Mostrar mensagens com a etiqueta Knut Andreasson. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Knut Andreasson. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24521: Antologia (95): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte VI

 Foto nº 1 

Foto nº 2


Foto nº 3

S/l > PAIGC > Alegadamente numa "região libertada", talvez no sul  ou na fronteira com a Guiné-Conacri > Visita de uma delegação escandinava  > Novembro de 1970 >  Trasnporte de sacos de arroz  (Fotos nº 1 e 2)... 

As autoridades militares portugueses subestimaram, inicialmente, o "génio organizativo" de Amílcar Cabral e dos demais dirigentes e militantes do PAIGC. Em 1971, num documento produzido pela inteligência militar do Estado-Maior de Spínola, reconhecia-se a real importância da logística do PAIGC, mesmo não tendo os meios (navais, aéreos e terrestres) das NT...

Na foto nº 3, uma consulta médica, ao ar livre. Em primeiro plano, um enfermeiro (presume-se) e a "farmácia ambulante"  (?) (um "caixote")..

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI, de acordo com a resposta que nos deu oportunamente Webmaster do NAI:

Dear Luís Graça, I am glad to hear that you like the photos and that you use them. Best regards,

Agneta Rodling | Information/Webb | Nordiska Afrikainstitutet | The Nordic Africa Institute
Box 1703 | SE-751 47 UPPSALA | Tel +46-18 56 22 21

Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)





Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > População sob controlo do PAIGC, no subsetor do Xime, capturada no decurso da Acção Garlopa, em 19 de julho de 1972, num total de 10 elementos. Seguramente que os suecos nunca puseram aqui os pés, nas "áreas libertadas" do Xime, na margem direita do rio Corubal...

Foto (e legenda): © Sousa de Castro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem conplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, é autor de um livro,  de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

Nessa publicação conta-nos como é que de repente certas organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral (e nomeadamente c9ntra o apartheid) e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar na Guiné-Bissau, um território então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC; a lutar pela sua independência, praticame nte desconmhecidos do público sueco até ao final da década de 1960.

Apartir de 1969, a Suécia começou a dar, ao PAIGC, uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau". Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).

Estes factos ká pertencem ao domíbnio da História. Mas, oassados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco mais sobre o envolvimento da Suécia 

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de Tor Sellström. Já chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)...

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc. .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172) tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo extremamente fastidiosas para a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas, são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica:

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau(Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau", usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III).

Nas páginas 148-152, é referido a primeira visita (de muitas) de Amílcar Cabral à Suécia em novembro de 1968 (Parte IV).

As conversações de Ström com o PAIGC foram bastante simples. No seu relatório, descreveu Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC, como ”um jovem agrónomo bastante jovial, elegante, intelectual e um conversador desenvolto e muito animado. Nada de apelos patéticos nem declarações solenes. As suas intervenções eram objectivas, claras e concisas” (Parte V, pp. 152-154).

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC - Parte VI:

Necessidades civis e respostas suecas (pp. 154-157)

 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 


Necessidades civis e respostas suecas (pp. 154-157)

O PAIGC deu, desde a primeira hora, mostras de uma grande eficácia relativamente  â administração, distribuição e listagem dos bens recebidos da Suécia. Depois de uma visita de uma delegação da ASDI a Conacri no final de 1971, concluía-se num memorando destinado ao Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária que, por exemplo, ”o apoio sob a forma de bens, dado pela Suécia, está a ser utilizado de forma ideal. O PAIGC é sinónimo de rapidez na tomada de decisões, encomenda pormenorizada de mercadorias, bom armazenamento e contabilização” (91). 

Os relatórios escritos pelo PAIGC à ASDI eram, também eles, da maior qualidade. Anualmente, o próprio Amílcar Cabral e, depois a sua morte em 1973, Aristides Pereira, apresentavam comentários gerais quanto à ajuda e listas detalhadas de produtos recebidos, apresentadas com uma decomposição da distribuição pelas várias escolas, clínicas e armazéns do povo nas zonas libertadas (92). De acordo com Stig Lövgren da ASDI, ”o PAIGC era, para nós, uma espécie de organização ideal” (93).

Enquanto isso, o PAIGC estava confrontado com enormes desafios. Em 1971, calcula-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau (94). na sua maioria artesãos e camponeses.

A taxa de analfabetismo era de cerca de 80 por cento e a situação geral em termos de saúde era complicada. Largos extractos populacionais, nomeadamente as crianças, sofriam de desnutrição (95). Ao tentar construir uma sociedade nova nas zonas libertadas, pela via da disponibilização de serviços sociais e desenvolvendo a economia, o PAIGC (que, antes de mais, estava empenhado numa guerra generalizada contra Portugal, que era apoiado pela OTAN) assumia o papel de um governo e de uma administração de um estado independente (96).

 Em contraste vincado com um estado independente, o movimentode libertação não controlava os recursos nacionais nem podia conduzir operações de comércio internacional (97). Pelo contrário, num país com um enorme potencial para as pescas, a população que vivia nas zonas libertadas sofria de falta de proteínas o que, paradoxalmente, levou o PAIGC a incluir no pacote de ajuda humanitária sueca pedidos de grandes quantidades de conservas de peixe. 

Para além disso, o PAIGC não podia cobrar impostos à população residente nas zonas libertadas porque, para já, não havia matéria tributável e também porque, de forma ainda mais clara, a economia de base monetária tinha sido abolida e substituída por um sistema de trocas directas, no qual os bens daspessoas tinham um papel economicamente crucial e politicamente delicado.

Os armazéns do povo tinham como função servir de centros de comércio ou depósitos,onde os aldeões podiam trocar os seus produtos agrícolas por outros bens de primeira necessidade e de consumo, como têxteis, óleo de cozinha, sabão, fósforos, utensílios domésticos e agrícolas ou cigarros (98).(**)

 Como notou Rudebeck, tratava-se de uma ”função altamente política. Caso não fosse realizada a contento da população, toda a credibilidade do PAIGC sairia diminuída aos olhos do povo” (99). O sistema que consistia em regatear a aquisição de produtos só poderia funcionar devidamente se as lojas do PAIGC dispusessem de stocks suficientes de produtos (100).

Beneficiando de um amplo apoio político, com necessidades quase ilimitadas e dando provas de uma boa capacidade administrativa, o PAIGC conseguiria tornar-se numa força dominante entre os movimentos de libertação africanos durante a década de setenta, recebendo ajuda oficial sueca. 

O valor inicialmente concedido foi de um milhão de coroas suecas, depois aumentado para 1,75 milhões em 1970–71, 4,5 em 1971–72, 10 em 1972–73, 15 em 1973–74 e 22 milhões em 1974–75.101 

Tal como foi dito acima, dos 67,5 milhões de coroas suecas realmente gastos pela Suécia como ajuda humanitária directa aos movimentos de libertação na África Austral e ao PAIGC entre 1969–70 e 1974–75, 64,5 milhões (ou seja, 96 por cento do valor total) foi pago ao MPLA de Angola, à FRELIMO de Moçambique e ao PAIGC da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, o que indica uma clara concentração nas colónias portuguesas. 

Desse total, uns surpreendentes 45,2 milhões foram pagos ao PAIGC. Durante os primeiros seis anos da ajuda oficial aos movimentos de libertação, o PAIGC recebeu dois terços dos fundos pagos, daí que não surpreenda que os movimentos de libertação da África Austral com os quais a Suécia tinha relações estreitas há já mais tempo, se sentissem prejudicados.

