sábado, 16 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2544: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (1): Gesto de ternura e simbolismo do herói de Gadamael, J.C.Carvalho


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350, os Piratas de Guileje (1972/73) > Croquis do aquartelamento feito pelo Fur Mil Op Especiais José Casimiro Carvalho. Em cima, o crachá dos Gringos, a CCAÇ 3477 (1971/73). Por lapso, atribuíamos a autoria da foto do crachá ao Gringo Amaro Samúdio (1). O seu a seu dono: o autor é o nosso herói de Gadamael, Pirata de Guileje (2)...

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Eis a primeira resposta ao nosso apelo lançado com a Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje:

Luís:

Ofereço os aerogramas que escolheres, estão na tua posse;
ofereço o crachá (único na minha posse) dos Piratas de Quileje, com a particularidade de ser eu o autor do logo e nome da CCAV 8350;
Ofereço o crachá dos Gringos;
Ofereço o crachá do GA 7;
ofereço o meu apreço e carinho por quem defendeu o seu solo com o seu sangue, misturado com o meu, derramado em Gadamael;
ofereço a minha compreensão;
ofereço mum momento de memória por SATALA COLUBALI E CAMISA CONTÉ, vitimas de mina anti-carro, em Guileje antes do assalto ao aquartelamento.
Vva a Guiné,
viva a Guiné livre!
Ofereço este meu esboço (original) do aquartelamento (em anexo)

José Casimiro Carvalho


2. Resposta do editor do blogue (com conhecimento, em primeira mão, a toda a Tabanca Grande, por email que já seguiu)

Amigo e camarada Carvalho:

É um gesto de grande significado e simbolismo, vindo da parte de um Pirata de Guileje, e que merece ser partilhado com toda a Tabanca Grande, em primeiro mão...

Farei a devida fotocópia dos teus aerogramas, que são uma pequena preciosidade e um ternura...Farei fotocópias porque queremos também ficar, no nosso Arquivo Histórico Militar, e no arquivo da nossa Tabanca Grande, com o teu testemunho, com as tuas impressões de Guileje e de Gadamel... Escolherei os que tiverem mais interesse documental. E devolver-te-ei aqueles aerogramas (e cartas, e são também algumas) em que revelas uma grande ternura cúmplice com o teu velhote... Essa faceta merece ser melhor conhecida dos teus camaradas...

O Pepito e os nossos amigos guineenses vão ficar-te reconhecidos... Um grande Oscar Bravo, em nome de todos nós.

Luís
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2541: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (20): Campanha Uma Peça para o Nosso Museu de Guiledje

(2) Vd. postes de:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!


Guiné 63/74 - P2543: As Nossas Madrinhas de Guerra (2): Minha querida Madrinha de Guerra (José Teixeira)


1. As CARTAS ÀS MADRINHAS DE GUERRA cuja 1ª edição saiu em 1929, no Porto são uma colectânea de 43 cartas, cujo autor foi o então jovem Ten Afonso do Paço, nascido no lugar de Além do Rio, da freguesia de Outeiro, concelho de Viana do Castelo, que combateu na Grande Guerra, de 1914 a 1919.

As 18 primeiras cartas foram escritas, durante o período desgastante da guerra nas trincheiras, as 20 seguintes, nos campos de concentração de Lille, Rastatte Breesen, depois de ter ficado prisioneiro dos alemães, em 9 de Abril de 1918, e as 8 últimas, desde a saída da Alemanha até ao regresso a Portugal.
Como o título do livro deixa adivinhar, as cartas tiveram por destinatárias as Madrinhas de Guerra que, conforme o autor afirma, foram os "entes mais queridos da guerra, que lançaram sobre as trincheiras regadas de sangue catadupas de amor e de carinho...". Estas senhoras, pertencentes a qualquer estatuto social, mantinham correspondência assídua com os soldados da linha da frente, contavam-lhes novidades e faziam chegar até eles recordações e presentes, que muito contribuíram para os encorajar e mitigar as suas dores físicas e morais .

(Foto e texto tirados do site da Câmara Municipal de Viana do Castelo, com a devida vénia)



Crónica Feminina, cujo primeiro número saiu em 29 de Novembro de 1956. Nas suas páginas apareciam imensos anúncios de militares a pedir Madrinhas de Guerras para troca de correspondência



Madrinhas de Guerra


2. Apoio Moral

[...] O MNF passou a dedicar-se prioritariamente ao apoio moral e social dos militares e suas famílias, muitas vezes através de acções populares a que não faltavam o cunho da demagogia, mas que em muitos casos se revelaram eficazes na resolução de problemas dos jovens e dos seus agregados familiares face à burocracia e ao desconhecimento das situações decorrentes da guerra.

Ao MNF se deve o lançamento dos aerogramas, alcunhados de “bate-estradas”, que constituíram o meio mais difundido de correspondência entre os militares e as famílias.

Destes aerogramas foram, cujo o fornecimento e transporte era gratuito para os militares, estima-se, impressos cerca de 300 milhões.

Das actividades do MNF destacaram-se a organização de visitas de artistas aos teatros de operações, as ofertas de Natal, com o envio de lembranças, discos, bolas de futebol, isqueiros... . Deve-se ainda ao MNF a promoção da troca de correspondência entre os soldados e as madrinhas de guerra.

Foto e texto retirados do site do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, com a devida vénia.
CV


3. Madrinhas de Guerra
Por José Teixeira

Minha querida madrinha de guerra.
Muito estimo que esta minha simples carta a encontre de perfeita e feliz saúde na companhia de seus queridos paizinhos e demais família. Eu encontro-me bem Graças a Deus


Possivelmente foi deste modo que o João, oriundo de uma aldeia no Douro vinhateiro, iniciou a primeira carta dirigida a uma das suas madrinhas de guerra, conquistada através das revistas Plateia ou Crónica Feminina (1).

Das três cartas que recebera de candidatas a madrinhas, uma atraiu-o pela forma carinhosa e afectiva, como a candidata se expressava.

Palavras, algumas delas ininteligíveis, para a sua 4.ª classe (linguagem da época) arrancada aos 10 anos, num tempo em que misturava a escola com a guarda das cabras no monte ou andar à frente dos bois, na lavoura do campo do Zé da Caluba, para ter direito a uma malga de caldo com a tora de carne de porco.

Luxo que não tinha no barraco que partilhava com os pais e mais quatro irmãos.

Os pais analfabetos, raramente conseguiam que o seu irmão lhe enviasse uma carta e mesmo essa não dizia nada.

A madrinha, parecia ser gente fina, escrevia coisas lindas e até lhe mandou uns versos. Quem sabe se ainda arranjava um namorico, ou pelo menos uns petiscos via SPM!

A Sofia, viúva de 75 anos, beirã dos quatro costados, com 12 filhos e uma ranchada de netos e bisnetos, uma referência na Igreja local pela sua piedade, ao passar os olhos por uma revista feminina, esbarrou com a página dedicada aos pedidos de madrinhas de guerra, por parte de militares na Guerra Colonial.
Um entretimento como outro qualquer, pensou, ou uma forma de ajudar estes jovens valentes a suportar melhor a solidão e o sofrimento.

Como portuguesa e patriota, deste modo, faria alguma coisa e sobretudo correspondia ao apelo que o Senhor Abade tinha feito na prática da missa do domingo passado, ao falar nos heróicos rapazes que lá longe defendiam a pátria das garras do comunismo internacional.

Escolheu ao acaso um João que estava na Guiné e toca a escrever-lhe uma missiva consoladora, disponibilizando-se para o acompanhar à distância como sua madrinha de guerra.

A partir de então, todas as semanas fazia seguir uma carta para o afilhado. Quase todas as semanas recebia, um esquisito papel amarelo, escrevinhado em todos os cantos numa letra, difícil de ler.

A avioneta do correio, começou a vir com uns gramas a mais.
O João todo contente e ufano, mal ouvia o roncar anunciador, corria para a pista como tantos outros o faziam, para fazer uma espécie de guarda de honra ao saco do correio.

Depois, era o esperar pacientemente que o Escritas fizesse a separação e viesse à porta da caserna, anunciar os felizes contemplados.
Depois eram os sorrisos anunciadores de boas novas para uns. O seu isolamento à sombra de uma árvore para saborear as novidades ou o abandonar do local, cabisbaixos, muitas vezes a caminho da cantina para tentar esmagar a dôr do esquecimento, com uma cerveja gelada, caso houvesse.

O João lia e relia as cartas da madrinha. A gaja devia ser doutora, pensava ele e lá ia ter com o seu alferes para lhe explicar melhor o que ela lhe queria dizer nas cartas.

Rapidamente os colegas se aperceberam que o João tinha arranjado tacho e logo ele o matarruano que mal sabia ler.
Era gozado de fininho, primeiro porque se tornou um gabarolas, depois porque sempre que vinha o correio todo o seu comportamento mudava. Desde o correr para a pista, o ficar junto da Secretaria especado à espera que o escritas, o isolar-se depois e passar horas a ler e reler a carta. Enfim, era outro João.

Tornou-se mais comunicativo.
Agora lia todas as revistas e fotonovelas que apanhava. Pedia ao alferes que lhe emprestasse livros que devorava, mas ficava muito chateado sempre que os colegas pegavam com ele, insinuando que ela tinha namorado ou porque não tinha ele coragem para lhe pedir namoro!

Um dia encheu-se de coragem e pediu à madrinha autorização para a tratar por tu.

Esperou pacientemente a resposta, que nunca mais chegava.

Um tanto desiludido e arrependido pensava: mas porque é que ela continua a escrever-me e não me fala no assunto? Será que não gostou da minha ousadia e me vai deixar?

Certo dia, ao chegar de uma operação esgotado e cheio de fome, tinha a carta da madrinha à espera.
Com o coração cheio de esperança, abriu-a de imediato e não conteve um grito de alegria. A sua Sofia, tratava-o por tu.

Afinal foi tiro certeiro! Bem me dizia o meu alferes, pensou ele.
Nessa noite, na cantina, houve cerveja para os amigos. Até o alferes lá foi beber um wiskie com cola.

Carta para lá, aerograma para cá com algumas fotos mal tiradas em ambiente de guerra.

A Sofia começou a tomar conhecimento da real dimensão da guerra.
Começou por estranhar as contradições entre o pouco que o João conseguia contar na sua inocência e o que ela conseguia ler pelos jornais.

Os relatos simples e sinceros das cartas do João. As emboscadas contínuas, os ataques ao quartel, os feridos e mortos em catadupa, as minas, nome estranho para ela, que matavam ou estropiavam aqueles jovens, quando não eram detectadas e levantadas a tempo, os dias que passava na selva, ao sol e à chuva, começaram por alimentar mais ainda o seu patriotismo, apesar de o seu conceito de que os pretinhos eram uns coitadinhos que precisavam de ser salvos e baptizados, como disse uns anos antes o missionário que foi à sua aldeia fazer uma Santa Missão.

Nada disso vinha nos jornais, esses, de vez em quando lá traziam um comunicado com alguns mortos, mas nada que se comparasse com o que o João lhe dizia nas cartas e se ele o dizia, era verdade. Pensava ela.

Nas entrelinhas da sua escrita tinha descoberto um jovem simples, bem educado e honesto. O João não me engana, pensava ela. Parece que querem que a guerra passe ao lado.

A sua grande descoberta, que lentamente começou a persegui-la e a fez mudar de ideias, para gáudio do seu filho mais novo, todo esquerdelho, que em Coimbra passeava os livros e se livrara de dar com as costelas em África. Um tio activo dirigente da União Nacional o tinha safo das perseguições da Pide que se seguiram às escaramuças de 1969, quando o Senhor Presidente Américo Tomás foi vaiado pelos estudantes.

Orgulhoso da sua madrinha, o João era matraqueado pelos camaradas. Queriam que ele lhe mostrasse a fotografia.
Para o afinarem mostravam-lhe as fotos das namoradas as verdadeiras e das madrinhas de guerra, algumas das quais já transformadas em namoradas.
Até alguns, casados e com filhos, tinham madrinhas/namoradas , o que chocava o nosso herói, educado nos princípios da Santa Madre Igreja.
Ele quando namorasse, ia ser fiel à cachopa eternamente.

Uma noite depois de matutar bem, decidiu-se.
Logo de manhã foi ter com o seu alferes e com a sua ajuda, escreveu-lhe um aerograma, no qual pedia o favor de lhe enviar uma fotografia.

Como resposta, teve uns tempos depois uma pergunta:
- Mas queres mesmo uma foto minha? Sim, respondeu. Quero trazer-te sempre comigo, bem juntinho ao coração.

A resposta demorou, mas chegou mais uma vez.

- Pois aí vai. Lamento desiludir-te. Sou mãe e avó. Tu és como que o meu filho mais novo, que eu quero acarinhar e ajudar, até ao teu regresso. A partir de agora dependerá de ti o continuarmos a escrever um ao outro.

A velha gozou-me. Ah se eu pudesse, ia lá a sua casa e partia toda de porrada.

Cerca de mês e meio de mudo silêncio.
Deixou de correr para pista da aviação quando os camaradas no gozo lhe perguntavam se a madrinha estava boa, obtinham respostas tortas e azedas, factores insenctivadores à provocação, o que lhe roía as entranhas.

Um dia, quando já tinha perdido a esperança de reencontrar o seu João, o carteiro bate à porta da D. Sofia.
Trazia um aerograma. Uma lágrima selvagem teimou em correr-lhe pela face, enquanto a abria de supetão e tentava interpretar os gatafunhos a que já se desabituara.

Minha querida madrinha de guerra.
Muito estimo que esta minha simples carta a encontre de perfeita e feliz saúde na companhia de seus queridos paizinhos e demais família. Eu encontro-me bem Graças a Deus.
Querida madrinha, andou a gozar comigo este tempo todo, mas eu gosto muito de si. Não calcula quanto me tem ajudado a passar este maldito tempo, aqui na Guiné.

Li a estória da D. Sofia que já faleceu há uns anitos, numa revista religiosa, como testemunho real.

O João, esse não o conheci, mas conheci tantos Joões, Manéis ou Zés que, durante a sua Comissão, encontraram almas caridosas, disponíveis e acolhedoras, que os apoiaram, nos apoiaram nas arguras de uma guerra, para onde fomos atirados, sem respeito pela nossa vontade, pelos nossos sentimentos, pela nossa vida, para esmagar, matar, segundo diziam.

Com este texto baseado numa situação real, quero agradecer a tantas mulheres jovens e menos jovens, que aceitaram o desafio de serem Madrinhas de Guerra e sofreram à sua maneira, os efeitos de uma guerra que não queríamos fazer.

José Teixeira
________________

Nota do autor

(1) Revistas fofoqueiras da época, a quais se dispunham a fazer passar anúncios/pedidos de militares em missão na Guerra colonial, a raparigas para se tornarem suas madrinhas de guerra.
________________

Nota do editor CV

Sobre o tema Madrinhas de Guerra, Vd. post de 10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2519: As Nossas Madrinhas de Guerra (1): Os aerogramas ou bate-estradas do nosso contentamento (Carlos Vinhal / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2542: Em busca de... (20): Camaradas da CCAÇ 1487 (José Jerónimo)

José Jerónimo
ex-Alf Mil
CCAÇ 1487
Fulacunda
1965/67

1. Aqui ficam, para leitura atenta, diversas trocas de correspondência a propósito do pedido do nosso camarada José Jerónimo para encontrar camaradas seus da CCAÇ 1487.

Mais uma vez ficou demonstrado o espírito de camaradagem, (à moda antiga) que ainda perdura entre nós.
Desta vez a estrela foi o Santos Oliveira que levou a peito ajudar José Jerónimo que, por se encontrar no Brasil há 27 anos, perdeu o contacto com os seus antigos companheiros.

Esta ajuda do Oliveira ao Jerónimo, provocou uma reacção nunca vista, acho eu, até hoje, que foi um Oficial bater pala a um Sargento.

Esta homenagem, simbólica e não atentatória ao RDM, reforça a ideia de que nesta altura, a camaradagem é aquilo que perdura e une os ex-combatentes da Guiné.
C.V.

2. Em 26 de Janeiro de 2008, José Jerónimo dirigia-se a Luís Graça

O meu nome é José Amadeu de Jesus Jerónimo.
Fui Alf Mil da CCAÇ 1487, comandada pelo (naquele momento) Capitão Alberto Fernão de Magalhães Osório.

Comigo estiveram o Alf Mil Marques Lobato, Alf Mil Freitas Soares e Alf Mil Castro.

Pertencemos ao RI 15 - Tomar e estivemos em Fulacunda.
Actuamos como Companhia de Intervenção do Batalhão de Tite e várias vezes com a Companhia do Cap Fabião (Tite) e Companhia de Comandos do Cap Leandro (que nos comandava nas férias do Cap Osório).

Vivo no Brasil há 27 anos e perdi todos os contactos.
Gostaria de voltar ao contacto, pelo menos com os alferes meus colegas e sargentos, já que o Osório morreu na sua outra comissão com General Spinola (1).

Você pode ajudar?
Também posso colaborar no seu Blog com depoimentos sobre momentos vividos naquele tempo.
Façamos a nossa história

Meu contacto:
josama@uol.com.br
Tel. móvel; 00 55 11 8432 9647

Abraço,
José Jerónimo

3. Em 26 de Janeiro, CV enviava uma mensagem à Tertúlia no sentido de se encontrar alguém que pudesse ajudar o nosso camarada

Caríssimos companheiros e amigos:

Mais um pedido nos chegou. Desta feita do José Jerónimo que nos lê no Brasil, onde está há 27 anos.

Perdeu o contacto com os seus camaradas da CCAÇ 1487, onde esteve como Alf Mil.
Pergunta da ordem. Quem pode ajudar este nosso camarada?

Eu já fui à Pagina do nosso amigo Jorge Santos na espectativa de encontrar por lá alguém da CCAÇ 1487 a pedir contactos, mas infelizmente não há lá nenhum pedido.

Se alguém tiver uma dica para ajudar este nosso amigo, por favor informem-no directamente ou por nosso intermédio.

Desde já muito obrigado.
Um abraço e bom domingo para todos.
Carlos Vinhal

4. Os efeitos não se fizeram esperar e em 27 de Janeiro, o nosso Sarg Mil Santos Oliveira entrava em contacto com o José Jerónimo.

José Jerónimo:
Estou a envidar esforços para te poder ajudar.
Vou continuar a tentar, agora, junto de Companheiros da CCAÇ 797 do Carlos Fabião.

Seguem nomes idênticos aos que referes, mas faltam os nomes próprios e, isso, só tu podes decifrar.

Do Alf Castro, apenas com esta referência nominal, teríamos uma enciclopédia.
Se conseguires alguns elementos identificativos mais precisos, por exemplo, dos sargentos ou furriéis, podes ajudar-te imenso.
Por agora, o que consegui saber:
[...]
Paz à alma deste valoroso filho da Nação Portuguesa, cujo local de sepultura se indica a seguir:

- Major de Infantaria N.º 50972511, do Comando de Agrupamento Operacional / CTIG, Alberto Fernão Magalhães Osório: Cemitério Paroquial do Baraçal, Celorico da Beira [...]

De possibilidades de serem quem procuras, vê se é um destes nomes (*):

[...] Podes contar comigo

Um fraterno abraço, do

Santos Oliveira
Sarg Mil Armas Pesadas
Do Extinto Pel Ind Morteiros 912

5. Em 28 de Janeiro, José Jerónimo dirigia-se assim a Santos Oliveira

Santos Oliveira,

Muito obrigado também pela tua ajuda.
Vamos a ver no que eu posso ajudar também, depois das muitas andanças pelo Mundo, em que fui perdendo documentos que agora nos poderiam auxiliar.
A memória, depois de todos estes anos por longes terras, também não está tão clara quanto eu gostaria.
Mesmo assim lá vai o meu primeiro contributo, para ver se começamos por alguma ponta do fio para desenrolar o novelo, até que a minha memória comece a ficar um pouco mais clara.
Estou copiando o Briote, o Luis Graça, o Henrique Matos e o Henrique Cabral, porque também eles me estão ajudando.
Talvez em conjunto consigamos.

Estive em Tite com o (naquele momento) Major Jasmim de Freitas (2.° Comandante do Batalhão de Tite e antigo Comandante do meu Curso de Oficiais em Mafra).

1 - Informações sobre o Ten Cor Alberto Magalhães Osório, estão de acordo com o que sei.

2 - Quanto ao António F Freitas Soares - [...] estou quase certo que seja este.
Um dos furriéis do seu Grupo se chama Moniz e o Sargento Costa

3 - Quanto ao Alf Mil Marques Lobato. Estou quase certo que se chama José Marques Lobato e vivia em Penafiel em 1964 (filho de um Major do Exército)

4 - Quanto ao Alf Mil Castro. Não lembro se o nome era Sousa e Castro (é de Vila Nova de Famalicão)

5 - Furriéis do meu Grupo: Murça (acho que de Vila Nova de Famalicão) e Freire (Golegã

6 - Actuei inicialmente como Companhia de Intervenção no Batalhão de Bissau, actuando nesse curto espaço de tempo, pelo menos, em Mansabá e Mansoa.
Depois de chegar a Fulacunda actuei várias vezes em Gã Pedro, Gã Chiquinho, Braia, Tite, Louvado e Bila, Gandua Porto, Bária, Jufá, etc. e, na região de Jabadá, onde existia um Pelotão de Armas Pesadas de Infantaria comandado pelo Alf Mil Basílio (meu Curso em Mafra).

7 - Em Tite o (naquele momento) Major Jasmim de Freitas era o 2.° Comandante do Batalhão e antigo Comandante do meu Curso de Oficiais em Mafra).

Bom, estou certo que vamos conseguir muito mais informações e que nos encontraremos na minha próxima viagem a Portugal.
Obrigado pela ajuda.

Meu endereço actual é:
Rua Palacete das Águias, 842 - Apto. 53 Vila Sta. Catarina (ao lado do Aeroporto de Congonhas).
Codigo Postal 04635-023 São Paulo - SP - Brasil
Telemóvel: 00 55 11 8432 9647

Um grande abraço para todos
José Jerónimo

6. No mesmo dia Virgínio Briote mandava esta mensagem a Santos Oliveira

Caro Santos Oliveira,

Tenho estado a acompanhar o teu notável trabalho.
Quando penso que quem esteve no Cachil naqueles difíceis tempos, e quem o defendeu naquelas condições, bate certo, é o mesmo gajo que está a ajudar o Jerónimo a reencontrar os Camaradas, a reencontrar-se com ele próprio.

Eu sei, pelo que me lembro, que o que vou fazer não faz parte das etiquetas militares do nosso Exército. Mas tenho formação comando e nestas condições o que é bem feito deve estar acima de todas as praxes.

Deixe que lhe faça a continência, meu Caro Furriel Santos Oliveira,
vb

7. Ainda em 28 de Janeiro José Jerónimo dirigia-se a Santos Oliveira e a Virgínio Briote, assim:

Amigos,
Gostei desse fora das praxes militares sugerido pelo Briote. E também eu, saindo dessas mesmas praxes, vos faço a continência, pela ajuda que me estão dando. O que puderem fazer, é para mim muito importante. É como diz o Briote, um reencontro, pelo menos, com uma parte que estava perdida de mim mesmo.
Abraços para os dois.

J.Jerónimo


8. Santos Oliveira contactava de novo José Jerónimo

Amigo e Camarada

Tenho metade da CCAÇ 797 e da CCS do BCAÇ 1860 a procurar contactos. Passou muito tempo, não é? Também estive por Tite.

Bem, quero dizer-te que o Pelotão de Morteiros que encontraste em Jabadá, deveria ser o meu, o 912, sem uma Secção, que era a minha e que havia estado noutro lugar e noutra Missão.

O período, ou a data que lá passaste deve ter sido até Novembro de 1965.
Nesse caso, o Alferes que contigo Cursou não seria o Alf Mil Basílio, antes o Alf Mil António Fernandes O. Rodrigues [...] de Vila Nova de Gaia

Este, como tu e eu (EPI-1963) também teve por Director de Instrução o Major Jasmim de Freitas; mais tarde reencontrado como 2.º Comandante do BCAÇ 1860 em Tite.

Tenho estado a tentar ligar ao Freitas Soares (se é que é o mesmo). Vai para o Voice Mail onde deixo recado, mas que até agora, ainda não resultou.

Estou com esperanças de vir a ajudar.
Aguardemos mais um pouco.

Um abraço, do
Santos Oliveira

9. Resposta ao mail anterior de José Jerónimo

Amigo Santos Oliveira,

A minha memória parece querer clarear.
Lembrei de mais um nome. O do Sargento do Grupo do Alferes Castro de V.N.Famalicão. Se chama Sargento Gaspar (acho que era também do Minho e já tinha estado em Angola. Era o fotografo de todos nós e um militar destemido - Cruz de Guerra).

Aquele a quem eu chamo de Alferes Basilio é Indiano. Será que é ele a quem tu te referes?

Passei umas três vezes em Jabadá.
Uma, vindo de Gã Pedro (a primeira quase logo quando cheguei em Fulacunda.

Duas semanas antes tinha estado em uma Operação em ???? junto com a CCAÇ 797 . Foi quando conheci o Cap Fabião e a CCAÇ 797, que se encontrou com a nossa CCAÇ 1487 em Fulacunda, de onde saimos para a Operação)

Outra, a segunda vindo de Jufá. Nessa o Alferes Basilio (??? ou António Fernandes) com uma parte do seu Pelotão, nos esperava fora do quartel de Jabadá. Chegámos debaixo de fogo.

A terceira vez não lembro mais.

O meu cabo da bazuca, o Cerqueira, também tem uma Cruz de Guerra.

Conto contigo nesta tentativa de descoberta.

Abraços
J.Jerónimo

10. Em 29 de Janeiro, Santos Oliveira contactava Virgínio Briote com esta mensagem:

Caro Briote:

Obrigado pela tua consideração para comigo. Eu ajudo qualquer um de nós, porque um Ranger com preparação especial para ser infiltrado sozinho, é sempre um Homem solitário.

E se isso parece não me ter perturbado (pela preparação que então tive), com o passar dos anos vai-se tornando um enorme e gigantesco problema psicológico em que o pivot principal é a solidão.

Disso, creio, não me livro mais. É demasiado profundo. Portanto só resta abrir um pouco a mente e tentar ser o Eu original (sensível, atento, prestável, etc.).

Fiquei em sentido (e com as lágrimas nos olhos) com a continência que me fizeste.

Fizeste-me lembrar um episódio que se passou em Catió, em finais de 1964, quando aí me desloquei para assistência Médica mais especializada (urinava sangue, porque apenas bebia água, a qual era transportada em pipos de tinto e que a tinto sabia e cheirava).

Estava encostado ao muro da Messe de Sargentos e vejo, vindo desde o Quartel, um Militar Nativo, que, uns dez passos antes, se perfila e me faz continência, conforme os Regulamentos.

Olhei para um lado e para o outro, não vejo ninguém ali perto, correspondi à mesma e só então reparei que era um Alferes (segundo os galões que ostentava).

Hesitei, mas acabei por ganhar coragem e chamei: - Oh, meu Alferes! Por favor. Eu sou quem tem de lhe fazer continência.

Atrás de mim uma risada colectiva de vários camaradas.

-Ele não te conhece e por isso é que te fez continência.
-Porquê, perguntei.
-É que ele é Alferes de Segunda Classe.
-Segunda Classe? O que é isso? - Retruquei.
-Os nativos, quando comandam tropas, são uma espécie de Graduados, mas são sempre inferiores (esta doeu-me e ainda me dói) aos brancos.

Eu, nunca havia ouvido tal e fiquei escandalizado.

Voltei-me para o meu Alferes (de 2ª) e disse:
-Meu Alferes, quando se cruzar comigo, sou eu quem lhe deve continência. Está bem?
-Sim, meu Furrié.

Ali, fiquei a saber (o que era normal em Portugal, mas não desta forma) que havia, classificados, Portugueses de primeira e de segunda.

Foi deste modo que conheci, pessoalmente, o saudoso João Bakar Djaló, a quem, postumamente, homenageio.

Palavras para quê? Assim, já não tenho palavras.

Um enorme abraço, do
Santos Oliveira

11. E contactava também José Jerónimo

Amigo J.Jerónimo

Acabo de olhar vários mails e vou, por ordem de chegada, prestar as minhas informações e comentários.

Fico contente com o abrir da tua memória; é o que estou tentando fazer com a minha. É, seguramente, a melhor terapia, falar e ouvir os que por lá passaram e bem entendem e subentendem os nossos sentimentos, medos, frustrações, alegrias e tristezas. Por isso estou aqui e te disse: conta comigo.

O indiano Basílio, não é, com toda a certeza o Rodrigues. Esse, conheço bem demais e também não o estou a ver a sair do seu reduto para cobrir a segurança de quem quer que fosse. Por isso, a tua passagem por Jabadá, ter-se-á dado depois de Novembro de 1965.

Sem mais comentários sobre o indivíduo.

Não sei se existe listagem sobre as Cruzes de Guerra que foram atribuídas em Campanha; vou averiguar e se possível encontrar o Sargento Gaspar e o Cabo Cerqueira.

Vou dando notícias conforme forem aparecendo.

Um abraço, do
Santos Oliveira

12. Em 30 de Janeiro Santos Oliveira mandava nova mensagem a José Jerónimo

Amigo Jerónimo:

Creio que o meu percurso Militar foi um tanto diferente do teu.

Fiz todo o Curso de Sargentos Milicianos e a Especialização de Armas Pesadas de Infantaria em Mafra (seja: Canhões S/Recuo, Morteiros e Metralhadoras – tudo os tipos classificados Pesados).

A minha paixão era os Canhões S/Recuo, mas não foi por aí que andei.

Acabado o Curso de Sargentos Milicianos, como fui muito bom aluno e dedicado (naquele tempo os nossos destinos eram determinados pelas habilitações escolares e não pelos psicotécnicos) fui promovido a 1.º Cabo Miliciano (o Sargento económico da época; possuía Instrução de Oficial, tinha Responsabilidade de Sargento, Regalias e Pré, igual às dos Praças).
Isso, tu deves conhecer.

Talvez pelos resultados dos psicotécnicos ou pelas classificações obtidas, pude escolher uma Unidade pertinho de casa; escolhi o GACA3, em Espinho.

Três dias depois da minha apresentação, sem qualquer aviso prévio, fui carregado numa GMC com toldo, a juntar-me a outros, poucos, Cabos Milicianos e um Furriel do QP.

Na cabine, além do condutor, iam dois Oficiais: um Tenente do QP, com farda Portuguesa e um outro com farda estranha.

Para onde nos levavam era a pergunta que cada um de nós fazia ao outro. Mas ninguém sabia e o Furriel não se descosia. Sempre que tentamos espreitar pelas frinchas do toldo, éramos impedidos pelo nosso Furriel.

Ao fim dumas horas, já de noite, creio que estávamos nas traseiras do CIOE, em Lamego.

Ali mesmo, sem mais, começou o nosso Curso de Tirocínio de Rangers de Infiltração.

Eu nunca havia ouvido infiltração associado a Rangers.

O Oficial de farda estranha, era um Capitão dos Rangers Americanos, que havia feito duas comissões no Vietname, estava em Portugal como Conselheiro Militar(???), falava um espanhol abrasileirado no seu sotaque.

Partimos, de imediato, sei lá para onde naquela região; tínhamos, além da arma e ração de combate, uma corda de uns 10 metros, um mapa com os objectivos assinalados, uma bússola e uma lanterna militar. Quase nunca mais nos voltámos a ver; era um por si.

Claro que alguns trajectos finais passaram pelos esgotos (aí pude olhar gente).

A higiene era apenas quando se caía ao Rio e mais não estou a lembrar.

Altos e baixos, rochas e monte, apenas se ouviam os cães e se viam ovelhas ou carneiros e, aqui e ali se ouvia o assobiar típico dos pastores. Gente, não.

Sofri bem mais em Mafra, acredita.

E com a mesma e única porca farda malcheirosa, uma certa madrugada, lá voltamos a ser carregados na GMC com o toldo que já conhecíamos e nos transportaram para Tancos; aqui não havia engano possível.

Viam-se Boinas verdes por todos os lados.

Novo Tirocínio, desta feita para a preparação de Salto.
Nada de especial a não ser a velha torre, em cima da qual a nossa visão lateral não enxergava o patamar... apenas o chão cá em baixo.

Mais medos tive das águas do Douro.

Um salto dum velho Junkers e de novo o regresso à nossa conhecida GMC e... às nossas novas Unidades.

Era suposto ter dado uma Recruta (fazia parte dos Regulamentos) mas eu fui convidado pelo 2.º Comandante a formar uma equipa, ao lado da Sala do Comando, uma Secção Técnica onde abri a comunicação da minha própria Mobilização, em rendição individual, para a Guiné.

Antes disso, estava cumulativamente a fazer Sargento de Piquete e, porque a porta se encontrava aberta (a Secretaria Técnica era na Torre de Controle do aeródromo de Espinho - tudo vidro e calor insuportável) abusivamente, um Oficial entrou para saber assunto classificado e eu não lhe dei a informação que pedia e solicitei que se retirasse, porque a zona era Classificada.

Ele resistiu e apontei-lhe a FBP e perguntei se saía pelo seu pé, ou se de maca.

Ele participou de mim e eu apanhei oito dias de Detenção, que foram oito Sargentos de Dia que fiz pelos camaradas solidários.

Só passado o castigo é que apresentei, de acordo com o RDM, a minha parte do caso.

Foi anulado o meu Castigo e recebi um Louvor.

Igualmente não fui incomodado, quando algum tempo depois da tentativa de assalto ao Quartel de Beja, quando Sargento de Dia, durante a ronda nocturna, um das sentinelas disse ter ouvido restolho no meio do milheiral.
Tomei a Mauser e disparei depois de dizer que esta era para perto a próxima seria para acertar.
Acordei o Quartel às 4 da manhã.

Do resto, podes, no Blogue, clicar, Sábado, 15 de Dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)
que, no essencial está lá.

Vamos deixar esta longa História, noutros pormenores que te podem fazer avaliar se vale a pena… “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena"
Luto pelo que acredito, crê

Santos Oliveira
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Notas dos editores:

(*) - Foram removidos endereços e números de telefones, por não ser ter a certeza de que as pessoas citadas eram as procuradas.

(1) - Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)

(...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. (...)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2541: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (20): Campanha Uma Peça para o Nosso Museu de Guiledje

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Crachá dos Gringos de Guileje : a açoriana CCAÇ 3477 (1971/73).

Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.

Um emissor-receptor, oferta de um Gringo de Guileje, o José António Carioca.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Uma carta e um aerograma do Fur Mil Op Especiais José Casimiro Carvalho. Na carta, escrita em Cacine e datada de 22 de Maio de 1973, o Carvalho dá a notícia, aos seus pais, da queda de Guileje (cujo SPM, código de Serviço Postal Militar, era o 2728) (1):

(...) Cacine, 22/5/73: Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência. Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…)".

São documentos como este que merecem ser acarinhados, preservados, tratados, divulgados, guardados e mostrados às gerações seguintes... Recorde-se aqui, mais uma vez, que o Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, actualmente residente na Maia, confiou-me, no primeiro encontro da nossa tertúlia, na altura em que tive o prazer de o conhecer pessoalmente - na Ameira, em Montemor-o-Novo, em 14 de Outubro de 2006 -, uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o nosso abandono de Guileje. A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre Dezembro de 1972 e Maio de 1973.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1. Contribuições para o Museu de Guiledje serão bem vindas!

A comissão organizadora do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau vem lembrar-nso que o Muzeu de Guiledje "será tanto guineense como português, pertencendo a todos os que lá viveram e o defenderam, aos que o combateram e participaram no assalto final, aos filhos e netos de uns e outros, às populações locais que precederam a construção do quartel. Enfim, a todos os que se engajaram para preservar a sua memória colectiva.
A Iniciativa de Guiledje tem recebido inúmeras contribuições para a sua história sob a forma de fotografias, documentos, relatórios, testemunhos orais e visuais e de pesquisa documental".

É nesse sentido que vem apelar "a todos os que se desloquem para vir participar no Simpósio de Guiledje para que contribuam com uma recordação sob a forma de aerograma, crachá, livro da Unidade, fotografia, etc.".

O primeiro a dar o exemplo foi o José António Carioca, dos Gringos de Guiledje, o qual doou ao Museu um emissor-receptor do tipo que lá se usava. E a propósito, vamos pedir aos nossos especialistas da arma de transmissões para identificarem o aparelho.

O Núcleo Museológico de Guiledje, em construção, compreenderá:

(i) um Centro Documental que disporá de um Diorama do quartel, um grande Poster com as posições militares do PAIGC no momento do assalto final a Guiledje, uma exposição de fotografias e um serviço de computadores contendo um arquivo digital, documental e fotográfico, onde através de um conjunto de entrevistas em formato DVD estarão registados os testemunhos de muitos dos participantes guineenses, caboverdianos, cubanos e portugueses que por lá passaram durante a guerra colonial;

(ii) e um Museu, albergando armamento, equipamento e outro material, português e do PAIGC, que está a ser (ou venha a ser) cedido.

Embora o espaço do Museu vá ser restrito, pretende-se que disponha de:

(a) um Unimog e um Pentenclas, meios de transporte de referência de um lado e outro da barricada;

(b) armas do PAIGC: uma RPG-7 (ou RPG-2), um morteiro de 82 mm (ou 120 mm), uma metralhadora pesada Degtyarev (ou Goryunov), uma ligeira Degtyarev, uma pistola-metralhadora PPSH (costureirinha), Thompson, M-23, uma espingarda semi e automática AK-47 Kalashnikov, Simonov, Mosin-Nagant e uma pistola Tokarev e Ceska;

(c) armas de Portugal: uma espingarda automática G-3 e FN, uma metralhadora MG-42, uma espingarda Mauser, LGF Bazooka e Dante, um morteiro de 60 mm, 81 mm e 10,7 cm, e uma pistola Parabellum e Savage.

Seria bonito que a malta que vai à Guiné-Bissau participar no Simpósio, incluindo alguns camaradas da mimitertúlia de Matosinhos/Porto que já vão partir de jipe no próximo dia 21 de Fevereiro, e os outros que vão de avião, pudessem levar alguns objectos de interesse museológico, para enriquecer a colecção do nosso Museu de Guiledje...

2. Portanto, aqui fica o apelo à nossa sempre solidária Tabanca Grande, em particular, e ao pessoal da blogosfera, em geral:

Amigos & Camaradas:

Aceitam-se (e divulgam-se) ideias, sugestões, fotografias, aerogramas, postais, mapas, vestuário (civil e militar), latas de rações, garrafas com rótulos, pulseiras de missanga, mezinhos, medicamentos, pasta dentífrca, pomada antivenéria,, artigos religiosos (santinhos, terços...), livros, brochuras, planfletos, crachás, armas, objectos, grandes e pequenos... e até inclusive um obus 14, um matador, uma Fox, um T 6... Tudo com legenda, ano, utente ou proprietário, como manda a lei...

Dia 21 partem mais camaradas nossos através da rota do Lisboa-Dakar. Entre eles, o nosso campeão Xico Allen, que acaba de chegar de Bissau, e que já é mais mouro do que morcão...

______________

Nota dos editores:

(1) vd, poste de 24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

Guiné 63/74 - P2540: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (20): A morte de Uam Sambu, na Missão do Sono, em Bambadincazinho

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Tabancas de Bambadincazinho onde estava instalada a Missão do Sono. Estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Foto do Luís Moreira (ex-alf mil da CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/71; BENG, Bissau, 1971; será gravemente na explosão de uma mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971, em Nhabijões, no mesmo sítio onde duas horas depois rebentaria outra mina que atingiu a viatura onde ia um Gr de Combate da CCAÇ 12, e onde seguia o editor do blogue) (1).

Foto: Luís Moreira (2005). Direitos reservados.

Cópia do poema escritoi por beja Santos, na morte do Uam Sambu: "O pseudopoema foi escrito logo a seguir à morte de Uam, penso que a 2 de Janeiro.Vim para Bissau a 12, reescreviu-o e enviei-o à Cristina, tal como se pode ver, cheio de dor.Estou doente, mas comecei a dormir melhor.Digo à Cristina que estou ansioso por a ver,suspeito que será em Fevereiro,não será assim. Saio de Bissau, e com o Pel Caç Nat 52 vamos para a operação Topázio Valioso" (BS).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), remetido em 13 de dezembro de 2007:

Luís, tal como prometido, aqui tens mais um episódio esta semana. Seguem amanhã as capas dos livros. Se tivesses uma fotografia com a missão do sono do Bambadincazinho era o ideal. Creio que tens uma fotografia da vossa passagem de ano, na messe de sargentos. E, como sempre, temos a espelunca da ponte de Udunduma. Para a semana volto a interrogar o Queta e o Pires. Faltam-me cartas e as que tenho falam mais no casório do que nas coisas da guerra (vou casar por procuração no inicio de Fevereiro). Recebe um abraço do Mário.

Operação Macaréu à vista > Episódio XX

A MORTE DE UAM SAMBU

por Beja Santos

(i) Aquela tumultuosa noite de passagem de ano

Um pouco antes do lusco-fusco, o Setúbal levou-nos para a Missão do Sono, no Bambadincazinho, partíamos para uma emboscada visando proteger Bambadinca a partir da estrada de Mansambo, fazia parte do plano defensivo do quartel. O transporte por Unimog era obrigatório por causa das munições, pois caso houvesse flagelação das gentes de Galo Corubal, Bambadinca não podia ripostar na nossa direcção, seríamos nós a reagir ao fogo inimigo.

A velha Missão do Sono resistia de pé e ainda em bom estado, era uma daquelas construções coloniais típicas, rebocada de branco, bem telhada, paredes arejadas e com uma varanda simpática com tijolos, cuidadosamente cimentada. Em torno do edifício, a malta da engenharia com a tropa do batalhão fizeram um largo U que era uma barricada de bidões cheios de terra, com uma leve cobertura de cimento.

Era aí que passávamos a noite, duas sentinelas em permanência, não era recomendável pernoitar dentro da missão, uma simples roquetada podia fazer uma mortandade, abrigávamo-nos junto dos bidões, os cunhetes de granadas de bazuca e morteiro num espaço central, bem como os cunhetes de balas e o telefone de campanha. Pelas 6 da tarde, estávamos todos instalados, havia cantis e rações de combate, atendendo que se tratava de uma estadia de doze horas.

Há muito pouco a contar sobre estas noites de emboscada. Até ao anoitecer, estávamos entretidos a ver a população chegar e a partir de Bambadinca, havia gente a viver na região de Água Verde, mas também em Iero Nhapa, Aliu Jai, Sare Nhado e Queroane. Depois, crescia o silêncio total pontuado pelo piar das aves e o restolhar dos animais. À distância de dois quilómetros, talvez um pouco mais, os holofotes no quartel referenciavam com clareza a estrada para Mansambo. Mas a mata fechada era imponente, era dali que procurávamos ouvir os sons de uma intempestiva flagelação.

Inactivos, aproveitávamos para conversar em voz baixa: quem estava doente, quem queria ir de férias, com mais discrição alguém perguntava ao alferes se este podia adiantar duzentos ou trezentos escudos, seguiam-se as explicações intermináveis, a cerimónia de um choro, uma mãe muito doente, um paizinho no hospital, a compra de um rádio, dar dinheiro ao irmãozinho que ia para Bolama, há sempre argumentos de toda a ordem para pedir dinheiro emprestado ou adiantado. Depois, chegava a modorra, lá nos aconchegávamos na friagem da noite, levávamos mantas e adormecíamos aos três e quatro, o Domingos umas vezes, outras o Queirós, outras o Benjamim, outras o Barbosa, iam chamar de duas em duas horas os novos sentinelas. Quem podia dormia, os outros procuravam dar repouso ao corpo, recordavam quem os esperava em Portugal, o que fazer depois do fim da guerra. E assim chegávamos ao amanhecer.

Só que naquela noite tudo aconteceu às avessas, por capricho do destino. Do Xime primeiro, do outro lado do Geba, depois, começou um medonho foguetório quando precisamente se deu a passagem de ano. No caso do Xime era horrível de se ver, o céu rasgado pelas descargas do fogo das espingardas metralhadoras, das saídas de morteiro e bazuca, mas havia o incompreensível silêncio do inimigo que não se apresentava.

Irei escrever à Cristina:

“Era meia noite e estava eu em ânsias, impressionado com o potencial de fogo, supondo que aquela flagelação arrasaria o quartel. Liguei para Bambadinca (maior deste chama maior desse, proponho ir auxiliar força atacada, escuto, e depois de um longo silêncio com o ruído de fundo do costume, o maior daquele avisou-me que eram tiros de festa, devia haver ali uma boa bebedeira, que o maior deste não se preocupasse). Quando nos preparávamos para descansar, foi a vez do fogo de Mansambo, desta vez nem usei o telefone de campanha, não chegaram instruções de Bambadinca. A partir das 2 da manhã, demos por finda a preocupação com o tiroteio dos outros, a sua exuberância de reveillon na floresta. E depois da tempestade veio a bonança. Mal sabia eu que estava no princípio dos meus azares”.

O Setúbal já nos tinha avisado que viria o Xabregas ao amanhecer, eu que não estivesse preocupado. Assim que clareou, todos de pé, arrumadas as mantas, satisfeitas as necessidades mais prementes nas redondezas, esperámos a tiritar a aproximação dos faróis do Unimog, procurando desentorpecer os músculos. Assim foi naquele amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. O Xabregas trouxe um burrinho, o que significava dez militares sentados, 20 a pé. Dez não, um outro saltava para o lado do condutor, mais um outro encavalitava-se junto do alferes. Uam Sambu senta-se ao pé de mim e diz a Quebá Sissé:
- Sobe Doutor, dá cá a mão! - Vejo o riso feliz e sempre aberto de Quebá Sissé, segue-se o estrondo inusitado de uma rajada de G3, procuro levantar-me, oiço gritos de aflição, imprecações, um coro desorientado de protestos, e é nisto que Uam me cai nos braços enterrando-me no assento:
- Alferes, estou morto!”

Com Uam no meu colo, vejo o seu peito esburacado, os lábios num esgar de dor, o olhar a esmorecer, o sangue passa para a minha farda em abundância. O burrinho corre em poucos minutos nas mãos expeditas do Xabregas até à enfermaria. Vou a correr tirar da cama o Vidal Saraiva que se debruça atarantado sobre Uam com o peito tracejado por diferentes perfurações. Cá fora, desenrola-se uma outra tragédia, há quem ameace o Doutor, ouve-se a palavra assassino, ouvem-se as expressões impensadas do costume. Ora, tinha sido o mais estúpido dos acidentes, o malogrado Doutor ao subir metera o dedo no gatilho e fulminara Uam, o Doutor era a alma mais pacífica do 52, ninguém lhe conhecia azedume, aguentara estoicamente todos os comentários ao seu trabalho de cozinheiro. Percebendo que era necessário pôr termo àquela ira dementada, disse ao Domingos:
- Não quero aqui ninguém, tudo para a tabanca, tu desces imediatamente com eles e explicas que foi um acidente, quem tocar no Doutor tramo-lhe a vida.

Dita a bazófia, acerquei-me da marquesa onde o Vidal Saraiva me avisou:
- Só por milagre se salva, tem os órgãos vitais atingidos, veja o sangue aos cantos da boca, pulmões e rins têm lesões que presumo serem irreversíveis. Vamos ver como é que ele se aguenta até Bissau.

A DO chegou rapidamente e lá fomos todos a acompanhar o moribundo até à pista de aviação, Binta, a mulher do Uam, gritava o seu desespero, o Pel Caç Nat 52 assistia ao transporte de Uam num silêncio total, estarrecido. Dispersámos, o Vidal Saraiva era o mais acabrunhado entre nós.

À tarde fomos trabalhar para Galomaro, levámos coisas a Madina Bonco, depois Bafatá, à noite voltámos à missão do sono. Escrevi à Cristina:

“Pelas 10 da noite desse 1 de Janeiro, o Reis telefonou da ponte de Udunduma dizendo que tinha um soldado gravemente ferido. Lá fomos e trouxemos um apontador de morteiro que estava com uma mão escavacada pelos impactos de uma morteirada. Logo a seguir foi a nossa vez de voltarmos para a ponte”.

Era assim esta nossa guerra sem feitos épicos, só mágoas e canseira. No dia seguinte, chegou-nos a notícia de Bissau: Uam finou-se no bloco operatório.

(ii) As minhas recordações de Uam

Quando cheguei a Missirá, no início de Agosto de 1968, Uam tinha sido evacuado na véspera, com o peito estilhaçado, em resultado de ter tocado nos fios de uma armadilha. Só o conheci em Abril de 1969, quando regressou totalmente restabelecido. Escrevi dele no meu caderninho de viagem, convencido que dominava a prosa poética: “É um azeite de palma com ceptro de maracujá, enfeitado com bicos de periquitos no seu guarda de corpo”.

Vinha do Morés, sabia rir devagar, possuía um andar elegante, o seu comportamento militar era o de um herói. Conhecera ferimentos graves em duas emboscadas. Os seus estilhaços formavam nódulos no peito, e por isso ele ia a Bambadinca extrair insólitos pedaços de ferro e aço que deixava o médico pasmado. Era um prazer passar, nas noites de Missirá, um pouco na sua companhia quando eu o visitava no reforço. Ouvi-lhe contar narrativas guerreiras mansoanques, eu ficava deslumbrado. Ao fim da tarde, ele despia o camuflado, adornava-se de amuletos e fetiches punha um manto com as cores de Navarra, lembrava-me um Zulu.

Numa das minhas conversas com Lânsana, perguntei-lhe se os mansoanques eram islamizados. O padre de Missirá respondeu-me que os mansoanques eram totemistas, acreditavam nos elementos da natureza, nas pilhas de fogo, nos símbolos aquáticos, eram gente sem deus. Quando fomos destacados para Bambadinca, o estado de saúde do Uam tinha-se agravado, já não podia fazer operações, tal a sua fragilidade.

Talvez o tenente Pinheiro tenha razão, eu estou a amalucar, quando o helicóptero o leva para Bissau e Binta Sambu arranca os cabelos, transida com o arame farpado profundo, eu inventei uma lenda. Que um anjo lhe acobertara a nudez e que o dia se estava a avermelhar num calor de tornados e febres. Que Uam corria velozmente para o céu onde foi recebido em festa e que o Uam se torcionava ao som de um batuque trepidante. Ele fumava um canhoto (cachimbo), para mim ele tinha morrido de olhos abertos, lembrava-me do que me tinha dito Mamadu Camará de uma emboscada que o 52 sofrera em Canturé, em 1967, ele em cima de um Unimog, de pé, reagiu à emboscada, estava em dia fasto, nenhuma bala lhe roubou a vida.

No meu quarto, escrevo poema para Uam Sambu, uma coisa sem importância que vou mandar num aerograma para a Cristina:

Canhoto chupado, preto mansoanque, manto
de Navarra, um gamo antigo.

Nascera na hora de batuque, acima do Oio,
tabanca era Sambu.
No peito, traços de estilhaços, mas estilhaços
O níquel da vida...


E digo à Cristina que estou doente, incapaz de resumir em meia dúzia de linhas tudo o que me vai na alma. E termino: “Desejo ardentemente o nosso encontro, começar a fazer-te feliz.”


Copia da obra Casa Grande e Senzala, do brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987). Edição: Livros do Brasil, Lisboa. "Esta obra,tal como Sobrados e Mucambos,entusiasmou-muito: estava finalmente a confrontar-me com um colono retratado a corpo inteiro, o que era impossível na Guiné. Curiosamente, voltei a ler este livro quando fiz História do Brasil" (BS).
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


(iii) As minhas recordações do Xabregas

Chamava-se Mário Dias Perdigão e quando o voltei a ver, no fim dos anos 80, trabalhava na Trevauto, na rua de Arroios, em Lisboa. Eu representava o Ministério do Ambiente no Conselho de Prevenção do Tabagismo, que funcionava num serviço do Ministério da Saúde, ali perto. Um dia, olho para o balcão de atendimento da Trevauto, o rosto daquele homem que escrevia atentamente num livro de encomendas, era-me familiar. Entrei, apontámos um dedo um ao outro e houve gritaria no reencontro. Deu-me o seu cartão, queria que eu fosse a sua casa. Todos os meses se repetia o ritual, eram uns minutos de recordações de Bambadinca e arredores.
- Oh meu alferes, lembra-se quando fomos ao Xitole e a GMC rebentou os pneus debaixo de uma mina? Os sapadores vieram, não havia novidade, mudámos os pneus, lá seguimos para o Xitole e para o Saltinho... Oh meu alferes, e se aquele gajo que matou o outro no dia 1 de Janeiro [de 1970] tem enfiado uma rajada em nós? As coisas que vivemos, meu alferes!.

Até que um dia passei por ali e não vi o Xabregas no balcão, o que me surpreendeu já que poucos meses antes o tinha encontrado uma noite no Café Império, e ficara aprazada uma nova visita com almoço, depois de uma das minhas reuniões do Conselho de Prevenção do Tabagismo. Dirigi-me a um outro colega e pedi para falar com o Xabregas:
-O senhor não sabe? O Mário Perdigão morreu com cancro, no fim foi quase fulminante. Não o avisaram?.

Saí cá para fora, apatetado. O Xabregas era um dos meus telefones para o passado, nunca aceitamos estas separações sem um grito de revolta. Limpei os olhos humedecidos, continuei a caminhar, mas mais lentamente, a refazer-me da perda.


(iv) Leituras, entre Bambadinca e Bissau

No inicio do ano, numa operação no Xitole, a Navalha Polida fez-se um prisioneiro em Satecuta (3). Dias depois, ambos algemados, partiremos para Bissau, ele para ser interrogado, eu para fazer tratamento às minhas insónias. Até lá, foi o penar do costume: colunas, Nhabijões, reabastecimentos de emergência, ponte de Udunduma. O Cherno procurava lançar a lenda que eu era um guerreiro imortal, mostrando a minha camisa perfurada pelas balas que tinham atingido Uam. Creio que uma conversa em privado falando-lhe na sorte e no destino não o convenceu. Até hoje.


Capa do romance policial de Elleru Queen, A Porta do meio. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. Colecção Vampiro.

"Percebo como Ellery Queen passou de moda. Eram tramas de perspicácia, ajustes de contas densamente elaborados, por vezes ao arrepio da informação sumária que se fornecia ao leitor. Aqui, é inteiramente impossível supor-se que um pássaro possa fugir com uma metade de tesoura e fazer recair as suspeitas sobre uma inocente. Uma boa capa de cândido da Costa Pinto, tradução de Wilson Velloso, revisão de Baptista de Carvalho". (BS).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Não é possível ler na ponte de Udunduma depois de anoitecer, mas até lá desforro-me. Primeiro um Ellery Queen original, com os seus crimes da mente, bem elaborados, vinganças que acabam no caixão. Desta feita, a famosa escritora Karen Leith, meio americana, meio japonesa, aparece morta no seu gabinete de trabalho, cá fora estivera sempre a filha do Dr. MacClure, o noivo de Karen e prestigiadíssimo médico, não há outro acesso possível que a porta sempre vigiada. Todos as suspeitas recaem sobre Eva McClure. Ellery, detective por acidente, vai descobrir na sua investigação diferentes ajustes de contas do passado remoto, descobre que Karen obrigava a irmã a escrever as obras primas que passavam por ser dela, que houvera um hara-kiri, que um pássaro levara a arma, que o Dr. MacClure preparara a frio uma tenebrosa vingança. Uma porta do meio, entre o gabinete da vitima e o sótão era a chave do mistério. A Porta do Meio é uma obra digna da Colecção Vampiro e das construções cerebrais de Ellery Queen.

Prato de substância da semana foi Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, um estudo monumental sobre a origem da família brasileira no colonialismo português. E, de facto, estão ali elementos que mostram ao colonizador e a sua obra: o carácter português, entre o fatalismo e os rompantes do heroísmo, a sua capacidade de adaptação, a nova agricultura escravocrata e o nascimento de uma sociedade colonial e patriarcal. Os brancos na casa grande e os negros na senzala, a vida dura, a construção de um equilíbrio feito de antagonismos: na economia e na cultura, com europeus e indígenas, no mundo agrícola e na extracção mineira, com os jesuítas e os fazendeiros, os bandeirantes e os senhores do engenho, os bacharéis e os analfabetos. Nascia um modo novo com mestiços e filhos naturais, o cristianismo lírico à portuguesa, uma hospitalidade única no mundo. É uma leitura estimulante, vou levar Gilberto Freyre e a Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro para Bissau.

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Notas dos editores:

(1) Vd. postes de:

18 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXVII: O meu Natal de 1969 em Bambadincazinho (Luís Graça)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)

" (...) O dia 13 [de Janeiro de 1971] seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos (...)"


(2 Vd. post de 8 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2513: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (19): O Natal de 1969 em Bambadinca e na Ponte do Rio Udunduma

(3) Vd. poste de 7 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXII: Assalto ao destacamento IN de Seco Braima, na margem direita do Rio Corubal (Janeiro de 1970, CCAÇ 12, CAÇ 2404, CART 2413) (Luís Graça)

(...) "Em 2, às 5h00, dava-se início à Op Navalha Polida para uma batida à região de Galo Corubal-Satecuta-Seco Braima, e em que participaram 3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A), além de forças da CCÇ 2404 (Dest B) e CART 2413 (Dest C), [estas duas últimas sediadas, respectivamente, em Mansambo e Xitole].
No dia seguinte, às 3h30, os Dest B e C iniciaram o movimento em direcção a Satecuta. E uma hora mais tarde o Dest A começou a deslocar-se para a região de Seco Braima, tendo ouvido por volta das 7h00 ruídos do pilão e vozes humanas.

Dirigindo-se imediatamente nessa direcção, o Dest A [CCAÇ 12] teve de cambar um curso de água, utilizando uma ponte submersível feita de troncos de cibe, deixando então de ouvir as vozes por se encontrar numa baixa.

Entretanto, o 4º Gr Comb ficava emboscado junto ao ponto de cambança. Continuada a progressão ao longo da margem, ouviram-se de novo vozes. Feita a aproximação de maneira cautelosa, verificou-se que havia ali um destacamento avançado do IN que deveria constituir o dispositivo de segurança próxima da tabanca de Seco Braima.

Como era impossível qualquer manobra de envolvimento sem ser detectado, devido ao capim e à vegetação arbustiva, o Comandante do Dest A deu ordem para que os homens da frente fizessem um assalto imediato. O acampamento foi atacado à granada de mão, tendo-se ouvido gritos lancinantes de dor.

Apesar de surpreendido, o IN reagiu rapidamente com armas automáticas, ao mesmo tempo que retirava, levando dois corpos de arrasto (no terreno havia sinais de arrastamento de 2 corpos através do capim e vestígios de sangue).

Concentrando o fogo na direcção da retirada do IN, os 2 Gr Comb (1º e 2º ) do Dest A tomaram o acampamento que era constituído por 5 casas de mato. Feita a batida a zona, encontrou-se o seguinte material:

5 granadas de RPG-2,
1 carregador de Metralhadora Ligeira Degtyarev,
2 lâminas 18 cartuchos,
além de vários utensílios e um balaio cheio de arroz.

Entretanto, já os Dest B e C tinham atingido o acampamento de Satecuta, de resto abandonado. Porém, devido aos rebentamentos que se ouviam da direcção de Seco Braima, alguns elementos IN, de passagem em Satecuta, foram alertados e na fuga seriam interceptados pelo Dest C [CART 2413] que abriu fogo sobre eles. 0 IN reagiu da vários pontos da mata. Na perseguição as NT fizeram um prisioneiro que ficara para trás, ferido.

Quase simultaneamente os 2 Gr Comb do Dest A em Seco Braima começariam a ser flagelados com canhão s/r e mort 82, instalados na margem esquerda do Rio Corubal, em frente de Ponta Jai. Foi entretanto pedido apoio aéreo e dada ordem de retirada pelo PCV. Enquanto os bombardeiros T 6 martelavam as posições do IN, as NT retiraram mas ordenadamente.

Os 3 Dest encontraram-se na estrada por volta das 13h00, tendo o Dest C seguido para o Xitole e os Dest B e A para Mansambo em coluna apeada (até à Ponte dos Fulas e ponte do Rio Bissari, respectivamente).

Em resultado da acção das NT, o IN teve 2 mortos prováveis e vários feridos confirmados, além dum capturado" (...).

Guiné 63/74 - P2539: As nossas mulheres (2): Em Dia de São Valentim... ou o amor e a morte em tempo de guerra (Mário Fitas, Torcato Mendonça, Manuel Bastos)



Cópia de aerograma, tendo por remetente o Manuel Correia de Bastos, SPM 8244...

Foto: Blogue de Manuel Correia de Bastos > Cacimbo - Episódios da Guerra Colonial


1. Em dia de São Valentim, lembrei-me de mandar a seguinte mensagem à malta da nossa Tabanca Grande:

Assunto - O São Valentim não andou na guerra

Amigos/as & camaradas:

Então, em Dia de São Valentim (uma modernice da sociedade de consumo, diga-se de passagem…) não há um carta de amor escrita em tempo de guerra ? Onde estavam os (e)ternos namorados de antigamente ? Ou a guerra matava a paixão, o desejo e a inspiração poética ?

Camaradas, no feminino, não havia, tirando as enfermeiras pára-quedistas… Mas essas eram de mau agoiro, por mim nem vê-las nem cheirá-las… Como eu costumava dizer, elas eram as nossas Jocastas que vinham arrancar os seus filhos às guerras da morte... Só levavam os feridos, nunca os mortos... Restavam as saudosas madrinhas de guerra que, afinal, não eram assim tantas como a gente pensava…

Segundo a nossa sondagem, a que responderam, até agora 89 participantes:

(i) cerca de dois terços (64%) não tinham madrinha de guerra.

(ii) dos 32 que se correspondiam com madrinhas de guerra (excluindo esposa, noiva ou namorada), um terço era "monogâmico" (tinha só uma);

(iii) 16 tinham duas ou três;

(iv) apenas uma minoria de nós (5%) correspondia-se com quatro, cinco, seis ou mais madrinhas de guerra…

A nossa amostra, como tudo o indica, não é representativa da população de militares (soldados, cabos, furriéis, sargentos, alferes, milicianos e não milicianos, etc.) que fizeram a guerra colonial... Afinal, quem é que coleccionava madrinhas de guerra ? Os escriturários ? Os básicos ? Eu sempre ouvi dizer que havia malta a receber dezenas e dezenas de cartas e aerogramas...

De qualquer modo, ainda faltam dois dias para terminar o prazo de resposta.

Um Bom São Valentim.

Um Beijinho às bajudas da nossa Tabanca Grande. Tratem bem os vossos homens grandes.

Um Alfa Bravo para os nossos moiros e morcões. Sejam gentis com as vossas bajudas. Luís

2. Tive, de imediato, a resposta de três camaradas: o Mário Fitas, o Torcato Mendonça e o Manuel Correia Bastos. A resposta do Manuel Bastos, que andou por Çomçanique, e é o autor de um belíssimo blogue, o Cacimbo, merece um especial destaque (vd. a seguir, ponto 3).

2.1. Do Mário Fitas:

Mentira! Estão mas é todos caladinhos, para não se saber os malandros que foram!

Estou a brincar, Chefe. De qualquer forma, e complicado como foi, alguém que partiu ainda em botão escrevia-me todos os dias. Com os recatos devidos, se quiseres, podes publicar as pag. 145 a 148 de Putos, Gandulos e Guerra. Amor, desvaneio, prosa e poesia em tempo de Guerra. Umas décadas de avanço à época em que vivíamos. Dor e saudade, tresmalhados nos carreiros da mata de Cbolol.
Se o fizeres, para mim será um louvor a essa criança Mulher, que não teve tempo para viver a vida.

Chefe da Tabanca Grande, somos tão piquenos! Força para os homens e
mulheres que o souberam ser.

Do tamanho do Cumbijã, o Abraço de sempre.

Comentário: Uma Oscar Bravo, muito sentido. Não será hoje, mas publicarei esse teu texto de homenagem à criança-mulher que a morte levou cedo... Lamento muito. Depois aviso-te. LG

2.2. Do Torcato Mendonça:

Abro e dou de caras com o S. Valentim. Já, no nosso tempo teriam inventado o dia dos namorados ?

Havia muitos apaixonados. Tanto assim que alguns escreviam diariamente… Era obra!

Não tenho carta ou bate-estradas desse tempo… E tudo o vento levou (com a devida vénia)...Nem os amores da altura ficaram... as madrinhas de guerra... Ccomeço a recordar… Ainda um dia escrevo.. Melhor, junto letras e por aí fora...

Sabes(sabem), camarada(s), a espera do correio desesperava muita gente. Era faca de dois gumes: por um lado levantava o moral das NT mas, se recebido na véspera de uma operação... era uma chatice... A malta tinha a cabeça cá. Pior: tinha as duas e isso desestabiliza(va) um homem.

Mas só tu… te lembravas do S. Valentim dentro da guerra… Oh, oh,oh… porro em riste, como arma ia o Santo... Se usei linguagem menos própria, perdão, não ao Santo mas enfim… Como se chamará o Santo da paciência?

Um abraço que vos envolva a todos

Torcato Mendonça


Comentário de L.G.: Fico à espera dessas letras, todas juntinhas uma a uma...LG


3. Do Manuel Bastos, que foi furriel miliciano em Moçambique, e é autor do blogue Cacimbo onde tem publicado belíssimos textos como este, que ele nos manda:

Boa tarde, Luís Graça:

A título de contributo para a celebração do Dia dos Namorados anexo um texto que publiquei em tempos no meu blog. Se achares de algum interesse e o quiseres publicar basta copiar o texto que leva os códigos de html para exibir uma foto e colá-lo directamente no separador de html do editor de texto para uma nova mensagem do bloger.

Um abraço

Manuel Bastos

Cacimbo - Episódios da Guerra Colonial Aerograma

Mueda, 10 de Março de 1972



Meu amor,


Hoje morreu o Rivelino. Disseram que morreu. É irremediável, mas queria falar disto a alguém.

Sabes? Quando morre alguém nós ficamos um pouco mais sós. Por isso te escrevo, um dia quando te conhecer, quando nos amarmos e quando eu precisar de dizer isto outra vez a alguém, entrego-te este aerograma, para me fazeres companhia.

Aqui onde estou, a meio mundo de ti e a meia vida de te conhecer, há uma guerra e todos os dias morre alguém, é como se deus fizesse connosco o que eu estou a fazer agora com aquelas latas de cerveja alinhadas na vedação. Hoje a lata em que deus acertou chama-se Rivelino e eu precisava de chorar um pouco.

Eu choro sempre que morre alguém, mesmo que morram várias pessoas por dia. É a minha maneira de não aprender a morte; mesmo que não me apeteça chorar, choro. É uma espécie de exercício para não me esquecer que sou humano.

De vez em quando interrompo este aerograma e dou um tiro numa lata de cerveja e não vejo que prazer pode dar isso. É por pura curiosidade que o faço, para ver o que pode ter sentido deus quando o Rivelino morreu.

Falhei. Não é fácil acertar numa lata de cerveja com uma G3 a esta distância. Se aquela lata fosse o Rivelino eu hoje talvez não tivesse chorado, talvez não estivesse a escrever este aerograma e talvez não te viesse um dia a conhecer.

Mas o Rivelino morreu e eu sinto que é imperioso não deixar que isso passe em vão.

Aponto de novo a G3 e a lata de Laurentina aguarda ao longe que a minha pontaria volte a falhar. Eu enchi as latas de areia e quando lhes acerto em cheio elas explodem. É mais divertido assim, pensei eu, do que com uma lata vazia. Mas quando se trata de destruição e de morte não vejo que o espectáculo divirta mais.

Será por isso que dizem que deus pôs uma alma dentro de nós, será que é para ela explodir quando morremos, para ser mais divertido?

Não faças caso. Eu sei muito bem que não é deus que faz connosco o que eu faço com as latas de cerveja; são pessoas como eu que fazem isso, pessoas que aceitaram a missão de nos irmos abatendo uns aos outros por um motivo de que já nem sequer nos lembramos.

Quando esta guerra acabar ninguém se lembrará mais do Rivelino, então um dia, quando eu me sentir tão só como hoje e me apetecer dar tiros em latas de cerveja, eu hei-de encontrar este aerograma e dar-to-ei como se tu fosses a minha correspondente de guerra e nessa altura a solidão desvanecer-se-á um pouco.

Mas tenho que te encontrar primeiro, tenho que ir tentando pela vida fora até ter a certeza que és tu a destinatária deste aerograma.

Saberei que és tu se ao olhar-te não me apetecer chorar ninguém, como se não tivesse havido uma guerra, como se eu não tivesse feito com homens como eu, o que agora faço com as latas de cerveja.

E então sentirei um apelo enorme para te contar tudo isto, como se a música de um piano se soltasse, retinindo pérola a pérola sobre o pesado mármore do silêncio e acordasse em mim o riso e a inocência.

Se fores tu, lembraremos o Rivelino como uma criança inocente antes de lhe terem dado a missão que só é costume desculpar aos deuses e que na verdade nos transforma a todos em predadores ou em presas, em projécteis ou em alvos.

Se fores tu, terei a certeza que não aprendi a lição da morte, e este aerograma terá finalmente a sua destinatária.


Com todo o meu amor,

Manuel

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2538: Guineenses da diáspora (2): António Rocha, economista, casado com Juvelina Cabral, irmã de Amílcar Cabral

Guiné-Bissau > Bissau > 1998 > "Almoço no Clube de Caça da Anura, em 1998. Eu sou o segundo do lado direito, no primeiro plano. O segundo do lado esquerdo, no primeiro plano, é o Rocha, economista, casado com a Juvelina Cabral (irmã do Amílcar Cabral), que moravam na altura em Bissau (estão actualmente em Angola).

"Mesmo de frente, o homem de bigodes é o comandante do navio mercante que trouxe os portugueses quando se deu o golpe de Ansumane Mané (1); ao seu lado direito está o gestor da GUIPOR (empresa detentora da exploração do Porto de Bissau, na altura em mãos de portugueses)" (2).

Foto e legenda: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do António Rocha, enviada ao A. Marques Lopes, com conhecimento ao editor do blogue:


Assunto - Guiné da minha saudade, Guiné da minha tristeza

Caro A. Marques Lopes:

Eu sou o Rocha, o economista casado com a Juvelina Cabral e que agora reside e trabalha em Angola e que, num dia de 1998, creio que pouco tempo antes da guerra civil da Guiné (1), teve o prazer de o conhecer, curiosamente na companhia daquele que seria o nosso Comandante salvador.

Creio que já há cerca de dois anos quando fazia uma pesquisa relacionada com a família Cabral, descobri, num dos primeiros sites da lista de resultados, a vossa tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné, que no excerto de apresentação fazia referência a mim e à minha mulher.

Claro que fui imediatamente ao sítio do blogue e lá descobri o seu artigo com a fotografia no Clube de Caça de Anura (publicado em 7 de Agosto de 2005)(2), e resolvi escrever o texto seguinte, o qual enviei para o e-mail do Professor Doutor Luís Graça.

Curiosamente hoje, quando estava a reorganizar o Outlook (que há muito tinha deixado de usar) descobri que o tal e-mail ainda estava no arquivo de "a enviar".

Então revisitei o Blogue e entendi reenviar o texto mas, agora, também para si uma vez que lá descobri o seu endereço.

Já agora também lhe digo (porque vi que é de ou mora em Matosinhos ou Porto) que sou nascido e criado no Porto e durante muitos anos trabalhei em Matosinhos e em Leça, na Petrogal.

O texto que na altura julguei ter enviado foi o seguinte:

"Luís Graça e amigos,

Não poderei considerar-me do vosso grupo, no sentido em que não fui combatente nem na Guiné, nem na guerra colonial.

Consegui escapar, com muita artimanha e também por real incapacidade física (visual). Fui, sim, um combatente contra a guerra colonial, nas trincheiras da oposição anti-fascista, nos débeis períodos eleitorais e nas manifestações da universidade.

Respeito muito quem foi forçado a entrar nessa triste guerra, mas também respeito quem, na altura, se sentia na obrigação e com vontade de defender a pátria e o "glorioso império" português.

Mas entendo ter algo a ver com o vosso grupo porque amo e choro, todos os dias, a minha querida Guiné. A Guiné para onde quis dar o meu contributo voluntariamente em 1985 e me mantive até 2000 (com ano e meio de interregno causado pela guerra), a Guiné onde encontrei a mulher da minha vida, a Guiné que eu vi nascer para a democracia, a Guiné pátria do ídolo da minha juventude - Amílcar Cabral -, mas também a Guiné onde deixei amigos vivos e muitos mortos, a Guiné da minha tristeza diária, a Guiné que tarda em encontrar o caminho e que tanto me faz sofrer.

Eu sou o Rocha, o tal economista que o Coronel A. Marques Lopes refere no Blogue Nove Fora Nada, aquando da sua visita à Guiné em 1998 e que está na fotografia do Clube da Anura (2).

De facto ainda me encontro em Angola, juntamente com a Juvelina, minha mulher, e o nosso neto/filho João Carlos, há quase 7 anos!

Mas, não há um único santo dia que a primeira coisa que faça, não seja ler as notícias sobre a Guiné. Sou um viciado amante da Guiné que há muito só me tem dado motivos para chorar, para me revoltar.

Por isso não serei a melhor companhia para vocês que, passados tantos anos conseguem ver as coisas doutra maneira, que conseguem encontrar sempre algo de positivo ou até de belo nas vossas andanças por aquelas terras.

Isso é muto bonito e encorajo-vos a continuarem a recordar esses tempos tão significativos das vossas vidas, com a serenidade de quem consegue, hoje, ver no antigo adversário um amigo.

Eu só quis intervir para vos dizer que aprecio o vosso blogue, a vossa amizade e solidariedade e, sobretudo, o vosso contributo para o esclarecimento desta época, talvez a mais importante da nossa história contemporânea.
Por mim, despeço-me com amizade, até um dia em que possa intervir com mais serenidade e com o distanciamento e lucidez que vocês conseguem.

Até lá serei vosso atento leitor.

Desejo a todos muitas felicidades e muita saúde e que esta tertúlia se prolongue por muitos e bons anos.

António Rocha - O tuga-guineeense."


Creio que, apesar de decorridos 2 anos, nada teria a mudar deste texto. Continuo a ter os mesmos sentimentos pela Guiné e a sofrer da mesma maneira porque, infelizmente, as coisas não melhoraram, antes pelo contrário...

Só gostaria que um de vós me fizesse o favor de me informar se o endereço da v/ tertúlia é o mesmo pois constato (no que acedi, http://blogueforanada.blogspot.com/) que não foram acrescentadas mensagens recentes (3).

De qualquer modo desejo a todos muita saúde e até um dia.

Grande abraço

António Rocha

2. Comentário do editor L.G.:

António (e Juvelina):
É bom saber de vocês... Gostei muito de ler a tua mensagem que esteve dois anos à espera de ser enviada (permite-me que te trate por tu, por que isso simplifica muita coisa). É de um grande tuga e de um grande guineense.... Lamento muito que tenhas sido obrigado a sair da tua Guiné, e que haja tanta amargura e tanta saudade no teu coração... Fico feliz por saber que te faz bem ler o nosso blogue e que aprecias muitas das coisas que por cá publicamos... Formamos uma Tabanca Grande onde tu e a tua Juveliana seguramente que cabem... Aparece mais vezes, sempre que quiseres e puderes. Se for a Angola, gostaria de te conhecer pessoalmente. Um abraço solidário.

__________

Notas de LG:

(1) O brigadeiro Ansumane Mané liderou, em Junho de 1998, um levantamento militar, a partir do quartel de Mansoa, e que levaram a uma sangrenta guerra civil. Na altura, cerca de 3 mil estrangeiros, incluindo portugueses, tiveram que fugir do país. Ao fim de onze meses, a rebelião acabaria por levar ao afastamento do então Presidente Nino Vieira, e colocar no poder uma Junta Militar liderada pelo brigadeiro.
Ansumane Mané será entretanto morto, alegadamente em combate, nos finais de Novembro de 2000, no decurso de uma também alegada tentativa de golpe de Estado contra o Presidente Kumba Ialá, entretanto eleito.
(2) Vd. poste de 7 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLV: Bissalanca, Bambadinca, Anura... ou três fotos com legenda (1) (A. Marques Lopes)

(3) Desde Junho de 2006, estamos na 2ª série do blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. E formamos uma tertúlia ou Tabanca Grande onde cabem todos os amigos da Guiné e do seu povo... Reservamos, naturalmente, a palavra camarada para os ex-combantentes, portugueses, independentemente da sua posição (político-ideológica) face à guerra colonial / guerra do ultramar...

Guiné 63/74 - P2537: Bibliografia (16): Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

Capa do livro do Mário Beja Santos, Diário da Guiné 1968-1969: Na Terra dos Soncó.Foto: Círculo de Leitores (2008). (Gentileza da Dra Isabel Mafra, da Editora Temas e Debates)

1. Mensagem do Rui Alexandrino Ferreira a dar-nos conhecimento da carta que enviou a alguns Camaradas:


Viseu, 14 de Fevereiro de 2008

Meu caro amigo

Sob o lema “ Não deixemos que os outros contem por nós a nossa história “, Luís Graça, Sociólogo do Trabalho e da Saúde, professor da Escola Nacional de Saúde Pública e da Universidade Nova de Lisboa, que criou e editou um blogue colectivo em que os antigos combatentes da Guiné vêem descrevendo as suas participações naquela que passou à posteridade como a guerra colonial, a guerra subversiva ou a guerra de África.


Sendo que essa guerra foi o marco que condicionou a vida colectiva dos Portugueses na segunda metade do século vinte, continua a ser um tema sempre presente, controverso, discutido e nunca encerrado sobretudo para quem a viveu.

Daí lhe vem não só a importância mas a notoriedade e a curiosidade que o blogue Luís Graça & camaradas da Guiné vem despertando que o fez ultrapassar na data em que te estou a escrever o meio milhão de visitantes: Mais propriamente 525528.

Um sucesso verdadeiramente espectacular. Só possível pela competência, integridade simpatia e espírito de missão daquele nosso camarada que teve além do mais a felicidade, o bom senso e o cuidado de se fazer acompanhar por dois ex-combatentes de excepcional craveira moral, de liderança e de disponibilidade como são o Carlos Vinhal e o Virginio Briote.
Pessoalmente sinto-me muito honrado por pertencer a tão ilustre tertúlia.

Sucede que outro tertuliano de grande valor como é o Mário Beja Santos, figura pública bem conhecida que dispensa apresentações, organizou e vai publicar em conjugação com o Circulo dos Leitores (...) o Diário da Guiné – Na terra dos Soncó.
Estamos certamente perante um livro especial para todos quantos passaram pela Guiné, que aí viveram e a ela se sentem ligados, por quantos tiveram lá algum familiar, por quantos querem saber mais sobre a guerra colonial ou pelos que querem render homenagens ás gerações sacrificadas que, por terras então dominadas pelo espectro da morte, comeram o pão que o Diabo amassou.

Esse livro que é certamente um pouco de todos nós e para o qual te recomendo já a aquisição vai ser lançado no dia 6 de Março, em Lisboa, na Sociedade Portuguesa de Geografia, junto ao Coliseu dos Recreios.

A apresentação terá lugar às 18 e 30.
Aqui fica o meu convite para estares connosco.

Informo-te ainda que nesse dia vamos almoçar na Casa do Alentejo e na parte da tarde antes do lançamento estaremos em convívio numa sala posta à nossa disposição por aquela Sociedade onde como é lógico serás bem-vindo.
Se pretenderes almoçar connosco deverás proceder à inscrição o mais rápido possível eventualmente através da minha pessoa. O custo previsto por pessoa é de aproximadamente 12 euros.

Lá estarei à tua espera.

Um grande abraço.

Rui Alexandrino Ferreira

2.
Lançamento: Lisboa, 6 de Março de 2008, 18.30h, na Sociedade Portuguesa de Geografia.

Almoço: Presenças confirmadas (até 14/02)

1. Henrique Matos, o 1º Cmdt do Pel Caç Nat 52 (vem do Algarve).
2. A. Marques Lopes, (Porto), o nosso Camarada de Barro, de Sinchã Jobel e de tantos outros sítios da Guiné.
3. António Graça de Abreu, (Mafra), que viveu os anos do fim, em Canchungo primeiro, depois em Mansoa e finalmente em Cufar, nas margens do Cumbijã, e autor do bem sucedido "Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura".4. António Santos, (Lisboa), sempre atento e presente em tudo o que diz respeito à Guiné.
5. Delfim Rodrigues, (Coimbra), que esteve em Suzana e Varela, entre 71 e 73.
6. Mário Fitas, (Estoril), que escreveu a história da Pami Na Dondo (Cufar).
7. Rui Ferreira, (Viseu), autor de Rumo a Fulacunda, uma obra cheia de revelações sobre alguns dos acontecimentos mais dramáticos da nossa Guerra.
8. Raul Albino, que esteve em Có, Mansabá e Olossato (1968/70).
9. Carlos Vinhal e Esposa, (de Leça), nosso indispensável editor, capaz de pôr alguma ordem nesta imensa avalanche de informação.
10. Albano Costa e Esposa (de Guifões), o fotógrafo de Guidage e da Guiné de agora.
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vd artigos de: