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sexta-feira, 9 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22088: Memórias cruzadas da Região Boé: CART 1742: as principais ocorrências em 12 e 13 de janeiro de 1968, entre Canjadude e Cheche: três baixas e um prisioneiro (Jorge Araújo)


Imagem de satélite da região Leste, assinalando-se o itinerário entre Nova Lamego/Ché-Che, percurso de 47.5 km (Google.com,  hoje), ao longo do qual o perigo era uma constante, por efeito da existência de minas a/c e emboscadas, em particular durante a realização de colunas de reabastecimento.




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.


MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DO BOÉ

A ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 1742:

 AS PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS EM 12 E 13 DE JANEIRO DE 1968, ENTRE CANJADUDE E CHÉ-CHE

- AS TRÊS BAIXAS E UM PRISIONEIRO DAS NT -

 

1. - INTRODUÇÃO


O presente texto nasce da leitura do P22059 (02Abr2021) e, concomitantemente, do interesse suscitado no seu aprofundamento, em particular os episódios relativos à actividade operacional da CART 1742 (1967-1969), com relevância para as ocorrências registadas na primeira quinzena do mês de Janeiro de 1968, onde perderam a vida, em combate, o Major Luís Vasco da Veiga Ferreira Pedras, da Chefia do Serviço de Material, QG/CTIG, o Fur Mil de Construções e Instalações, Abílio Duarte Jorge, do BENG 447,  e o soldado Saná Quetá, do Pel Mil 161.


Para além desse desiderato é justo deixar expresso os agradecimentos quer ao camarada Virgílio Teixeira, por ter tido a gentileza de partilhar mais algumas memórias da História da sua Unidade: o BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/1969) quer ao camarada Abel Santos, pelas suas (novas) imagens da «Jangada do Ché-Che», «peças» importantes na (para a) reconstrução do «grande puzzle» historiográfico do Blogue, que no dia 23 do corrente comemora o seu 17.º Aniversário.


Voltando à questão de partida, a metodologia que utilizámos na estruturação deste "fragmento" é semelhante às anteriores, tendo procedido à triangulação de conteúdos de várias fontes: oficiais e outras, de ambos os «lados do combate», em especial aqueles que se enquadravam no tema em análise.


2. - CECA - ASPECTOS DA ACTIVIDADE OPERACIONAL > CART 1742


Tendo por base os objectivos indicados na introdução, recorremos à bibliografia Oficial do Estado-Maior do Exército (CECA), «Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África», 6.º Volume, tendo encontrado a seguinte referência:


◙ Zona Leste: «Operação Agora ou Nunca», realizada de 11 a 13 de Janeiro de 1968 (de 5.ª feira a sábado), envolvendo forças da CART 1742 (-), um Gr Comb da CCAÇ 5 e uma Sec/Pel Mil 161, com apoio aéreo, onde executaram no dia 12 [Jan] um patrulhamento de reconhecimento na região de Siai [infografia ao lado]

No decurso da missão, o IN atacou as NT instaladas em Dongol, provocando-lhes oito feridos graves, sete ligeiros e um desaparecido [António de Castro Aguiar; feito prisioneiro]. Na reacção, as NT causaram cinco mortos e muitos feridos em número não estimado. Encontrado um elemento IN ferido que, ao ser intimado a render-se,  abriu fogo e foi, por isso, abatido, apreendendo-se a sua arma, uma "Kalashinkov". (CECA; 6.º Vol., pp 163-164).



2.1 - NARRATIVA DE UM ELEMENTO DA CART 1742

 - O CASO DO "DIÁRIO" DE MÁRIO DOS ANJOS TEIXEIRA ALVES, 1.º CABO CORNETEIRO DA CART 1742 


Para a elaboração deste ponto era importante ter acesso ao histórico das actividades operacionais desenvolvidas pela Unidade em apreço, por considerarmos que a resenha Oficial ficara aquém do que era expectável. 


Da busca realizada, localizamos no P13434 (24Jul2014) uma descrição histórica, designada por «Diário da CART 1742», da autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, ex-1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue, em Julho de 2014, pelo camarada Abel Santos, e que "encaixou" na perfeição.


Assim, sobre as ocorrências em título, citamos o que Mário Alves escreveu:

(…)

Dia 11Jan68 (5.ª feira)


Chegou o nosso capitão [Cap Mil Inf Álvaro Lereno Cohen] a dizer-nos para prepararmos o material, porque iam sair três pelotões às 3h00 da tarde.


Dia 12Jan68 (6.ª feira)


Houve correio para os que estão no destacamento, já os que foram para o mato só o receberão quando chegarem.


Dia 13Jan68(sábado)


Saiu daqui o helicóptero, a avioneta e dois bombardeiros [T6] para irem ter com o nosso pessoal que anda a fazer a operação no Siai.

Às 13 horas chegou o helicóptero com quatro feridos, dois brancos e dois africanos. Diziam que ainda havia mais feridos, por isso, às 14h00 chegou novamente o helicóptero com mais três feridos, e às 16h00 voltou novamente com mais três feridos, estes por uma mina que rebentou na coluna que ia buscar ao Ché-Che o nosso pessoal.

Um dos feridos foi o major do Serviço de Material [Luís Vasco da Veiga Ferreira Pedras] que foi levado directamente para Bissau, e os outros foram de avioneta.

Também ficou lá um furriel morto [Abílio Soares Jorge] e um soldado [Saná Quetá] todos da mesma companhia e ainda alguns feridos menos graves, que por ser já de noite não puderam ir busca-los.


Dia 14Jan68 (domingo) – às 7h00


Já o helicóptero tinha chegado com mais feridos, e às 8h00 chegou ainda com os restantes. Após o almoço chegou um carro da administração com um elemento IN morto, que apanharam em Piche, e a população fez um festival, quanto mais não fosse, para agradar às tropas.

Às 17h00 chegou a companhia e disseram que, quem tinha sido ferido foi o Aníbal enfermeiro e o Martins das transmissões, que foram para Bissau [HM 241], e talvez tenham que ir para a metrópole.

Houve mais oito feridos com menor gravidade, um era o alferes Magalhães e o furriel Amaro, sendo os restantes cabos e soldados, um deles era o Damásio Fonseca.

Também chegou a má notícia que o major faleceu ao chegar a Bissau, o furriel que morreu era da engenharia e o soldado era africano [Saná Quetá, do Pel Mil 161; natural de Ganguiró, Nova Lamego].


Dia 15Jan68 (2.ª feira) – às 7h00


De manhã estivemos a conferir o material que tinha chegado na noite anterior, e também pensávamos no soldado que estava em Bissau ferido, mas afinal estava desaparecido, foi o [António de Castro] Aguiar de "Arrifana".

(…)

3. - O QUE FOI ESCRITO A PROPÓSITO DAS OCORRÊNCIAS ACIMA, POR PARTE DO PAIGC  


Os casos relativos às ocorrências acima, que incluem os episódios de "combate" e o elemento "aprisionado" pertencente à CART 1742, foram analisados pelos responsáveis do PAIGC e publicitados no jornal «Libertação», edição n.º 87, de Fevereiro de 1968, cujo conteúdo se reproduz abaixo:



 


Para além do conteúdo acima, consta na capa desta edição do «Libertação» uma foto com quatro militares das NT feitos prisioneiros, desconhecendo-se os seus nomes. 
Dos quatro, quem será o António de Castro Aguiar, o "Arrifana"? Responda quem souber.

 



Fonte: Citação:
(1968), "Libertação", n.º 87, Ano 1968, Fevereiro de 1968, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44344, com a devida vénia.

 

3.1 - O INTERROGATÓRIO FEITO AO ANTÓNIO DE CASTRO AGUIAR


Na sequência de ter sido aprisionado na região de Siai, pelas forças do PAIGC, por se encontrar ferido, o camarada António de Castro Aguiar foi levado (presume-se!) para o hospital de Boké, onde lhe prestaram, certamente, cuidados de enfermagem, seguindo depois para a prisão de Conacri, passando a ser considerado como "prisioneiro de guerra".


Na condição de "prisioneiro", António de Castro Aguiar é interrogado pelos responsáveis do PAIGC, passando o resultado desse inquérito a fazer parte de uma coletânea, com outros depoimentos sobre o mesmo contexto, designada por «Falam os portugueses prisioneiros de guerra», Caderno n.º 2, cuja capa se reproduz abaixo, bem como as dez questões formuladas e as respectivas respostas dadas pelo camarada "Arrifana". 

 

 


Trata-se de um ublicação da FPLN - FrentePatriótica de Libertação Nacional, sediedade em Argel, reproduzindo declarações de militares portugueses feitos prisioneiros pelo PAIGC. A FPNL operava também a Rádi0 Voz da Liberdade.



Fonte: Citação:
(s.d.), "Guiné. Falam os portugueses prisioneiros de guerra", Fundação Mário Soares / DCN - Documentos Vítor Cabrita Neto, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_152453, com a devida vénia.

 

■ Depois de mais de trinta e quatro meses de cativeiro (correspondente a mais de um milhar de dias), António Aguiar - o "Arrifana" (nome da sua terra natal) - e mais vinte e três outros camaradas seus, conseguem finalmente recuperar a liberdade na sequência da «Operação Mar Verde», levada a cabo em 22 de Novembro de 1970, domingo.


■ Decorridos quarenta e quatro anos após a libertação da prisão do PAIGC, em Conacri, conhecida por "Montanha", eis António de Castro Aguiar (foto 1), ladeado por Abel Santos, à sua direita, e pelo ex-Alf Mil Magalhães, à sua esquerda, durante o Convívio da CART 1742, de 2014, organizado em Leça da Palmeira – P20201 (03Out2019).

 


Foto 1 - António Castro Aguiar, ao centro, durante o Convívio da CART 1742, de 2014, realizado em Leça da Palmeira. Foto do álbum de Abel Santos, com a devida vénia.

 


Foto 2 > CART 1742 > A secção do Abel Santos: Da esquerda para a direita: em cima: Furriel Pontes, já falecido; 1ºs Cabos, Loura e Costa; Soldados Cruz e Abel; Em baixo: Soldados Ferreira; Silva; Miranda; Aguiar ("Arrifana") e Soares, já falecido. (Cortesia de Abel Santos, Poste P20201)



► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª edição, Lisboa (2015).


 

Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07177.087. Título: Libertação. Número 87. Ano: 1968. Data: Fevereiro de 1968. Directores: Amílcar Cabral, Luís Cabral, Vasco Cabral e Dulce Almada. Observações: Órgão do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral. Tipo Documental: IMPRENSA.


 

(2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 02970.001.015. Título: Guiné. Falam os portugueses prisioneiros de guerra. Assunto: Caderno n.º 2, publicação da FPLN, em Argel, reproduzindo declarações de militares portugueses feitos prisioneiros pelo PAIGC – José Neto Vaz, José Manuel Moreira Duarte, José da Silva Morais, António Ângelo Duarte, David Gouveia Pedras, Luís Salvador, Antunes Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques, Augusto Dias, Manuel Ferreira, António de Castro Aguiar, José Manuel Alves Vieira, Víctor Manuel Jesus Capítulo -, emitidas pela Rádio Libertação do PAIGC e pela Voz da Liberdade. - Contém ainda lista de prisioneiros do Caderno n.º 1, composta por Rui Rafael Correia, José Maria de M. Medeiros, Manuel da Silva, Agostinho da Silva Duarte, Manuel Augusto Leite da Silva, António Júlio Rosa, Manuel Marques de Oliveira, Geraldino Marques Coutinho. Data: s.d. Fundo: DCN - Documentos Vítor Cabrita Neto. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

04ABR2021