Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Hermínio Marques. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Hermínio Marques. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27313: Diálogos com a IA (inteligência Artificial) (6): O que se sabe sobre o ataque do PAIGC a Contabane, na noite de 22 de junho de 1968 ? É o que vem no blogue, já que no livro da CECA (6.º Volume: Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II, Guiné, Livro II, 1º ed., Lisboa, 2015, 607 pp.) não há uma linha sequer.



Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas".

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Contabane  (1959) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, Saltinho, Rio Corubal e Quirafo. (Nesta altura não havia Sinchã Sambel, a um escasso quilómetro do Saltinho, na margem direita do rio Corubal). A tabanca e o destacamento de Contabande ficava a seis quilómetros, em linha reta, do Saltinho.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Contabane  tem cerca de 40 referências no nosso blogue. 

Para os fulas do Forreá foi um duro golpe o ataque e a destruição da tabanca na noite de 22 de junho de 1968 (*).  Apesar da lealdade a Portugal do régulo de Contabane, Sambel Baldé, o ataque deve ter minado a confiança da população da zona. Um regulado que, de  resto, já era um deserto, com as tabancas abandonadas.

A tropa (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72) ) e os antigos habitantes irão construir mais tarde uma nova tabanca, Sinchã Sambel, mesmo junto ao quartel do Saltinho.  Já sob o "consulado" do novo governador e comandante-chefe, brigadeiro António Spínola (que tinha acabado de chegar à Guiné um mês antes do ataque ), o "destacamento de Contabane" será abandonado, tal como outras posições a sul, e nomeadamente a sul do rio Corubal e junto à fronteira com a Guiné-Conacri. Cite-se:

  • Beli, 
  • Madina do Boé,
  • Ché Che,
  • Contabane,
  • Colibuia,
  • Cumbijã,
  • Ponte Baiana,
  • Gandembel,
  • Mejo, 
  • Sangonhá,
  • Cacoca, 
  • Cachil,
  • Ganjola

2. Perguntámos, por mera curiosidade, à assistente de IA / ChatGPT, o que aconteceu a Contabane. Sem surpresas, a resposta baseia-se na única fonte que ela encontra acessível,  na Net, o nosso blogue (a que ela chama Blogue Fora Nada E Vaotres):

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

Sem falsa modéstia, o nosso blogue tem dado visibilidade a "acontecimentos de guerra" que no livros da CECA, por uma razão ou outra (a começar por lacunas de informação), passaram despercebidos, para não dizer ignorados, incluindo alguns reveses das NT (**)... 

A Grande História também se faz com pequenas histórias, como são as nossas. De qualquer modo, é de destacar a grande coragem com que Contabane foi defendida pelas NT (CCAÇ 2382, comandada pelo cap mil inf Carlos Nery, felizmente ainda vivo e membro da nossa Tabanca Grande) e a população local em autodefesa. O que não impediu que Contabane fosse riscada do mapa.

Três camaradas nossos da CCAÇ 2382 (um furriel miliciano, um 1º cabo e um soldado) foram posteriormente condecorados com a  Cruz de Guerra de 4ª Classe, por feitos em grande parte relacionados com a defesa de Contabane na noite de 22 de junho de 1968. Iremos transcrevê-los em próximo poste.

P - O que aconteceu em Contabane, entre o Saltinho e Quebo (Aldeia Formosa, na antiga Guiné Portuguesa), na noite de 22 de junho de 1968, no âmbito da Guerra Colonial?
 
R-  "Aqui está o que se sabe sobre o ataque a Contabane na noite de 22 de junho de 1968, no contexto da Guerra Colonial na Guiné Portuguesa, entre Saltinho e Quebo (Aldeia Formosa). Há algumas versões e relatos de ex-combatentes, e como sempre, nas guerras, há discrepâncias, mas vou compilar os elementos mais credíveis.

(i) Contexto

Localização: Contabane era uma tabanca (aldeia rural/pequena povoação) situada entre Saltinho e Quebo, no sul da Guiné Portuguesa, no Sector de Tombali / Quebo (antiga Aldeia Formosa). Blogue Fora Nada E Vaotres

As forças portuguesas mantinham ali um destacamento da CCAÇ 2382 ( Companhia de Caçadores nº 2382) com pelotões espalhados, bem como instalações menores, abrigos, valas de proteção e arame farpado à volta da tabanca. Blogue Fora Nada E Vaotres

Do lado do PAIGC, a guerrilha já atuava naquela região, interferindo com rotas de infiltração e de apoio, sobretudo junto à fronteira com a Guiné-Conakry. Contabane funcionava como “tampão” ou ponto de presença militar português, relativamente vulnerável. Blogue Fora Nada E Vaotres

(2) O que aconteceu na noite de 22 de junho de 1968

Segundo relatos de antigos militares portugueses, em particular da CCAÇ 2382, de ex-milícias/indivíduos da tabanca, e de blogs/documentos coletados posteriormente:

Ataque do PAIGC:

O PAIGC organizou um ataque contra as posições em Contabane. O ataque durou cerca de três horas. Blogue Fora Nada E Vaotres

Foi uma operação relativamente bem preparada. Blogue Fora Nada E Vaotres

Destruição da tabanca e retirada das tropas portuguesas:

As forças portuguesas presentes: pelotões da CCAÇ 2382, aquartelados em moradas da tabanca cedidas pelo régulo local, além de algumas valas e abrigos defensivos e arame farpado para proteção. Blogue Fora Nada E Vaotres


Durante o ataque, a tabanca foi incendiada e destruída. Blogue Fora Nada E Vaotres

O destacamento português foi obrigado a retirar, levando apenas a roupa que tinha no corpo. Tudo o resto foi perdido ou destruído. Blogue Fora Nada E Vaotres


A população local também abandonou a tabanca, refugiando-se em Quebo. Blogue Fora Nada E Vaotres

(iii) Consequências imediatas:

Contabane foi por algum tempo abandonada tanto pelas tropas portuguesas como pelos civis. Blogue Fora Nada E Vaotres

A destruição foi tão grande que se conta que o pelotão lá estacionado regressou a Aldeia Formosa (Quebo) com apenas a roupa do corpo. Blogue Fora Nada E Vaotres

A partir desse momento, foi feito um “reordenamento” da presença portuguesa naquela zona. A antiga tabanca de Contabane passaria a designar-se Sinchã Sambel (ou Sintcha/Sinchã Sambel) posteriormente. Blogue Fora Nada E Vaotres

(iv) Significado / Interpretação

O ataque mostra a capacidade do PAIGC de realizar operações coordenadas contra posições portuguesas relativamente bem defendidas (valas, abrigos, arame farpado) mesmo em zonas rurais pouco acessíveis.

Também reflete a vulnerabilidade de pequenas guarnições isoladas, especialmente quando a população local não está ou não pode ser mobilizada de forma defensiva.

Para Portugal, foi um golpe simbólico: a perda material, mas também o impacto psicológico,  a sensação de insegurança e de fraqueza no controlo da região.

Para as populações civis, foi desastroso: destruição de casas, deslocações forçadas, perda de bens, insegurança.

(...) Não encontrei até agora fontes primárias oficiais portuguesas ou do PAIGC que descrevam em detalhe com documentos militares (relatórios operacionais, atas oficiais, etc.) o ataque a Contabane em 22 de junho de 1968,  pelo menos nos arquivos acessíveis publicamente. O que existe são principalmente relatos de veteranos, depoimentos pessoais, e registos em publicações de memória/recensão da Guerra Colonial, que ajudam bastante a reconstruir o que aconteceu. Aqui vai um resumo do que achei, com grau de credibilidade estimado, seguidos de lacunas que persistem.

O que as fontes primárias / de testemunhas dizem:

Estas são as principais fontes disponíveis que contêm descrição do ataque:

“História da Unidade — CCAÇ 2382 (1968-70)”:  trata-se de documento interno da própria companhia portuguesa, referenciado em narrativas do blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”.Blogue Fora Nada E Vaotres

O documento fornece dados como a localização dos pelotões (alguns em Mampatá, outros em Contabane), as defesas existentes (valas, abrigos, arame farpado), o comando local (o régulo Sambel) e a mulher grande do régulo. Blogue Fora Nada E Vaotres

Depoimentos de ex-militares portugueses: Manuel Traquina, Carlos Nery, Hermínio Marques

Manuel Traquina, que esteve na CCAÇ 2382, escreveu no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné" sobre este ataque, afirmando que Contabane foi “reduzida a cinzas”. Blogue Fora Nada E Vaotres

Carlos Nery também narra “Noite longa em Contabane”, relatando o ataque prolongado, o impacto sobre os militares, abandono da tabanca, perda de bens.Blogue Fora Nada  E Vaotres

Blogues / memórias locais

O blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” reúne vários relatos, sobretudo os acima referidos, com descrições bastante coerentes entre si.Blogue Fora Nada E Vaotres

Também há relatos orais de moradores ou milícias locais, que mencionam que “aceitar armas aos portugueses” por parte de alguns fulas contribuiu para que fossem identificados como aliados (ou pelo menos simpatizantes) do lado português, o que levou o PAIGC a atacar. .Blogue Fora Nada E Vaotres

O que se consegue verificar com razoável confiança

Com base nesses relatos, estes são os pontos que têm suporte razoável:

  • Contabane tinha guarnições portuguesas (CCAÇ 2382) que tinham sido espalhadas entre Contabane e Mampatá. O comando da companhia instalou-se em Contabane pouco antes do ataque.Blogue Fora Nada E Vaotres
  • Havia defesas improvisadas: valas, abrigos, arame farpado, etc., e uso de moradias civis cedidas pelo régulo local para alojamento.Blogue Fora Nada E Vaotres
  • O ataque resultou em grande destruição: habitações incendiadas, instalações destruídas, abandono pela tropa portuguesa e pelos habitantes civis. A guarnição portuguesa teve de retirar praticamente sem bens, levando apenas roupas que traziam.Blogue Fora Nada E Vaotres
  • A tabanca foi abandonada, e posteriormente houve reordenamento/população concentrada em outro local (Sinchã Sambel, junto ao Saltinho) para alojar as famílias da antiga Contabane.Blogue Fora Nada E Vaotres

