segunda-feira, 31 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24521: Antologia (95): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte VI

 Foto nº 1 

Foto nº 2


Foto nº 3

S/l > PAIGC > Alegadamente numa "região libertada", talvez no sul  ou na fronteira com a Guiné-Conacri > Visita de uma delegação escandinava  > Novembro de 1970 >  Trasnporte de sacos de arroz  (Fotos nº 1 e 2)... 

As autoridades militares portugueses subestimaram, inicialmente, o "génio organizativo" de Amílcar Cabral e dos demais dirigentes e militantes do PAIGC. Em 1971, num documento produzido pela inteligência militar do Estado-Maior de Spínola, reconhecia-se a real importância da logística do PAIGC, mesmo não tendo os meios (navais, aéreos e terrestres) das NT...

Na foto nº 3, uma consulta médica, ao ar livre. Em primeiro plano, um enfermeiro (presume-se) e a "farmácia ambulante"  (?) (um "caixote")..

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI, de acordo com a resposta que nos deu oportunamente Webmaster do NAI:

Dear Luís Graça, I am glad to hear that you like the photos and that you use them. Best regards,

Agneta Rodling | Information/Webb | Nordiska Afrikainstitutet | The Nordic Africa Institute
Box 1703 | SE-751 47 UPPSALA | Tel +46-18 56 22 21

Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)





Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74) > População sob controlo do PAIGC, no subsetor do Xime, capturada no decurso da Acção Garlopa, em 19 de julho de 1972, num total de 10 elementos. Seguramente que os suecos nunca puseram aqui os pés, nas "áreas libertadas" do Xime, na margem direita do rio Corubal...

Foto (e legenda): © Sousa de Castro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem conplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, é autor de um livro,  de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

Nessa publicação conta-nos como é que de repente certas organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral (e nomeadamente c9ntra o apartheid) e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar na Guiné-Bissau, um território então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC; a lutar pela sua independência, praticame nte desconmhecidos do público sueco até ao final da década de 1960.

Apartir de 1969, a Suécia começou a dar, ao PAIGC, uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau". Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).

Estes factos ká pertencem ao domíbnio da História. Mas, oassados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco mais sobre o envolvimento da Suécia 

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de Tor Sellström. Já chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)...

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc. .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172) tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo extremamente fastidiosas para a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas, são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica:

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau(Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau", usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III).

Nas páginas 148-152, é referido a primeira visita (de muitas) de Amílcar Cabral à Suécia em novembro de 1968 (Parte IV).

As conversações de Ström com o PAIGC foram bastante simples. No seu relatório, descreveu Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC, como ”um jovem agrónomo bastante jovial, elegante, intelectual e um conversador desenvolto e muito animado. Nada de apelos patéticos nem declarações solenes. As suas intervenções eram objectivas, claras e concisas” (Parte V, pp. 152-154).

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC - Parte VI:

Necessidades civis e respostas suecas (pp. 154-157)

 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 


Necessidades civis e respostas suecas (pp. 154-157)

O PAIGC deu, desde a primeira hora, mostras de uma grande eficácia relativamente  â administração, distribuição e listagem dos bens recebidos da Suécia. Depois de uma visita de uma delegação da ASDI a Conacri no final de 1971, concluía-se num memorando destinado ao Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária que, por exemplo, ”o apoio sob a forma de bens, dado pela Suécia, está a ser utilizado de forma ideal. O PAIGC é sinónimo de rapidez na tomada de decisões, encomenda pormenorizada de mercadorias, bom armazenamento e contabilização” (91). 

Os relatórios escritos pelo PAIGC à ASDI eram, também eles, da maior qualidade. Anualmente, o próprio Amílcar Cabral e, depois a sua morte em 1973, Aristides Pereira, apresentavam comentários gerais quanto à ajuda e listas detalhadas de produtos recebidos, apresentadas com uma decomposição da distribuição pelas várias escolas, clínicas e armazéns do povo nas zonas libertadas (92). De acordo com Stig Lövgren da ASDI, ”o PAIGC era, para nós, uma espécie de organização ideal” (93).

Enquanto isso, o PAIGC estava confrontado com enormes desafios. Em 1971, calcula-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau (94). na sua maioria artesãos e camponeses.

A taxa de analfabetismo era de cerca de 80 por cento e a situação geral em termos de saúde era complicada. Largos extractos populacionais, nomeadamente as crianças, sofriam de desnutrição (95). Ao tentar construir uma sociedade nova nas zonas libertadas, pela via da disponibilização de serviços sociais e desenvolvendo a economia, o PAIGC (que, antes de mais, estava empenhado numa guerra generalizada contra Portugal, que era apoiado pela OTAN) assumia o papel de um governo e de uma administração de um estado independente (96).

 Em contraste vincado com um estado independente, o movimentode libertação não controlava os recursos nacionais nem podia conduzir operações de comércio internacional (97). Pelo contrário, num país com um enorme potencial para as pescas, a população que vivia nas zonas libertadas sofria de falta de proteínas o que, paradoxalmente, levou o PAIGC a incluir no pacote de ajuda humanitária sueca pedidos de grandes quantidades de conservas de peixe. 

Para além disso, o PAIGC não podia cobrar impostos à população residente nas zonas libertadas porque, para já, não havia matéria tributável e também porque, de forma ainda mais clara, a economia de base monetária tinha sido abolida e substituída por um sistema de trocas directas, no qual os bens daspessoas tinham um papel economicamente crucial e politicamente delicado.

Os armazéns do povo tinham como função servir de centros de comércio ou depósitos,onde os aldeões podiam trocar os seus produtos agrícolas por outros bens de primeira necessidade e de consumo, como têxteis, óleo de cozinha, sabão, fósforos, utensílios domésticos e agrícolas ou cigarros (98).(**)

 Como notou Rudebeck, tratava-se de uma ”função altamente política. Caso não fosse realizada a contento da população, toda a credibilidade do PAIGC sairia diminuída aos olhos do povo” (99). O sistema que consistia em regatear a aquisição de produtos só poderia funcionar devidamente se as lojas do PAIGC dispusessem de stocks suficientes de produtos (100).

Beneficiando de um amplo apoio político, com necessidades quase ilimitadas e dando provas de uma boa capacidade administrativa, o PAIGC conseguiria tornar-se numa força dominante entre os movimentos de libertação africanos durante a década de setenta, recebendo ajuda oficial sueca. 

O valor inicialmente concedido foi de um milhão de coroas suecas, depois aumentado para 1,75 milhões em 1970–71, 4,5 em 1971–72, 10 em 1972–73, 15 em 1973–74 e 22 milhões em 1974–75.101 

Tal como foi dito acima, dos 67,5 milhões de coroas suecas realmente gastos pela Suécia como ajuda humanitária directa aos movimentos de libertação na África Austral e ao PAIGC entre 1969–70 e 1974–75, 64,5 milhões (ou seja, 96 por cento do valor total) foi pago ao MPLA de Angola, à FRELIMO de Moçambique e ao PAIGC da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, o que indica uma clara concentração nas colónias portuguesas. 

Desse total, uns surpreendentes 45,2 milhões foram pagos ao PAIGC. Durante os primeiros seis anos da ajuda oficial aos movimentos de libertação, o PAIGC recebeu dois terços dos fundos pagos, daí que não surpreenda que os movimentos de libertação da África Austral com os quais a Suécia tinha relações estreitas há já mais tempo, se sentissem prejudicados.

Entrevistado em 1996, o líder do MPLA Lúcio Lara declarou que o apoio ao PAIGC ”até nos deixou com algum ciúme”, acrescentando que ”comparámos os valores e constatámos a diferença” (102).

Relativamente à ajuda não-militar, o governo sueco tornou-se muito provavelmente o maior doador ao PAIGC (103).  A liderança guineense reconheceu isso mesmo muitas vezes ao longo dos anos, nomeadamente ao comparar a postura da Suécia com a de outros países ocidentais (104).

Constatando que os Estados Unidos tinham aumentado a ajuda a Portugal em quase 500 milhões de dólares, Cabral escreveu, por exemplo, em 1972 que ”o belo exemplo do povo sueco e do seu governo influencia e influenciará cada vez mais, a atitude de outros povos e de outros Governos, em prol da luta contra o domínio, o colonialismo e o racismo estrangeiros no nosso continente” (105).

 No caso do PAIGC era, contudo, bastante fácil para o governo sueco tomar uma posição. A luta de libertação não constituía uma ameaça à segurança nacional do país e a afinidade com os objectivos do PAIGC era forte. 

Além disso, não existiam conflitos de interesses relativamente à oportunidade económica (106).

Por fim, e do ponto de vista da legitimidade pública, a política oficial tinha uma grande base de apoio popular

Dito isto, e vista de um ponto de vista da Guerra Fria, que vigorava desde os anos setenta, a ajuda sueca ao PAIGC era mais política do que sugeriria uma interpretação pura e simples do termo ”ajuda humanitária”(107 )o que tem a sua importância em termos de cooperação com os movimentos de libertação na África Austral.

Para além de levar a cabo a luta militar, o PAIGC tinha entrado, por via do sistema de troca directa centrado nas lojas do povo, numa batalha económica contra Portugal.

Cabral  estava também determinado em afirmar que ”com hospitais e escolas podemos vencer a guerra”(108).

 Longe de constituírem uma reacção defensiva contra o colonialismo e a opressão, os sectores produtivo, de saúde e de educação eram vitais, fazendo parte integrante e muito activa do esforço de libertação. A maior parte da ajuda sueca era exactamente canalizada para estes sectores. 

Limitada inicialmente a bens puramente humanitários, a lista alargar-se-ia paralelamente ao ”engordar” do pacote de ajuda, por forma a permitir que necessidades de índole política fossem supridas, tendência que se foi acentuando (109). Os programas foram concebidos em conjunto pelo PAIGC e pela ASDI.

O Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária e o governo sueco seguiam, por norma,as recomendações feitas pela ASDI.

 ___________

Notas do autor:

91 . SIDA: ”Fortsatt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/ASDI: ”Continuação do apoio ao PAIGC”, Estocolmo, 5 de Setembro de 1972 (SDA).

92. Os relatórios eram escritos em francês. A ajuda sueca era também enviada ao PAIGC na República da Guiné, nomeadamente para as escolas do PAIGC e, sobretudo, para o Hospital da Solidariedade em Boké, no norte do país. A ajuda incluía, para além disso, veículos e equipamento de escritório para o quartel-general do PAIGC em Conacri.

93. Entrevista com Stig Lövgren, p. 312.

94. SIDA: ”Fortsatt svenskt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde”/ASDI: ”Continuação do apoio sueco ao PAIGC”, Estocolmo, 28 de outubro de 1971 (SDA).

95. Ibid.

96. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, maio de 1972 (SDA).

97. No âmbito da economia baseada nas lojas do povo, o PAIGC conseguiu, apesar de tudo, organizar uma quantidade limitada de exportações para os países vizinhos, nomeadamente de nozes de cola e arroz, mas também de amendoim, óleo de palma e outros produtos agrícolas. (***)

98. O sistema destinava-se também a conseguir justiça económica, mantendo os preços por troca directa mais baixos do que os preços a dinheiro praticados nas lojas portuguesas das zonas não libertadas. O primeiro armazém do povo foi criado em 1964 e por volta de 1968 já havia quinze lojas desse tipo nas zonas libertadas. Em 1973 já haveria mais do dobro de lojas.

99. Rudebeck op. cit., p. 179.

100. Sobre os armazéns do povo, ver Rudebeck op. cit., pp. 178–86 e Chabal op. cit., pp. 112–14.

101. SIDA: ”Stöd till PAIGC”/ ASDI: ”Ajuda ao PAIGC”, Estocolmo, 25 de Junho de 1974 (SDA).

102. Entrevista com Lúcio Lara, p. 19. O apoio sueco ao MPLA durante esse mesmo período não ultrapassava os 2,3 milhões de coroas suecas, ou seja, 5 por cento do apoio dado ao PAIGC. Lara atribuía a diferença às qualidades do secretário geral do PAIGC: ”A razão era a presença de Amílcar Cabral. Ele era muito dinâmico e estava sempre ”em cima” dos acontecimentos” (ibid.).

103. À falta de contabilidade global no PAIGC, esta questão fica por provar com base documental. A conclusão retirada baseia-se em declarações do PAIGC, da ASDI e das Nações Unidas.

104. Lövgren comentaria depois que a ajuda em mercadorias dada pela Suécia era, de acordo com Cabral ”a melhor forma de ajuda que a Suécia nos poderia dar. [...] Não precisavam de dinheiro naquela altura. Aquilo de que precisavam para a guerra era-lhes fornecido pelo bloco socialista, mas não tinham quaisquer recursos no que diz respeito a alimentação, medicamentos e equipamento escolar, etc. para a parte civil da luta. Dependiam totalmente de países como a Suécia para conseguir esses bens, porque não os adquiriam no mercado internacional” (Entrevista com Stig Lövgren, p. 310)

105. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Sobre a ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, maio de 1972 (SDA).

106. Ver a entrevista com Bengt Säve-Söderbergh, na qual o antigo subsecretário de estado social-democrata dos Negócios Estrangeiros (1985–91) declara que ”Angola tinha interesse para quem procurava dinheiro. Sabíamos que ninguém se preocupava realmente com a Guiné-Bissau e que alguns se preocupavam, mas apenas marginalmente, com Moçambique. Angola era o foco de interesse e, por isso mesmo o país mais ”quente”, em termos da clivagem  Leste-Ocidente” (p. 338).

107. Para Cabral, toda a ajuda ao PAIGC era humanitária, ”independentemente da forma e do conteúdo da ajuda, porque é dada em prol do progresso político, económico, social e cultural da humanidade e da paz” (Carta de Amílcar Cabral à ASDI, Conacri, 28 de Julho de 1971) (SDA).

108. Cabral citado em Chabal op. cit., p. 114.

109. No início dos anos setenta, o movimento sueco de solidariedade era essencial para definir os contornos da ajuda oficial aos movimentos de libertação. Num livro publicado pelos Grupos de África dizia-se, em ~janeiro de 1972, que ”a contribuição da ASDI não era dada de forma incondicional aos movimentos de libertação, sendo dada para ’fins humanitários’ como, por exemplo, a saúde, a educação e afins, o que significava que os movimentos não eram reconhecidos como representantes dos respectivos povos e que o aspecto militar da actividade dos movimentos de libertação não recebia qualquer apoio” (AGIS op. cit., p. 194). 

Mais ou menos na mesma altura, num documento elaborado pelos Grupos de África em Inglaterra para uma conferência sobre solidariedade internacional para com a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC, realizada em Lund no início de 1972, dizia-se que ”ao recusar-se a ver o aspecto militar como parte integrante da luta, o governo sueco está a dar uma imagem deturpada da situação. Outra das limitações é que a ajuda prestada pela ASDI é dada em géneros, seleccionados de uma lista e comprados (na Suécia) por funcionários da ASDI. Trata-se de uma forma grave de paternalismo, o que se poderá talvez explicar apenas pelo desejo de manter vínculos económicos importantes com Portugal durante o máximo de tempo possível e também pelo desejo de encontrar uma solução neo-colonialista para as colónias portuguesas” (Versão preliminar: ”Imperialismo sueco em Portugal e em África”, Conferência da Páscoa, Lund, 1972) (AGA). 

Deve notar-se que a ajuda oficial não estava vinculada à obtenção dos produtos na Suécia, nem a ASDI tentava obter mercadorias em Portugal para os movimentos de libertação nas colónias portuguesas (Entrevista com Stig Lövgren, p. 314).


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / itálicos / bold, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 30 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24518: Antologia (94): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte V

(**) Vd. poste de 12 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23609: (D)o outro lado do combate (68): os "Armazéns do Povo", mito ou realidade ?

(***) Veja-se o poste de 2 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6296: PAIGC: Como se vivia nas regiões libertadas (1): Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados... (António Graça de Abreu, Alf Mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa, Cufar, 1972/74)

(...) António Graça de Abreu > Mansoa, 3 de Maio de 1973

Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.

Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.

Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar. 

São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares. Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. 

É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés. (...)

Fonte: António Graça de Abreu – Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94.

4 comentários:

Anónimo disse...

Comentário de Antº Rosinha, com data de 12 de setembro de 2022 às 12:03

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/09/guine-6174-p23609-do-outro-lado-do.html

Luis Graça, "Armazens do Povo", este termo para Amílcar Cabral e para os dirigentes do PAIGC, não era para ser um mito, embora difícil para pôr em prática pelo menos dentro das fronteiras da Guiné, faziam aqueles dirigentes os "possíveis e impossíveis" para, pelo menos aparentemente aos olhos de cubanos e soviéticos, fazer parte de toda a organização da luta.

Amílcar Cabral, e os caboverdeanos que dirigiam o PAIGC precisavam dos cubanos e soviéticos para sobreviver, tanto contra Spínola, como contra Skou Touré e mesmo Senghor e a França.

Tanto durante a luta e principalmente após a luta, os dirigentes do PAIGC, faziam tudo para pôr em prática as ideias comunistas.

Pois além de ser um reconhecimento pela ajuda total de Fidel Castro e os soviéticos, em armas, universidades cubanas e soviéticas à disposição dos jovens guineenses, continuou uma guerra enorme, maior ainda do que aquela contra Spínola, que psicologicamente este teve enorme sucesso, uma guerra que se desenvolveu durante 28 anos no país irmão, Angola.

E a Guiné era um dos pontos de apoio para essa guerra.

Daí ter continuado sempre a funcionar, mesmo com Nino Vieira, já sem os Cabrais, os tais Armazéns do Povo, embora já menos disfarçadamente.

Uma coisa que não passava abertamente pelos armazens do povo era o vinho de palma, o vinho de cajú, artesanato, e aguardente de cana.

Teoricamente os Armazens do Povo era para levar a sério, pois os guineenses e caboverdeanos sabiam que eram como uma religião para cubanos e soviéticos as ideias socialistas, e a presença dessa gente em Bissau, era constante e muito premente, eram militares, médicos, conselheiros com uma carreira semanal aérea Rússia/Bissau.

E ainda havia a literatura comunista semi-gratuita traduzida para português e publicada pela Caminho do nosso PCP que demonstrava por a mais b que estavamos a dois passos do socialismo em toda a África.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aqui para nós: eu acho que o Amílcar Cabral, um homem superiormente inteligente e bem falante (mas que sacrificou tudo, milhares de vidas, a sua vida, a sua familia... por uma causa que era antes de mais a sua luta "pessoal", a sua "liderança", o seu "projeto"...) aldrabou bem os suecos com a história dos 2/3 de "áreas libertadas" e dos 400 mil guineenses libertados...

A Suécia levou 25 anos a perceber que estava a apostar no cavalo errado... Só é pena que os nossos amigos guineenses não tenham podido ou sabido tirar o melhor partido dessa "ajuda solidária"...


Antº Rosinha disse...

Há o ditado "quem precisa, precisa sempre, e quem dá não pode dar sempre".
Os suecos em 68/69 ainda confiavam na "lábia" dos estudantes do império, que estes sabiam-na toda.

Os suecos já tinham jogado muito dinheiro fora noutros paises.

Mas quando descobriram as colónias portuguesas, mais o charme dos nossos estudantes do império (Lúcio Lara, Amílcar Cabral e mais os moçambicanos), aí foi amor à primeira vista e amor incondicional.

Então o caso da Guiné Bissau, um país pequenino, maneirinho, coitadinho, próprio para levar às cavalitas, aí os suecos perderam completamente a cabeça.

Fecharam os olhos a tudo e abriram os cordões à bolsa.

Ao lado de cubanos e soviéticos nunca largaram este país após o 25 de Abril, para mais ajudando o sonhador Luís Cabral, tão sonhador como o irmão Amílcar.

E é mesmo de suspeitar se com tanta dedicação se não teriam tido conhecimento e fechado os olhos a algumas barbaridades tais como as valas comuns.

A responsabilidade da colonização da Guiné Bissau, foi dos portugueses, mas a responsabilidade da descolonização não foi dos ditos.

Aliás, os portugueses só foram responsáveis pela descolonização do Brasil.

Eles nem queriam a descolonização de África, naquela época.

O papel dos suecos e semelhantes, em África, foi ao fim europeu de 500 anos, o ramalhete em cima do bolo.

O caso da Guiné, é um caso paradigmático.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É falso que o PAIGC nõa podia "cobrar impostos"...

Havia os pagamentos em géneros... A população tinha que alimentar a guerrilha, sob a forma de uma tigela de arroz por dia...

Talvex aklguém queira falar mnais sobre isto...

Por outro lado, lembro-me de em Bmabadinca, no meu tempo (1969/71), a populção sobre controlo do PAIGC vir dos reguladoso do Enxcalé e do Cuor a Bambadinca (via Mato Cão e Nhabijões) para fazer compras no comércio local de Bambadicna e às "pontas" (redes mosquiteiras, tabaco, petróleo, tecidos, aguardente de cana...). O que quer dizer que os "armazéns do povo" eram uma treta nas "áreas libertadas" do Leste... Haveriam junto às fronteiras, onde o abastecimento era mais mais fácil e os estrangeiros (a começar pelos suecos) podiam lá ir, sem grande incómoo0d, tirar uams chapas para transquiçlizar o contribuinte...