domingo, 11 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical

1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o segundo episódio do seu Pós-Guiné: 


O PÓS-GUINÉ 65/67

2 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL 

Pois é... já lavei a cicatriz... guardei o cotão, (tem muito para contar e dará muito pano para mangas) mas vou continuar a falar de mim, da Guiné e até ao dia que me cortem o pio.
Continuarei a descrever uma vivida realidade... não falarei sobre as cicatrizes d'outros.
Manter-me-hei atento e venerador ao que escrevem... continuarei a ser o mais honesto possível... não criticarei abertamente seja quem for, mesmo que mais sábios e eruditos, do qu'a mim...

Aqui no blogue, pretende-se deixar algo para memória futura, eu tive a sorte de que publicassem aquelas minhas croniquetas d"OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", onde e de forma graciosa (pretensiosismo meu) contei o que vivi, sem sangue... sem botas com apenas pés lá dentro... sem corpos dos nossos cortados ao meio pelas balas ou minas inimigas.

Por aí não enveredarei, embora saiba fazê-lo pois que à 4ª classe tirada nas Aulas Regimentais, ajuntei depois mais alguma cultura, com quem era mesmo culto e falo do SENHOR Ferreira de Castro, escritor... dum Senhor Presidente do Brasil, exilado em Portugal e outros que direi um dia, e com quem tive o grato prazer de partilhar apertos de mão e conviver, enquanto "caixa" que fui no Banco onde desempenhei a função, com as mesmas, disciplina e hombridade, aprendidas no Exército.

Em boa verdade, a Guiné esteve sempre presente e continua, como ainda hoje 30/7/2013 ao ir no hospital para uma pequena cirurgia ao sobrolho, após ter caído na rua, sem que alguém me tocasse e apenas porque uma elevação de dois centímetros se opôs à minha passagem. O médico guineense com quem conversei e que vai abrir consultório em Bissau, apesar de tudo e sabendo que eu sou do Sporting, afinfou-me três pontos que permitirão ao meu clube, partir com esse avanço.

Anteriormente, e aquando dum grave problema de comichão na barriga, e deveras parecida com as borbulhagens da mata, e ainda, após dois meses de tratamentos com os melhores e mais dispendiosos, como se chamam?... como se chamam?... ah, já sei... dermatologistas pois então (estive alguns minutos a pensar... e quase a desistir).

Pois como ia a dizer, pedi que me dessem a mesinha da Guiné, que era apenas e só, o 1214 (qu'até dava para se beber na falta do Vat 69), mas foi escusado que ninguém conhecia tal tratamento. Em boa verdade a coisa resultava se besuntada ao mesmo tempo que se tomava, pelos gorgomilos abaixo, uma generosa dose de gin Gordon's misturado com água tónica e cinco pedras de gelo... tudo servido em copo de cristal, feito a partir de qualquer garrafa, que levava óleo quente até ao tamanho pretendido e depois colocada em água fria, partia por aí.

Lá, a segunda parte do tratamento antibiotecário, fiz mas não tendo resultado, falei com um veterinário, que o não era então, aquando fur. mil. no QG do CTIG, expus-lhe a situação, deu-me uma pomada que usava no tratamento de equimoses nos cães e cadelas obviamente, e passou, eia... sus.

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E em 1970 ou 71, fiz amizade, que se manteve por muitos e bons anos, com um Senhor Capitão, acabado de chegar do comando duma CART, operacional. Como não poderia deixar de ser, lá vieram as memórias e alguns relatos, embora a sua relutância pelo narrar coisas que lhe eram dolorosas, mesmo sendo Homem experimentado e esta tinha sido a sua 3.ª comissão.

Criámos um dia semanal para almoçarmos (nesta época os Bancos fechavam para almoço, das 12 às 14 h) e algumas vezes com outros seus camaradas, Oficiais do Quadro e com quem eu aprofundava o mais saber.

Em 1974, quando se deu a revolução, que tantos ódios (esperava-se o contrário e eu próprio, feito tonto, esperei mais amor, mas este foi-se e nunca mais voltou), que tantos ódios, repito, trouxe a este já pobre País, recebia-me ali no QG ali em S. Sebastião da Pedreira. Na porta d'armas identificava-me telefonavam... mandavam-me entrar até que, duas ou três vezes depois:
- Ah... é o "Capitão" Veríssimo... pode entrar... vem para o cafezinho com o Nosso Major.

Bom só vos digo que perante esta tão rápida promoção, até andava ao passo cansativo do bater no solo com os dois pés ao mesmo tempo e se mais tivesse mais bateria. Até a barriga ia mais pra dentro, qu'a cerveja estava dando resultados.

Depois? Pois depois, tornei-me rezingão e não tendo inimigos para combater, criei-os eu mesmo. Só eu tinha razão... só eu sabia e aqui terei necessitado de ajuda.
Foi um curto período mas após um curso de Análise Transacional proporcionado pelo meu patrão, lá dei a volta e consegui abandalhar-me mas com classe, acompanhando o País e o que aqui se passava.

(continua)
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Veríssimo

Essa da pequena cirurgia ao sobrolho deixa alguma matéria para reflexão.

Brincando, te pergunto se a reforma te está a estragar a capacidade de locomoção, se estás a cambalear entontecido pelos sucessivos anúncios de mais e mais cortes nas pensões de reforma.
Mas, à séria, te pergunto se esses desequilíbrios têm a ver com algum 'síndroma de Meniére' ou alguma sequela guineense.

É curioso que refiras teres sido atendido por um médico guineense, que, generosamente, ofereceu três pontos ao teu Sporting. Já o nosso "alfero Cabral" também relatou que numa das suas inopinadas visitas a um hospital também foi surpreendido por uma médica negra que lhe inquiriu onde ele tinha arranjado o "ronco" que tinha pendurado ao pescoço.

Gostei de tomar conhecimento da tua 'promoção', Sr, Capitão Veríssimo, e também de saber do teu curso de "análise transacional", apartir do qual entraste decididamente na bandalheira geral, mas "com classe". Boa!

Gostei mesmo verdadeiramente da confissão de que te tornaste 'rezingão' e que na falta de inimigos 'criaste-os tu mesmo'. É assim mesmo, um tipo não pode ficar-se! Se não os há, arranja-se.

Quanto aos 'inimigos', não sei, nada sei.
Quanto à 'rezinguice'.... bem, deu-te um 'azedume' que transformaste em ironia mordaz e que tão bem plasmas nos teus escritos. É por isso que eles são bons, mesmo quando se pode discordar deste ou daquele aspecto, deste ou daquele ponto de vista.

Abraço e .... as melhoras!
Hélder Sousa

Henrique Cerqueira disse...

Olá Rezinga...desculpa Veríssimo.
Não te preocupes pelo facto de te teres tornado "Rezingão".Afinal das contas é o que nos resta para aliviar o stress.Senão vejamos.Todos os dias temos novidades dos nossos inevitáveis(???)políticos que gastam e gastaram aos milhões num forrobodó que nos levaram á penúria,depois dizem que andamos a viver acima das nossas posses.E vai daí toca a entrar no bolso dos reformados...Quem é que resiste a "Rezinga"?
Já agora cuidado com os degraus , olha que me quer parecer que o defeito não é nosso,mas , quem sabe algumas "rasteiradas" a ver se diminuem o numero de reformados.Olha para o que te digo,hoje em dia há que desconfiar de todos os caminhos,esses gajos perderam a moral e até os bons costumes.
Deixa lá não ligues a esta treta minha,mas tu é que me despertas-te a "Rezinga"e agora aguenta.
Um abraço amigo Veríssimo e vai escrevendo e "Rezingando".
Henrique Cerqueira.