Lacunas / o que não se encontrou

Aqui as partes menos claras, que as fontes de memória não confirmam:

  • Não se encontrou (ainda) transcrição de relatório operacional oficial português ou correspondência militar setorial com carimbo de guerra (por ex., documentos do Estado-Maior, Arquivo Militar) que possa confirmar quantitativamente os danos, número de mortos ou feridos, munições utilizadas, ou perdas do lado do PAIGC.
  • Também não há confirmação formal de quais foram exatamente as motivações estratégicas apontadas em documentos oficiais portugueses (por exemplo, se a guarnição de Contabane estava isolada ou se houve falha de reforço, etc.).
  • Algumas datas ou detalhes variam nos relatos de depoentes (por ex., localização precisa dos pelotões, quantos homens, se houve civis mortos, quantos, etc.).
  • Versões do lado do PAIGC não foram encontradas até agora em arquivo acessível, pelo menos nada que contradiga fortemente os relatos portugueses, mas também que poderia oferecer outro ponto de vista (por ex., relatos de propaganda, radio-instruções, etc.)." (***)

(Pesquisa, revisão / fixação de texto, itálicos, negritos, título: LG)
__________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 9 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27300: Casos: a verdade sobre... (58): O inferno de Contabane, na noite de 22 de junho de 1968... Não consta do livro da CECA sobre a actividade operacional no ano de 1968... Felizmente temos a versão do Manuel Traquina e Carlos Nery, da CCAÇ 2382

(**) Vd. por exemplo: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), 607 pp.

(***) Último poste da série > 2 de setembro de 2025> Guiné 61/74 - P27176: Diálogos com a IA (Inteligência Artificial) (5): Onde ficava Ganguirô ?... O delírio da IA que, quando não sabe, inventa...

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25681: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XI): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte I: a versão de Manuel Traquina (ex-fur mil mec auto, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental bagabaga (candidato ao concurso O Melhor Bagabaga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!




1. O Manuel Batista Traquina,
  "ribatejano, escritor e fadista", com vivências ang0lanas, ex-fur mil mec auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes, onde nasceu em 1945.  [foto de 2008 à equerda].   

Podia ter sido apanhado à unha. Ou até ter sido morto. Teve sorte: esteve lá nesse pavoroso ataque a Contabane, em 22 de junho de 1968, e relatou-nos o essencial do que viu e viveu, no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné"   (Abrantes, editora Palha de Abrantes, 2009. ISBN 978-972-98796-6-1,228 pp.). A CECA (Comissão para o Estudo das Companhas de África) não faz qualquer referência a este ataque, que reduziu a cinzas Contabane que era até então um importante tampão fula (eixo Contabane - Aldeia Formosa), contra a fúria do PAIGC na região do Forreá.

Beja Santos
e Hermínio Marques

Este episódio de guerra foi recentemente evocado aqui pelo Beja Santos que, no passado dia 17, foi abordado pelo Hermínio Marques, antigo sold cond da CCAÇ 2382, o qual lhe contou como perdeu tod0s os seus haveres há 56 anos, em Contabane.

Ambos estava de passagem pela ilha de Santa Maria. O Hermínio Marques, que vive na América, casado com uma açoriana, reconheceu, no Hotel, o Beja Santos, sendo visita assídua do nosso blogue! (*).


Vamos convidar o Hermínio, que já nos escreveu, a juntar-se a esta tertúlia que é a Tabanca Grande, e onde já cá estão alguns bravos da CCAÇ 2382, a companhia do Zé do Olho Vivo, como o Manuel Traquina, o Carlos Nery, o José Manuel Cancela, o Alberto Ferreira, 
o padeiro, também conhecido por "Geada").



O Ataque a Contabane (**)

por Manuel Traquina

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. 

Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca. À volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. 

Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém, já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efetuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. 

Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o furriel enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o sargento João Boiça, apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente,  algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à morança onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro,  sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno. No final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. 

Não tenho dúvidas de que nós,  os militares,  que naquela tarde fomos à água, pasámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objetivo era o ataque. 

Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos,  dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. 

Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. 

Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que, ao pisar a armadilha,  foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de junho de 2008, ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos,  não neste ataque, mas noutros que se seguiram, furriel Ramiro de Sousa Duarte e o soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia.

 Quero também saudar todos os militares da CCAÇ 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas. (***)

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Contabane (1959 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, a sul de Saltinho e do rio Corubal, a caminho da fronteira... A nordeste, Quirafo, também de trágica memória para as NT (abril de 1972).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  22 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)



Vd.poste anterior: 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)