quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11939: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (4): O valor estratégico da Guiné e Cabo Verde

1. Quarto episódio das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

4 - O valor estratégico da Guiné e Cabo Verde

Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Milº de Artilharia

Na década de 60 e nos primeiros anos de 70 o Governo Português, de acordo com uma lei vigente, considerava o Ultramar como parte integrante da Nação. Este conceito imposto pelo poder central era mal compreendido pelos diversos paí­ses ocidentais nos quais se incluí­am alguns com quem tínhamos tratados de amizade e de cooperação.
Nesses países, onde se praticava a democracia, só se entenderia que o Continente e o Ultramar fossem uma Nação una e indivisível se os seus habitantes, sentindo-se portugueses, o quisessem.
Por outro lado o nosso Governo considerava que Portugal era um paí­s pluricontinental e pluricultural e que era da essência da Nação Portuguesa a missão de civilizar.

Relativamente a estes últimos conceitos o General Spínola, no seu livro "Portugal e o Futuro", esclarece a profunda contradição que encerravam, pois que "civilizar impõe a aceitação do primado de uma cultura o que colide com o conceito de pluriculturalidade."

Defendiam muitos que a defesa do território que os nossos pais nos haviam legado era indiscutí­vel e que a nossa atitude só poderia ser uma: a de o transmitirmos aos nossos filhos na totalidade da sua dimensão.

"A Pátria não se discute, defende-se".

Este imobilismo ideológico-polí­tico com que o Governo Português procurava alicerçar os fundamentos da sua acção em África era cada vez menos aceite pelos paí­ses ocidentais e Portugal encontrava-se em 1970 muito isolado internacionalmente.

Perante a incompreensão das nossas posições pelos nossos parceiros da NATO, empenhava-se o nosso Governo em demonstrar quanto eram importantes as situações estratégicas dos nossos territórios africanos no contexto Atlântico, face à tentativa da URSS em dominar o mundo.

O Governo Português sublinhava, por isso, a possibilidade de os territórios africanos sob nossa administração poderem vir a ser considerados como baluartes de protecção de rotas marítimas fundamentais e bases estratégicas de defesa do Continente Africano, quadro no qual a Guiné Portuguesa necessariamente teria uma função importante.
Nesse aspecto, e na hipótese de ser um dia eventualmente fechado o Canal do Suez, a nossa linha de comunicação constituiria a única possibilidade de apoiar com eficiência a navegação para o Índico e para o Extremo Oriente, ao longo da rota pelo Cabo da Boa Esperança.

Segundo o General Câmara Pina, "as bases portuguesas de África permitiriam estabelecer, conjugadas com as bases do Brasil, uma cobertura eficaz do Atlântico Sul. As bases portuguesas ofereciam grandes facilidades para o cumprimento de missões de vigilância no Atlântico Sul e de protecção à  navegação Europa-África que, em grande parte, passa entre a Guiné e Cabo Verde.
Mas a contribuição portuguesa poderia ser vista, ainda segundo o General Câmara Pina, a outra luz: negar ao adversário (URSS e seus satélites) posições eminentemente favoráveis para o lançamento de acções ofensivas.

E lembrava no seu artigo intitulado "Ideia Geral do Valor Estratégico do Conjunto Guiné-Cabo Verde e da Ilha de S. Tomé", que a instalação pelo inimigo de plataformas de mí­sseis e de aviões de grande raio de acção em alguns dos territórios administrados por Portugal constituiria, sem dúvida, grande perigo para os membros mais poderosos da aliança. "Conjugados estes meios com outros implantados em bases estrangeiras, adequadamente situados, passaria o inimigo (URSS) a dispor de um sistema ofensivo avançado flexível, apto para intervir contra as linhas de comunicação".

No quadro de uma guerra Leste-Oeste era valorizado pelos nossos Chefes Militares o valor estratégico do conjunto de territórios administrados por Portugal podendo:
- o Continente funcionar, conjuntamente com a Espanha, como elo de ligação dos Aliados da América com os Aliados da Europa, além de colaborarem na vigilância das saí­das do Mediterrâneo.
- os Açores e a Madeira constituir sentinelas avançadas;
- e os nossos territórios africanos (em que se incluí­a, evidentemente, a Guiné) formar baluartes de protecção de rotas marí­timas fundamentais e bases estratégicas de defesa do Continente Africano.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11914: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (3): Guiné-Bissau

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarada

Interessante, estas informações, este enquadramento e estas formas de avaliar a situação geo-política.

Abraço
Hélder S.

Hélder Valério disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Antº Rosinha disse...



...E por incrível que pareça, o "Kremlin" instalou-se mesmo em Bissau.

Será que o Salazar era bruxo?

Eramos nós Tugas os que mais duvidávamos e chamávamos mentiroso ao Botas.

É que os Soviéticos ouviram estes conselhos do nosso ditador e alojaram-se às centenas de militares e diplomatas naquele fim de mundo que era Bissau.

A fé dos soviéticos em Salazar era absoluta, cumpriam de tal modo que não olhavam a despezas.

Fizeram de Bissau uma referência e ponto de passagem de barcos de turismo, barcos de guerra, barcos de pesca e vôos bissemanais de apoio à logística da estratégia que o Salazar preconizava.

Até que um dia cairam do muro esses inimigos, mas já o nosso "bruxo" tinha caído da cadeira muitos anos antes.

O mundo dá tantas voltas, mas nós aqui, no cantinho do ocidente, dificilmente voltaremos a passar pelos mesmos sítios (para o bem e para o mal).

Este post também agita as memórias da gente.