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sexta-feira, 15 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Prossegue a narrativa alusiva ao esforço dos altos-comandos na Guiné para assegurar que o teatro de operações estivesse efetivamente protegido por eficazes sistemas de defesa antiaérea; sob o comando de Spínola e com o Coronel Diogo Neto no comando da Zona Aérea procuraram-se aeronaves mais potentes e até adequar os Fiat com melhores mísseis, como é sabido as negociações para adquirir aviões Mirage ainda decorriam em abril de 1974; a par de todas estas diligências, aqui se revelam as operações, mormente na Península do Quitafine, para aniquilar os sistemas antiaéreos do PAIGC, este recebe um novo canhão em 1970 e, entretanto, em sucessivas operações, vão sendo demolidos os sistemas defensivos, com a particularidade de renascerem como cogumelos.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.



Capítulo 4: “A pedra angular”

Procedeu-se no texto anterior a um histórico das intrusões no espaço aéreo guineense e as preocupações e medidas tomadas nomeadamente por Schulz e Spínola para proteger o aeroporto de Bissalanca e outros lugares críticos. Em 1970, Spínola apelou de um modo um tanto dramático para que houvesse aumento dos dispositivos antiaéreos, reconhecia-se a necessidade de um total de seis pelotões, que deviam ser distribuídos pelo Teatro de Operações. Nenhum reforço esteve disponível até, pelo menos, 1971, e o Comandante-chefe não escondeu a frustração de só dispor de um pelotão mal equipado. Para reforçar o sistema de defesa aéreo da Guiné, a FAP recomendou a aquisição de equipamentos portáteis, mísseis terra-ar guiados por infravermelho, os FIM-43 “Redeye”, de origem norte-americana. Este míssil estava ao serviço das forças norte-americanas desde 1967, tinham sido projetados para proteger as tropas da linha da frente de aeronaves táticas hostis, embora se tenham revelado apenas marginalmente eficazes contra jatos rápidos. Mas não se ignoravam as restrições de armas por parte dos Estados Unidos. O embargo norte-americano deu-se logo em 1964 com os F-86, demorou anos até chegar ao Fiat, em 1968, esta era uma aeronave de apoio tático, havia, portanto, que preencher a lacuna para dissuadir jatos de ataque.

Portugal tinha recebido 440 “Sidewinder” no início da década de 1960, especificamente para equipar os F-86. Em maio de 1969, Spínola concordou na necessidade de aumentar o armamento dos Fiat com Sidewinders, com a intenção de melhorar o seu potencial de combate. No entanto, os testes efetuados revelaram que o Fiat estava em clara desvantagem comparativamente ao desempenho de prováveis inimigos, nomeadamente o MiG-17. Durante os mesmos testes os mísseis Sidewinder revelaram-se ineficazes contra alvos a baixa e média altitude, o que fora provado nos combates ar-ar no Vietname. Em consequência, em abril de 1970, o chefe das operações da Força Aérea, Coronel António da Silva Cardoso, revelou-se contra novas tentativas para armar os Fiat com mísseis, o que gerou grande discussão na Força Aérea e no Ministério da Defesa. Em janeiro de 1970, a solução para colmatar as deficiências quanto ao combate aéreo na Guiné residia na aquisição de um novo caça. Na sua avaliação anual da situação, Spínola solicitou um mínimo de 16 aviões Mirage, projeto que exigia anos de negociações internacionais, formação de pilotos e melhorias de infraestruturas.

Mesmo um caça como o Mirage, reconhecia-se, seria inútil como intercetador sem aviso adequado de que havia um ataque. Embora dois radares de vigilância aérea AN/TPS-1D tivessem sido fornecidos a Bissalanca a partir de 1964, eles operavam com limitações e até paralisação. Eram reconhecidamente obsoletos e com problemas de manutenção, tudo agravado pelas dificuldades na obtenção de peças sobressalentes. Como resultado, um dos radares foi canibalizado para manter o outro em atividade. Dois conjuntos AN/TPS-1D foram posteriormente enviados para a Guiné, mas ambos acabaram inoperantes ou canibalizados. Além disso, mesmo em condições de bom funcionamento, o radar AN/TPS-1D dava apenas aviso entre quatro a sete minutos de um intruso a voar a 3 mil pés e 450 nós, a interceção chegaria tarde e a más horas. Esta era a situação em 1970, altura em que a Zona Aérea solicitou quatro conjuntos adicionais para implantar noutros lugares da província. A Zona Aérea procurava melhorar a proteção física das suas instalações. Em 18 de fevereiro de 1968, um grupo de guerrilha procurou ameaçar com um ataque aéreo Bissalanca; o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea ordenou que se fizesse um estudo urgente para proteger as aeronaves contra possíveis intrusões aéreas. Dispersar os meios de defesa antiaérea era virtualmente impossível devido ao número de superfícies de estacionamento disponíveis; reconhecida essa impossibilidade, foi recomendada a construção de abrigos e plataformas em Bissalanca, que seriam complementados pelos radares de vigilância que tinham sido solicitados, bem assim como os aviões de combate que o Governo de Lisboa estava a procurar negociar. Em abril de 1970, uma missão conjunta do Exército e da Força Aérea renovou essas exigências de um Centro de Alerta Aéreo e Centro de Operações Antiaéreas na Base Aérea N.º 12. Estas melhorias recomendadas implicavam despesas muito além do orçamento da Força Aérea. Apesar de todas estas recomendações e repetidos apelos, não se deu satisfação ao provimento de adequados sistemas de defesa aérea.

Com Spínola continuaram as operações para procurar destruir as defesas aéreas do PAIGC. Em setembro de 1969, um reconhecimento aéreo revelou uma nova ZPU-4 em Cassebeche, o que mostrava que a guerrilha procurava reconstituir as suas defesas aéreas na Península do Quitafine. Três formações de Fiat visitaram aquele lugar em três dias consecutivos, de 24 a 26 de setembro, daí resultou a destruição do sistema antiaéreo da quádrupla. Mas o PAIGC continuou a comprometer os seus meios de defesa aérea em Cassebeche, e em 20 de janeiro de 1970, uma formação de Fiat relatou ter tornado ineficaz uma ZPU-4 e incendiado uma DShK. Seguiu-se a Operação Cravo Azul, lançada imediatamente, quatro Fiat partiram de Bissalanca com carga máxima e destruíram a ZPU-4 e duas DShK. O reconhecimento pós-ataque revelou que não havia sinais de atividade da guerrilha em Cassebeche. A tripulação portuguesa anunciou a Operação Cravo Azul como uma conclusão bem-sucedida dos 27 meses da “Batalha do Quitafine”.

Apesar de todo este otimismo, os pilotos dos Fiat relataram nove incidentes subsequentes com disparos de sistemas antiaéreos até ao final de 1970, incluindo sete na região do Quitafine ou ao longo da fronteira próxima com a República da Guiné. Além disso, houve o fogo das armas contra aeronaves leves e helicópteros, pelo menos em quatro ocasiões. Neste ano surgiu um novo tormento para os aviadores portugueses, o PAIGC começava a utilizar uma outra arma antiaérea, o canhão M1939 de 37 mm, também de fabrico soviético, duplamente mais potente que as armas anteriores. A sua presença foi revelada pela primeira vez em 12 de maio por pilotos de Fiat que patrulhavam a fronteira sudeste, observaram detonações antiaéreas enquanto voavam a uma altitude supostamente segura. Uma subsequente operação de reconhecimento confirmou a presença de quatro canhões antiaéreos de 37 mm, duas ZPU-4 e quatro antiaéreas DShK, nas proximidades de Guileje, armamento que presumivelmente utilizava a base transfronteiriça do PAIGC em Kandiafara.

Procedeu-se ao planeamento operacional, a Diamante Azul, que ocorreu em 13 de maio; duas vagas de quatro Fiat atingiram as armas montadas com 600 quilos de bombas específicas, na primeira vaga, e cargas de profundidade de 750 libras convertidas em bombas de demolição, na segunda vaga. Num reconhecimento posterior, revelou-se que as armas do PAIGC, ou o que delas restava, tinham regressado a Kandiafara. Em finais de junho de 1970, um Fiat identificou canhões antiaéreos de 37 mm em Sare Morso, junto da fronteira com a República da Guiné, a 14 km a nordeste de Guileje, o que levou à Operação Pérola Azul. 24 missões de Fiat atingiram o local na primeira semana de julho, com aparente sucesso, já que não houve mais avistamentos de armas antiaéreas de 37 mm ou da atividade do PAIGC até maio de 1972.

As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico testaram os mísseis Sidewiner em Fiat, mas a combinação provou-se ineficaz (imagem das OGMA)
Soldado norte-americano manipulando um Redeye durante um exercício em 1963. O Governo português procurou desesperadamente obter este sistema, a despeito do embargo norte-americano (Arquivos Nacionais dos EUA)
Operações contra os sistemas de defesa antiaérea do PAIGC entre setembro de 1968 e julho de 1970 (Matthew M. Hurley)
Um canhão M1939 de 37 mm usado pelo PAIGC no Sul da Guiné (Casa Comum/Fundação Mário Soares)
Relatório da atividade da defesa aérea entre 1965 e 1972 (Matthey M. Hurley baseado em documentação militar do tempo)

(continua)
____________

Notas do editor:

Post anterior de 9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25263: Notas de leitura (1675): Capitães/MFA – A conspiração na Guiné (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25249: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte X: as directivas do último trimestre de 1973


Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea 12 > s/d. 


1. Em 25 de Agosto de 1973 foi nomeado para os cargos de Cmdt-Chefe das Forças Armadas da Guiné  e de Governador da Guiné, o general José Manuel Bettencourt (ou Bethencourt) Conceição Rodrigues (1918-2011), oriundo da arma de infantaria,  em substituição do general António Sebastião Ribeiro de Spínola (1910-1992), oriundo da arma de cavalariam que terminou a sua  comissão de serviço  nesse data. (Já estava, de resto, de licença de férias no Continente desde o dia 6 de agosto.).


O gen Bettencourt Rodrigues chegou ao CTIG numa altura em que já era pública e notória a degradação da situação político-militar, e o cansaço de ambos os lados (as NT e o PAIGC), ao fim de 10 anos de guerra de guerrilha e contra-guerrilha (a evoluir cada vez mais para uma guerra com meios convencionais). 

Chegou, podemos dizê-lo,  na 23ª hora, já praticamente no último trimeste do ano de 1973, considerado pelos historiados como o "annus horribilis" de Marcelo Caetano(*)

Aceitou, por dever de obediência militar mas também "por amizade" (e,  em última análise,  "alinhamento político) o presente envenenado que o Marcelo lhe ofereceu... Um dos nomes indigitados, o general da FAP, Diogo Neto, terá recusado, por não querer acumular a função de com-chefe com a de governador-geral (por sugestão,aliás,  do próprio gen Costa Gmes, então CEMGFA). 

Bettencourt Rodrigues, madeirense de ascendência, tinha sido ministro do Exército (1968-1970), e chegava de Angola, "coberto de honra e glória", onde fora comandante da Zona Militar Leste (1971-1973).

Com uma brilhante folha de serviço, e talvez o melhor general disponível no ativo para substituir o carismático gen Spínola (dois h0mens de escolas e  estilos de comando muito diferentes), Bettencourt Rodrigues aceitou os riscos da estratégia do governo de Marcelo Caetano que era, em última análise, resistir até à exaustão de meios e deixar cair a Guiné se tal fosse preciso, mas nunca negociar com o inimigo (o PAIGC)... 

Será exonerado do cargo na sequência do golpe de de estado do Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril de 1974. 

Em tempo recorde, nos  últimos três meses do ano de 1973,  o novo Com-Chefe publicou três Directivas (o seu antecessor só no ano de 1971 tinha publicado 26; e em 1972, 24; e mais 26 at
até 21 d setembro) em 21 de outubro, 30 de novembro e 17 de dezembro de 1973. (O seu antecessor só no ano de 1971 tinha publicado 26; e em 1972, 24; e mais 26 até 21 de setembro: já agora acrescente-se que, segundo a CECA, o foi possível encontrar as Directivas do Comandante-Chefe das FAG relativas a 1974, mas mas no Arquivo Histórico-Militar há compilações  das decisões do Cmdt-Chefe. ) 

A primeira, a 21 de outubro de 1973, será a "Directiva para a diminuição das vulnerabilidades". Não tem número.

Reproduz-se aqui o excerto publicado da CECA (2015, pp. 286-288). Numa primeira leitura, fica-se com a ideia que esta diretiva é ditada pelos ensinamentos colhidos dos acontecimentos mais recentes, ocorridos no 1º semestre  de 1973, e em especial a chamada "batalha dos 3 G" (Guidaje, Guileje e Gadamael); por outro lado, identificam-se algumas das "vulnerabilidades" mais conhecidas das NT no TO da Guiné, como o deficiente treino e preparação, a indisciplina de fogo, o laxismo, a rotina, o cansaço, etc.  Não se faz referência ao facto de uma das vuknerabilidades maiores das nossos guarniões era serem fronteiriças (Canquelifá, Buruntuma, Copá, Gadamael, etc.), expostas ao bel prazer da artilharia do IN e dos países vizinhos que o apoiavam (como irá acontecer logo no início da época seca, de 1973/74).


Capa e contracapa da  2ª edição do livro do António Martins de Matos [ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74; ten gen pilav ref António Martins de Matos, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2008, com mais de uma centena de referências no nosso blogue; autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas" (2ª edição, Lisboa: O Sítio do Livro, 2020,  456 pp. ;  a 1ªedição é de 2018, Lisboa,BooksFactory 375 pp.) ]


(i) Directiva do Com-Chefe,  de 21 de outubro de 1973 > Determina às Forças Armadas da Guiné que adoptem medidas tendentes à diminuição dos efeitos causados pela acção do lN sobre as nossas forças.

Transcreve-se a "Execução":

"a. Com vista ao cumprimento desta missão impõe-se:

(1) preparar as Unidades, a todos os níveis de Comando, para, face às possibilidades lN esboçadas, conseguir uma "diminuição de vulnerabilidades";

(2) estudar e adoptar, a todos os níveis de Comando, as medidas mais adequadas e velar exaustivamente pelo seu rigoroso cumprimento;

(3) responsabilizar todos os escalões de comando pelo estabelecimento de medidas convenientes, pela orientação das Unidades e pela fiscalização da execução, com vigor e com rigor;

(4) não aceitar desculpas como o calor, o cansaço do pessoal, o tempo de comissão, o desembaraço criado pela veterania e a incomodidade do esforço físico porque está em causa "a troca de sangue por suor".

b. Os Comandos do TO, a todos os níveis, adoptam todas as medidas convenientes, de entre as quais se indicam aquelas cuja adopção se considera imprescindível:

(1) Manter abertos os itinerários da respectiva ZA que permitam a ligação a Unidades vizinhas e, através dos quais, se possam executar reabastecimentos normais e de emergência e deslocamentos de forças para apoio mútuo e reforço de localidades ameaçadas.

Com esta finalidade, toma-se necessário:

  • a desmatação de itinerários de molde a dificultar a montagem de emboscadas lN;
  • a realização de patrulhamentos frequentes para impedir a implantação de minas e para detectar e neutralizar as existentes;
  • a montagem de emboscadas e de minas e armadilhas nos trilhos de acesso às vias de comunicação e nos locais mais propícios a emboscadas lN.

(2) Treinar as tropas na reacção a emboscadas lN.

(3) Assegurar a defesa e segurança das pistas e heliportos de molde a mantê-las em permanente estado de utilização.

(4) Executar acções dinâmicas que criem insegurança e intranquilidade ao lN.

(5) Eliminar todas as rotinas que possam dar vantagens ao lN.

(6) Verificar a instrução de tiro do pessoal (1 cartucho por homem serve para detectar maus atiradores) e treinar os menos aptos.

(7) Mentalizar permanentemente o pessoal quanto à necessidade de disciplina de fogo. O consumo exagerado de munições denuncia nervosismo, baixo moral e deficiente nível de instrução e pode colocar as tropas perante a necessidade dum reabastecimento urgente, nem sempre possível.

(8) Estudar e ensaiar medidas de reacção dinâmica que devem ser procuradas com o maior interesse e executadas com a máxima agressividade.

(9) Aperfeiçoar todos os procedimentos para pedidos de apoio, de molde a que estes possam ser feitos de maneira eficiente e em tempo útil. Salientam-se os referentes a apoio de fogos da Força Aérea e de Artilharia e aos transportes de evacuação (TEV).

(10) Rever os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, de forma a aperfeiçoar os dispositivos de defesa imediata, bem como os sistemas de apoio mútuo, quer pelo fogo quer pela
manobra.

(11) Melhorar a organização do terreno quer em abrigos, quer em trincheiras ou locais de combate, para fazer face à hipótese de tentativas de abordagem e assalto.

(12) Assegurar a defesa afastada dos aquartelamentos e localidades por meio de: 
  • patrulhamentos e emboscadas frequentes nas possíveis bases de fogo lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
  • implantação de minas e armadilhas nas bases de fogos lN e nos itinerários que a elas dão acesso;
  • elaboração de planos de fogos perfeitamente adaptados às realidades.

(13) Treinar os "planos de defesa" de aquartelamentos e localidades, pela execução de frequentes "exercícios de alarme", de dia e de noite, promovendo imediatamente as necessárias correcções.

(14) Proteger as populações.

(15) Intensificar o serviço de informações e o rigor de medidas de contra- informação.

(16) Assegurar uma efectiva e eficiente acção de comando, em todas as situações de modo que a tropa se encontre sempre convenientemente enquadrada.

(17) Dispor de uma reserva pronta a sair com prévio alerta, com vista a actuar contra  grupo lN detectado ou a socorrer uma Unidade vizinha. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 286-288. (Com a devida vénia...)

(ii) A segunda directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues é a Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número. 

No essencial, é decalcada da Directiva nº 20/73 de 29Mai73, do anterior Com-Chefe, gen António Spínola: Directiva nº  20/73 de 29Mai73 - Condições em que é executado o apoio aéreo as FA do TO face à evolução da situação.

(...) A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar, impôs profundas alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das forças de superfície (F.S.). Aquelas alterações traduzem-se por: 

(1) Cancelamento de acções operacionais da Força Aérea; 

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específicos, para cada tipo de aeronaves; 

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das F.S. (...)

Reproduz-se a seguir o excerto publicado da CECA (2015, pp. 288-292).  

Reveja-se depois o estudo do investigador independente José Matos (e membro da nossa Tabanca Grande), suportado por dados empíricos, sobre o  impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (*)

Neste estudo José Matos refere "que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio." (...)



Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis). Os T 6G desempenharam o seu  importante papel ao longo da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora). 

O míssil terra-ar Strela, se não lhe ditou a morte, afectou a sua exploração operacional pela FAP. Como diz José Matos,  "o  efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise" (, ou seja, 1973).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


"1. SITUAÇÃO

a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar  [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).

b. Aquelas alterações traduzem-se por:

(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força  Aérea.

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.


"2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS

São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:

a. DCON  [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]

b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]    ("T-6" - armado). [...]

c. ATAP [ Ataque de Apoio]   ("T-6" - armado). [ ]

d. ATAP  [ Ataque de Apoio]  ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]

e. ATIR  
[Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID  [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]

f. RVIS [Reconhecimento Visual ]  ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].

"3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL

São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:

a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés.  
[1 pé=30,48 centímetros. ]

b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).

c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.

d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.

e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.

f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:

(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.

(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).

g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A 
[omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

"4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES

a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").

(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.

(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]

b. TGER  
 [Transportes Gerais ]    ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.

(1) "DO-27"

(a) As disponibilidades de carga a transportar são:

  • Descolagem de Bissau 300 Kg
  • Descolagem de outras pistas 200 Kg

(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]

(i) O pedido de uma acção TEVS 
 [ Transporte de Evacuação Sanitária]  é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.

c. PCV 
 [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")

Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.

d. Ataque ao solo (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(1) "FIAT G-91". [... ]

e. TMAN  
 [Transporte de Manobra]  (Helicóptero "AL-III")

(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.

(2) O número de vagas deve ser o menor possível.

(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.

(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.

(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.

f. RFOT 
[Reconhecimento Fotográfico ] 

(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.

(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.

g. AESC  
Ataque em Escolta ]   (Helicóptero "AL-III")

(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.

(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.

h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] 

O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT   
[Comando Operacional Aero Terrestre  ]   e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.

i. DLIG   [Missão Diversa de Ligação]

Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.


"5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO

a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.

b.  
(1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde). 

Há que ter em atenção as distâncias de segurança adequadas (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ]O ATAP pode, em casos específicos, ser executado por dois helicópteros armados que, além do ataque ao solo, também se apoiam mutuamente. A sua presença na zona é por períodos curtos. Quando conveniente, podem ser lançadas do helicóptero granadas de fumo para sinalização de objectivos a atacar por aviões "FIAT" (em alerta).

(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:

- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.

- Qual o armamento utilizado pelo lN.

- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.

- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.

"6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG 
 [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné]  NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO

a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.

b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.

c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.

d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.

e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.

f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 288-292 (Com a devida vénia...)


(iii) A terceira (e última, no ano de 1973) directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues, é a "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

É também um sinal dos tempos.  Bissau está ao alcance dos foguetões (ou "foguetes") 122 mm e vulnerável a eventuais acções de sabotagem e terrorismo urbano (como virá acontecer, já em 1974, com o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau, em 26 de fevereiro,  que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG, em 22 de fevereiro, onde parte do edifício principal foi destruída, numa acão reivindicada pelas (ou atribuída às) Brigadas Revolucionárias. O perímetro da base aérea nº 12, e o aeroporto  de Bissalanca também  também podia estar sujeito à infiltração de um furtivo apontador de Strela...

Por outro lado, a  CECA (2015, pág. 12) recorda que já em 1971 se registaram dois factos graves e/ou preocupantes:

(i)  em fevereiro, "2 aviões MiG-17 com as cores da República da Guiné, tripulados por argelinos, sobrevoaram Bissau, tendo continuado a verificar-se, posteriormente, acções várias de violação do espaço aéreo por helis e aviões não identificados" (ic);

(ii) e em 9 de junho, "o PAIGC levou a efeito o primeiro ataque a Bissau e a diversos aquartelamentos das proximidades, provocando num deles um número significativo de baixas".
 
Ainda segundo a mesma fonte, mas já em 1972, explodiram três engenhos explosivos, durante a noite, em locais diferentes da cidade de Bissau, capital do território,  "o que indiciava propósitos de terrorismo urbano". Nestes engenhos foram utilizados espoletas de efeito retardado MUV-2 (CECA, 2015, pág. 121).

Não em Bissau, mas na segunda maior cidade, Bafatá, o PAIGC em 8 de janeiro de 1972 levara a cabo  "um aparatoso ataque", com foguetões 122 mm (CECA, 2015, pág. 121).  

Destaca-se também, nesse ano, em 9 de março, "a flagelação ao topo norte da Base Aérea de Bissau, no dia 9 de Março, fazendo uso de lança-granadas foguete RPG-7".
 
Num dos últimos discursos que proferiu antes de ser assassinado, em Conacri, em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral "referiu a necessidade de intensificar a guerrilha
em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos." (CECA; 2015, pág. 239). 

E como é sabido em março desse ano entram em acção os mísseis terra-ar Strela...
 
Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

Excertos:

"1. SITUAÇÃO

a. Inimigo

A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.

Nas áreas urbanas e suburbanas destacam-se, como pontos sensíveis a acções de sabotagem lN:
  •  as instalações da SACOR; 
  • a Central Elevatória da Mãe de Água;
  • o Centro Emissor de Brá; e
  • a Central Eléctrica (Av. Brasil).

b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.

2. MISSÃO

As Forças Armadas colaboram na defesa dos pontos sensíveis das áreas urbana e suburbana de Bissau, ficando a seu cargo a defesa das instalações da Central Eléctrica (Av. Brasil), da Central Elevatória da Mãe de Água e do Centro de Brá.

3. EXECUÇÃO

a. Conceito da Manobra

Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.

b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
  • Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
  • Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
  • Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________
 
Notas do editor:

(*) Último poste da série > 7 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25245: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte IX: O adeus a Aldeia Formosa, onde também tinha um sobrinho, madeirense [Fernando Costa (1951-2018), ex-fur mil trms, e músico, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, março de 1973/ setembro de 1974)]

(...) A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

 A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. (...)

(...) As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. 

O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros (...) . Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. (...)

(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:

  • T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  • Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  • Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)

(...) As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. (...)

(...) Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara (...).

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. 

No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. (...) 

6 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)

(...) É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno.

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...).  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...) 


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25197: (Ex)citações (428): O sistema AAA, do final da II Guerra Mundial, que "defendia" o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau no meu tempo (António J. Pereira da Costa, cmdt da Btr 3434, mai 71/ mar 73)


António José Pereira da Costa 

Nosso grão-tabanqueiro desde 12/12/2007, coronel art ref, ex-alf art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art, cmdt da Btr AAA 3434, Bissau; CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo; e CART 3567, Mansabá, 1971/74; autor da série e do livro com o mesmo n0me, "A Minha Guerra a Petróleo";  um dos mais ativos membros do nosso blogue, onde tem 195 de referências.


1. Dois comentários do cor art ref António J. Pereira da Costa ao poste P25192 (*)

(...) Fui comandante da BAA 3434 e fico mais que surpreendido que só (!) em 23fev74 o material de "detecção" tivesse sido considerado inoperacional. 

A BA 12 tinha um radar AN/TPS 1-D que não funcionava há anos e não tinha reparação. Estava montado numa torre metálica e fazia vista. Tive instrução num único radar desses existente no CIAAC que tinha sido desenvolvido no final de II Guerra Mundial  e que já não tinha qualquer utilidade

. A BAA 3434 "fazia (?) a defesa da BA 12 com peças AA 4cm e Met AA 12,7 quádruplas. Faziam-se "estudos" sabendo-se de antemão que o radar AA MK VI (táctico) não conseguia fazer detecção em altitude. 

Com apenas dois radares o que se fazia era pô-los a funcionar ao alvorecer e ao anoitecer. As ligações rádio entre as outras estações radar da PU e a da Base eram do tempo do "diga se me ouve! Escuto" (lembram-se?), ou seja,  se houvesse uma detecção, o alarme à base seria dado tarde e a más horas. Transmitir coordenadas à inglesa no sistema Georef era mais que cómico considerando a velocidade que os "aviões do IN", se existissem, eram muito mais rápidos. 

O dispositivo defensivo tinha uma Met AA quádrupla junto à Porta de Armas/Enfermaria guarnecida 24/24 horas com o pessoal instalado num atrelado de tonelada e, durante a noite, uma das GMC patrulhava o caminho de ronda da base com outra Met AA montada na caixa. Entrou em acção numa flagelação.

Por agora fico-me por aqui, lembrando que havia uma igreja na Base que permitia pedir a Deus Nosso Senhor que não deixasse vir um ataque aéreo do Insidioso e Maldoso IN...

21 de fevereiro de 2024 às 10:38 (**)


(...) Das 3 baterias eram duas ligeiras e uma pesada: a BAA 3381 que acabou por ficar num quartel novo em Bor, construído de raíz. Tinha 4 peças de calibre 9,4 cm, (como as que defendiam Londres durante a II Guerra Mundial ) um radar de tiro MK VII que dava (daria) pontaria às peças através de um preditor (computador, diríamos hoje) mas que tinha como velocidade de cálculo máxima 10 seg. 

Estas peças podiam fazer fogo terrestre (bater a zona). Recordo-me de ter participado numa regulação de tiro com observação aérea.

Tenho uma espécie de história da unidade desta bateria.

Como complemento recordo-me de ter conversado com o falecido ten cor pilav Almeida e Brito que tinha uma opinião pior do que a minha. Para mim,  teríamos um "ataque à PAIGC",  levado a efeito com um excedente de uma guerra como a da Coreia,  feita com aviões que até voavam (MiG 15) e pilotados por um internacionalista qualquer. Para o ten cor  poderia ser algo de mais evoluído e com resultados.  (***)

PS - Vou voltar a este tema


______________

Notas do editor:

(*) Vd. 21 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25192: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: E se o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau fossem alvo de um ataque aéreo ? Em 23 de fevereiro de 1974 foi considerado inoperacional o material de deteção de alvos e de tiro...

(**) Último poste da série > 11 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 – P25159: (Ex)citações (427): Pequeno texto referenciado no meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ/BISSAU 1973/1974" (José Saúde)

(***) Vd. postes de

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II

8 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15085: FAP (86): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte III 

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25102: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bissau, em 1969: (i) o "ataque" a Bissalanca em 19/2/1968; (ii) a carestia de bens essenciais como o arroz; (iii) a discriminação da população local no acesso aos cuidados de saúde; (iv) casos de violência verbal e física contra civis...


Vasco Cabral, membro do "bureau" político do PAIGC.
aqui em missão no exterior. Foto, s/d, s/l, cortesia do portal
Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral.
(Reeditada pelo Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné, 2024)

1. É sempre interessante conhecer o que é que, numa guerra, os contendores sabem (e/ou pensam) uns sobre os outros... Mesmo quando a guerra acabou há muito, como foi o caso da guerra na Guiné (1961/74)... Daí esta série "Memórias cruzadas"...

As Forças Armadas Portugueses tinham as suas próprias fontes de informação: os serviços de informação militares p.d., a PIDE, a administração civil, os prisioneiros, os desertores, os gilas, etc. 

O PAIGC tinha também, embora mais elementares, os seus próprios serviços de recolha e tratamento de informação, quer de natureza política quer militar, a começar pelos seus próprios combatentes, e outros, incluindo os gilas (que atravessavam as fronteiras e faziam jogo duplo), os seus simpatizantes e militantes civis em Bissau e no mato, etc.  

Muitas das informações que o seu quartel-general recebia era grosseiras, pouco ou nada válidas em fiáveis,  porque a "ideologia" aldrava a "realidade": na ânsia de mostrar resultados no campo de batalha, comandantes e comissários políticos das FAPLA acrescentavam sempre muitos pontos aos seus contos... Mas, se calhar, era isso que os "Cabrais" (o Amílcar, o Luís, o Vasco, o Fidelis...) gostavam de ouvir...lá no bem-bom de Conacri. 

O documento que abaixo se reproduz,  é um exemplo das informações em bruto, que chegavam a Conacri, onde o PAIGC tinha o seu "quartel-general" e a sua "inteligentsia"...

Vasco Cabral (Farim, 1926 - Bissau, 2005) foi um dos mais qualificados quadros dirigentes do "Partido". (Não tinha qualquer relação de parentesco com o líder histórico do PAIGC, embora também fosse de origem cabo-verdiana ). Estudou em Portugal (licenciou-se em Ciências Económico-Finaneiras, pelo ISCEF/UTL),  apoiou a candidatura de Norton de Matos à Presidência da República em 1949, enquanto membro do MUD Juvenil, lutou contra o Estado Novo-

Não há muita informação (independente) sobre a sua biografia: foi preso político em Portugal, entre 1953/1954 e 1959, até que, já na clandestinidade, conseguiu fugir, em 1962, de barco até Tânger (cidade já itegrada, desde 1956, na soberania marroquina), juntamente com Agostinho Neto, com a ajuda (dizem)  do PCP - Partido Comunista Português. 

A partir daqui a sua história mistura-se com a de outros dirigentes (políticos) do PAIGC. Escapou à morte no atentado que tirou a vida a Amílcar Cabral.  Pertenceu ao "bureau" político e exerceu funções governativas depois da independência. Não se opôs ao "golpe de Estado" do 'Nino' Vieira, de 14 de novembro de 1980. Foi também escritor e poeta. E tem, juntamente, com Amílcar Cabral a melhor caligrafia de todos os dirigentes do PAIGC, a avaliar por esta amostra manuscrita que aqui hoje publicamos.

Não sabemos exatamente  onde decorreu esta "audição de camaradas fugidos de Bubaque" (sic), transcrita por Vasco Cabral em 5/12/1969 (*). Tudo indica que tenha sido em Conacri. Os três "camaradas", provavelmente de etnia bijagó (tal  como o Inocêncio Kani, o carrasco do Amílcar Cabral), eram o Marcelino Banca, o Marcos da Silva e o José Albino Sonda.  (Não parecem ter deixado "peugadas" na história do PAIGC...).

Vasco Cabral destaca o M.S. (Marcos da Silva) como informante priveligiado, que mostra conhecer razoavelmente Bissau (cidade que, ao tempo,  o Vasco Cabral já não devia cohecer de todo):

(i) fala, embora de maneira fantasiosa e propagandística, sobre a flagelação a Bissalanca, em 19 de fevereiro de 1968, quando um pequeno grupo, comandado por André Pedro Gomes e Joaquim N’Com,  fez uma incursão noturna na área de Bissau, atacando a BA 12 com tiros de morteiro e armas ligeiras; esta ação, embora audaciosa mas de alcance limitado, foi habilmente explorada por Amílcar Cabral para mostrar, sobretudo no exterior, a sua  capacidade para desferir ataques nos prósprios santuários do inimigo, neste caso a capital;

(ii) indica a localização dos principais quartéis em Bissau, Bissalanca e Brá, coisa que não era nenhum segredo militar, sendo conhecida de toda a gente; referência a um alegado "paiol da pólvora", a 800 metros abaixo do QG (Santa Luzia), de que nunca ouvimos falar;

(iii) refere o problema dos preços e do alegado racionamento de alguns bens essenciais como o arroz e o açúcar: já no meu tempo, em meados de 1969, em Bambadinca, o preço do arroz (comprado pela população) andava  à volta dos 6$00; o pré dos nossos soldados guineenses (600$00 + a diária para a alimentação, sendo desarranchados, 24$50) dava para eles compraram 2 sacos de 100 quilos de arroz (com que se podia alimentar uma família extensa e numerosa);

(iv) enfim, denuncia alguns casos (que naturalmente terão existido, pontuais)  de violência física e verbal contra a população civil de Bissau, já no tempo de Spínola...

Vamos lá a ver se há leitores que queiram cruzar,  com estas, as suas memórias de Bissau daquele tempo (1968/69).



ORGANIZAÇÃO, FORMAÇÃO POLÍTICA E IDEOLÓGICA
5-12-69

Audição de camaradas fugidos de Bubaque [folhas nºs, 13-16 ] 

(A láspis, no alto da folha nº 1, está escrito: "Informações recolhidas pelo camarada Vasco Cabral")

M.S.  [Marcos da Silva ]  - Depois do ataque do Partido a Bissau,  
[em fevereiro do ano passado,
muitos africnos em Bissau ficaram contentes com isso. Os colonialis-
tas reagiram violentamente no dia seguinte atacando algumas taban-
cas mais próximas do campo de aviação como as tabancas de Bis-
salanca e de Plaque. Fizeram-lhes de madrugada uma emboscada, 
tendo matado algumas pessoas, ferido outras, e prendido toda a popu-
lação restante. Mais tarde,vieram a soltar alguns presos, mas outros fi-
caram presos até lá até agora.

A partir desse ataque os tugas tomaram outras medidas: reforçaram
a vigilância; agora, a partir das 6h da tarde, dirigem-se para o cam-  



po de aviação 4 ou 5 camiões grandes Unimog 
[no original, Hanomag], 
 [cheios de soldados
e vigiam o campo até de manhã. De vez em quando efectuam bombar-
deamentos pelas redondezas. Minaram as imediações do campo. Puseram 
à volta do campo 2 filas de arame farpado que deve ser electrifica-
do, pois puseram avisos em que se diz: "Perigo de alta tensão!" - avis-
ando o povo para se manter afastado.

Com o ataque que se fez, ficaram destruídos aviões, hangares 
 [angares, no original]  uma parte 
importante da Central Elétrica, o que ocasionou falta de luz durante
1 dia.

A população de Bissau não se deixa influenciar pela popaganda do 
tuga de uma Guiné Melhor. Dizem que o Spínola segue uma política por


causa da guerra, mas sabem que a guerra não vai acabar,

Há em Bissau milhares de soldados. À  [há, no original] volta de Bissau  há
7 quartéis: o Quartel-General que está em Santa Luzia; há
uns 800 metros mais abaixo o Paiol de pólvora;  há o quartel
da Amura; o Batalhão de Serviço de Material perto da Amura;  em
Brá há o Quartel de Engenharia; há também em Brá mais 
dois quartéis: o de Comandos e um outro de Adidos. Há ainda
o Quartel dos Fuzileiros, ligado à ponte de Pidgiguiti.

Perto do campo de aviação há ainda 2 quartéis: o dos Páras e outro
da Força Aérea. Estes 2 quartéis estão dentro da cercadura de arame
farpado.

= Há bichas em Bissau para a compra de arroz e de carne. Isto acontece du-


rante todo o ano. O preço do arroz varia com frequência. O ano passado vendia-
-se a 5$60 / kg., agora custa 6$90/kg. Há grande falta de açúcar.

Estabelecem às vezes para a venda do arroz um contingente máximo de venda   
[avulsa
de 1 kg. Também para o açúcar estabelecem 250 gramas, por pessoa.  Mas  
[açúcar
falta âs vezes durante 15 dias ou mais.


Há dificuldades sanitárias grandes: em 1º lugar , às consultas; fazem-
se bichas para as consultas e há muita gente que não é atendida, às vezes
durante 1 mês; em 2º lugar quanto a medicamentos que faltam em grande
quantidade. Afirmam que os medicamenmtos são só para os militares.

Não há bichas para os europeus civis, é só para os africanos.

Também qanto às outras bichas, são só para os africanos, uma única


excepção do Serviço dos Correios, onde os europeus também entram nas bichas.

= Coisas que os soldados tugas dizem dos africanos abertamemte nas
ruas: "Barrote queimado", "saco de carvão", "nharro", "negro",
nas suas relações com os africanos.

De vez em quando os fuzileiros liquidam africanos. No Alto Crim
este ano mataram 4 mulheres, uma rapaz em Santa Luzia, 3 pessoas
(2 rapazes e 1 rapariga) na Avenida Gago Coutinho. Para isso fazem
provocações.

Este ano a 2 de Novembro houve um incidente no Alto Crim entre 
um fuzileiro e um rapaz africano. Este agrediu o fuzileiro. Então.
ele queixou-se no quartel dizendo que um terrorista o agredira. Mais



tarde mandaram do quartel um pelotão de soldados que incendiou
casas, bateram em várias pessoas e feriram outras.

Ha frequentemente incidentes entre a população e a tropa colonialista.
Há habitualmenmte cenas com as raparigas africanas que passam nas
ruas. Os soldados tentam beijá-las, como elas reagem, às vezes, batem-
-lhes. Quando os africanos se dirigem à Polícia, para se queixarem
de certos abusos dos europeus, a Polícia não liga, não toma nenhumas medidas.

= É proibido ouvir-se a nossa Rádio em Bissau. Mas há muita gente
que ouve. Um tio do camarada Conrado foi preso por estar a ouvir
a nossa Rádio, em Julho deste ano. Ainda está preso por isso.


Foram ouvidos os seguintes camaradas:
- Marcelino Banca
- Marcos da Silva
- José Albino Sonda

(Seleção, transcrição, fixação / revisão de texto, itálicos e negritos: LG. Observ: Mantivemos a ortografia usada por Vasco Cabral)
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Citação:
(1969), "Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41391 (2024-1-16) (Com a devida vénia...)

Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.128.006 | 
Título: Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós. | Assunto: Informações de carácter militar, extraídas da audição com os "camaradas" vindos dos Bijagós, sobre Soga, Bubaque, Formosa, Uno, Caravela, Orango, Orangozinho, Canhabaque, Galinhas e Uracane. Organização e formação política e ideológica dos Bijagós, manuscritos por Vasco Cabral. | Data: Terça, 2 de Dezembro de 1969 | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969. | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Documentos.
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Nota do editor:

(*)Vd. último poste da série > 16 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25076: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bubaque, em 1969... "O antigo governador Schulz ia lá de vez em quando, com outros militares e algumas mulheres. O atual governador nunca lá esteve morado. Foi só visitar."...