Entrevistado em 1996, o líder do MPLA Lúcio Lara declarou que o apoio ao PAIGC ”até nos deixou com algum ciúme”, acrescentando que ”comparámos os valores e constatámos a diferença” (102).

Relativamente à ajuda não-militar, o governo sueco tornou-se muito provavelmente o maior doador ao PAIGC (103).  A liderança guineense reconheceu isso mesmo muitas vezes ao longo dos anos, nomeadamente ao comparar a postura da Suécia com a de outros países ocidentais (104).

Constatando que os Estados Unidos tinham aumentado a ajuda a Portugal em quase 500 milhões de dólares, Cabral escreveu, por exemplo, em 1972 que ”o belo exemplo do povo sueco e do seu governo influencia e influenciará cada vez mais, a atitude de outros povos e de outros Governos, em prol da luta contra o domínio, o colonialismo e o racismo estrangeiros no nosso continente” (105).

 No caso do PAIGC era, contudo, bastante fácil para o governo sueco tomar uma posição. A luta de libertação não constituía uma ameaça à segurança nacional do país e a afinidade com os objectivos do PAIGC era forte. 

Além disso, não existiam conflitos de interesses relativamente à oportunidade económica (106).

Por fim, e do ponto de vista da legitimidade pública, a política oficial tinha uma grande base de apoio popular

Dito isto, e vista de um ponto de vista da Guerra Fria, que vigorava desde os anos setenta, a ajuda sueca ao PAIGC era mais política do que sugeriria uma interpretação pura e simples do termo ”ajuda humanitária”(107 )o que tem a sua importância em termos de cooperação com os movimentos de libertação na África Austral.

Para além de levar a cabo a luta militar, o PAIGC tinha entrado, por via do sistema de troca directa centrado nas lojas do povo, numa batalha económica contra Portugal.

Cabral  estava também determinado em afirmar que ”com hospitais e escolas podemos vencer a guerra”(108).

 Longe de constituírem uma reacção defensiva contra o colonialismo e a opressão, os sectores produtivo, de saúde e de educação eram vitais, fazendo parte integrante e muito activa do esforço de libertação. A maior parte da ajuda sueca era exactamente canalizada para estes sectores. 

Limitada inicialmente a bens puramente humanitários, a lista alargar-se-ia paralelamente ao ”engordar” do pacote de ajuda, por forma a permitir que necessidades de índole política fossem supridas, tendência que se foi acentuando (109). Os programas foram concebidos em conjunto pelo PAIGC e pela ASDI.

O Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária e o governo sueco seguiam, por norma,as recomendações feitas pela ASDI.

 ___________

Notas do autor:

91 . SIDA: ”Fortsatt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/ASDI: ”Continuação do apoio ao PAIGC”, Estocolmo, 5 de Setembro de 1972 (SDA).

92. Os relatórios eram escritos em francês. A ajuda sueca era também enviada ao PAIGC na República da Guiné, nomeadamente para as escolas do PAIGC e, sobretudo, para o Hospital da Solidariedade em Boké, no norte do país. A ajuda incluía, para além disso, veículos e equipamento de escritório para o quartel-general do PAIGC em Conacri.

93. Entrevista com Stig Lövgren, p. 312.

94. SIDA: ”Fortsatt svenskt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde”/ASDI: ”Continuação do apoio sueco ao PAIGC”, Estocolmo, 28 de outubro de 1971 (SDA).

95. Ibid.

96. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, maio de 1972 (SDA).

97. No âmbito da economia baseada nas lojas do povo, o PAIGC conseguiu, apesar de tudo, organizar uma quantidade limitada de exportações para os países vizinhos, nomeadamente de nozes de cola e arroz, mas também de amendoim, óleo de palma e outros produtos agrícolas. (***)

98. O sistema destinava-se também a conseguir justiça económica, mantendo os preços por troca directa mais baixos do que os preços a dinheiro praticados nas lojas portuguesas das zonas não libertadas. O primeiro armazém do povo foi criado em 1964 e por volta de 1968 já havia quinze lojas desse tipo nas zonas libertadas. Em 1973 já haveria mais do dobro de lojas.

99. Rudebeck op. cit., p. 179.

100. Sobre os armazéns do povo, ver Rudebeck op. cit., pp. 178–86 e Chabal op. cit., pp. 112–14.

101. SIDA: ”Stöd till PAIGC”/ ASDI: ”Ajuda ao PAIGC”, Estocolmo, 25 de Junho de 1974 (SDA).

102. Entrevista com Lúcio Lara, p. 19. O apoio sueco ao MPLA durante esse mesmo período não ultrapassava os 2,3 milhões de coroas suecas, ou seja, 5 por cento do apoio dado ao PAIGC. Lara atribuía a diferença às qualidades do secretário geral do PAIGC: ”A razão era a presença de Amílcar Cabral. Ele era muito dinâmico e estava sempre ”em cima” dos acontecimentos” (ibid.).

103. À falta de contabilidade global no PAIGC, esta questão fica por provar com base documental. A conclusão retirada baseia-se em declarações do PAIGC, da ASDI e das Nações Unidas.

104. Lövgren comentaria depois que a ajuda em mercadorias dada pela Suécia era, de acordo com Cabral ”a melhor forma de ajuda que a Suécia nos poderia dar. [...] Não precisavam de dinheiro naquela altura. Aquilo de que precisavam para a guerra era-lhes fornecido pelo bloco socialista, mas não tinham quaisquer recursos no que diz respeito a alimentação, medicamentos e equipamento escolar, etc. para a parte civil da luta. Dependiam totalmente de países como a Suécia para conseguir esses bens, porque não os adquiriam no mercado internacional” (Entrevista com Stig Lövgren, p. 310)

105. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Sobre a ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, maio de 1972 (SDA).

106. Ver a entrevista com Bengt Säve-Söderbergh, na qual o antigo subsecretário de estado social-democrata dos Negócios Estrangeiros (1985–91) declara que ”Angola tinha interesse para quem procurava dinheiro. Sabíamos que ninguém se preocupava realmente com a Guiné-Bissau e que alguns se preocupavam, mas apenas marginalmente, com Moçambique. Angola era o foco de interesse e, por isso mesmo o país mais ”quente”, em termos da clivagem  Leste-Ocidente” (p. 338).

107. Para Cabral, toda a ajuda ao PAIGC era humanitária, ”independentemente da forma e do conteúdo da ajuda, porque é dada em prol do progresso político, económico, social e cultural da humanidade e da paz” (Carta de Amílcar Cabral à ASDI, Conacri, 28 de Julho de 1971) (SDA).

108. Cabral citado em Chabal op. cit., p. 114.

109. No início dos anos setenta, o movimento sueco de solidariedade era essencial para definir os contornos da ajuda oficial aos movimentos de libertação. Num livro publicado pelos Grupos de África dizia-se, em ~janeiro de 1972, que ”a contribuição da ASDI não era dada de forma incondicional aos movimentos de libertação, sendo dada para ’fins humanitários’ como, por exemplo, a saúde, a educação e afins, o que significava que os movimentos não eram reconhecidos como representantes dos respectivos povos e que o aspecto militar da actividade dos movimentos de libertação não recebia qualquer apoio” (AGIS op. cit., p. 194). 

Mais ou menos na mesma altura, num documento elaborado pelos Grupos de África em Inglaterra para uma conferência sobre solidariedade internacional para com a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC, realizada em Lund no início de 1972, dizia-se que ”ao recusar-se a ver o aspecto militar como parte integrante da luta, o governo sueco está a dar uma imagem deturpada da situação. Outra das limitações é que a ajuda prestada pela ASDI é dada em géneros, seleccionados de uma lista e comprados (na Suécia) por funcionários da ASDI. Trata-se de uma forma grave de paternalismo, o que se poderá talvez explicar apenas pelo desejo de manter vínculos económicos importantes com Portugal durante o máximo de tempo possível e também pelo desejo de encontrar uma solução neo-colonialista para as colónias portuguesas” (Versão preliminar: ”Imperialismo sueco em Portugal e em África”, Conferência da Páscoa, Lund, 1972) (AGA). 

Deve notar-se que a ajuda oficial não estava vinculada à obtenção dos produtos na Suécia, nem a ASDI tentava obter mercadorias em Portugal para os movimentos de libertação nas colónias portuguesas (Entrevista com Stig Lövgren, p. 314).


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / itálicos / bold, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 30 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24518: Antologia (94): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte V

(**) Vd. poste de 12 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23609: (D)o outro lado do combate (68): os "Armazéns do Povo", mito ou realidade ?

(***) Veja-se o poste de 2 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6296: PAIGC: Como se vivia nas regiões libertadas (1): Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados... (António Graça de Abreu, Alf Mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa, Cufar, 1972/74)

(...) António Graça de Abreu > Mansoa, 3 de Maio de 1973

Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.

Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.

Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar. 

São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares. Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. 

É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés. (...)

Fonte: António Graça de Abreu – Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24510 Antologia (93): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte IV


Capa de "O Nosso Livro 2ª  Classe".
Exemplar gentilmenmte cedido ao nosso blogue pelo Paulo Santiago, natural de Águeda (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) .


 
Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro, 2ª ClasseAutor desconhecido. Amílcar Cabral, que passou a visitar  regulamente a Suécia, a partir de finais de 1968, era visto pelos seus admiradores suecos como  ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagem extremamente positiva”.

"O Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata, da Suécia, recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português. 

"O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou O Nosso Livro: 2ª Classe, com uma tiragem de 25.000 exemplares. 

"Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas zonas libertadas da Guiné." 

(Fonte: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, pág. 152)


1. A Suécia (parceiro comercial de Portugal desde o ano de 1960, no âmbito da EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre) e a Guiné-Bissau nunca tiveram, até ao final da década de 1960, praticamente quaisquer ligações (históricas, comerciais, ou outras). 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, tem um texto de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

No livro o autor conta-nos como é que de repente  certas organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar naquele pequeno país de África Ocidental, que era/é a Guiné-Bissau,  um  território então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e  com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC;  a lutar pela sua independência.  

E não apenas a interessar-se: a partir de 1969, a Suécia a dar uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

 Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual,  ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).
 
Passados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco maios desta história e dos seus meandros 

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de  Tor Sellström. Já chamámos, logo no início,  a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)... 

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc.  .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172)  tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo extremamente fastidiosas para a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas,  são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica: 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau(Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau",  usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III)



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno
(pp. 138-172)

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC (pp. 147-152)

Os visitantes descreveram a forma como o PAIGC estava a construir uma sociedade democrática nas zonas libertadas, mantendo ao mesmo tempo em curso a luta armada com os portugueses.

 A construção da nova sociedade, na qual a disponibilização de cuidados de saúde e de serviços de educação era um elemento essencial, era ameaçada não só pelos constantes bombardeamentos aéreos, mas também por uma enorme escassez de material e para as escolas e clínicas rurais que iam sendo criadas. Foi com este enquadramento que o PAIGC pediu ajuda à Suécia.

O primeiro pedido em nome do movimento de libertação foi feito em Outubro de 1968 pelo historiador britânico Basil Davidson (49) a Per Wästberg, um membro destacado do Comité Consultivo Sueco para a Ajuda Humanitária, organismo criado pelo governo sueco (50). Wästberg, por sua vez, apresentou o pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (51). 

Na sua carta, Davidson, destacando que atuava unicamente como ”um intermediário”, confirmava poder organizar ”um debate direto com o PAIGC na altura julgada mais conveniente” (52), realçando haver ”uma necessidade urgente de serem disponibilizadas algumas ajudas de tipo não-militar nas zonas libertadas”, e acrescentando:

"Tenho a sensação de que seria muito útil se os nossos amigos na Suécia pudessem, tão rapidamente quanto possível, angariar o dinheiro necessário para comprar bens do seguinte tipo 1) produtos médicos, e 2) leite em pó e carne enlatada. [...] A outra sensação que tenho é que devemos, neste momento, concentrar-nos em avançar depressa em vez de querer fornecer grandes quantidades. Estou especialmente a pensar nos muitos casos relacionados com napalm que eles têm, ou na quase total ausência de stocks de produtos de primeira necessidade ou, ainda, no facto de (ao que julgo saber) estarem a receber muito pouca ajuda militar e quase nenhuma ajuda não-militar" (53).

O secretário geral do PAIGC fez, menos de dois meses depois, a sua primeira (de muitas) visitas à Suécia, a convite do Partido Social Democrata (54). Essa visita marcou o início dos laços estreitos que uniriam a organização de Cabral e o partido no poder na Suécia, bem como o movimento organizado de solidariedade(55). 

A visita teve lugar num momento crucial. A campanha contra o projecto de Cahora Bassa em Moçambique dispunha de um apoio bastante alargado e, em finais de Novembro de 1968, um grupo de activistas deu início em Gotemburgo a ”acções directas” contra a ASEA, a que se seguiram, pouco tempo depois, e um pouco por toda a Suécia, manifestações contra a empresa e contra o próprio governo social democrata. Estava em curso o debate a nível nacional quanto ao projecto de Cahora Bassa quando o governo votou, a 29 de novembro de 1968, a favor da Resolução 2395 da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre as colónias portuguesas.

Ao votar, o governo expressou oficialmente a sua preocupação ”com a actividade continuada e intensificada de interesses estrangeiros, de tipo económico, financeiro e outros, que impedem a concretização das aspirações legítimas dos povos africanos desses territórios”. Apoiava ainda o apelo feito no sentido de ”conceder aos povos dos territórios sob domínio português a ajuda moral e material necessárias para que os seus direitos inalienáveis sejam repostos” (56).

Enquanto o governo do primeiro ministro Tage Erlander não agiu de acordo com a sua posição internacionalmente declarada relativamente à primeira questão ou seja, a recusa em intervir contra a ASEA, fê-lo imediatamente no caso da assistência aos movimentos de libertação. Dez dias depois, a 9 de Dezembro de 1968, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Torsten Nilsson apresentou uma declaração de intenções fulcral, ao dizer que:

"A Suécia é um dos estados que tem vindo a pedir que sejam aprofundados os esforços no sentido de acabar com a política de discriminação racial na África Austral e com a caduca e grotescamente provocadora política colonial portuguesa. Contudo, como é do conhecimento geral, não podemos contar, num futuro próximo, com passos no sentido de acabar com estas iolações. Que podemos então fazer, para deixar bem patente a nossa solidariedade com estes povos oprimidos? [...] A Suécia vem vindo, desde há longa data, a dar contribuições financeiras para a formação de refugiados oriundos da África Austral e, para além disso, há já alguns anos que ajudamos a custear as despesas de aconselhamento jurídico das pessoas acusadas de crimes à luz das chamadas ”leis do apartheid” na África do Sul. Temos também ajudado a garantir o sustento das pessoas a cargo daqueles que têm sido presas ou detidas por razões definidas nas referidas leis. [...]

"Essas contribuições têm sido dadas para ajudar os povos oprimidos de África que não conquistaram a liberdade. A luta continua e mantemos contactos com vários líderes dos movimentos de libertação em África, alguns dos quais nos solicitaram ajuda. Estamos preparados para ajudar, tal como ajudamos a frente de libertação do Vietname do Sul, disponibilizando medicamentos e material médico. A ajuda educativa aos membros dos movimentos, através das suas organizações é também uma possibilidade que estamos dispostos a analisar. Está em questão a disponibilização de ajuda humanitária. Essa ajuda melhorará a situação dos membros desses movimentos e vai permitir-lhes continuar com maior facilidade a sua luta para obter a liberdade para os seus povos" (57).

Ao falar em contactos com líderes dos movimentos de libertação de África, é muito provável que Nilsson se estivesse a referir sobretudo a conversações tidas com Amílcar Cabral pouco tempo antes. Pierre Schori, que participou nas conversações com o líderdo PAIGC, descreveria mais tarde Cabral como ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagemextremamente positiva” (58). 

Que tenha sido Cabral a pessoa que, ao fim de anos de contactos estreitos entre a Suécia e líderes nacionalistas da África Austral, acabaria por ”quebrar o gelo” quanto à ajuda oficial directa, é algo que fica patente pela celeridade com que ogoverno, após a sua visita, deu forma e conteúdo à declaração de Nilsson. Pouco mais de duas semanas volvidas sobre a declaração, o embaixador da Suécia na Libéria, Olof Ripa,recebeu instruções para entrar em contacto com o governo em Conacri para apurar se a ajuda directa da Suécia ao PAIGC seria ou não aceitável para o governo anfitrião (59). 

Ripa respondeu em Fevereiro de 1969 que o governo de Sékou Touré apoiava o PAIGC e que ”sem a mais pequena sombra de dúvida, participaria activamente no envio de remessas de ajuda humanitária da Suécia para os movimentos de libertação” (60).

Durante a sua estadia em Estocolmo, Cabral visitou também a ASDI, onde pôde confirmar, em traços gerais, o teor do pedido feito por intermédio de Basil Davidson edeu mais pormenores quanto às necessidades do PAIGC nas áreas da saúde, educação e necessidades básicas, tais como alimentos e têxteis (61).  

No seguimento dessas conversaçõese com base na declaração de intenções do governo, em Abril de 1969 o director geral daASDI, Ernst Michanek, tomou (ainda antes de o parlamento sueco ter tornado públicoo seu posicionamento sobre este mesmo princípio) a decisão de enviar uma missão para apuramento de factos ao Senegal e à República da Guiné62 com a finalidade de ”estudar as condições para entrega de ajuda ao PAIGC” (63).

A missão oficial, chefiada por Curt Ström, responsável pelo departamento de formação da ASDI, esteve na África Ocidental em meados de Maio de 1969, na mesma alturaem que a Comissão Permanente do Parlamento para as Dotações (64) discutia a questão geral do apoio sueco aos movimentos africanos de libertação. A conclusão foi que essa ajuda estava em conformidade com o direito internacional, ”nos casos em que as Nações Unidas tenham tomado uma posição inequívoca contra a opressão de povos que lutam pela liberdade nacional” (65). 

A Suécia tornar-se-ia assim no primeiro país ocidental industrializado a apoiar uma política de ajuda humanitária oficial directa aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas, no Zimbabué, na Namíbia e na África do Sul (66). 

No caso da ”Guiné portuguesa”, a decisão fazia referência expressa ao PAIGC e aos passos preparatórios a dar relativamente à ajuda sueca, declarando-se que de acordo com a informação recebida pelo comité, estão a ser exploradas as possibilidades práticas de alargar a ajuda humanitária sueca no campo da educação às vítimas da luta travada sob a liderança do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no sentido de libertar a Guiné portuguesa da soberania de Portugal. O comité tem, entre outros aspectos, com referência ao apoio que já está a ser alargado, por forma a abarcar o Instituto Moçambicano (67), uma abordagem positiva relativamente a esse tipo de ajuda, caso seja possível ultrapassar os problemas de índole prática, e partindo do princípio que o governo vai explorar as possibilidades de acção que se lhe apresentem (68).

A Guiné-Bissau não faz parte da África Austral. Num sentido estrito, as relações da Suécia com o PAIGC não devem portanto ser incluídas neste estudo. Contudo, o PAIGC tinha uma ligação estreita com o MPLA de Angola e com a FRELIMO de Moçambique.

Em conjunto com os seus aliados do CONCP e com a SWAPO da Namíbia, o ANC da África do Sul e a ZAPU do Zimbabué, fazia, para além do mais, parte do chamado Grupo de Cartum de ”autênticos” movimentos de libertação. Num contexto internacional, a luta de libertação na pequena colónia portuguesa situada na costa da África Ocidental estava, no âmbito do contexto acima descrito, muitas vezes justaposta com as lutas na África Austral. Esta justaposição é, em larga medida, de incentivar e utilizar como fonte de inspiração.

A importância da cooperação com o PAIGC para a participação sueca na questão da África Austral é enorme. O primeiro programa global sueco alguma vez concebido para dar ajuda humanitária directa e oficial a um movimento de libertação africano foi criado em conjunto com o PAIGC, o qual, por sua vez, estava profundamente empenhado numa luta armada contra uma nação europeia que tinha ligações comerciais formais com a Suécia, facto que determinou o carácter e as limitações da ajuda. 

Apesar de apelos veementes, feitos pelo movimento de solidariedade não-governamental e pela esquerda socialista de uma forma geral, em prol de um ”apoio incondicional”, ou seja, que fossem disponibilizadas verbas que o PAIGC pudesse usar a seu belo prazer, foi mantida uma orientação para a vertente humanitária. 

Apesar disso, as autoridades passaram, pouco tempo depois, a equacionar ajuda ”humanitária” com ajuda ”não-militar” ou ”civil” e, consequentemente, a alargar o âmbito dessa cooperação. Particularmente significativa foi a interpretação de ajuda humanitária ao PAIGC feita pelo governo sueco e pela ASDI, e que foi posteriormente aplicada aos movimentos de libertação na África Austral. A cooperação com o PAIGC não apenas definiu o conteúdo geral e a estrutura do programa de ajuda oficial da Suécia aos movimentos de libertação, mas criou também uma cultura institucional dentro da ASDI, e entre esta e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Daí que seja relevante fazer um esboço da cooperação entre o governo sueco e o PAIGC (69).

_______________

Notas do autor:

(44) Rudebeck participou activamente no Comité da África do Sul de Uppsala/Grupo de África. Voltou à Guiné-Bissau em 1972. Mais tarde professor assistente de ciências políticas na Universidade de Uppsala, Rudebeck publicou em 1974 um livro intitulado Guinea-Bissau: A Study of Political Mobilization (”Guiné-Bissau: Um estudo da mobilização política”) (op. cit.).

(45) Knut Andreassen e Birgitta Dahl: Guiné-Bissau: Rapport om ett land och en befrielserörelse (”Guiné-Bissau: Relatório sobre um país e um movimento de libertação”), Prisma, Estocolmo, 1971. Dahl, que na altura desempenhava um cargo na ASDI, viria a ser nomeada Ministra da Energia (1982–90) e do Ambiente (1986–91). Tornou-se presidente do parlamento sueco em 1994.

(46) Tal como Bengt Ahlsén: Portugisiska Afrika: Beskrivning av ett kolonialimperium och dess sönderfall (”A África portuguesa: Apresentação de um império colonial e sua queda”), Svenska Utbildningsförlaget Liber AB, Estocolmo, 1972. Após uma visita, em finais de 1971, às zonas libertadas, Anders Ehnmark e o fotógrafo Jean Hermanson publicaram Exemplet Guiné-Bissau: Ett reportage om en befrielserörelse (”O exemplo da Guiné-Bissau: Relatório sobre o movimento de Libertação”), Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1973. O jornalista norueguês Johan Thorud acompanhou-os na viagem, publicando o seu próprio relato na Noruega (Geriljasamfunnet:Guiné-Bissaus kamp mot Portugal / ”A sociedade da guerrilha: A luta da Guiné-Bissau contra Portugal”, Tiden, Oslo, 1972).

(47) Uma vez que os conhecimentos que a ASDI detinha sobre o PAIGC e sobre a situação nas zonas libertadas era limitado, pediu-se a Palm e a Dahl que apresentassem à agência relatos das suas visitas, documentos esses que teriam depois um papel importante na tomada de decisão de aumento da ajuda oficial sueca ao MPLA de Angola.

(48)  Marianne Rappe: Memorandum (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (MFA).

Foto: Birgitta Dahl acompanhando o PAIGC às zonas libertadas da Guiné-Bissau em Novembro de 1970. (Foto: Knut Andreassen)

(49) Davidson estava muito ligado à causa nacionalista nas colónias portuguesas desde os anos cinquenta e visitou as zonas libertadas na Guiné-Bissau em 1967. O seu relato, intitulado The liberation of Guiné , foi publicado em 1969 em língua sueca, com o título Frihetskampen i Guiné-Bissau (Natur och Kultur, Estocolmo).

(50) Inicialmente criado em 1964 para aconselhar o governo na área da ajuda oficial sueca aos jovens refugiados africanos na área da educação, os membros do CCAH (nomeados oficialmente) representaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a ASDI, as OGNs mais representativas e pessoas com conhecimentos especiais sobre a África Austral. Per Wästberg fazia, a título de exemplo, parte deste último grupo. 

O comité desempenhou um papel vitaldo ponto de vista dos destinatários da ajuda humanitária enviada pela Suécia. A começar pela decisão do parlamento sueco de aumentar a ajuda directa oficial aos movimentos africanos de libertação, o seu mandato e número de membros foi aumentando gradual e regularmente ao longo dos anos. Para além de dar assessoria à África Austral, o CCAH deu depois o seu apoio ao governo sueco na questão da ajuda humanitária à América Latina. O apoio dado pela Suécia ao Vietname e aos movimentos nacionalistas na Indochina nunca fez, contudo, parte do mandato do CCAH. 

O comité foi presidido pelo director geral da ASDI, que contava com o apoio de um pequeno secretariado,composto por funcionários da ASDI e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para preparar as reuniões e os pontos que nelas haviam de ser discutidos. 

Por norma, as recomendações eram apresentadas sob a forma de memorandos, cujo conteúdo se baseava, por sua vez, em contribuições e comentários feitos por agentes relevantes no terreno. O trabalho do Comité era feito num espírito de estrita confidencialidade, havendo registo apenas das decisões tomadas e nunca dos debates tidos. As recomendações apresentadas pelo secretariado foram, com poucas excepções, seguidas pelo comité e aprovadas pelo governo, para serem aplicadas pela ASDI. 

Num período de ano e meio, entre 1981–82 – 1982–83, por exemplo, o CCAH discutiu 100 pedidos, que representaram no total um valor próximo dos 270 milhões de coroas suecas, ao longo de 13 reuniões. Em 91 casos, o comité seguiu o parecer do secretariado, propondo uma dotação superior em 2 dos casos e uma dotação mais reduzida ou a rejeição pura e simples da proposta em 7 casos (SIDA/Kjellmer: Memorandum (”Beredningen för humanitärt bistånd: Ärenden 1981–82 och 1982–83”/”Comité Consultivo para Ajuda Humanitária: Pontos 1981–82 e 1982–83”), ASDI, Estocolmo, 17 de Fevereiro de 1983) (SDA).

(51) Carta enviada por Per Anger, Ministro dos Negócios Estrangeiros, a Olof Ripa, embaixador sueco na Libéria, Estocolmo, 19 de Dezembro de 1968 (MFA).

(52) Carta enviada por Basil Davidson a Per Wästberg, Londres, 17 de Outubro de 1968 (MFA).

(53) Ibid.

(54) Arbetet, 13 de Dezembro de 1968. Durante a sua visita à Suécia, nos finais de Novembro de 1968, Amílcar Cabral encontrou-se também com C.H. Hermansson, secretário geral do Partido de Esquerda Comunista (Comité da África do Sul de Uppsala: ”Protokoll”/”Actas”, Uppsala, 8 de Novembro de 1968) (UPA). De acordo com Onésimo Silveira, representante permanente do PAIGC na Suécia, ”os contactos com os partidos comunistas do Ocidente eram, contudo, diminutos” e o PAIGC não quis ”imiscuir-se nas suas lutas” (ibid).

55. O Partido Social-Democrata e o PAIGC já tinha entabulado contactos antes da visita de Cabral à Suécia, em finais de 1968. Já antes, nesse mesmo ano, o partido no poder tinha, por exemplo, doado 10.000 coroas suecas ao movimento de libertação, dinheiro esse retirado do Fundo Internacional para a Solidariedade, criado em Outubro de 1967 (Pierre Schori em Arbetet, 13 de Dezembro de 1968). Tinham também sido feitos contactos estreitos, atravésde Onésimo Silveira, que vivia e estudava em Uppsala, com o Comité da África Austral dessa cidade universitária.

Esses contactos haveriam de levar o movimento sueco para a solidariedade a apoiar o PAIGC. Em meados de 1968, apenas para dar um exemplo, foi enviada uma unidade de raios-x para o PAIGC em Conacri, com a ajuda do Comité da África do Sul de Uppsala: ”Protokoll”/”Actas”, Uppsala, 30 de Junho de 1968) (UPA). 

Cabral visitou também Uppsala durante a sua estadia na Suécia, comparecendo numa reunião pública co-organizada pelo Comité da África do Sul, a Associação Social-Democrata Laboremus, a Associação de Estudantes de Verdandi e a Liga da Juventude do Partido de Esquerda (VUF). A reunião teve lugar na Universidade a 27 de Novembro (”Amílcar Cabral: Demonstrationer inte nog. Vi behöver konkret hjälp”/”Amílcar Cabral: As manifestações não chegam, precisamos de ajuda concreta” em Uppsala Nya Tidning, 28 de Novembro de 1968). 

