terça-feira, 1 de agosto de 2023

Guiné 61/74 – P24526: In Memoriam (482): Honrando, com tristeza, o silêncio dos mortos. Visita ao cemitério da minha aldeia onde jazem antigos camaradas (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Honrando, com tristeza, o silêncio dos mortos

Visita ao cemitério da minha aldeia onde jazem antigos camaradas 

Foi no profundo silêncio dos mortos que no pretérito sábado, 29 de julho de 2023, entrei no cemitério da terra que me vira nascer, Aldeia Nova de São Bento, onde só o cantar de duas rolas escondidas algures no alto de um cipreste, mas que bem se faziam ouvir, que segui pela rua principal a caminho da campa onde, lá mais atrás, descansam os meus pais e que um dia para lá também partirei, parando pausadamente à frente de sepulturas, onde repousam os restos mortais de antigos amigos de infância e mais tarde camaradas da guerra Colonial, ou do Ultramar.

As fotografias expostas em cada campa, refletem rostos de jovens/meninos que um dia partiram para uma guerra que lhes fora cruel, sendo o seu regresso verdadeiramente hostil, pois partiram cheio de vida e regressaram cadáveres. Outros por lá também morreram, sendo que alguns desses camaradas terão sido sepultados nas frentes de combate, mas não se sabendo ainda hoje o paradeiro preciso dos seus restos mortais, tendo em linha de conta o crescimento constante da vegetação, ou de um outro nativo ainda conhecedor dos respetivos locais, mas que, entretanto, já terão partido do reino dos mortais. Houve, similarmente, camaradas que ficaram sepultados em cemitérios de pequenas aldeias, vilas ou cidades, mas que por lá se mantêm, se, entretanto, não lhes deram um desastroso fim.

Conheci campas em Nova Lamego, Gabu, Guiné, onde foram “depositados” os corpos, jovens soldados que padeceram numa guerra que não era deles, restando, nesses tempos, a nossa singela visita de homenagem a camaradas que faleceram em palcos de combate.

No meu 10º livro – ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO – MEMÓRIAS, ESTÓRIAS E GENTES – Edições Colibri, Lisboa, uma obra que deixo ao meu povo, cuidei em trazer a público os nomes dos mortos da minha terra que perderam as suas vidas nas três frentes de guerra: Angola, Moçambique e Guiné.

Aliás, sendo o tema doloroso é, por outro lado, uma homenagem, embora pesarosa, que deixo para a memória futura.

Mortos na guerra colonial originários da aldeia

Curvo-me perante a sensibilidade que me vai na alma, porque foi uma evidente e indesmentível realidade, que nos três palcos de guerra – Angola, Moçambique e Guiné – foram muitos os conterrâneos que pisaram o palco da peleja africana. Uma guerra que teve o seu começo em Angola, em 1961, e terminou com o 25 de Abril de 1974. Um acontecimento estigmatizado que, aliás, terá sido o mais marcante da sociedade portuguesa no Séc. XX e que atravessou várias gerações. Eu, tal como muitos amigos da aldeia, fui combatente na Guiné e conheci os horrores da guerra e o tempo de paz. Aliás, no meu livro, o nono, “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74”, fica explícito a dimensão de uma peleja que não deu tréguas.


Jovens, entre os 20 e os 23 anos, que conheceram a fúria das armas, o terror das emboscadas, os ataques noturnos aos quartéis, a raiva por um rebentar das minas, pessoais ou anticarro, ou outros momentos de infortúnio que tiraram a vida a rapazes em plena flor de idade, sendo que outros viverão eternamente o teor de uma peleja que, visivelmente, estava perdida.


Desse lote de “miúdos” que um dia partiram para um palco deveras adverso e que para eles lhes era de todo desconhecido, dado que não possuindo o mínimo de saberes sobre o fatídico conflito, “carne para canhão” como se alcunhavam os antigos combatentes, centralizo esta curta descrição naqueles moços, então nossos amigos e companheiros, alguns dos bancos da escola, que encontraram a morte na azarenta guerra do Colonial, ou do Ultramar: António Inácio Guerreiro, Bento Rebocho da Silva, Bento Valente Pica, Francisco Laneiro Rodrigues, João Pica Monteiro, Joaquim Soares dos Reis, José Francisco Vitória (A-do-Pinto), José Luís Evaristo, José Valente Morais e Luís Batista Gomes. 

A informação foi recolhida numa fonte fidedigna que menciona os mortos do concelho de Serpa e onde lá se encontram mencionados os falecidos da nossa aldeia na guerra colonial.

Desses tempos, já longínquos, fica uma moda que refere Angola e Moçambique, sendo a Guiné o palco de uma horripilante luta que evoluiu mais tarde.

Lá vai uma embarcação

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá vai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares fora,
Por aqueles que lá vão
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esses mares a fora
Lá vai uma embarcação.

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá vai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai mais uma embarcação
Por esses mares fora,
Por aqueles que lá vão
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora
Com mágoas no coração,
Por esses mares a fora
Lá vai uma embarcação

Observação: Cancioneiro alentejano.  

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, a guerra deixou o luto por toda a parte... Fizeste bem em lembrar os teus mortos.