Guiné-Bissau > Bissau > 1998 > "Almoço no Clube de Caça da Anura, em 1998. Eu sou o segundo do lado direito, no primeiro plano. O segundo do lado esquerdo, no primeiro plano, é o Rocha, economista, casado com a Juvelina Cabral (irmã do Amílcar Cabral), que moravam na altura em Bissau (estão actualmente em Angola).
"Mesmo de frente, o homem de bigodes é o comandante do navio mercante que trouxe os portugueses quando se deu o golpe de Ansumane Mané (1); ao seu lado direito está o gestor da GUIPOR (empresa detentora da exploração do Porto de Bissau, na altura em mãos de portugueses)" (2).
Foto e legenda: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
1. Mensagem do António Rocha, enviada ao A. Marques Lopes, com conhecimento ao editor do blogue:
Assunto - Guiné da minha saudade, Guiné da minha tristeza
Caro A. Marques Lopes:
Eu sou o Rocha, o economista casado com a Juvelina Cabral e que agora reside e trabalha em Angola e que, num dia de 1998, creio que pouco tempo antes da guerra civil da Guiné (1), teve o prazer de o conhecer, curiosamente na companhia daquele que seria o nosso Comandante salvador.
Creio que já há cerca de dois anos quando fazia uma pesquisa relacionada com a família Cabral, descobri, num dos primeiros sites da lista de resultados, a vossa tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné, que no excerto de apresentação fazia referência a mim e à minha mulher.
Claro que fui imediatamente ao sítio do blogue e lá descobri o seu artigo com a fotografia no Clube de Caça de Anura (publicado em 7 de Agosto de 2005)(2), e resolvi escrever o texto seguinte, o qual enviei para o e-mail do Professor Doutor Luís Graça.
Curiosamente hoje, quando estava a reorganizar o Outlook (que há muito tinha deixado de usar) descobri que o tal e-mail ainda estava no arquivo de "a enviar".
Então revisitei o Blogue e entendi reenviar o texto mas, agora, também para si uma vez que lá descobri o seu endereço.
Já agora também lhe digo (porque vi que é de ou mora em Matosinhos ou Porto) que sou nascido e criado no Porto e durante muitos anos trabalhei em Matosinhos e em Leça, na Petrogal.
O texto que na altura julguei ter enviado foi o seguinte:
"Luís Graça e amigos,
Não poderei considerar-me do vosso grupo, no sentido em que não fui combatente nem na Guiné, nem na guerra colonial.
Consegui escapar, com muita artimanha e também por real incapacidade física (visual). Fui, sim, um combatente contra a guerra colonial, nas trincheiras da oposição anti-fascista, nos débeis períodos eleitorais e nas manifestações da universidade.
Respeito muito quem foi forçado a entrar nessa triste guerra, mas também respeito quem, na altura, se sentia na obrigação e com vontade de defender a pátria e o "glorioso império" português.
Mas entendo ter algo a ver com o vosso grupo porque amo e choro, todos os dias, a minha querida Guiné. A Guiné para onde quis dar o meu contributo voluntariamente em 1985 e me mantive até 2000 (com ano e meio de interregno causado pela guerra), a Guiné onde encontrei a mulher da minha vida, a Guiné que eu vi nascer para a democracia, a Guiné pátria do ídolo da minha juventude - Amílcar Cabral -, mas também a Guiné onde deixei amigos vivos e muitos mortos, a Guiné da minha tristeza diária, a Guiné que tarda em encontrar o caminho e que tanto me faz sofrer.
Eu sou o Rocha, o tal economista que o Coronel A. Marques Lopes refere no Blogue Nove Fora Nada, aquando da sua visita à Guiné em 1998 e que está na fotografia do Clube da Anura (2).
De facto ainda me encontro em Angola, juntamente com a Juvelina, minha mulher, e o nosso neto/filho João Carlos, há quase 7 anos!
Mas, não há um único santo dia que a primeira coisa que faça, não seja ler as notícias sobre a Guiné. Sou um viciado amante da Guiné que há muito só me tem dado motivos para chorar, para me revoltar.
Por isso não serei a melhor companhia para vocês que, passados tantos anos conseguem ver as coisas doutra maneira, que conseguem encontrar sempre algo de positivo ou até de belo nas vossas andanças por aquelas terras.
Isso é muto bonito e encorajo-vos a continuarem a recordar esses tempos tão significativos das vossas vidas, com a serenidade de quem consegue, hoje, ver no antigo adversário um amigo.
Eu só quis intervir para vos dizer que aprecio o vosso blogue, a vossa amizade e solidariedade e, sobretudo, o vosso contributo para o esclarecimento desta época, talvez a mais importante da nossa história contemporânea.
Por mim, despeço-me com amizade, até um dia em que possa intervir com mais serenidade e com o distanciamento e lucidez que vocês conseguem.
Até lá serei vosso atento leitor.
Desejo a todos muitas felicidades e muita saúde e que esta tertúlia se prolongue por muitos e bons anos.
António Rocha - O tuga-guineeense."
Creio que, apesar de decorridos 2 anos, nada teria a mudar deste texto. Continuo a ter os mesmos sentimentos pela Guiné e a sofrer da mesma maneira porque, infelizmente, as coisas não melhoraram, antes pelo contrário...
Só gostaria que um de vós me fizesse o favor de me informar se o endereço da v/ tertúlia é o mesmo pois constato (no que acedi, http://blogueforanada.blogspot.com/) que não foram acrescentadas mensagens recentes (3).
De qualquer modo desejo a todos muita saúde e até um dia.
Grande abraço
António Rocha
2. Comentário do editor L.G.:
António (e Juvelina):
É bom saber de vocês... Gostei muito de ler a tua mensagem que esteve dois anos à espera de ser enviada (permite-me que te trate por tu, por que isso simplifica muita coisa). É de um grande tuga e de um grande guineense.... Lamento muito que tenhas sido obrigado a sair da tua Guiné, e que haja tanta amargura e tanta saudade no teu coração... Fico feliz por saber que te faz bem ler o nosso blogue e que aprecias muitas das coisas que por cá publicamos... Formamos uma Tabanca Grande onde tu e a tua Juveliana seguramente que cabem... Aparece mais vezes, sempre que quiseres e puderes. Se for a Angola, gostaria de te conhecer pessoalmente. Um abraço solidário.
__________
Notas de LG:
(1) O brigadeiro Ansumane Mané liderou, em Junho de 1998, um levantamento militar, a partir do quartel de Mansoa, e que levaram a uma sangrenta guerra civil. Na altura, cerca de 3 mil estrangeiros, incluindo portugueses, tiveram que fugir do país. Ao fim de onze meses, a rebelião acabaria por levar ao afastamento do então Presidente Nino Vieira, e colocar no poder uma Junta Militar liderada pelo brigadeiro.
Ansumane Mané será entretanto morto, alegadamente em combate, nos finais de Novembro de 2000, no decurso de uma também alegada tentativa de golpe de Estado contra o Presidente Kumba Ialá, entretanto eleito.
(2) Vd. poste de 7 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLV: Bissalanca, Bambadinca, Anura... ou três fotos com legenda (1) (A. Marques Lopes)
(3) Desde Junho de 2006, estamos na 2ª série do blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. E formamos uma tertúlia ou Tabanca Grande onde cabem todos os amigos da Guiné e do seu povo... Reservamos, naturalmente, a palavra camarada para os ex-combantentes, portugueses, independentemente da sua posição (político-ideológica) face à guerra colonial / guerra do ultramar...
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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