Em 1969 o Comité da África do Sul de Uppsala deu início a uma campanha de angariação de fundos a nível nacional em prol do PAIGC (Södra Afrika Informationsbulletin, n. 12, 1971, p. 49) e, como acima foi dito, vários membros do comité, entre os quais Bertil Malmström, Lars Rudebeck e Birgitta Dahl, visitaram as zonas libertadas da Guiné-Bissau em 1969–70. 

Como forma de protesto pela visita de estado do presidente senegalês Léopold Senghor à Suécia (Senghor era visto como um traidor do PAIGC), que se realizou em Maio de 1970, o Comité da África do Sul de Uppsala e um conjunto de organizações políticas montaram espectaculares manifestações, ligadas com o seu aparecimento na universidade (”En Diktare och Diktator Besöker Norden”/”Um poeta e ditador visita os países nórdicos” em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 9, 1970, pp. 5–8 e ”Senghor-rättegången”/ ”O Julgamento Senghor” em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 14, 1972, pp. 23–25).

(56) Assembleia Geral das Nações Unidas, Resolução 2395 (XXIII) de 29 de Novembro de 1968, citada no Yearbook of the United Nations: 1968, Gabinete de Informação ao Público, Nações Unidas, Nova Iorque, 1971, p. 804.

(57) ”Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros”, 9 de Dezembro de 1968 no Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1968, Estocolmo, 1969, p. 116.

(58) Entrevista com Pierre Schori, p. 333.

(59) Carta de Per Anger, Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviada a Olof Ripa, embaixador da Suécia na Libéria, Estocolmo, 19 de Dezembro de 1968 (MFA).

(60) Carta de Olof Ripa, embaixador da Suécia na Libéria enviada a Per Anger, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Monróvia, 19 de Fevereiro de 1969 (MFA).

(61) Kerstin Oldfelt: Memorando (”Humanitärt bistånd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/”Ajuda humanitária ao PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 22 de Julho de 1969 (SDA).

(62) Curt Ström: ”Reserapport” (”Relato de viagem”), ASDI, Estocolmo, 13 de Junho de 1969 (SDA).

(63) Ibid.

(64) Em sueco, Statsutskottet.

(65) Parlamento sueco 1969: Declaração no. 82/1969 pela Comissão das Dotações, p. 24.

(66) Ironicamente, o deputado que assinou a histórica declaração da Comissão Permanente sobre Dotações foi Gösta Bohman. No ano seguinte, tornou-se Presidente do Partido Moderado, conservador, o único partido sueco tradicional a excluir-se da parceira alargada com os movimentos de libertação na África Austral.

(67) O apoio oficial sueco ao Instituto Moçambicano da FRELIMO, sediado em Dar es Salaam, na Tanzânia, tinha vindo a aumentar desde 1965.

(68) Parlamento sueco, 1969: Declaração no. 82/1969 pela Comissão das Dotações, p. 24.

(69) Incluído sobretudo como uma introdução ao tema da ajuda sueca aos movimentos de libertação da África Austral, o ”desvio” pela via do PAIGC e da Guiné-Bissau, é tudo menos global. Apesar de serem dados exemplos que ilustram o âmbito e o carácter da ajuda do governo sueco, o importante papel desempenhado pelo Partido Social-Democrata, pelos Grupos de África e por outras organizações de solidariedade, não recebe o reconhecimento devido. 

Para além de tudo aquilo que é acima referido, deve notar-se também que o Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português. O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe”) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri, em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou (”O Nosso Livro: 2ª Classe”), com uma tiragem de 25.000 exemplares. Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas ”zonas libertadas da Guiné”.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / itálicos / bold, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]
______________

Nota do editor:

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24502: Antologia (92): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte III


A deputada sueca, do Partido Social-Democrata, então no poder, Birgitta Dahl atravessando um curso de água através de uma ponte improvisada, sendo auxilaida por um guerrilheiro armado de "costureirinha" (pistola metralhadora PPSH] 


Guiné-Bissau (ou Guiné-Conacri) > PAIGC > s/l> Novembro de 1970 > Algures, na Guiné Conacri  ou nas "áreas libertadas"  (sic) da Guiné-Bissau, uma foto do fotógrafo norueguês Knut Andreasson, por ocasião da visita de uma delegação sueca. Algumas das suas  fotos foram publicadas no livro Guinea-Bissau : rapport om ett land och en befrielserörelse / Knut Andreassen, Birgitta Dahl, Stockholm : Prisma, 1971, 216 pp. [Título traduzido para português: Guiné-Bissau: relatório sobre um país e um movimento de libertação].

A chefe da delegação, a deputada social-democrata e antiga presidente do parlamento sueco, Birgitta Dahl,  fez um relatório desta missão, em sueco, e que infelizmente não está disponível na Net: a visita foi à Guiné-Conacri e às "áreas libertadas" da Guiné-Bissau,  no período de 6 de novembro a 7 de dezembro de 1970 [”Rapport från studieresa till Republiken Guinea och de befriade områdena i Guinea-Bissau, 6 november–7 december 1970” (”Relatório da viagem de estudo à República da Guiné e às zonas libertadas da Guiné-Bissau, 6 de Novembro–7 de Dezembro de 1970”), Uppsala, Janeiro de 1971 (SDA)].

Fonte: Nordic Documentation on the Liberation Struggle on Southern Africa [Com a devida vénia] [
O link, infelizmente, foi descontinuado. Seleção e edição:  LG]


1. A Suécia /parceiro comercial de Portugal desde o ano de 1960, no àmbito da EFTA) e a Guiné-Bissau nunca tiveram, até ao final da década de 1960, praticamente quaisquer ligações (históricas, comerciais, ou outras). 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, tem um texto de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em português).

No livro o autor conta-nos como é que de repente a Suécia e os suecos passama a interessar-se pelo que se estava a passar naquele pequeno país de África Ocidental, que era/é a Guiné-Bissau,  um  território então sob administração portuguesa (e com um escasso meio milhão de habitantes),  com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC;  a lutar pela sua independência.  

E não apenas a interessar-se: a dar uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

 Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual,  ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).
 
Passados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse. para os nossos leitores, saber como é que  o  PAIGC caiu nas "boas graças dos suecos"… (um "namoro" de vinte anos, acrescente-se).

Vamos continuar a seguir esta história, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de  Tor Sellström. Já chamámos, logo no início,  a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trrajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se apenas das "lendas & narrativas" do PAIGC... 

Demos alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc.  .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172)  tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo fastidiosas para a generalidade dos  leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa.)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas,  são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha ténica: 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau.

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau",  usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes...



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno
(pp. 138-172)

Primeiros contactos (pp. 144-147)


A Suécia tinha variadas ligações históricas, económicas e eclesiásticas com os cinco países da África Austral que constituem o objeto deste estudo mas só quando foi criado um programa de ajuda humanitária com o PAIGC passou a haver relações com a Guiné- Bissau, até aí inexistentes.

Sendo certo que a Suécia e Portugal entraram para a EFTA em 1960 e que as trocas comerciais entre os dois países aumentaram rapidamente durante essa década, isso não se traduziu em grandes transações económicas com as colónias portuguesas em África. No caso da Guiné-Bissau, não houve investimento sueco e as trocas comerciais eram incipientes.

Antes da década de setenta, a Guiné-Bissau não entrava como parcela independente nas estatísticas comerciais suecas, sendo os dados desse país registados juntamente com os de Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, sob a epígrafe ”África Ocidental portuguesa”. Dentro desse grupo, pode-se, sem receios, partir do princípio que a maior parte do comércio externo se realizava com a economia angolana, a mais importante desse grupo de países. Contudo, os valores eram extremamente baixos. O valor das exportações suecas para a ”África Ocidental portuguesa” era, em 1950, de 1,8 milhões de coroas suecas, o que representava 0,03 por cento das vendas totais suecas para o exterior.

O valor das importações era, nessa mesma altura, de 2,3 milhões de coroas suecas, o que correspondia a 0,04 por cento das importações da Suécia. Dez anos volvidos, as trocas continuavam a ter um nível irrelevante. As importações suecas da ”África Ocidental portuguesa” em 1960 atingiam os 3,8 milhões de coroas suecas, uma parte estável de um total de 0,03 por cento, enquanto o valor das exportações suecas tinha aumentado para 10,7 milhões, o que correspondia a 0,08 por cento do total (25).

Com este panorama, o comércio entre a Suécia e a Guiné-Bissau deverá ter sido praticamente inexistente, o que é confirmado pelas estatísticas feitas a seguir à independência.

Entre 1975 e 1980, os valores anuais das exportações da Guiné-Bissau para a Suécia variaram entre as 2.000 e as 270.000 coroas suecas. Estes valores são demasiados baixos para terem qualquer expressão em termos da quota total de importações suecas.

As exportações anuais suecas, por seu lado, aumentaram durante este período de 3,2 para 20 milhões de coroas suecas (26).  Contudo, estes valores não espelham as transações comerciais normais, mas remessas suecas como ajuda humanitária (27).

Não havendo ligações históricas, comerciais ou outras, não admira que o encontro entre o PAIGC e a Suécia só tenha acontecido no final da década de sessenta, numa altura em que o apoio popular às lutas nacionalistas em África desfrutava de um amplo reconhecimento e em que o movimento de libertação da Guiné-Bissau já estava criado e era uma força decisiva.

 A velocidade com que tanto o governo social-democrata sueco como o movimento organizado de solidariedade, que ultrapassava as barreiras culturais e linguísticas, abraçou a causa do PAIGC é, contudo, notável, não sendo menos notável o facto de, apesar de ambos interpretarem de forma diferente a luta do PAIGC (de formas quase antagónicas, por vezes) (28), terem conseguido mobilizar as suas esferas de ação para a mesma causa. A capacidade diplomática de Amílcar Cabral foi, nesta área, muito importante.

O primeiro contacto de que há conhecimento entre o PAIGC e a Suécia teve lugar antes do início da luta armada, em janeiro de 1963, tendo como pano de fundo a Conferência das Organizações Nacionalistas nas Colónias Portuguesas (CONCP) (29), que se realizou em junho de 1961, e onde se lançou um apelo ao jornal sueco Expressen para que fosse dada ajuda aos refugiados angolanos que, em condições abjetas, atravessavam a fronteira com o Congo (Zaire) (30). Respondendo a esse apelo, o Expressen realizou uma importante campanha, chamada ”Ajuda a Angola” (31), que decorreu entre julho e setembro de 1961. Durante a campanha, o jornal, de tendência liberal, conseguiu obter cerca de 4,5 toneladas de medicamentos, sobretudo penicilina, para os refugiados na região  do Baixo Congo. A ajuda foi canalizada através do MPLA.

Na sua capacidade  [qualidade, provável erro de tradução, LG] de vice-secretário geral da CONCP, Amílcar Cabral estava bem ciente da campanha e dirigiu-se ao Expressen, apresentando um pedido semelhante para o PAIGC. Estando a preparar o lançamento da luta armada, Cabral enviou um telegrama ao jornalista e escritor sueco Anders Ehnmark, solicitando ajuda, sob a forma de medicamentos (32), e acrescentando que ”também nós nos estamos a libertar” (33). Nessa altura, o PAIGC e a situação da Guiné-Bissau eram, em geral, pouco conhecidos. Ehnmark viria mais tarde a comentar que ”eu sabia quem era Amílcar, mas nada mais aconteceu. Afinal de contas era ainda um pouco cedo” (34).

O ”muro de silêncio” (35) levantado pelos portugueses à volta das suas colónias em África foi particularmente eficaz, durante a primeira metade dos anos sessenta, no caso da Guiné-Bissau. Só em 1964 é que o jornalista e historiador britânico Basil Davidson (36) e o seu colega francês Gérard Chaliand (37) publicaram um perfil de Amílcar Cabral e uma narrativa da luta de libertação travada pelo PAIGC.

Na Suécia, foi o Comité da África do Sul de Lund e a redacção do boletim Syd- och Sydvästafrika (a conselho de Eduardo Mondlane) quem, dois anos mais tarde, conseguiu furar esse muro de silêncio, reproduzindo um resumo do programa do PAIGC e um relato feito por Cabral, num número inteiramente dedicado a Portugal e às suas guerras em África (38).  O Comité de Lund e o boletim do movimento sueco de solidariedade marcaria assim o início de um prolongado e sustentado esforço de informar sobre as lutas nas colónias portuguesas. Esse trabalho viria posteriormente a ser prosseguido pela segunda geração dos Grupos de África em Lund e pelo Södra Afrika Informationsbulletin (39).

Pouco depois desses acontecimentos, o Partido Social-Democrata no poder passou a conhecer melhor o PAIGC e a luta de libertação na Guiné-Bissau. Uma vez estabelecidas relações diretas com o presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, e de visitar Portugal numa ”missão secreta” de apuramento de factos para a Internacional Socialista, Pierre Schori concluiu, em meados de 1967, numa edição do Tiden, jornal oficial do partido, que ”o nosso apoio aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas pode aumentar. Devemos, acima de tudo”, escreveu o secretário internacional dos social-democratas, ”intensificar os nossos contactos com os nacionalistas do PAIGC” (40).

Mais ou menos nessa altura, houve uma série de suecos (representando o movimento de solidariedade das ONG, mas também o Partido Social-Democrata) que entrou em contacto com o PAIGC para visitar as zonas libertadas da Guiné-Bissau (41).

Dando uma publicidade muito grande às suas experiências, as primeiras visitas foram organizadas, de forma digna de nota, em 1968 (42) por Rolf Gustavsson,  do Comité da África do Sul de Lund, pelo escritor Göran Palm e Bertil Malmström, do Comité de Uppsala para a África do Sul,  em 1969 (43), pelo académico Lars Rudebeck,  em 1970 (44),  e pela deputada social -democrata Birgitta Dahl, em conjunto com o jornalista Knut Andreassen, também em 1970 (45).

 Foram feitos relatos mais tarde que, em conjunto com os relatórios tão claros que apresentaram (46), guiaram o governo sueco e ajudaram a manter elevados níveis de apoio do público à luta do PAIGC (47).

A causa nacionalista na pouco conhecida colónia portuguesa começou, pouco tempo depois, a ser comparada com a do Vietname. À falta de cobertura mediática internacional, os testemunhos diretos e pessoais feitos por suecos revestiram- se da maior importância. Em meados de 1972, o número de visitantes suecos às zonas libertadas da Guiné- Bissau excedia o de qualquer outra nacionalidade.

 [ Foto à esquerda: Birgitta Dahl, Deputada Social-Democrata e o secretário-geral do PAIGC, Amílcar Cabral, em Conacri na Guiné, em novembro de 1970. Atrás de Cabral está Lars Rudebeck, do Grupo de África de Uppsala (Foto: Knut Andreassen) ( Tor Sellström. op. cit., pág.143)] 

____________

Notas do autor:

(25) Para 1950: Kommerskollegium: Handel: Berättelse för år 1950, Volume I, Sveriges Officiella Statistik, Norstedt & Söner, Estocolmo, 1952. Para 1960: Statistiska Centralbyrån: Handel: Berättelse för år 1960, Volume II, Estocolmo, 1963.

(26) Citação de Lars Rudebeck: ”Alguns factos e observações sobre as relações entre os países nórdicos e os países africanos de língua oficial portuguesa”, palestra apresentada numa conferência sobre os países de língua oficial portuguesa em África, organizada pelo Stiftung Wissenschaft und Politik (Fundação Ebenhausen para a Ciência e Política), Ebenhausen, República Federal da Alemanha, Fevereiro de 1986.

(27) As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau (Rudebeck op. cit.).

(28)  Para os Grupos de África e para a esquerda socialista sueca em geral, a luta armada do PAIGC fazia parte da batalha global contra o imperialismo e o capitalismo. A luta contra o colonialismo na Guiné-Bissau e a luta contra o capitalismo na Suécia, na qual participava o governo social-democrata, eram vistas como fazendo parte integrante da mesma causa. Num relatório apresentado numa conferência internacional de solidariedade realizada em Oxford, em Inglaterra, os AGIS apresentaram em abril de 1974 a sua perspetiva, que era a seguinte: ”nos Grupos de África suecos centramos o nosso trabalho sobre o facto de a Suécia ser um estado imperialista, no qual os trabalhadores são oprimidos pelo mesmo sistema que oprime os povos de África. Daí que não apelemos prioritariamente a um sentimento de pena pelos povos oprimidos, mas destaquemos a justiça da luta armada e a construção, nas zonas libertadas, de uma nova sociedade, não baseada na exploração. Destacamos também o interesse comum que existe à volta da luta contra o sistema imperialista” (AGIS: ”Relatório sobre os Grupos de África suecos”, Conferência de Solidariedade com África, Oxford, Páscoa de 1974) (AGA).

(29) A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) foi uma espécie de organização catalisadora, que representava os movimentos nacionalistas das colónias portuguesas, sobretudo os de África, mas também, por exemplo, de Goa, na Índia. Os agentes mais ativos para a constituição da CONCP foram o MPLA e o PAIGC. Com origens que remontam ao MAC (e, antes disso, ao Centro de Estudos Africanos de Lisboa), o CONCP foi formado numa conferência em Marrocos, realizada em Casablanca em abril de 1961, ou seja, pouco depois do início da guerra de libertação em Angola. Mário de Andrade do MPLA foi o presidente do Comité Consultivo.

O Secretariado da CONCP foi criado em Rabat, em Marrocos, tendo Marcelino dos Santos de Moçambique como secretário-geral e Amílcar Cabral (que tinha a sua base de operações em Conacri, na República da Guiné) como vice secretário geral. Em 1968, sete anos depois da campanha do Expressen em prol de Angola, o Partido de Esquerda Comunista apresentou uma das primeiras moções ao parlamento sueco, para que fosse concedido apoio oficial aos movimentos de libertação na África Austral, visando a CONCP.

(30) O antigo Congo Belga alterou a sua denominação, passando a chamar-se Zaire em 1965. Em 1997, passou a chamar-se República Democrática do Congo.

(31) Em língua sueca, Angola-Hjälpen.

(32) Anders Ehnmark: Resan till Kilimanjaro: En essä om Afrika efter befrielsen (”A viagem ao Kilimanjaro: Um estudo sobre África depois da libertação”), Norstedts, Estocolmo, 1993, p. 8 e Anders Ehnmark, carta ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997.

(33) Carta de Anders Ehnmark ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997.

(34) Ibid.

(35) Prefácio por Amílcar Cabral para Davidson op. cit., p. 9.

(36) Basil Davidson: ”Profile of Amílcar Cabral” em West Africa, 28 de Abril de 1964.

(37) Gérard Chaliand: Guinée ”portugaise” et Cap Vert en Lutte pour Leur Independance (”A Guiné ”portuguesa” e Cabo Verde em luta pela sua independência”), Maspero, Paris, 1964.

(38) Syd- och Sydvästafrika, No. 4, 1966, pp. 11–14.

(39) Como reflexo do aprofundamento da atenção dada pelo movimento de solidariedade sueco, o boletim informativo Syd- och Sydvästafrika (publicado em Lund desde Janeiro de 1964) viu o seu nome ser mudado em 1967 para Södra Afrika Informationsbulletin (e em 1975 para Afrikabulletinen, órgão oficial dos Grupos de África da Suécia).

(40) Pierre Schori: ”Portugal”, em Tiden, no. 8, 1967, p. 495.

(41) Em contraste com outros movimentos de libertação, o PAIGC era ”particularmente aberto e acessível a visitantes estrangeiros”, nomeadamente jornalistas, escritores, equipas de filmagem, advogados e académicos, e ”fez todos os esforços para conseguir que esses visitantes pudessem viajar pelo país durante a guerra” (Chabal op. cit., p. 6).

O acesso a partir da Guiné-Conacri e do Senegal era fácil e a reduzida dimensão do país tornava possível que os visitantes se deslocassem a pé por grandes extensões do território, num espaço de tempo relativamente curto. 

Enquanto primeiro jornalista internacional de sempre a visitar o território, Anders Johansson,  do jornal liberal sueco Dagens Nyheter,  visitou em Fevereiro de 1968 as zonas libertadas do norte de Moçambique, na companhia do presidente da FRELIMO Eduardo Mondlane. Além disso, em julho-agosto de 1969, o jornalista e vice presidente da Liga da Juventude Liberal Olle Wästberg acompanhou a FNLA numa missão no norte de Angola. As frequentes visitas de jornalistas e ativistas suecos às zonas libertadas das colónias portuguesas em 1968–70 contribuíram muito para centrar a atenção pública nesses territórios.

(42) Rolf Gustavsson: ”Besök hos gerillan 1968” (”Visita à guerrilha em 1968”) em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 7, 1970, pp. 9–13. Para além de dedicar alguns programas de rádio e artigos de jornal à Guiné-Bissau, Gustavsson (um africanista bem conhecido e repórter da televisão sueca) publicou mais tarde uma importante antologia, chamada Kapitalismens utveckling i Afrika: Studier i Afrikas moderna ekonomiska historia (”O desenvolvimento do capitalismo em África: Estudos sobre a história económica moderna de África”), Cavefors, Lund, 1971.

(43) Göran Palm: ”Besök hos Gerillan 1969: Kampen Enar Folket” (”Visita à guerrilha em 1969: A luta une o povo”) 1970  em Södra Afrika Informationsbulletin, Nº 7, 1970, pp. 37–41. Palm editou posteriormente um livro em sueco, com textos da autoria de Amílcar Cabral: Vår kamp er kamp (”A nossa luta a vossa luta”), Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1971. O líder do PAIGC foi trazido ao conhecimento do público sueco em geral através da antologia de Anders Ehnmark com o título Guerrilla (Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1968), que incluía o texto de Cabral chamado ”Kampen i Guinea” (”A luta na Guiné”).

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de;

17 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24482: Antologia (90): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte I