Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 29 de março de 2024
Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2024:
Queridos amigos,
Traça-se aqui o quadro das tentativas (muitas delas fracassadas) de renovar a frota aérea, reconhecidamente antiquada e muito inadequada tanto àquele tipo de guerra como aos lugares; os autores descrevem as iniciativas de aquisição, logo os Boeing 707, procurou-se um substituto mais eficaz para o DO-27, muita conversa com as autoridades francesas, sem proveito; entretanto, adquiriram-se mais Alouette III e um ato de sabotagem da ARA na Base Aérea de Tancos redundou num desaire sem precedentes no fornecimento de aeronaves; os autores ilustram sempre a propósito os quadros das operações, os locais de implantação das FARP, as operações helitransportadas, etc. Há que reconhecer que o trabalho de Matthew Hurley e José Matos ficará como referência não só para os pergaminhos da Força Aérea na Guiné como para o conhecimento de como se lutou, no lado português, com que meios, com que corajosos pilotos, enfermeiras, isto para já não falar de forças especiais e naquela multiplicidade de serviços em que o DO marcou presença também com o tal correio que transportava afetos entre os dois continentes.
Um abraço do
Mário
O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18)
Mário Beja Santos
Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.
Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”
Continuando no quadro expositivo das mudanças operadas na Zona Aérea de 1968 a 1971, os autores recordam a importância dos números. Nesse período, e tendo em conta as três categorias de transporte (assalto, missões gerais e evacuação de feridos) o seu total foi de 22.899 das 40.639 surtidas, como vem nos relatórios. Não deixa de ser um número impressionante para uma força que muito lutava para manter uma frota de cerca de 400 aeronaves operacionais, embora algumas outras tenham chegado a Bissalanca e acabaram por aliviar a pressão constante. Spínola reclamava mais aeronaves desde outubro de 1968, momento em que apresentou um pedido de 8 Fiat adicionais, 4 T-6 e 6 DO-27, juntamente com dois tipos novos de pedidos: 6 helicópteros Sud Aviation SA330 ‘Puma’, e 3 transportes Noratlas (mais tarde 4), Spínola pôs particular ênfase nos helicópteros adicionais de modo a fazer-se uma exploração das áreas ocupadas pelos grupos inimigos, e igualmente apelou a uma frota que garantisse a disponibilidade de 12 Alouette III. A maioria dos seus pedidos foi satisfeita no final de 1970, com exceção dos helicópteros, recebeu 6 novos Alouette III no lugar dos ‘Pumas’, e 4 Fiat dos 8 solicitados. No total, estes reforços aumentaram o número de Fiat em Bissalanca para 10 e o número de Alouette III para 14.
A introdução de Noratlas veio proporcionar um impulso imediato à capacidade de transporte da Zona Aérea. Esta aeronave construída em França era “muito estável, robusta e, portanto, bem-comportada face às turbulências, como convém em África”, como observou o General Rui Tavares Monteiro, ex-Comandante da 1.ª Região Aérea. O Noratlas havia sido projetado para ambientes austeros, com treino de aterragem destinado a operações em campos difíceis e com fácil manuseamento da carga através das portas articuladas da abertura traseira. Também poderia transportar o dobro da carga, ou 50% de mais tropa do que os C-47 que já serviam na Guiné; e a sua entrada na vida operacional libertou os veneráveis Dakotas para bombardeamentos noturnos adicionais e missões de reconhecimento fotográfico.
Ocorreram também outras mudanças. As operações de ataque aumentaram temporariamente dada uma avaliação operacional dos bombardeiros médios B-26 Invader, adquiridos clandestinamente por Portugal em 1965. Duas destas aeronaves foram destacadas para a BA 12 entre março e junho de 1971, onde realizaram 55 bombardeamentos, missões de vigilância, reconhecimento e apoio à instrumentação, incluindo também a participação em, pelo menos, nove operações de ataque da Zona Aérea. Além disso, a partir de fevereiro de 1970, o P2V-5 Neptune regressou ao teatro da Guiné quando um dos bombardeiros da patrulha marítima foi destacado para a base de trânsito da Ilha do Sal. Mas a melhoria mais significativa resultou da compra de dois aviões Boeing 707 para transporte aéreo transoceânico. Até 1971, a Força Aérea contava com a sua frota envelhecida de DC-6 com motor a pistão, eram aeronaves propensas a falhas do motor e outros problemas de manutenção; mas os embargos de armas dos Estados Unidos e do Reino Unido tinham limitado as opções de substituição.
Em agosto de 1970, contudo, o presidente Richard Nixon relaxou as restrições que regiam a venda de artigos não letais de dupla utilização que são preponderantemente utilizados para uso civil para Portugal. Isto levou a negociações complicadas que permitiram a aquisição dos Boeing e os primeiros 707 chegaram a Portugal a 16 de outubro de 1971, posteriormente, em 14 de janeiro de 1972, deu-se uma segunda aquisição. A introdução do 707 melhorou imediatamente a capacidade de Lisboa para reforçar os teatros de guerra africanos, e a Guiné não foi exceção.
“Uma das duas aeronaves estava sempre em missão”, observou o historiador John Cann, e “a confiabilidade e flexibilidade do avião fizeram a diferença dramática no quadro logístico”. Apesar das novas aquisições, a maioria das aeronaves da Zona Aérea eram inadequadas para as missões atribuídas, de acordo com uma avaliação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em 1971. Incluíam os antiquados T-6, que não foram projetados nem destinados ao serviço de combate prolongado, e os DO-27, cuja capacidade de carga apenas podia satisfazer metade das necessidades do Comandante do Teatro de Operações. Ambos os tipos também foram considerados excessivamente vulneráveis e difíceis de manter.
Em abril de 1971, a Comissão Técnica da Força Aérea iniciou um estudo de opções de substituição; em última análise, era recomendado um único tipo de fuselagem para substituir ambas as aeronaves: o Reims FTB-337G “Milirôle”, um derivado francês do Cessna “Skymaster” então ao usado na Força Aérea dos Estados Unidos em serviços de observação e controlo aéreo avançado. A capacidade de carga do Milirôle e a acomodação de passageiros eram comparáveis ao DO-27, e as suas capacidades de descolagem e aterragem rápidas eram apenas ligeiramente inferiores ao DO-27. No entanto, o Milirôle ultrapassou tanto o T-6 como o DO-27 em alcance, altitude e resistência, tornando-se mais atrativo quanto a vigilância e a posto de comando. Para missões de ataque ligeiro, o Milirôle podia transportar mini-canhões de 7,62 mm, pequenas bombas ou foguetes de quatro suportes sob as asas e o seu dispêndio de utilização por hora era menos de metade do DO-27 ou T-6. Em 1972, a FAP identificou a necessidade de se pedirem 114 aeronaves, incluindo 24 para substituir os 11 DO-27 e 7 T-6 então atribuídos a Bissalanca.
Parecia haver um desfecho feliz nas negociações com a França, no entanto nenhuma das novas aeronaves foi entregue a Portugal enquanto durou a guerra na Guiné.
Apesar dos recentes reforços, a Zona Aérea carecia de helicópteros adicionais e, em dezembro de 1970, o ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo relatou um pedido para 36 Alouette III para a Guiné, mais do que o dobro do número então atribuído. As perspetivas de obter esse objetivo caíram muito, após um ato espetacular de sabotagem em Portugal metropolitano, em 8 de março de 1971. Ao amanhecer, membros da organização Ação Revolucionário Armada (braço armado do Partido Comunista Português) infiltrou-se na Base Aérea de Tancos. Quatro sabotadores, um deles recruta da Força Aérea na base, detonou 20 explosivos dentro de um único hangar de manutenção então em uso (o outro estava em obras). 14 das 28 aeronaves embaladas foram totalmente destruídas ou ficaram seriamente danificadas sem possibilidade de reparação, incluindo um novo helicóptero Puma e quatro Alouette III, enquanto cinco aeronaves leves de asa fixa foram destruídas e três danificados. A sabotagem afetou diretamente o reforço que estava destinado à Guiné e, mais tarde, foi caracterizada como a maior catástrofe singular da luta militar ao longo de 10 anos, na opinião de um alto funcionário sénior dos serviços secretos portugueses.
Implantação das FARP/Exército Popular em 1970, não contando com as milícias locais (Matthew M. Hurley baseado em relatórios oficiais)
Operações independentes de ataque, entre 1969 e 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Operações helitransportadas entre agosto de 1968 e dezembro de 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Entre agosto de 1968 e finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito 160 operações helitransportadas (Coleção Hélder Ferreira)
O DO-27 era a aeronave mais utilizada de 1966 a 1973, por ser versátil, era incumbida numa enorme variedade de missões, desde a evacuação de feridos, transporte de pessoas, Posto de Comando Volante e mesmo apoio de fogo (Coleção Virgílio Teixeira)
(continua)
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Notas do editor:
Vd. post de 22 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 25 de Março de 2024 > Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)
sexta-feira, 22 de março de 2024
Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Março de 2024:
Queridos amigos,
Os autores procedem a uma análise do desempenho da Força Aérea na Guiné, nomeadamente no período de 1968 a 1971, o sistema de defesa antiaérea do PAIGC estava praticamente fora de combate, Spínola gostava tanto das operações conjuntas e o papel dos helicópteros tornava-se crucial, designadamente para o transporte das tropas especiais e evacuação de feridos; por outro lado, Spínola e o comando da Zona Aérea adaptaram o sistema instituído ao tempo de Schulz para as zonas de intervenção exclusiva, os bombardeamentos continuaram. Era incontestável que a capacidade agressiva dependia do apoio aéreo, em praticamente todas as situações. É esse o relato que aqui se condensa, houvera escalada da guerra, mas a supremacia aérea estava do lado português.
Um abraço do
Mário
O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17)
Mário Beja Santos
Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.
Capítulo 4: “A pedra angular”
Nos dois textos mais recentes, procurou-se dar conta dos problemas postos pelas defesas antiaéreas ao serviço do PAIGC e dos receios fundados, por parte do General Spínola, de intrusões aéreas oriundas dos países vizinhos e hostis. No fundo, problemas vindos do passado e que pareciam ganhar um novo realce o recurso de armas mais sofisticadas por parte da guerrilha.
Vimos como desde 1965 se procurou aniquilar a capacidade de defesa antiaérea, neutralizavam-se armas de defesa e os seus operadores, a Zona Aérea reivindicava ter destruído mais de 50 canhões antiaéreos ou tê-los seriamente danificado. Quando parecia que se tinha reduzido a quantidade de fogo antiaéreo reacendiam-se incidentes e, por exemplo, foram reportados 110 em 1966, não desapareceram completamente, mas, por exemplo, foram reportados 9 em 1971, número que subiu para 23 no ano seguinte. Como igualmente se referiu, a Operação Pérola Azul (julho de 1970) foi demolidora, o PAIGC adotou a estratégia de abrigar o seu armamento antiaéreo para lá da fronteira da República da Guiné.
A desmotivação afetou o PAIGC, havia comprovadas deficiências nesta batalha da defesa aérea, apesar de continuar a renovar-se o armamento eficaz e haver o apoio de peritos estrangeiros. Em 1971, Amílcar Cabral não escondeu as suas críticas pela falta de coragem para disparar contra os aviões. Recorde-se que a Força Aérea na Guiné entre 1965 e 1972 perdeu apenas uma aeronave devido a fogo hostil. Em 28 de julho de 1968, o Comandante do GO 1201, o Tenente-coronel Francisco da Costa Gomes, voava num Fiat para fazer reconhecimento fotográfico a norte de Guileje. Ao tentar localizar e fotografar posições antiaéreas ao longo da fronteira, o Fiat foi atingido por fogo de uma arma de 12,7 mm, supostamente a partir de território da República da Guiné. Os projéteis atingiram o depósito de combustível, incendiando o motor e a cauda, o comandante foi forçado a ejetar-se. O seu avião caiu a cerca de 4 km da fronteira, perto do quartel português de Gandembel. Depois de escapar às patrulhas dos guerrilheiros e aos perigos de campos minados, Costa Gomes conseguiu chegar ao quartel aonde um soldado que estava no turno em vigilância questionou aquela figura abatida e desconhecida, num fato de voo sujo, e pareceu-lhe velho demais para ser piloto. Tudo acabou em bem, o Tenente-coronel Costa Gomes voltou a Bissalanca sem mais incidentes.
Importa salientar que todo o esforço para aniquilar ou neutralizar o sistema antiaéreo do PAIGC constituiu uma pequena fração na atividade global da Força Aérea na Guiné. Desde que Spínola assumiu o comando, em 20 de maio de 1968, até final de 1972, os aviadores portugueses realizaram cerca de 12.408 missões de ataque, apoio de fogo e reconhecimento armado na Guiné, das quais apenas 67 (cerca de meio por cento) foram especificamente vocacionados para operações de aniquilamento dos referidos sistemas de defesa antiaérea. No entanto, este número de surtidas desmente a importância da luta da defesa aérea para ambos os lados do conflito.
O PAIGC tinha apostado muito na capacidade de conquistar e manter “áreas libertadas”, mas a validade das suas reivindicações diminuía com cada aeronave da Força Aérea que sobrevoava as ditas áreas libertadas sem serem molestadas. Em termos de tentar pôr a respeito a luta armada, confiava-se cada vez mais no poder aéreo para justificar que qualquer força militar podia chegar a qualquer ponto do território. Tudo conjugado, em meados de 1970 e uma inequívoca supremacia aérea, que obrigou o PAIGC a procurar uma resposta que pusesse em causa tal supremacia.
Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”
“Tínhamos, por um lado, 40 mil militares no terreno, que suportavam múltiplas dificuldades, o isolamento, o desconforto, o perigo constante… Por outro lado, 50 ou 60 pilotos, um máximo de 70. Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra.” – General Lemos Ferreira, Comandante da BA 12, 1971-1974.
Enquanto a batalha pela supremacia aérea se intensificava, a guerra terrestre expandia-se, em abrangência e intensidade. Em 1968, o PAIGC reivindicava o controlo de dois terços do território da Guiné, citava mesmo a decisão de Spínola é abandonar uma série de guarnições isoladas, as operações também se iam tornando mais letais: embora o total do número de ataque contra as forças portuguesas tivesse diminuído quase um terço entre 1969 e 1970, causaram cerca de 45% mais vítimas.
De acordo com o General Venâncio Deslandes, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a eficácia de combate do PAIGC refletia quatro desenvolvimentos complementares: reforço material, tanto qualitativo como quantitativo; reforço de mão de obra, incluindo o uso de especialistas estrangeiros; reorganização militar que melhorou o controlo tático e a flexibilidade; avanço no sistema de informações, planeamento e de liderança tática.
Estas melhorias refletiam o esforço contínuo do PAIGC de transformar o seu braço armado numa “estrutura militar convencional”. Confrontados com a necessidade de contrariar um movimento militar e sociopolítico devido às iniciativas de Spínola, bem como a entrada no terreno cada vez mais de armas pesadas, o PAIGC “remodelou completamente a sua estrutura durante 1970-1971. Deixou de se falar em guerrilha, substituindo essas unidades por Forças Armadas Locais, uma designação para falar de forças regulares”. O Exército Popular foi também dividido em unidades distribuídos regionalmente, compostas por dois ou mais bi-grupos, com secções anexas, conforme as necessidades. A análise de Venâncio Deslandes resumia assim a situação: “Têm infantaria, artilharia e foguetes, ganharam maleabilidade para conduzir o esforço de guerra de acordo com a estratégia decidida ao mais alto nível.”
Segundo o serviço de informações, avaliava-se a força global do Exército Popular num pessoal de 4800 sediados na Guiné e 1200 nos países vizinhos, divididos em 73 bi-grupos de artilharia e dois grupos dos Comandos. Para contrariar este poder militar do PAIGC, Spínola, tal como Schulz, voltou-se cada vez mais para os recursos da Força Aérea. Em 1969, a Zona Aérea montou apenas uma operação de ataque pré-planeada (ver apêndice VI): este número cresceu para 22 no ano seguinte e 45 em 1971. Essas operações envolveram quase 3000 operações de ataque, na sua maioria realizadas por Fiat ou T-6, responsáveis por um terço de todas as missões de ataque e apoio aéreo registados de 1969 a 1971. Sem surpresa, os ataques aéreos pré-planeados centraram-se em áreas de maior atividade do PAIGC, tanto no Sul como nos setores ocidentais onde a guerrilha estava mais ativa. Muitas das outras surtidas e ataque de apoio de fogo tinham a ver com a guerra de helicópteros. De 1968 até finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito quase 160 operações com helicópteros, tanto no Este como no Sul, mobilizando milhares de soldados em mais de 3000 saltos. Praticamente todas estas operações foram apoiadas por aeronaves de asa fixa e rotativa que realizaram reconhecimento, bombardeamento preparatório, apoio de fogo, comando e controlo e evacuação de feridos. Em 1971, os ataques combinados ar-terrestres tinham assumido um papel fulcral na estratégia de Spínola, como observou um jornalista, dizendo que “os Alouettes raramente estavam parados, não se passa um dia sem que os meios aéreos estejam a funcionar.” Estas operações conjuntas representaram mais de 40 mil incursões durante os primeiros três anos e meio do comando de Spínola (julho de 1968 a dezembro de 1971 – ver anexo II), atingindo um pico total anual de 11320 em 1971. As aeronaves com mais tarefas, no inventário da Base Aérea 12 durante este período, foram o DO-27 e o Alouette III, indicativo dos vários tipos de missões e demonstrativo da centralidade da logística aérea tanto para o esforço de guerra como para os seus programas de apoio civil.
Atividade do sistema de defesa antiaérea do PAIGC entre 1968 e 1972 (Matthew M. Hurley, com base em documentos oficiais portugueses)
O Fiat n.º 5411 poucos dias antes de ter sido abatido perto da fronteira da República da Guiné (Coleção José Nico)
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 15 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)
sexta-feira, 15 de março de 2024
Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2024:
Queridos amigos,
Prossegue a narrativa alusiva ao esforço dos altos-comandos na Guiné para assegurar que o teatro de operações estivesse efetivamente protegido por eficazes sistemas de defesa antiaérea; sob o comando de Spínola e com o Coronel Diogo Neto no comando da Zona Aérea procuraram-se aeronaves mais potentes e até adequar os Fiat com melhores mísseis, como é sabido as negociações para adquirir aviões Mirage ainda decorriam em abril de 1974; a par de todas estas diligências, aqui se revelam as operações, mormente na Península do Quitafine, para aniquilar os sistemas antiaéreos do PAIGC, este recebe um novo canhão em 1970 e, entretanto, em sucessivas operações, vão sendo demolidos os sistemas defensivos, com a particularidade de renascerem como cogumelos.
Um abraço do
Mário
O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16)
Mário Beja Santos
Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.
Capítulo 4: “A pedra angular”
Procedeu-se no texto anterior a um histórico das intrusões no espaço aéreo guineense e as preocupações e medidas tomadas nomeadamente por Schulz e Spínola para proteger o aeroporto de Bissalanca e outros lugares críticos. Em 1970, Spínola apelou de um modo um tanto dramático para que houvesse aumento dos dispositivos antiaéreos, reconhecia-se a necessidade de um total de seis pelotões, que deviam ser distribuídos pelo Teatro de Operações. Nenhum reforço esteve disponível até, pelo menos, 1971, e o Comandante-chefe não escondeu a frustração de só dispor de um pelotão mal equipado. Para reforçar o sistema de defesa aéreo da Guiné, a FAP recomendou a aquisição de equipamentos portáteis, mísseis terra-ar guiados por infravermelho, os FIM-43 “Redeye”, de origem norte-americana. Este míssil estava ao serviço das forças norte-americanas desde 1967, tinham sido projetados para proteger as tropas da linha da frente de aeronaves táticas hostis, embora se tenham revelado apenas marginalmente eficazes contra jatos rápidos. Mas não se ignoravam as restrições de armas por parte dos Estados Unidos. O embargo norte-americano deu-se logo em 1964 com os F-86, demorou anos até chegar ao Fiat, em 1968, esta era uma aeronave de apoio tático, havia, portanto, que preencher a lacuna para dissuadir jatos de ataque.
Portugal tinha recebido 440 “Sidewinder” no início da década de 1960, especificamente para equipar os F-86. Em maio de 1969, Spínola concordou na necessidade de aumentar o armamento dos Fiat com Sidewinders, com a intenção de melhorar o seu potencial de combate. No entanto, os testes efetuados revelaram que o Fiat estava em clara desvantagem comparativamente ao desempenho de prováveis inimigos, nomeadamente o MiG-17. Durante os mesmos testes os mísseis Sidewinder revelaram-se ineficazes contra alvos a baixa e média altitude, o que fora provado nos combates ar-ar no Vietname. Em consequência, em abril de 1970, o chefe das operações da Força Aérea, Coronel António da Silva Cardoso, revelou-se contra novas tentativas para armar os Fiat com mísseis, o que gerou grande discussão na Força Aérea e no Ministério da Defesa. Em janeiro de 1970, a solução para colmatar as deficiências quanto ao combate aéreo na Guiné residia na aquisição de um novo caça. Na sua avaliação anual da situação, Spínola solicitou um mínimo de 16 aviões Mirage, projeto que exigia anos de negociações internacionais, formação de pilotos e melhorias de infraestruturas.
Mesmo um caça como o Mirage, reconhecia-se, seria inútil como intercetador sem aviso adequado de que havia um ataque. Embora dois radares de vigilância aérea AN/TPS-1D tivessem sido fornecidos a Bissalanca a partir de 1964, eles operavam com limitações e até paralisação. Eram reconhecidamente obsoletos e com problemas de manutenção, tudo agravado pelas dificuldades na obtenção de peças sobressalentes. Como resultado, um dos radares foi canibalizado para manter o outro em atividade. Dois conjuntos AN/TPS-1D foram posteriormente enviados para a Guiné, mas ambos acabaram inoperantes ou canibalizados. Além disso, mesmo em condições de bom funcionamento, o radar AN/TPS-1D dava apenas aviso entre quatro a sete minutos de um intruso a voar a 3 mil pés e 450 nós, a interceção chegaria tarde e a más horas. Esta era a situação em 1970, altura em que a Zona Aérea solicitou quatro conjuntos adicionais para implantar noutros lugares da província. A Zona Aérea procurava melhorar a proteção física das suas instalações. Em 18 de fevereiro de 1968, um grupo de guerrilha procurou ameaçar com um ataque aéreo Bissalanca; o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea ordenou que se fizesse um estudo urgente para proteger as aeronaves contra possíveis intrusões aéreas. Dispersar os meios de defesa antiaérea era virtualmente impossível devido ao número de superfícies de estacionamento disponíveis; reconhecida essa impossibilidade, foi recomendada a construção de abrigos e plataformas em Bissalanca, que seriam complementados pelos radares de vigilância que tinham sido solicitados, bem assim como os aviões de combate que o Governo de Lisboa estava a procurar negociar. Em abril de 1970, uma missão conjunta do Exército e da Força Aérea renovou essas exigências de um Centro de Alerta Aéreo e Centro de Operações Antiaéreas na Base Aérea N.º 12. Estas melhorias recomendadas implicavam despesas muito além do orçamento da Força Aérea. Apesar de todas estas recomendações e repetidos apelos, não se deu satisfação ao provimento de adequados sistemas de defesa aérea.
Com Spínola continuaram as operações para procurar destruir as defesas aéreas do PAIGC. Em setembro de 1969, um reconhecimento aéreo revelou uma nova ZPU-4 em Cassebeche, o que mostrava que a guerrilha procurava reconstituir as suas defesas aéreas na Península do Quitafine. Três formações de Fiat visitaram aquele lugar em três dias consecutivos, de 24 a 26 de setembro, daí resultou a destruição do sistema antiaéreo da quádrupla. Mas o PAIGC continuou a comprometer os seus meios de defesa aérea em Cassebeche, e em 20 de janeiro de 1970, uma formação de Fiat relatou ter tornado ineficaz uma ZPU-4 e incendiado uma DShK. Seguiu-se a Operação Cravo Azul, lançada imediatamente, quatro Fiat partiram de Bissalanca com carga máxima e destruíram a ZPU-4 e duas DShK. O reconhecimento pós-ataque revelou que não havia sinais de atividade da guerrilha em Cassebeche. A tripulação portuguesa anunciou a Operação Cravo Azul como uma conclusão bem-sucedida dos 27 meses da “Batalha do Quitafine”.
Apesar de todo este otimismo, os pilotos dos Fiat relataram nove incidentes subsequentes com disparos de sistemas antiaéreos até ao final de 1970, incluindo sete na região do Quitafine ou ao longo da fronteira próxima com a República da Guiné. Além disso, houve o fogo das armas contra aeronaves leves e helicópteros, pelo menos em quatro ocasiões. Neste ano surgiu um novo tormento para os aviadores portugueses, o PAIGC começava a utilizar uma outra arma antiaérea, o canhão M1939 de 37 mm, também de fabrico soviético, duplamente mais potente que as armas anteriores. A sua presença foi revelada pela primeira vez em 12 de maio por pilotos de Fiat que patrulhavam a fronteira sudeste, observaram detonações antiaéreas enquanto voavam a uma altitude supostamente segura. Uma subsequente operação de reconhecimento confirmou a presença de quatro canhões antiaéreos de 37 mm, duas ZPU-4 e quatro antiaéreas DShK, nas proximidades de Guileje, armamento que presumivelmente utilizava a base transfronteiriça do PAIGC em Kandiafara.
Procedeu-se ao planeamento operacional, a Diamante Azul, que ocorreu em 13 de maio; duas vagas de quatro Fiat atingiram as armas montadas com 600 quilos de bombas específicas, na primeira vaga, e cargas de profundidade de 750 libras convertidas em bombas de demolição, na segunda vaga. Num reconhecimento posterior, revelou-se que as armas do PAIGC, ou o que delas restava, tinham regressado a Kandiafara. Em finais de junho de 1970, um Fiat identificou canhões antiaéreos de 37 mm em Sare Morso, junto da fronteira com a República da Guiné, a 14 km a nordeste de Guileje, o que levou à Operação Pérola Azul. 24 missões de Fiat atingiram o local na primeira semana de julho, com aparente sucesso, já que não houve mais avistamentos de armas antiaéreas de 37 mm ou da atividade do PAIGC até maio de 1972.
As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico testaram os mísseis Sidewiner em Fiat, mas a combinação provou-se ineficaz (imagem das OGMA)
Soldado norte-americano manipulando um Redeye durante um exercício em 1963. O Governo português procurou desesperadamente obter este sistema, a despeito do embargo norte-americano (Arquivos Nacionais dos EUA)
Operações contra os sistemas de defesa antiaérea do PAIGC entre setembro de 1968 e julho de 1970 (Matthew M. Hurley)
(continua)
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Notas do editor:
Post anterior de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 11 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25263: Notas de leitura (1675): Capitães/MFA – A conspiração na Guiné (Mário Beja Santos)
sexta-feira, 8 de março de 2024
Guiné 61/74 - P25249: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte X: as directivas do último trimestre de 1973
1. Em 25 de Agosto de 1973 foi nomeado para os cargos de Cmdt-Chefe das Forças Armadas da Guiné e de Governador da Guiné, o general José Manuel Bettencourt (ou Bethencourt) Conceição Rodrigues (1918-2011), oriundo da arma de infantaria, em substituição do general António Sebastião Ribeiro de Spínola (1910-1992), oriundo da arma de cavalariam que terminou a sua comissão de serviço nesse data. (Já estava, de resto, de licença de férias no Continente desde o dia 6 de agosto.).
Transcreve-se a "Execução":
"a. Com vista ao cumprimento desta missão impõe-se:
(1) preparar as Unidades, a todos os níveis de Comando, para, face às possibilidades lN esboçadas, conseguir uma "diminuição de vulnerabilidades";
(2) estudar e adoptar, a todos os níveis de Comando, as medidas mais adequadas e velar exaustivamente pelo seu rigoroso cumprimento;
(3) responsabilizar todos os escalões de comando pelo estabelecimento de medidas convenientes, pela orientação das Unidades e pela fiscalização da execução, com vigor e com rigor;
(4) não aceitar desculpas como o calor, o cansaço do pessoal, o tempo de comissão, o desembaraço criado pela veterania e a incomodidade do esforço físico porque está em causa "a troca de sangue por suor".
b. Os Comandos do TO, a todos os níveis, adoptam todas as medidas convenientes, de entre as quais se indicam aquelas cuja adopção se considera imprescindível:
(1) Manter abertos os itinerários da respectiva ZA que permitam a ligação a Unidades vizinhas e, através dos quais, se possam executar reabastecimentos normais e de emergência e deslocamentos de forças para apoio mútuo e reforço de localidades ameaçadas.
Com esta finalidade, toma-se necessário:
- a desmatação de itinerários de molde a dificultar a montagem de emboscadas lN;
- a realização de patrulhamentos frequentes para impedir a implantação de minas e para detectar e neutralizar as existentes;
- a montagem de emboscadas e de minas e armadilhas nos trilhos de acesso às vias de comunicação e nos locais mais propícios a emboscadas lN.
(2) Treinar as tropas na reacção a emboscadas lN.
(3) Assegurar a defesa e segurança das pistas e heliportos de molde a mantê-las em permanente estado de utilização.
(4) Executar acções dinâmicas que criem insegurança e intranquilidade ao lN.
(5) Eliminar todas as rotinas que possam dar vantagens ao lN.
(6) Verificar a instrução de tiro do pessoal (1 cartucho por homem serve para detectar maus atiradores) e treinar os menos aptos.
(7) Mentalizar permanentemente o pessoal quanto à necessidade de disciplina de fogo. O consumo exagerado de munições denuncia nervosismo, baixo moral e deficiente nível de instrução e pode colocar as tropas perante a necessidade dum reabastecimento urgente, nem sempre possível.
(8) Estudar e ensaiar medidas de reacção dinâmica que devem ser procuradas com o maior interesse e executadas com a máxima agressividade.
(9) Aperfeiçoar todos os procedimentos para pedidos de apoio, de molde a que estes possam ser feitos de maneira eficiente e em tempo útil. Salientam-se os referentes a apoio de fogos da Força Aérea e de Artilharia e aos transportes de evacuação (TEV).
(10) Rever os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, de forma a aperfeiçoar os dispositivos de defesa imediata, bem como os sistemas de apoio mútuo, quer pelo fogo quer pela
manobra.
(11) Melhorar a organização do terreno quer em abrigos, quer em trincheiras ou locais de combate, para fazer face à hipótese de tentativas de abordagem e assalto.
(12) Assegurar a defesa afastada dos aquartelamentos e localidades por meio de:
- patrulhamentos e emboscadas frequentes nas possíveis bases de fogo lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
- implantação de minas e armadilhas nas bases de fogos lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
- elaboração de planos de fogos perfeitamente adaptados às realidades.
(13) Treinar os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, pela execução de frequentes "exercícios de alarme", de dia e de noite, promovendo imediatamente as necessárias correcções.
(14) Proteger as populações.
(15) Intensificar o serviço de informações e o rigor de medidas de contra- informação.
(16) Assegurar uma efectiva e eficiente acção de comando, em todas as situações de modo que a tropa se encontre sempre convenientemente enquadrada.
(17) Dispor de uma reserva pronta a sair com prévio alerta, com vista a actuar contra grupo lN detectado ou a socorrer uma Unidade vizinha. [... ]"
Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
"1. SITUAÇÃO
a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).
b. Aquelas alterações traduzem-se por:
(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força Aérea.
(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.
(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.
"2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS
São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:
a. DCON [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]
b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] ("T-6" - armado). [...]
c. ATAP [ Ataque de Apoio] ("T-6" - armado). [ ]
d. ATAP [ Ataque de Apoio] ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]
e. ATIR [Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]
f. RVIS [Reconhecimento Visual ] ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].
"3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL
São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:
a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés. [1 pé=30,48 centímetros. ]
b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).
c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.
d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.
e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.
f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:
(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.
(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).
g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].
h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].
"4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES
a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").
(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.
(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]
b. TGER [Transportes Gerais ] ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.
(1) "DO-27"
(a) As disponibilidades de carga a transportar são:
- Descolagem de Bissau 300 Kg
- Descolagem de outras pistas 200 Kg
(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]
(i) O pedido de uma acção TEVS [ Transporte de Evacuação Sanitária] é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].
(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.
c. PCV [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")
Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.
d. Ataque ao solo (Anexo C) [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].
(1) "FIAT G-91". [... ]
e. TMAN [Transporte de Manobra] (Helicóptero "AL-III")
(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.
(2) O número de vagas deve ser o menor possível.
(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.
(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.
(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.
f. RFOT [Reconhecimento Fotográfico ]
(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.
(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.
g. AESC [ Ataque em Escolta ] (Helicóptero "AL-III")
(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.
(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.
h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]
O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT [Comando Operacional Aero Terrestre ] e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.
i. DLIG [Missão Diversa de Ligação]
Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.
"5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO
a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.
b. (1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde).
(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:
- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.
- Qual o armamento utilizado pelo lN.
- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.
- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.
"6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné] NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO
a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.
b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.
c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.
d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.
e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.
f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"
A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.
- as instalações da SACOR;
- a Central Elevatória da Mãe de Água;
- o Centro Emissor de Brá; e
- a Central Eléctrica (Av. Brasil).
A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.
Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.
c. Reforços e cedências
(1) Reforços
a. Conceito da Manobra
Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.
b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
- Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
- Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
- Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"
[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:
- T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
- Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
- DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
- Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
- C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
- Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)
Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise.
6 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)
Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...). Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.
O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...)
[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]