segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2524: Notas de leitura (7): Não se pode estudar a Guerra Colonial ignorando o MNF e a sua líder carismática (Beja Santos)

Capa do livro da investigadora Sílvia Espírito Santo, Cecília Supico Pinto: O Rosto do Movimento Nacional Feminino, a ser lançado no dia 12 de Fevereiro de 2007. Editora: A Esfera dos Livros, Lisboa, 2008. Preço: c. 20 euros (1).


Notas de leitura >


ELA ERA O ROSTO FEMININO DA GUERRA COLONIAL (2)

por Beja Santos

Cecília Supico Pinto, a Cilinha (diminutivo pelo qual sempre fez questão de ser chamada), era a personificação do Movimento Nacional Feminino (MNF) que ela criou em 1961. Tinha então 39 anos, era uma mulher no topo da hierarquia social salazarista e o eclodir da guerra em Angola levou-a a fundar uma “associação sem carácter político e independente do Estado”, disposta em congregar “todas as mulher portuguesas interessadas em prestar auxílio moral e material aos que lutam pela integridade do território pátrio”.

Cilinha tornou-se numa líder carismática, uma energia trasbordante que circulava regularmente entre Portugal e África. Espontânea, conhecida pela sua frontalidade, não era equívoco para ninguém a sua desvelada afeição pelos território ultramarinos, tal o seu ajustamento aos princípios morais e ideológicos do Estado Novo. Cilinha sempre legitimou a política colonial de Salazar e sempre apelou para que a opinião pública fosse generosa para aqueles que combatiam em África.

“Cecília Supico Pinto, o rosto do Movimento Nacional Feminino” por Silvia Espírito Santo (A Esfera dos Livros, 2008) é a biografia dessa mulher que vestiu camuflado e percorreu as frentes de batalha, chegando a ser ferida. Tudo em nome de uma missão. Como ela confessa neste livro:

“Dei tudo o que tinha. O Movimento foi a minha vida (...) A única coisa que nunca disseram de mim era que eu não trabalhava e que não estava presente em permanência, isso estive toda a minha vida. O chefe é o primeiro servidor de um ideal, o meu ideal era aquele e eu tinha que servir muito mais do que todos os outros”.

Casou com o Ministro da Economia, Luís Supico Pinto, no fim da guerra, e de Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho, nome de estirpe aristocrática, tornou-se em Cecília Supico Pinto. Aderiu muito cedo ao regime autoritário de Salazar, que admirava profundamente.

Cilinha fez o percurso “natural a todas as senhoras de bem”: Cascais, Ericeira, Sintra, teve preceptora, foi educada nos princípios da honestidade, no rigor da verdade e da contenção das despesas, conheceu os Palmelas, os Avilezes, os Galveias e os Pinto Basto, andou a cavalo, cantou o fado, conduzia a alta velocidade, praticava caridade. Pelo casamento consolidou a aproximação ao topo da hierarquia do regime. Cilinha era extrovertida e conquistou imediatamente as graças de Salazar.


Consta que Sophia de Mello Breyner (1919-2004), no livro Contos Exemplares, descreve Cilinha de quem, aliás, era amiga:

“(...) Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora dos seus silêncios e dos seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito que ela serve”.

Verdade ou mentira, Cilinha transformou-se numa mulher importante do regime, aparecendo várias vezes como a primeira dama de Portugal, charmante e risonha.

Luís Supico Pinto deixa o Ministério da Economia em 1947, passa a fazer parte da Sociedade Agrícola Algodoeira de Moçambique, mesmo permanecendo em Lisboa. Mas depois começaram as viagens a África e quando chegam os primeiros sinais da luta armada, Cilinha reage, apronta-se a defender o Ultramar, aparece logo na manifestação de desagravo depois do assalto ao Santa Maria. Fruto das circunstâncias e da sua personalidade, passou imediatamente a ser o rosto dessas mulheres patriotas que distribuíam kits de cigarros e aerogramas aos militares, que editavam discos, que enviavam publicações aos militares nas frentes de combate, estimulando as madrinhas de guerra e os espectáculos com os ídolos da canção. A Operação Saudade baseava-se na venda de cinco milhões de senhas para dar oportunidade aos militares em combate de viajarem até à Metrópole: “Um militar por dia, trezentos e sessenta e cinco por ano, uma campanha sem precedentes”.

Conhece-se a história de um MNF através das suas publicações, caso das revistas Presença e Guerrilha, mas também os programas de rádio, as gravações com música e mensagens de vários artistas. Foi louvada e condecorada pelo regime, recebeu medalhas de ouro e vários títulos honoríficos. Como se disse, percorreu Angola, Guiné e Moçambique por diversas vezes. Cilinha vai vendo com os seus próprios olhos o desmoronamento dos valores e garante ter alertado a hierarquia do regime para a degradação político-militar.

Não esconde durante as entrevistas com a autora que teve um papel privilegiado entre as mulheres portuguesas que abraçaram o salazarismo. Aceitou Marcello Caetano mas não esconde reticências perante a evolução política. Não teve ilusões de que o 25 de Abri representava o fim do Império, tentou ainda pôr o movimento ao serviço dos feridos e doentes, em 22 de Julho de 1974, o MNF era extinto e o seu património entregue à Liga dos Combatentes. Seguiu-se um período de dificuldades, gente a virar-lhe a cara na rua, ela diz nunca ter abdicado das suas convicções e do valor da sua consciência.

Temos aqui uma oportunidade para conhecer o MNF e a vivacidade da intervenção da sua protagonista. Não se pode estudar a Guerra Colonial sem conhecer esta organização e a energia da sua líder carismática, hoje no anonimato.

Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70


_____________

Notas dos editores:


(2) Vd. último poste desta série, Notas de Leitura: 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2420: Notas de leitura (6): Amílcar Cabral, um lusófono fazedor de utopias (António Rosinha)

Sem comentários: