pela região, estabeleceram-se no Tombali, irradiando depois pelo Como e Cubucaré (matas do Cantanhez), trouxeram o arroz. Segundo o investigador, fizeram um longo itinerário, saíram do Enxalé e Porto Gole, atravessaram o Geba, subiram o Corubal, atingiram Buba e depois passaram a Quínera e daqui prosseguiram, no princípio do século XX até chegar a Catió. Os Balantas devem a sua relativa prosperidade à cultura do arroz. Segundo a tradição, foram dois degredados macaístas para aqui deportados que introduziram o arroz na região, mas o investigador considera esta suposição destituída de fundamento. Depois o autor espraia-se sobre os usos e costumes dos balantas, a sua rusticidade e estoicismo, a organização social e vida comunitária. Após referir detalhadamente o fanado, o casamento e as práticas de justiça, a economia familiar e os ritos funerários, o investigador conclui: “Povo rural, muito trabalhador, de cultura primitiva, de temperamento ingénuo e destemido, foi muito explorado pelas etnias de cultura mais adiantada. Os esbulhos que sofreram, por um lado, e a sua fraca coesão política, paradoxalmente aliada ao seu elevado sentido comunitário, por outro lado, foram fatores sagazmente explorados pelos mentores do terrorismo, conseguindo aliciar numerosos Balantas a partir de movimentações fáceis de aceitar por estas boas gentes, ingénuas e primitivas. Mas não foi desdenhado pelos aliciadores o espírito destemido dos Balantas, a sua admiração pelos feitos arrojados e a sedução da aventura guerreira a que os convidavam. Pobres Balantas cuja ingenuidade, capacidade de sacrifício, valentia, espírito de renúncia, foram virtudes de novo exploradas em benefício alheio numa proporção que a não sofreu alguma outra etnia".
A terceira etnia considerada no estudo são os Fulas e o investigador faz o respetivo histórico da presença dos Fulas em toda a Guiné. No final, expende a seguinte opinião: “A intranquilidade, nascida do terrorismo que atingiu a província, fê-los abandonar muitas das posições isoladas, afluindo aos centros mais seguros, onde aumentaram em número. A sua fidelidade contribuiu para a constituição das primeiras forças de voluntários nativos na luta contra o terrorismo. Surgiram, assim, no concelho de Catió, as principais núcleos de Fulas, resultantes da reunião de quantos se dispersavam por toda a área. Estes diversos núcleos, totalizados devem comportar cerca de 10 % da população do concelho”. A presença Fula seria considerável em Catió, Bedanda, Cacine, Guileje e Mejo.
A quarta etnia considerada é a dos Beafadas que no século XV estavam bem estabelecidos na Guiné e que, sujeito a pressões, atravessaram o Corubal, cruzaram o rio Buba e instalaram-se no Forreá, tornaram-se importantes na região de Fulacunda, mas também em Empada e Tite. Foram os Beafadas no reino de Guínala (hoje Quínara) que detiveram e desbarataram as hostes Fulas que assolaram o chão Mandinga do Gabu. Os Beafadas foram vassalos durante longo tempo dos Mandingas. Fixaram-se também no Tombali. Escreve o autor que também se fixaram em Gadamael indo até à região de Kandiafara, na república da Guiné Conacri. Ao longo de séculos os Beafadas mandinguizaram-se.
A quinta etnia respeita aos Mandingas. É longa a exposição do autor sobre o histórico dos Mandingas em toda a Guiné, vê-se que leu muito e que sabe resumir. Alerta-nos para o povoado Mandinga de Príame, fundada por um antigo cipaio, Dandan, chefe ao tempo em que o artigo foi publicado. Príame tinha mesquita e aqui também fixaram residência numerosas famílias Fulas.
Falando das minorias, refere Papéis, Bijagós, Manjacos, Sossos, Landumãs. Quanto às razões do seu estudo, recorda que tem o propósito de transmitir elementos escolhidos através do íntimo convício com populações nativas, ao longo de dois anos. Houve o cuidado de confrontar esses elementos com estudos publicados, assim terminando: “Acima de tudo, houve o escrúpulo de escutar o que disseram os anciãos, e respeitar a tradição que conservam do passado da sua gente. Com a publicação deste estudo mais não pretendemos que contribuir para a compreensão e conhecimento do povo nativo da província da Guiné".
____________
Nota do editor
Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11933: Notas de leitura (510): Djarama PAIGC, uma reportagem fotográfica de Koen Wessing (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O trabalho etno-antropológico nada traz de novo, o seu autor revelou estudo aprofundado, ruminou sobre matérias consabidas e fez súmulas quanto baste.
As fotografias são excelentes, o inventário étnico é detalhado e correto.
Como andou em trabalho de campo durante dois anos nesta zona a ferro e fogo, faz-se silêncio. Na verdade, há ali descrições fora de tempo como as tabancas no Cubisseco ou no Cantanhez, ele redige imperturbavelmente, só em dois ou três momentos é que o autor fala na situação anormal que ele atribui ao terrorismo.
Um abraço do
Mário
Gentes de Catió, na revista Geographica, 1972
Beja Santos
O tenente-coronel António José de Mello Machado, do Centro de Estudos Vasco da Gama e do Centro de Estudos de Etnologia, publicou um trabalho sobre as gentes de Catió, subsidiado pelo Projeto de Investigação Científica “Mudança Social em Portugal (Metrópole e Ultramar) do Instituto de Alta Cultura”. O investigador dá provas de um bom conhecimento geral nas áreas da etnologia e antropologia, apresenta um bom resumo da história da Guiné à luz dos conhecimentos da época e espraia-se sobre as etnias predominantes.
O território de Catió, escreve, é chão antigo de Nalus, outrora seus povoadores. Sofreram a expressão expansionista dos Balantas que se assenhorearam das planícies baixas e alagadiças, esta foi e é a etnia predominante de Catió. Ao tempo, os Nalus eram a segunda etnia da região, posicionavam-se em ambas as margens do rio Cacine, ocupando o Tombali, o Como e o Cubucaré, estando em acentuada fase de assimilação pelos Sossos. Refugiaram-se na floresta, deixando as bolonhas aos Balantas, habitavam as clareiras escondidas no arvoredo. Apareciam superficialmente islamizados, conservavam as suas práticas de magia, ao que parece ligado a práticas canibais. Acresce que a expansão dos Beafadas absorveu muitos Nalus na região de Cubisseco. Recorde-se que os Nalus conservavam talvez a mais notável tradição escultórica da Guiné.
Os Balantas foram-se gradualmente expandido pela região, estabeleceram-se no Tombali, irradiando depois pelo Como e Cubucaré (matas do Cantanhez), trouxeram o arroz. Segundo o investigador, fizeram um longo itinerário, saíram do Enxalé e Porto Gole, atravessaram o Geba, subiram o Corubal, atingiram Buba e depois passaram a Quínera e daqui prosseguiram, no princípio do século XX até chegar a Catió. Os Balantas devem a sua relativa prosperidade à cultura do arroz. Segundo a tradição, foram dois degredados macaístas para aqui deportados que introduziram o arroz na região, mas o investigador considera esta suposição destituída de fundamento. Depois o autor espraia-se sobre os usos e costumes dos balantas, a sua rusticidade e estoicismo, a organização social e vida comunitária. Após referir detalhadamente o fanado, o casamento e as práticas de justiça, a economia familiar e os ritos funerários, o investigador conclui: “Povo rural, muito trabalhador, de cultura primitiva, de temperamento ingénuo e destemido, foi muito explorado pelas etnias de cultura mais adiantada. Os esbulhos que sofreram, por um lado, e a sua fraca coesão política, paradoxalmente aliada ao seu elevado sentido comunitário, por outro lado, foram fatores sagazmente explorados pelos mentores do terrorismo, conseguindo aliciar numerosos Balantas a partir de movimentações fáceis de aceitar por estas boas gentes, ingénuas e primitivas. Mas não foi desdenhado pelos aliciadores o espírito destemido dos Balantas, a sua admiração pelos feitos arrojados e a sedução da aventura guerreira a que os convidavam. Pobres Balantas cuja ingenuidade, capacidade de sacrifício, valentia, espírito de renúncia, foram virtudes de novo exploradas em benefício alheio numa proporção que a não sofreu alguma outra etnia".
A terceira etnia considerada no estudo são os Fulas e o investigador faz o respetivo histórico da presença dos Fulas em toda a Guiné. No final, expende a seguinte opinião: “A intranquilidade, nascida do terrorismo que atingiu a província, fê-los abandonar muitas das posições isoladas, afluindo aos centros mais seguros, onde aumentaram em número. A sua fidelidade contribuiu para a constituição das primeiras forças de voluntários nativos na luta contra o terrorismo. Surgiram, assim, no concelho de Catió, as principais núcleos de Fulas, resultantes da reunião de quantos se dispersavam por toda a área. Estes diversos núcleos, totalizados devem comportar cerca de 10 % da população do concelho”. A presença Fula seria considerável em Catió, Bedanda, Cacine, Guileje e Mejo.
A quarta etnia considerada é a dos Beafadas que no século XV estavam bem estabelecidos na Guiné e que, sujeito a pressões, atravessaram o Corubal, cruzaram o rio Buba e instalaram-se no Forreá, tornaram-se importantes na região de Fulacunda, mas também em Empada e Tite. Foram os Beafadas no reino de Guínala (hoje Quínara) que detiveram e desbarataram as hostes Fulas que assolaram o chão Mandinga do Gabu. Os Beafadas foram vassalos durante longo tempo dos Mandingas. Fixaram-se também no Tombali. Escreve o autor que também se fixaram em Gadamael indo até à região de Kandiafara, na república da Guiné Conacri. Ao longo de séculos os Beafadas mandinguizaram-se.
A quinta etnia respeita aos Mandingas. É longa a exposição do autor sobre o histórico dos Mandingas em toda a Guiné, vê-se que leu muito e que sabe resumir. Alerta-nos para o povoado Mandinga de Príame, fundada por um antigo cipaio, Dandan, chefe ao tempo em que o artigo foi publicado. Príame tinha mesquita e aqui também fixaram residência numerosas famílias Fulas.
Falando das minorias, refere Papéis, Bijagós, Manjacos, Sossos, Landumãs. Quanto às razões do seu estudo, recorda que tem o propósito de transmitir elementos escolhidos através do íntimo convício com populações nativas, ao longo de dois anos. Houve o cuidado de confrontar esses elementos com estudos publicados, assim terminando: “Acima de tudo, houve o escrúpulo de escutar o que disseram os anciãos, e respeitar a tradição que conservam do passado da sua gente. Com a publicação deste estudo mais não pretendemos que contribuir para a compreensão e conhecimento do povo nativo da província da Guiné".
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11933: Notas de leitura (510): Djarama PAIGC, uma reportagem fotográfica de Koen Wessing (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P11943: Parabéns a você (610): Armando Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor:
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11922: Parabéns a você (609): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)
Nota do editor:
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11922: Parabéns a você (609): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11942: "Guiné Portuguesa", Apontamentos destinados aos Instrutores e Monitores do CIB do BC8 de Elvas, elaborado pelo TCor Romão Loureiro (Henrique Cerqueira)
1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 11 de Agosto de 2013:
Olá Camarada e amigo Carlos Vinhal.
Andava eu a remexer nas minhas recordações da Guiné e encontrei um manual sobre a Guiné que nos foi distribuído em 1971 pelo nosso antigo Comandante de Batalhão do BC8 em Elvas, Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro, aquando da minha primeira instrução como Cabo Miliciano numa companhia de Instrução de recruta.
Ao reler o livro veio à minha memória o facto de até nem ter sido muito má a minha iniciação como instrutor. E ainda recordar o meu antigo Comandante de Companhia de Instrução que tinha (e terá) o nome quase igual ao meu, pois se chamava Henrique Cerqueira Barreira, o que de certo modo criou alguma empatia entre nós. E foi bom porque me ajudou a entender a diferença de ter sido instruendo e passar a ser instrutor. Mas isso será motivo para mais tarde eu escrever alguma coisa sobre esse tempo no BC8 e posteriormente sobre o RI 16 em Évora. Foram estes dois quartéis que mais me marcaram pela positiva.
Um abraço
Henrique Cerqueira
"Guiné Portuguesa", Apontamentos destinados aos Instrutores e Monitores do CIB do BC8, focando problemas atuais da Província da Guiné Portuguesa.
Elaborado pelo Tenente Coronel Romão Loureiro.
Caros camaradas, tenho por costume afirmar que a malta quando era mobilizada para o Ultramar quase não tinha preparação alguma em relação aos usos e costumes da população da Guiné, assim como em relação ao tipo de território que iríamos encontrar. No entanto devo confessar que quando fui para o BC8 em Elvas, no ano de 1971, dar uma recruta, pela primeira vez como Cabo Miliciano, o Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro, que era o Comandante do Batalhão na altura, teve o cuidado de nos oferecer o dito Livro de Apontamentos que inclui até uma dedicatória que passo a transcrever:
HOMENAGEM SIMPLES, MAS SINCERA AOS VALENTES, CORAJOSOS, DEDICADOS E HEROICOS SOLDADOS DO BCAÇ 2884 E A TODOS OS MILITARES QUE EM TERRAS DA GUINÉ, PELA SUA PAZ E PELO PROGRESSO DERAM AS SUAS VIDAS EM HOLOCAUSTRO À PÁTRIA. LEMBREMO-LOS NÓS, ESSES HUMILDES SOLDADOS, FILHOS GRANDES DE UM POVO GRANDE, QUE NUNCA ATRAIÇOOU A PÁTRIA, PARA QUE NÃO FIQUEM ESQUECIDOS DAS GERAÇÕES VINDOURAS, PELO EXEMPLO DO SEU INULTRAPASSÁVEL PATRIOTISMO.
Segue assinatura: Elvas 8 Nov.71
Romão Loureiro TCor
Transcrevi a homenagem em maiúsculas para respeitar o próprio texto do livro, do qual junto imagem.
Este livro tinha algum interesse porque o seu conteúdo dá uma série de informações sobre a área geográfica da Guiné, população e suas Etnias, quantificando até o numero de população por cada uma delas, assim como produções agrícolas (o que para mim era mais propaganda do nosso estado de então).
Dá-nos também alguma informação sobre a constituição dos partidos políticos no inicio da "Rebelião" das gentes da Guiné embora com a visão do Estado da altura.
Enfim, este manual até estava bem conseguido para a época e na visão de um Militar de Carreira que era o Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro.
Hoje consigo ver esta leitura com outros olhos que não os dos meus 21 anos, penso até que na altura nem lhe dei a importância que deveria dar. (Eu me penitencio).
Encontrei este Livro no "Baú" das minhas memórias e achei por bem vos dar a conhecer um pouco sobre o mesmo. Para completar a informação digitalizei a capa e a tal Homenagem aqui transcrita.
Se alguns camaradas passaram pelo BC8 em Elvas nos anos 70 devem ter conhecido o Sr. TCor Romão Loureiro e se lembrarão que era um excelente Comandante justo e bom Homem, mas altamente Militar.
Quero aqui Homenagear de igual modo o meu Comandante de Companhia de Instrução no BC8 em 1971, o Sr. Capitão Henrique Cerqueira Barreira que tem um nome quase igual ao meu.
Henrique Cerqueira
Olá Camarada e amigo Carlos Vinhal.
Andava eu a remexer nas minhas recordações da Guiné e encontrei um manual sobre a Guiné que nos foi distribuído em 1971 pelo nosso antigo Comandante de Batalhão do BC8 em Elvas, Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro, aquando da minha primeira instrução como Cabo Miliciano numa companhia de Instrução de recruta.
Ao reler o livro veio à minha memória o facto de até nem ter sido muito má a minha iniciação como instrutor. E ainda recordar o meu antigo Comandante de Companhia de Instrução que tinha (e terá) o nome quase igual ao meu, pois se chamava Henrique Cerqueira Barreira, o que de certo modo criou alguma empatia entre nós. E foi bom porque me ajudou a entender a diferença de ter sido instruendo e passar a ser instrutor. Mas isso será motivo para mais tarde eu escrever alguma coisa sobre esse tempo no BC8 e posteriormente sobre o RI 16 em Évora. Foram estes dois quartéis que mais me marcaram pela positiva.
Um abraço
Henrique Cerqueira
"Guiné Portuguesa", Apontamentos destinados aos Instrutores e Monitores do CIB do BC8, focando problemas atuais da Província da Guiné Portuguesa.
Elaborado pelo Tenente Coronel Romão Loureiro.
Caros camaradas, tenho por costume afirmar que a malta quando era mobilizada para o Ultramar quase não tinha preparação alguma em relação aos usos e costumes da população da Guiné, assim como em relação ao tipo de território que iríamos encontrar. No entanto devo confessar que quando fui para o BC8 em Elvas, no ano de 1971, dar uma recruta, pela primeira vez como Cabo Miliciano, o Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro, que era o Comandante do Batalhão na altura, teve o cuidado de nos oferecer o dito Livro de Apontamentos que inclui até uma dedicatória que passo a transcrever:
HOMENAGEM SIMPLES, MAS SINCERA AOS VALENTES, CORAJOSOS, DEDICADOS E HEROICOS SOLDADOS DO BCAÇ 2884 E A TODOS OS MILITARES QUE EM TERRAS DA GUINÉ, PELA SUA PAZ E PELO PROGRESSO DERAM AS SUAS VIDAS EM HOLOCAUSTRO À PÁTRIA. LEMBREMO-LOS NÓS, ESSES HUMILDES SOLDADOS, FILHOS GRANDES DE UM POVO GRANDE, QUE NUNCA ATRAIÇOOU A PÁTRIA, PARA QUE NÃO FIQUEM ESQUECIDOS DAS GERAÇÕES VINDOURAS, PELO EXEMPLO DO SEU INULTRAPASSÁVEL PATRIOTISMO.
Segue assinatura: Elvas 8 Nov.71
Romão Loureiro TCor
Transcrevi a homenagem em maiúsculas para respeitar o próprio texto do livro, do qual junto imagem.
Este livro tinha algum interesse porque o seu conteúdo dá uma série de informações sobre a área geográfica da Guiné, população e suas Etnias, quantificando até o numero de população por cada uma delas, assim como produções agrícolas (o que para mim era mais propaganda do nosso estado de então).
Dá-nos também alguma informação sobre a constituição dos partidos políticos no inicio da "Rebelião" das gentes da Guiné embora com a visão do Estado da altura.
Enfim, este manual até estava bem conseguido para a época e na visão de um Militar de Carreira que era o Sr. Tenente Coronel Romão Loureiro.
Hoje consigo ver esta leitura com outros olhos que não os dos meus 21 anos, penso até que na altura nem lhe dei a importância que deveria dar. (Eu me penitencio).
Encontrei este Livro no "Baú" das minhas memórias e achei por bem vos dar a conhecer um pouco sobre o mesmo. Para completar a informação digitalizei a capa e a tal Homenagem aqui transcrita.
Se alguns camaradas passaram pelo BC8 em Elvas nos anos 70 devem ter conhecido o Sr. TCor Romão Loureiro e se lembrarão que era um excelente Comandante justo e bom Homem, mas altamente Militar.
Quero aqui Homenagear de igual modo o meu Comandante de Companhia de Instrução no BC8 em 1971, o Sr. Capitão Henrique Cerqueira Barreira que tem um nome quase igual ao meu.
Henrique Cerqueira
Guiné 63/74 - P11941: Em busca de... (227): Pessoal da CCAÇ 4142, "Herdeiros de Gampará", Gampará, 1972/74 (Joviano Teixeira, residente em Tavira)
Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > Mapa de Fulacunda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gampará e da Ponta do Inglês na Foz do Rio Corubal
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)
1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Joviano Teixeira:
De: Joviano Teixeira (joviano59@gmail.com)
Data: 11 de Agosto de 2013 às 16:27
Assunto: Pedido
Boa tarde, camarada
Desde que voltei da Guiné que não sei nada dos meus camaradas. Apenas sei que quase todos eram da região norte: Lamego, Mondim de Basto, Viana do Castelo, Porto etc.
Pertenci à CCÇ 4142, "Herdeiros de Gampará", Gampará, Guiné. 1972/74.
Se te for possível localizar alguém, nomeadamente saber o local e data do próximo encontro, agradeço.
Resido em Tavira e, como disse, nunca mais soube da malta.
Obrigada pela dedicação (já visitei o blogue e gostei).
Cumprimentos,
Joviano.
Cumprimentos,
Joviano.
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, camarada Joviano Teixeira, pela tua mensagem, pelo teu pedido e pelas tuas simpáticas palavras de apreço em relação ao nosso blogue... Infelizmente só tínhamos, até a esta data, duas referências à tua CCAÇ 4142. Há dois anos atrás tivemos uma primeira (e única) visita de um camarada teu, que nos escreveu o seguinte:
(...) "Olá. Sou Virgílio Valente, actualmente a viver e a residir em Macau, amigo de muitos dos amigos do Blogue Luís Graça e Camaradas, nomeadamente do António Estácio, que recentemente lançou o livro Nha Bijagó. Fui alferes miliciano, atirador e com a especialidade de minas e armadilhas, na Guiné, mais precisamente em Gampará, de 1972 a 1974, na CCAÇ 4142. Cheguei a Bissau a 16 de Setembro de 1972 e fui directo para o Cumeré e depois para Gampará, por LDG, em Outubro de 1972 donde só saí em meados de Agosto de 1974, tendo chegado a Lisboa a 30 de Agosto de 1974.
"Soube deste blogue pelo camarada e amigo Manuel Amante da Rosa, do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, que foi Secretário-geral do Forum Lusófono aqui em Macau, até finais de Junho deste ano". (...)
___________
Nota do editor:
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11940: Efemérides (136): No próximo dia 1 de Setembro, Monte Real, com o apoio do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, vai homenagear os seus Combatentes da Guerra do Ultramar (Joaquim Mexia Alves / Tabanca do Centro)
1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), fundador da Tabanca do Centro, com data de hoje, 14 de Agosto de 2013:
Meus camarigos
No dia 1 de Setembro vai ser descerrada uma placa de homenagem aos combantentes da Freguesia de Monte Real.
Monte Real é, como sabem, a "sede" da Tabanca do Centro, pelo que estamos a convidar todos para estarem presentes.
O programa é o que está na noticia do blogue em: http://tabancadocentro.blogspot.pt/2013/08/homenagem-aos-combatentes-em-monte-real.html acrescentando que na mesma altura serão entregues as Medalhas Comemorativas das Campanhas de África, (julgo que é assim que se chama), aos combatentes Manuel Lopes e Agostinho Gaspar.
Quem puder, tiver e quiser traga a sua boina, pois estamos a pensar, se tal couber na cerimónia fazer um pequeno desfile de combantentes.
Tenham atenção às inscrições, que eu farei com todo o gosto a quem mo solicitar.
Quem quiser, informe aqui para este mail e poderemos marcar um almoço na Pensão Montanha, mas para isso tenho que saber quem quer almoçar até ao dia 26 de Agosto às 12.00.
Este almoço nada tem a ver com o almoço mensal que recomeçará na última quarta feira do mês de Setembro.
Espero, esperamos por vós.
Grande e camarigo abraço
Tabanca do Centro
Joaquim Mexia Alves
2. Com a devida vénia à Tabanca do Centro, reproduzimos agora o seu Poste de hoje, onde é noticiada a homenagem que Monte Real vai fazer aos seus combatentes da Guerra do Ultramar.
HOMENAGEM AOS COMBATENTES, EM MONTE REAL
A TABANCA DO CENTRO ASSOCIA-SE A ESTA CERIMÓNIA
No próximo dia 1 de Setembro a Junta de Freguesia de Monte Real, com o apoio da Câmara Municipal de Leiria e do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, apadrinhando a ideia original do Combatente Manuel Lopes, nosso camarigo da Tabanca do Centro, vai realizar uma sessão de homenagem aos Combatentes da guerra do Ultramar, com o descerramento de uma placa alusiva ao acto.
A placa será descerrada pelo Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Castro, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real, Sr. Faustino Guerra e pelo Combatente Manuel Lopes.
Apresentamos-vos um programa resumido da cerimónia:
16h00 – 16h30 – Recepção dos convidados
16h30 – Cerimónia de Homenagem aos Combatentes
Descerramento da Placa
Cerimónia de Homenagem aos Mortos
Discursos
17h30 – Lanche
A Tabanca do Centro, que tem a sua "sede" em Monte Real, associa-se com todo o gosto e empenho a esta cerimónia e convida todos aqueles que costumam frequentar os nossos encontros, bem como todos os leitores deste nosso blogue, a juntarem-se a nós neste dia.
Para estar presente no lanche (que terá o custo de 2,50 €) será necessária uma inscrição prévia, com data limite de 26 de Agosto, na Junta de Freguesia de Monte Real (Contactos: 244 612 777; 936 612 771; 936 626 657)
No entanto, aqueles que quiserem podem enviar um mail para a Tabanca do Centro - tabancadocentro@gmail.com - com a identificação dos inscritos, e o Joaquim Mexia Alves procederá à inscrição e respectivo pagamento, despesa de que será obviamente ressarcido por cada inscrito, no próprio dia.
As inscrições podem também ser feitas no Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes.
Pedimos assim a vossa comparência a esta cerimónia, que será muito simples, embora com a participação das Forças Armadas, em princípio da Força Aérea, representada pela vizinha Base de Monte Real (Base Aérea nº5).
A Tabanca do Centro
____________
Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11850: Efemérides (135): No dia 13 de Julho de 2013, a Senhora da Hora homenageou os seus combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Vinhal)
Meus camarigos
No dia 1 de Setembro vai ser descerrada uma placa de homenagem aos combantentes da Freguesia de Monte Real.
Monte Real é, como sabem, a "sede" da Tabanca do Centro, pelo que estamos a convidar todos para estarem presentes.
O programa é o que está na noticia do blogue em: http://tabancadocentro.blogspot.pt/2013/08/homenagem-aos-combatentes-em-monte-real.html acrescentando que na mesma altura serão entregues as Medalhas Comemorativas das Campanhas de África, (julgo que é assim que se chama), aos combatentes Manuel Lopes e Agostinho Gaspar.
Quem puder, tiver e quiser traga a sua boina, pois estamos a pensar, se tal couber na cerimónia fazer um pequeno desfile de combantentes.
Tenham atenção às inscrições, que eu farei com todo o gosto a quem mo solicitar.
Quem quiser, informe aqui para este mail e poderemos marcar um almoço na Pensão Montanha, mas para isso tenho que saber quem quer almoçar até ao dia 26 de Agosto às 12.00.
Este almoço nada tem a ver com o almoço mensal que recomeçará na última quarta feira do mês de Setembro.
Espero, esperamos por vós.
Grande e camarigo abraço
Tabanca do Centro
Joaquim Mexia Alves
2. Com a devida vénia à Tabanca do Centro, reproduzimos agora o seu Poste de hoje, onde é noticiada a homenagem que Monte Real vai fazer aos seus combatentes da Guerra do Ultramar.
HOMENAGEM AOS COMBATENTES, EM MONTE REAL
A TABANCA DO CENTRO ASSOCIA-SE A ESTA CERIMÓNIA
No próximo dia 1 de Setembro a Junta de Freguesia de Monte Real, com o apoio da Câmara Municipal de Leiria e do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, apadrinhando a ideia original do Combatente Manuel Lopes, nosso camarigo da Tabanca do Centro, vai realizar uma sessão de homenagem aos Combatentes da guerra do Ultramar, com o descerramento de uma placa alusiva ao acto.
A placa será descerrada pelo Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Castro, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real, Sr. Faustino Guerra e pelo Combatente Manuel Lopes.
Apresentamos-vos um programa resumido da cerimónia:
16h00 – 16h30 – Recepção dos convidados
16h30 – Cerimónia de Homenagem aos Combatentes
Descerramento da Placa
Cerimónia de Homenagem aos Mortos
Discursos
17h30 – Lanche
A Tabanca do Centro, que tem a sua "sede" em Monte Real, associa-se com todo o gosto e empenho a esta cerimónia e convida todos aqueles que costumam frequentar os nossos encontros, bem como todos os leitores deste nosso blogue, a juntarem-se a nós neste dia.
Para estar presente no lanche (que terá o custo de 2,50 €) será necessária uma inscrição prévia, com data limite de 26 de Agosto, na Junta de Freguesia de Monte Real (Contactos: 244 612 777; 936 612 771; 936 626 657)
No entanto, aqueles que quiserem podem enviar um mail para a Tabanca do Centro - tabancadocentro@gmail.com - com a identificação dos inscritos, e o Joaquim Mexia Alves procederá à inscrição e respectivo pagamento, despesa de que será obviamente ressarcido por cada inscrito, no próprio dia.
As inscrições podem também ser feitas no Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes.
Pedimos assim a vossa comparência a esta cerimónia, que será muito simples, embora com a participação das Forças Armadas, em princípio da Força Aérea, representada pela vizinha Base de Monte Real (Base Aérea nº5).
A Tabanca do Centro
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Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11850: Efemérides (135): No dia 13 de Julho de 2013, a Senhora da Hora homenageou os seus combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P11939: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (4): O valor estratégico da Guiné e Cabo Verde
1. Quarto episódio das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:
MEMÓRIAS DA GUINÉ
4 - O valor estratégico da Guiné e Cabo Verde
Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Milº de Artilharia
Na década de 60 e nos primeiros anos de 70 o Governo Português, de acordo com uma lei vigente, considerava o Ultramar como parte integrante da Nação. Este conceito imposto pelo poder central era mal compreendido pelos diversos países ocidentais nos quais se incluíam alguns com quem tínhamos tratados de amizade e de cooperação.
Nesses países, onde se praticava a democracia, só se entenderia que o Continente e o Ultramar fossem uma Nação una e indivisível se os seus habitantes, sentindo-se portugueses, o quisessem.
Por outro lado o nosso Governo considerava que Portugal era um país pluricontinental e pluricultural e que era da essência da Nação Portuguesa a missão de civilizar.
Relativamente a estes últimos conceitos o General Spínola, no seu livro "Portugal e o Futuro", esclarece a profunda contradição que encerravam, pois que "civilizar impõe a aceitação do primado de uma cultura o que colide com o conceito de pluriculturalidade."
Defendiam muitos que a defesa do território que os nossos pais nos haviam legado era indiscutível e que a nossa atitude só poderia ser uma: a de o transmitirmos aos nossos filhos na totalidade da sua dimensão.
"A Pátria não se discute, defende-se".
Este imobilismo ideológico-político com que o Governo Português procurava alicerçar os fundamentos da sua acção em África era cada vez menos aceite pelos países ocidentais e Portugal encontrava-se em 1970 muito isolado internacionalmente.
Perante a incompreensão das nossas posições pelos nossos parceiros da NATO, empenhava-se o nosso Governo em demonstrar quanto eram importantes as situações estratégicas dos nossos territórios africanos no contexto Atlântico, face à tentativa da URSS em dominar o mundo.
O Governo Português sublinhava, por isso, a possibilidade de os territórios africanos sob nossa administração poderem vir a ser considerados como baluartes de protecção de rotas marítimas fundamentais e bases estratégicas de defesa do Continente Africano, quadro no qual a Guiné Portuguesa necessariamente teria uma função importante.
Nesse aspecto, e na hipótese de ser um dia eventualmente fechado o Canal do Suez, a nossa linha de comunicação constituiria a única possibilidade de apoiar com eficiência a navegação para o Índico e para o Extremo Oriente, ao longo da rota pelo Cabo da Boa Esperança.
Segundo o General Câmara Pina, "as bases portuguesas de África permitiriam estabelecer, conjugadas com as bases do Brasil, uma cobertura eficaz do Atlântico Sul. As bases portuguesas ofereciam grandes facilidades para o cumprimento de missões de vigilância no Atlântico Sul e de protecção à navegação Europa-África que, em grande parte, passa entre a Guiné e Cabo Verde.
Mas a contribuição portuguesa poderia ser vista, ainda segundo o General Câmara Pina, a outra luz: negar ao adversário (URSS e seus satélites) posições eminentemente favoráveis para o lançamento de acções ofensivas.
E lembrava no seu artigo intitulado "Ideia Geral do Valor Estratégico do Conjunto Guiné-Cabo Verde e da Ilha de S. Tomé", que a instalação pelo inimigo de plataformas de mísseis e de aviões de grande raio de acção em alguns dos territórios administrados por Portugal constituiria, sem dúvida, grande perigo para os membros mais poderosos da aliança. "Conjugados estes meios com outros implantados em bases estrangeiras, adequadamente situados, passaria o inimigo (URSS) a dispor de um sistema ofensivo avançado flexível, apto para intervir contra as linhas de comunicação".
No quadro de uma guerra Leste-Oeste era valorizado pelos nossos Chefes Militares o valor estratégico do conjunto de territórios administrados por Portugal podendo:
- o Continente funcionar, conjuntamente com a Espanha, como elo de ligação dos Aliados da América com os Aliados da Europa, além de colaborarem na vigilância das saídas do Mediterrâneo.
- os Açores e a Madeira constituir sentinelas avançadas;
- e os nossos territórios africanos (em que se incluía, evidentemente, a Guiné) formar baluartes de protecção de rotas marítimas fundamentais e bases estratégicas de defesa do Continente Africano.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 7 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11914: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (3): Guiné-Bissau
MEMÓRIAS DA GUINÉ
4 - O valor estratégico da Guiné e Cabo Verde
Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Milº de Artilharia
Na década de 60 e nos primeiros anos de 70 o Governo Português, de acordo com uma lei vigente, considerava o Ultramar como parte integrante da Nação. Este conceito imposto pelo poder central era mal compreendido pelos diversos países ocidentais nos quais se incluíam alguns com quem tínhamos tratados de amizade e de cooperação.
Nesses países, onde se praticava a democracia, só se entenderia que o Continente e o Ultramar fossem uma Nação una e indivisível se os seus habitantes, sentindo-se portugueses, o quisessem.
Por outro lado o nosso Governo considerava que Portugal era um país pluricontinental e pluricultural e que era da essência da Nação Portuguesa a missão de civilizar.
Relativamente a estes últimos conceitos o General Spínola, no seu livro "Portugal e o Futuro", esclarece a profunda contradição que encerravam, pois que "civilizar impõe a aceitação do primado de uma cultura o que colide com o conceito de pluriculturalidade."
Defendiam muitos que a defesa do território que os nossos pais nos haviam legado era indiscutível e que a nossa atitude só poderia ser uma: a de o transmitirmos aos nossos filhos na totalidade da sua dimensão.
"A Pátria não se discute, defende-se".
Este imobilismo ideológico-político com que o Governo Português procurava alicerçar os fundamentos da sua acção em África era cada vez menos aceite pelos países ocidentais e Portugal encontrava-se em 1970 muito isolado internacionalmente.
Perante a incompreensão das nossas posições pelos nossos parceiros da NATO, empenhava-se o nosso Governo em demonstrar quanto eram importantes as situações estratégicas dos nossos territórios africanos no contexto Atlântico, face à tentativa da URSS em dominar o mundo.
O Governo Português sublinhava, por isso, a possibilidade de os territórios africanos sob nossa administração poderem vir a ser considerados como baluartes de protecção de rotas marítimas fundamentais e bases estratégicas de defesa do Continente Africano, quadro no qual a Guiné Portuguesa necessariamente teria uma função importante.
Nesse aspecto, e na hipótese de ser um dia eventualmente fechado o Canal do Suez, a nossa linha de comunicação constituiria a única possibilidade de apoiar com eficiência a navegação para o Índico e para o Extremo Oriente, ao longo da rota pelo Cabo da Boa Esperança.
Segundo o General Câmara Pina, "as bases portuguesas de África permitiriam estabelecer, conjugadas com as bases do Brasil, uma cobertura eficaz do Atlântico Sul. As bases portuguesas ofereciam grandes facilidades para o cumprimento de missões de vigilância no Atlântico Sul e de protecção à navegação Europa-África que, em grande parte, passa entre a Guiné e Cabo Verde.
Mas a contribuição portuguesa poderia ser vista, ainda segundo o General Câmara Pina, a outra luz: negar ao adversário (URSS e seus satélites) posições eminentemente favoráveis para o lançamento de acções ofensivas.
E lembrava no seu artigo intitulado "Ideia Geral do Valor Estratégico do Conjunto Guiné-Cabo Verde e da Ilha de S. Tomé", que a instalação pelo inimigo de plataformas de mísseis e de aviões de grande raio de acção em alguns dos territórios administrados por Portugal constituiria, sem dúvida, grande perigo para os membros mais poderosos da aliança. "Conjugados estes meios com outros implantados em bases estrangeiras, adequadamente situados, passaria o inimigo (URSS) a dispor de um sistema ofensivo avançado flexível, apto para intervir contra as linhas de comunicação".
No quadro de uma guerra Leste-Oeste era valorizado pelos nossos Chefes Militares o valor estratégico do conjunto de territórios administrados por Portugal podendo:
- o Continente funcionar, conjuntamente com a Espanha, como elo de ligação dos Aliados da América com os Aliados da Europa, além de colaborarem na vigilância das saídas do Mediterrâneo.
- os Açores e a Madeira constituir sentinelas avançadas;
- e os nossos territórios africanos (em que se incluía, evidentemente, a Guiné) formar baluartes de protecção de rotas marítimas fundamentais e bases estratégicas de defesa do Continente Africano.
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Nota do editor
Último poste da série de 7 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11914: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (3): Guiné-Bissau
Guiné 63/74 - P11950: Manuscrito(s) Infeliz o cego, surdo e mudo, porque dele não será o reino de Neptuno (Luís Graça)
ourinhã > Praia de Vale de Frades > Rocha com vestígios de árvores fossilizadas.
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados
Infeliz o cego, surdo e mudo,
porque dele não será o Reino de Neptuno
Estou surdo
E não poderei ouvir-te
Em Agosto.
Nem ouvir o que mais gosto em Agosto,
O mar,
A décima sinfonia do mar
Tocada pelos golfinhos e pelos surfistas.
Ou só poderei captar
Meio som
Com meio ouvido.
Estou surdo
E por mais absurdo
Que isso te pareça,
Só poderei entender
As palavras sibilinas,
As semifusas,
Que me escreveste no teu último mail.
Aqui estou, especado,
Na areia,
Emparedado
Entre o Beethoven a fazer o pino
E o desejo e a ameaça de Sibila.
Enquanto espero o otorrino
À porta do consultório
E o sol que tarda
Nesta tarde do mês de Agosto.
Infelizes os surdos
E os curdos
(que não têm mar nem pátria)
E os duros de ouvido,
Porque deles não será o Reino de Neptuno!
Sinto-me infeliz
No pico do verão,
Meio surdo,
Meio huno,
Meio curdo,
À espera do sol
E do seu espectáculo de strip-tease.
Aqui especado,
Parado,
Enterrado na areia,
À espera de qualquer coisa,
Da iminência de acontecer qualquer coisa,
À espera da queda dos últimos restos
Do sacro império romano,
À espera que me caia, na cabeça,
Uma prancha de surf,
Um tubarão assassino,
Um ultraleve publicitário,
À espera que haja uma notícia,
Um título de caixa alta
Para ler com o café do pequeno almoço,
Qualquer coisa que me agrave ainda mais a minha surdez,
Um ataque de pânico,
Um falso alarme de tsunami,
O crash na Bolsa de Nova Iorque,
O suicídio colectivo de um povo
Um magnicídio,
À espera que dê à costa na maré cheia
Um pedaço da arrábida fóssil,
Um duro osso de roer de dinossauro,
Uma boa chuva de meteoritos
made in China…
À espera dos bárbaros,
À espera dos hunos,
À espera do otorrino,
À espera de ti,
À espera do sol
Que teima em tardar,
À espera do FMI ou do FIM
Sem esperança nos curdos,
Sem piedade para com os surdos.
À espera, enfim, da recuperação dos meus cinco sentidos.
À espera do fim da nossa crise existencial.
À espera do som e da fúria
Da próxima praia-mar,
Em noite de lua cheia
Prenha de augúrios, fantasmas e medos.
Só não conquistaram o sol,
Os romanos,
Nem os oceanos.
O Atlântico.
O sol que tarda em Agosto.
Nem havia nesse tempo
O direito a férias pagas,
Subsídio de invalidez por surdez profissional,
Nem muito menos o prémio por nascimento
E funeral.
Estou surdo, cego e mudo,
Ou se não estou surdo, cego e mudo foi por um triz,
Estou surdo
E a fazer o luto
Pela morte do Estado-Providência
Que me pagava o otorrino
E as gotas para o nariz.
Aqui é o meu futuro,
Diz o novo huno,
O imigra que agora vende Bolas de Berlim
Em praias rigorosamente concessionadas
E vigiadas pela ASAE.
Viva o fascismo sanitário,
Proclama o outdoor
Da nova polícia das retretes e dos croquetes.
Sem dó
Nem piedade.
Estou surdo.
Falta-me ficar cego e depois mudo.
Para ser cego, surdo e mudo,
Como a figura da deusa Justiça.
2011
Guiné 63/74 - P11938: Blogpoesia (352): Três poemas recentes de J. L. Mendes Gomes: A minha bicicleta; O meu netinho Tomás; Contemplação da noite...
Mais 3 poemas, recentes, do nosso amigo e camarada J.L. Mendes Gomes
[ex-alf mil, CCAÇ 728,
Cachil, Catió e Bissau,
1964/66]
A minha bicicleta...
Minha bicicleta branca,
De mudanças de cubo,
Era uma flecha lestra
Que me pegava
E levava ao vento.
De Varziela à Longra,
Sem uma pedalada.
Com uma só condição,
De a trazer para casa,
Antes do sol posto.
Tinha medo da noite
E das estrelas
Que brilhavam no céu.
Quando via a lua,
Era cá uma festa...
De fazer chorar.
Punha-se a dormir,
Encostada à porta.
E sorridente,
Ao nascer do sol,
Queria voltar comigo,
Queria ir à vila
Ver suas amigas
Que lhe queriam bem...
[ex-alf mil, CCAÇ 728,
Cachil, Catió e Bissau,
1964/66]
A minha bicicleta...
Minha bicicleta branca,
De mudanças de cubo,
Era uma flecha lestra
Que me pegava
E levava ao vento.
De Varziela à Longra,
Sem uma pedalada.
Com uma só condição,
De a trazer para casa,
Antes do sol posto.
Tinha medo da noite
E das estrelas
Que brilhavam no céu.
Quando via a lua,
Era cá uma festa...
De fazer chorar.
Punha-se a dormir,
Encostada à porta.
E sorridente,
Ao nascer do sol,
Queria voltar comigo,
Queria ir à vila
Ver suas amigas
Que lhe queriam bem...
As que ficaram na vitrina,
À espera dum dono...
Estavam prisioneiras,
À espera dum dono...
Estavam prisioneiras,
Que as fizesse livres.
Sem culpa formada,
Pagando pelos crimes,
Que nunca cometeram...
Havia tanta injustiça...
Eram só os ricos
Que as levavam por bem.
Na carteira dos pobres,
Não havia vintém...
Só usavam socas
E eram de pau...
O menino jesus as dava
A quem se portasse bem...
Mafra, 27 de Junho de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes
O meu netinho Tomás
Partiu com dois anitos...
Sem culpa formada,
Pagando pelos crimes,
Que nunca cometeram...
Havia tanta injustiça...
Eram só os ricos
Que as levavam por bem.
Na carteira dos pobres,
Não havia vintém...
Só usavam socas
E eram de pau...
O menino jesus as dava
A quem se portasse bem...
Mafra, 27 de Junho de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes
O meu netinho Tomás
Partiu com dois anitos...
Chamado por Deus.
Moeda de troca.
Ele canta no céu...
E eu choro na terra,
Rezando estes versos
Que me fazem sangrar.
Sorriso de luz,
Olhinhos brilhantes,
Bracitos de amor
Chamando pelos meus.
Moeda de troca.
Ele canta no céu...
E eu choro na terra,
Rezando estes versos
Que me fazem sangrar.
Sorriso de luz,
Olhinhos brilhantes,
Bracitos de amor
Chamando pelos meus.
Brincava às escondidas,
Sem se cansar.
Corria descalço,
Passarinho a fugir.
Se rojava no chão,
Cavalinho de corda.
Até ficar a dormir.
Te guardo em mim,
Meu pedacinho de avô.
Meu anjo da guarda
Que esperas no céu
Para continuares a brincar.
Te lembro meu velho,
Tamanha saudade,
Te peço beijinhos,
Para continuar a viver...
Berlim, 11 de Julho de 2013
22h22m
Joaquim Luís Mendes Gomes
Contemplação da noite...
Em cima desta pedra ronda,
pela madrugada,
contemplo ao alto,
uma imensidão estrelada.
Tantos pontinhos brancos,
a brilhar de luz...
uma parcela apenas
do universo total.
Que será a terra,
onde vamos nós,
vista de lá?
Minúsculo pontinho,
onde não cabe nada...
uma faúlha azul
que Alguém acendeu...
Um baú doirado,
só o sabemos nós,
onde vais tu e eu...
Nenhum telescópio celeste
nos consegue ver...
Só nós temos alma e olhos
para os poder contar,
sem saber porquê!...
Berlim, 31 de Julho de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes
_________
Nota do editor:
Último poste da série > 29 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11882: Blogpoesia (351): "Conversas sem pressas", por Maria de Lourdes dos Anjos (Francisco Batista)
Sem se cansar.
Corria descalço,
Passarinho a fugir.
Se rojava no chão,
Cavalinho de corda.
Até ficar a dormir.
Te guardo em mim,
Meu pedacinho de avô.
Meu anjo da guarda
Que esperas no céu
Para continuares a brincar.
Te lembro meu velho,
Tamanha saudade,
Te peço beijinhos,
Para continuar a viver...
Berlim, 11 de Julho de 2013
22h22m
Joaquim Luís Mendes Gomes
Contemplação da noite...
Em cima desta pedra ronda,
pela madrugada,
contemplo ao alto,
uma imensidão estrelada.
Tantos pontinhos brancos,
a brilhar de luz...
uma parcela apenas
do universo total.
Que será a terra,
onde vamos nós,
vista de lá?
Minúsculo pontinho,
onde não cabe nada...
uma faúlha azul
que Alguém acendeu...
Um baú doirado,
só o sabemos nós,
onde vais tu e eu...
Nenhum telescópio celeste
nos consegue ver...
Só nós temos alma e olhos
para os poder contar,
sem saber porquê!...
Berlim, 31 de Julho de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes
_________
Nota do editor:
Último poste da série > 29 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11882: Blogpoesia (351): "Conversas sem pressas", por Maria de Lourdes dos Anjos (Francisco Batista)
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11937: Estórias avulsas (65): Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"! (José Ribeiro)
1. O nosso
Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé),
1970/72, enviou-nos o seu segundo texto e fotos:
Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"!
Manga de patacão... 4.000$00, que na Guiné valia muito mais, pois que cada 100$00 valiam mais 20$00.
Claro, que nessa manhã tinha de ir, a Bafatá, receber o guito (que era para vir de férias, à Metrópole, pela 2ª. vez). Toca a voluntariar-me para ir na "coluna do correio". Enverguei o "camuflado", cartucheiras, G-3 e fui falar ao Alferes que comandava a respectiva coluna, para me deixar ir. Anuiu. Lá vamos nós, para fazer os cerca de 40 Km., entre Galomaro e Bafatá, numa picada sem "picagem".
Passada cerca de uma hora, lá chegamos a Bafatá.
Enquanto a maior parte da "malta" ia ao Esquadrão buscar o correio a
tratar doutros assuntos, eu e mais alguns que se tinham voluntariado... fomos tomar
o: - Pequeno almoço; aperitivo; almoço; lanche e jantar!
Fomos direitinhos ao
Restaurante "Mira-Geba", que existia na rua principal e mandamos vir
o pequeno almoço: Pão (de farinha de arroz) com presunto e leite achocolatado
fresquinho… a seguir veio, para aperitivo, camarão do rio com cerveja (bazuca)
e Martini.
Para o almoço, logo a seguir, veio bife com batata frita e aquele
molho de piri-piri com limão tudo regadinho com vinho tinto Metropolitano.
Viemos dar uma volta e voltamos para o lanche.
Repetimos o camarão de rio
acompanhado de "bazucas" e mandamos preparar, para o jantar (logo a
seguir), frango assado com batata frita, não esquecendo o molho de piri-piri
com limão e o vinho tinto. Rematamos com café.
Como deveis compreender, não era
só comida que existia nos nossos estómagos, o que havia mais era
liquidos/álcool, hehehehehe. Já "finos" e com uma "felicidade e
coragem que nem vos conto", fomos até às "Libanesas" esperar
pela malta que tinha ido tratar do correio, ao Esquadrão, e na espera
"emburcamos" mais uns tantos whiskyes. Lá viemos embora, 4 de nós com
uma "carripana" de caixão-à-cova.
No meio do percurso, sensivelmente,
já a começar a escurecer, paramos para urinar. Alguns fizeram a segurança e eu
(cheio de vapores elíticos) olhei para as árvores e vi vários
"macacos-cão". Sem pensar em segurança nem em nada, peguei na G-3, em
rajada, comecei a disparar para os "bichos".
Despejei os 4 carregadores,
a arma até queimava, não acertei em nenhum... e puz em risco a minha vida e a
dos meus companheiros. Viemos para o aquartelamento e fui logo para o
"beliche". Felizmente, ao outro dia, quando fui ter com o Oficial que
comandou a coluna (e à espera de correctivo ou castigo)... ele só me disse:
.... andaste aos tiros aos macacos, não ouvi nada... Que sorte.
Mas ainda hoje
me pergunto, como foi possível tamanha inconsciência. Coisas da
"minha Guiné", que recordo com saudade!...
Galomaro-Cossé > 1970
Galomaro > Grande patuscada
Ponte que ligava Bafatá a Galomaro e Bambadinca
Bafatá > Igreja, na rua principal
Um abraço para todos,
José Fernando
dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms
da CCS do BCAÇ 2912
Fotos: José
Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
Vd. último
poste desta série em:
3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 -
P11800: Estórias avulsas (64): A bananeira armadilhada e o frango desvitaminado
(João Rebola)
Guiné 63/74 - P11936: Bom ou mau tempo na bolanha (26): Os amigos regressados do Vietname (Tony Borié)
Vigésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
Seguindo o rumo de alguns textos anteriores, o Cifra, entendeu que os leitores, deviam ter conhecimento, desta história, que aconteceu, já o Cifra era emigrado, já não se chamava Cifra, mas única e simplesmente Tony, exercia a sua profissão, numa multinacional no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e tem algo a ver com todos nós os antigos combatentes, portanto cá vai.
Eram jovens, que regressaram da guerra do Vietname. A sua maior parte, eram pessoas, com muito pouca instrução escolar, alguns, eram oriundos dos estados do centro norte, e alistavam-se querendo ir à aventura, pois pertenciam a famílias em que os pais e avós, nunca tiveram oportunidade de ver o mar. Outros eram emigrantes oriundos da América do sul, e com poucas oportunidades de emprego, devido a viverem em zonas rurais, junto à fronteira sul dos Estados Unidos, e viam no alistamento uma oportunidade, com algum futuro. Alguns, nunca tiveram um emprego, antes do alistamento, pois viviam em subúrbios de grandes zonas metropolitanas, sobrevivendo de alguns biscates, e com alguma conexão a grupos criminosos, e viram na ida para a guerra, a maneira de cumprirem penas de prisão, a que estavam sujeitos, e ao regressarem serem cidadãos livres. Esses jovens, alguns eram pessoas revoltadas, pelo modo de vida que levaram antes do alistamento, e traumatizadas, pelo período que passaram no Vietname.
Quando regressavam de uma comissão, na guerra do Vietname, tinham praticamente duas hipóteses, ou iam cumprir outra comissão na guerra, sobreviviam e seguiam a carreira militar, ou desmoralizados pela experiência da guerra, abandonavam o serviço militar e iam trabalhar em estações de serviço, enchendo tanques de gasolina, ou qualquer outro trabalho menor, que não envolvesse muita responsabilidade. Quase sempre andavam sobre influência, não aceitavam que lhe falassem, mais do que três ou quatro palavras seguidas, era quase impossível dar-lhes treino e colocarem-nos a operarem uma máquina. Como o Tony, os compreendia!
A multinacional, como vendia algum do seu produto a agências do governo, não podia negar trabalho a esses jovens, sempre que eram necessários novos empregados, esses jovens eram os preferidos.
Três desses jovens, vieram trabalhar na multinacional. Ao fim de umas horas, a pessoa que estava responsável de os colocar no trabalho de adaptação, dirigiu-se ao departamento de pessoal, dizendo que era impossível comunicar-se com eles, o melhor seria mandá-los já embora, antes que criassem mais problemas. O Tony, que também era representante do sindicato, pediu autorização para ver as fichas que eles tinham preenchido e depois de analisar as respectivas fichas, pediu uns dias de adaptação e que os ia levar para o departamento dos mecânicos, onde era preciso uma limpeza e pintura das paredes, a gerência concordou. A linguagem que eles falavam e os sentimentos que tinham eram parecidos aos do Tony, quando regressou a Portugal, vindo da guerra de África.
Em meia dúzia de palavras, explicou-lhes o trabalho. Deu- lhes liberdade e responsabilidade.
No primeiro dia, quase não fizeram nada, além de fumarem constantemente, tabaco que não se vendia em tabacarias públicas, e quase sempre sentados, esperavam pela hora do intervalo, para virem tomar café negro, sem açúcar. No segundo dia, um chegou bastante tarde, os outros dois chegaram a horas, mas só apareceram no trabalho quando o outro chegou. Não fizeram praticamente nada, a limpeza e a pintura, mal tinha começado. No terceiro dia vieram todos a horas, mas só apareceram no local de trabalho passado quase uma hora. Nesse terceiro dia, ao final da tarde estavam sentados ao sol, fumando, junto da linha de caminho de ferro que existia dentro da multinacional.
O Tony, começou a ser pressionado pela gerência da multinacional, que não queria maus exemplos. Deste modo, o Tony dirigiu-se ao grupo quando se encontravam ao sol, fumando, e perguntou:
- Podem ouvir-me por um minuto?
Não obtendo resposta, explicou, mais ou menos isto:
- Coloquei a minha palavra por vocês, estou a ser motivo de enxovalho em toda a companhia, e se querem continuar a encher tanques de gasolina, numa estação de serviço, e quase sempre sobre influência, pelo resto da vossa vida, pois são livres de o fazer, mas pensem só um pouco, que estão neste momento a ter uma oportunidade, quase única, de serem de novo admitidos pela sociedade que voz despreza, mas em que infelizmente vivemos e onde estamos todos inseridos.
Todas estas palavras foram ditas com algum carinho, e terminou dizendo:
- Também sou veterano de uma guerra, também tive o mesmo problema com a sociedade, que não me admitia e me discriminava, só que no meu País, não havia trabalho, nem oportunidades para todas as pessoas, especialmente os pobres, pois existia um sistema de protecção para as pessoas com mais recursos, e oxalá que vocês nunca passem por essa situação, por favor agarrem esta oportunidade.
Não esperou por qualquer resposta, não sabe se ouviram ou não, as suas palavras. Nos próximos quatro dias, aos poucos foram movimentando-se, algumas vezes zangados uns com os outros, mas foram limpando e pintando todo o departamento dos mecânicos. Andavam numa azáfama, a subir e descer escadas, alguns, com o cigarro na boca, todos pintados na cara e nos braços, mas sempre barafustando uns com os outros. Terminaram o trabalho, não sendo preciso ninguém mais lhes dirigir a palavra. Desses três jovens, um, o Dallas, ficou a trabalhar como mecânico, assistindo a classes na escola à noite, juntamente com o Tony. O outro, o Montana, quando houve uma vaga nos quadros superiores, aplicou e foi admitido, portanto foi para encarregado de um departamento. E o terceiro, o Colorado, trabalhava, como operador de um forno de fundição de alumínio, estudava de noite, aplicou e submeteu-se a um concurso, sendo admitido como operador de locomotivas numa companhia dos caminhos de ferro de Nova Jersey, pois o comboio passava pela multinacional, e ele passava quase todo o tempo apreciando o maquinista em manobras, com a colocação dos vagões no plataforma de desembarque.
O Tony, recorda com saudade, quando por eles passava e lhe diziam:
- Tony, vai um “cigarrito especial”?
Ao que o Tony, respondia:
- Não.
E eles, logo lhe chamavam:
- “Chicken!..., Quá, Quá, Quá”! - Imitando uma galinha.
Tony Borie,
Maio de 2013
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Toni Borié)
Seguindo o rumo de alguns textos anteriores, o Cifra, entendeu que os leitores, deviam ter conhecimento, desta história, que aconteceu, já o Cifra era emigrado, já não se chamava Cifra, mas única e simplesmente Tony, exercia a sua profissão, numa multinacional no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e tem algo a ver com todos nós os antigos combatentes, portanto cá vai.
Eram jovens, que regressaram da guerra do Vietname. A sua maior parte, eram pessoas, com muito pouca instrução escolar, alguns, eram oriundos dos estados do centro norte, e alistavam-se querendo ir à aventura, pois pertenciam a famílias em que os pais e avós, nunca tiveram oportunidade de ver o mar. Outros eram emigrantes oriundos da América do sul, e com poucas oportunidades de emprego, devido a viverem em zonas rurais, junto à fronteira sul dos Estados Unidos, e viam no alistamento uma oportunidade, com algum futuro. Alguns, nunca tiveram um emprego, antes do alistamento, pois viviam em subúrbios de grandes zonas metropolitanas, sobrevivendo de alguns biscates, e com alguma conexão a grupos criminosos, e viram na ida para a guerra, a maneira de cumprirem penas de prisão, a que estavam sujeitos, e ao regressarem serem cidadãos livres. Esses jovens, alguns eram pessoas revoltadas, pelo modo de vida que levaram antes do alistamento, e traumatizadas, pelo período que passaram no Vietname.
Quando regressavam de uma comissão, na guerra do Vietname, tinham praticamente duas hipóteses, ou iam cumprir outra comissão na guerra, sobreviviam e seguiam a carreira militar, ou desmoralizados pela experiência da guerra, abandonavam o serviço militar e iam trabalhar em estações de serviço, enchendo tanques de gasolina, ou qualquer outro trabalho menor, que não envolvesse muita responsabilidade. Quase sempre andavam sobre influência, não aceitavam que lhe falassem, mais do que três ou quatro palavras seguidas, era quase impossível dar-lhes treino e colocarem-nos a operarem uma máquina. Como o Tony, os compreendia!
A multinacional, como vendia algum do seu produto a agências do governo, não podia negar trabalho a esses jovens, sempre que eram necessários novos empregados, esses jovens eram os preferidos.
Três desses jovens, vieram trabalhar na multinacional. Ao fim de umas horas, a pessoa que estava responsável de os colocar no trabalho de adaptação, dirigiu-se ao departamento de pessoal, dizendo que era impossível comunicar-se com eles, o melhor seria mandá-los já embora, antes que criassem mais problemas. O Tony, que também era representante do sindicato, pediu autorização para ver as fichas que eles tinham preenchido e depois de analisar as respectivas fichas, pediu uns dias de adaptação e que os ia levar para o departamento dos mecânicos, onde era preciso uma limpeza e pintura das paredes, a gerência concordou. A linguagem que eles falavam e os sentimentos que tinham eram parecidos aos do Tony, quando regressou a Portugal, vindo da guerra de África.
Em meia dúzia de palavras, explicou-lhes o trabalho. Deu- lhes liberdade e responsabilidade.
No primeiro dia, quase não fizeram nada, além de fumarem constantemente, tabaco que não se vendia em tabacarias públicas, e quase sempre sentados, esperavam pela hora do intervalo, para virem tomar café negro, sem açúcar. No segundo dia, um chegou bastante tarde, os outros dois chegaram a horas, mas só apareceram no trabalho quando o outro chegou. Não fizeram praticamente nada, a limpeza e a pintura, mal tinha começado. No terceiro dia vieram todos a horas, mas só apareceram no local de trabalho passado quase uma hora. Nesse terceiro dia, ao final da tarde estavam sentados ao sol, fumando, junto da linha de caminho de ferro que existia dentro da multinacional.
O Tony, começou a ser pressionado pela gerência da multinacional, que não queria maus exemplos. Deste modo, o Tony dirigiu-se ao grupo quando se encontravam ao sol, fumando, e perguntou:
- Podem ouvir-me por um minuto?
Não obtendo resposta, explicou, mais ou menos isto:
- Coloquei a minha palavra por vocês, estou a ser motivo de enxovalho em toda a companhia, e se querem continuar a encher tanques de gasolina, numa estação de serviço, e quase sempre sobre influência, pelo resto da vossa vida, pois são livres de o fazer, mas pensem só um pouco, que estão neste momento a ter uma oportunidade, quase única, de serem de novo admitidos pela sociedade que voz despreza, mas em que infelizmente vivemos e onde estamos todos inseridos.
Todas estas palavras foram ditas com algum carinho, e terminou dizendo:
- Também sou veterano de uma guerra, também tive o mesmo problema com a sociedade, que não me admitia e me discriminava, só que no meu País, não havia trabalho, nem oportunidades para todas as pessoas, especialmente os pobres, pois existia um sistema de protecção para as pessoas com mais recursos, e oxalá que vocês nunca passem por essa situação, por favor agarrem esta oportunidade.
Não esperou por qualquer resposta, não sabe se ouviram ou não, as suas palavras. Nos próximos quatro dias, aos poucos foram movimentando-se, algumas vezes zangados uns com os outros, mas foram limpando e pintando todo o departamento dos mecânicos. Andavam numa azáfama, a subir e descer escadas, alguns, com o cigarro na boca, todos pintados na cara e nos braços, mas sempre barafustando uns com os outros. Terminaram o trabalho, não sendo preciso ninguém mais lhes dirigir a palavra. Desses três jovens, um, o Dallas, ficou a trabalhar como mecânico, assistindo a classes na escola à noite, juntamente com o Tony. O outro, o Montana, quando houve uma vaga nos quadros superiores, aplicou e foi admitido, portanto foi para encarregado de um departamento. E o terceiro, o Colorado, trabalhava, como operador de um forno de fundição de alumínio, estudava de noite, aplicou e submeteu-se a um concurso, sendo admitido como operador de locomotivas numa companhia dos caminhos de ferro de Nova Jersey, pois o comboio passava pela multinacional, e ele passava quase todo o tempo apreciando o maquinista em manobras, com a colocação dos vagões no plataforma de desembarque.
O Tony, recorda com saudade, quando por eles passava e lhe diziam:
- Tony, vai um “cigarrito especial”?
Ao que o Tony, respondia:
- Não.
E eles, logo lhe chamavam:
- “Chicken!..., Quá, Quá, Quá”! - Imitando uma galinha.
Tony Borie,
Maio de 2013
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Toni Borié)
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