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quarta-feira, 24 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24338: Historiografia da presença portuguesa em África (369): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Sendo inviável fazer uma pesquisa com uma certa diacronia entre António da Silva Gouveia e Alfredo da Silva/Sociedade Geral, socorro-me do que vem na literatura sobre esta empresa em obras centradas nas atividades daquele que foi um dos mais ousados industriais portugueses, Alfredo da Silva. Não há nenhuma literatura sobre a Casa Gouveia, no entanto ela teve um papel preponderante e impôs-se dentro da lógica da exploração agrícola, do comércio, indústria e transportes, estava praticamente disseminada pela Guiné, havia armazéns nas principais povoações e mesmo lojas. Recordo que nos relatos enviados pelo responsável do BNU da Guiné a partir de 1962 a subversão irá também incidir sobre a apreensão de matérias-primas no Sul pertencentes à Casa Gouveia, serão capturadas embarcações, os negócios da Casa Gouveia ficarão seriamente afetados nesta região. Vamos agora saber um pouco mais dos papéis existentes sobre António da Silva Gouveia nos primórdios da I República, tentar-se-á seguidamente ver nos arquivos da Assembleia da República como usou da palavra como deputado.

Um abraço do
Mário


Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF:
Uma viagem interminável (2)

Mário Beja Santos

Sempre questionei onde parava o acervo da Casa Gouveia, a principal empresa da Guiné, envolvida em explorações agrícolas, compras sobretudo de oleaginosas, algum tratamento industrial e transporte para a metrópole. Começam agora a aparecer papéis sobre António da Silva Gouveia, comerciante na Guiné e deputado, a este assunto voltaremos.

Batendo à porta da Fundação Amélia de Mello, encontrei acolhimento por parte do seu secretário-geral, dr. Jorge Quintas, que esteve profundamente ligado ao processo terminal dos Armazéns do Povo (que, como se sabe, integrava os Armazéns do Povo criados durante a luta armada e o acervo da Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosa e Comandita), cedeu-me um conjunto de publicações donde extraio hoje elementos que poderão ser úteis para entender como Alfredo da Silva, através da Sociedade Geral de Comércio Indústria e Transportes, incluiu no seu património a Casa Gouveia. O professor Miguel Figueira de Faria é o responsável por 3 livros editados por Publicações Dom Quixote em 2021 com os respetivos títulos: "Alfredo da Silva Biografia", "Alfredo da Silva e Salazar" e "Alfredo da Silva e a I República". É dessas publicações que procuraremos extrair algumas informações sobre a Sociedade Geral e como esta se veio articular com a Casa Gouveia.

Inesperadamente, dei com o livro de apologia de defesa da Guerra do Ultramar saído do punho do jornalista do Diário de Notícias Martinho Simões, "Nas Três Frentes Durante Três Meses", artigos publicados no DN em 1965 e editados pela Empresa Nacional de Publicidade no ano seguinte. Visita a Guiné e elogia o portuguesismo dos seus comerciantes. Começa por um comentário que não corresponde à verdade dizendo que Barbosas & Comandita foi a primeira firma a hastear a bandeira nacional em território guineense, isto em 1920. Refere as três casas grandes que dominam o vasto complexo mercantil: a Casa Gouveia, a Sociedade Comercial Ultramarina e a Barbosas & Comandita. “As duas primeiras, alargando o âmbito das suas atividades, detêm e orientam importantes setores industriais, essencialmente constituídos por centros de transformação das matérias-primas, os mais representativos dos quais se ocupam do descasque do amendoim e do arroz, dos óleos vegetais e dos sabões; a última, mantendo-se, essencialmente, no campo comercial, dispõe de um conjunto de estabelecimentos, cujo primordial objetivo é a compra de amendoim.”

E dá-nos conta das obras sociais dessas empresas, destaco o que diz sobre a Casa Gouveia:
“A par de constantes gastos na ampliação das suas instalações, concede maiores regalias aos seus empregados: bolsas de estudo a naturais da província, para frequentarem cursos universitários na metrópole; assistência médica e cirúrgica, frequentes vezes prestada na metrópole, quando os recursos locais são insuficientes; pensões de reforma por velhice ou invalidez, orçadas em 550 contos anuais; visitas à metrópole dos empregados naturais da Guiné com certo número de anos de casa, a fim de lhe proporcionar melhor conhecimento da comunidade portuguesa; cursos práticos para formação, entre os naturais da Província, de técnicos de mecânica, metalomecânica, eletricidade, química orgânica, marcenaria e outros, abrangendo preparação complementar em organizações industriais da metrópole.”

E visita com satisfação um centro industrial modelar, no Ilhéu do Rei, como escreve:
“Visitei o centro industrial da Casa Gouveia servido por ponte-cais privativa, devidamente equipada para cargas e descargas e cujas ligações são asseguradas por transportes fluviais próprios. Perfeitamente montado, dispõe de centrais diesel-elétrica e de vapor; de fábrica de descasque de mancarra com capacidade para setenta toneladas em oito horas de laboração; de fábrica de extração, por expellers, de óleo de amendoim, com capacidade de laboração de vinte e duas toneladas diárias de matéria-prima e de refinação, com controlo laboratorial; de instalações automáticas de lavagem, enchimento e pesagem e um grupo fixo de armazenagem para quatrocentas toneladas, bem como para farinação de bagaços; de um estaleiro, com plano inclinado, para recondicionamento de embarcações; e de um sistema de captação de água potável a grande profundidade.”

Em texto anterior, aludimos a duas obras de Miguel Figueira de Faria [foto à direita] sobre Alfredo da Silva, volumes dedicados à biografia e à sua atividade na I República. No volume dedicado a Alfredo da Silva e Salazar, volta-se a mencionar a Sociedade Geral e o seu avanço para a carreira de África. Alfredo da Silva, refere o autor, geria a Sociedade Geral, a sua frota era responsável pelo transporte de matérias-primas importadas que alimentavam as fábricas da CUF, frota fundamental na exportação dos produtos prontos a comercializar. E teve duras batalhas durante os anos 1930, a Sociedade Geral era temida pela concorrência e em 1932, embora a crise mundial desse sinais de abrandar houvera diminuição do comércio internacional e os preços dos serviços caíam a pique, a Sociedade Geral acumulava prejuízo nas suas carreiras.

É nesta atmosfera que Alfredo da Silva se dirige a Salazar, recém-chegado à Presidência do Conselho, dá-lhe a saber que recorrera a um empréstimo pessoal que se não pudesse solver prontamente teria de hipotecar a própria casa de habitação, pede apoio ao Governo. Acresce que a ida dos navios da Sociedade Geral para a exploração do comércio colonial só era praticável com autorização do chefe do Governo. Alfredo da Silva tenta uma vez mais adquirir a Companhia Nacional de Navegação, segue-se uma assembleia-geral desta empresa em grande agitação, acaba em tumulto, continua no dia seguinte, e no dia depois, e por aí fora, Alfredo da Silva afasta-se, deu como falhada a segunda tentativa de aquisição da CNN. E lança-se na carreira de África, faz requerimentos ao ministro da Marinha, procura rentabilizar alguns dos seus barcos. A 6 de abril de 1933, a Sociedade Geral transmitiu ao diretor da marinha mercante que o vapor Maria Amélia sairia a 21 do corrente até a Angola, a notícia deixa alarmados os administrados da Companhia Colonial, Alfredo da Silva verá as suas pretensões aprovadas, a Sociedade Geral pôde alargar as suas carreiras até Angola, limitadas até então à Guiné.

A CUF vai recuperando do pior período da sua história, a Sociedade Geral obtém permissão para continuar com os seus quatro navios na carreira de Angola, Alfredo da Silva estava autorizado a fazer o tráfego sem restrições entre a Guiné e a metrópole. Vão começar os diferendos entre Alfredo da Silva e Salazar. Este envia um convite ao industrial para integrar a Câmara Corporativa. Entrara-se numa nova era, vem a guerra civil de Espanha, haverá a conceção de estaleiros navais do porto de Lisboa à CUF. Em 1942, Alfredo da Silva falece em Sintra, a CUF entrará numa nova era sobre a égide do seu genro Manuel de Mello.

Como não disponho nesta altura mais nada sobre a Casa Gouveia vou ver o que se pode encontrar em António da Silva Gouveia, membro do Partido Republicano na Guiné.


(continua)
Navio Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Ilhéu do Rei, vista parcial do complexo da Casa Gouveia, fotografia de Francisco Nogueira, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24322: Historiografia da presença portuguesa em África (368): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24322: Historiografia da presença portuguesa em África (368): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Se algum de vós souber onde se encontra literatura ou acervo documental sobre a Casa Gouveia, António da Silva Gouveia ou a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda., peço a deferência de me dizer onde. Comecei, de facto, agora a bater às portas, de António da Silva Gouveia republicano na Guiné, já encontrei algumas referências, falta ir ao arquivo da Assembleia da República ver os diários das sessões para saber se há intervenções suas referentes aos negócios guineenses; a outras portas terei de bater, ao Arquivo Histórico Ultramarino, fui bem recebido no Arquivo Histórico da CUF-Alfredo da Silva, a Fundação Amélia de Mello ofereceu-me literatura que estou agora a utilizar. Mas trata-se de encontrar um fio condutor que comece em Gouveia e se conecta com a Sociedade Geral, algo que vai durar de 1921 até à independência da colónia. Quem me puder ajudar, por favor, não se acanhe.

Um abraço do
Mário



Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF:
Uma viagem interminável (1)


Mário Beja Santos

Sempre questionei onde parava o acervo da Casa Gouveia, a principal empresa da Guiné, envolvida em explorações agrícolas, compras sobretudo de oleaginosas, algum tratamento industrial e transporte para a metrópole. Começam agora a aparecer papéis sobre António da Silva Gouveia, comerciante na Guiné e deputado, a este assunto voltaremos.

Batendo à porta da Fundação Amélia de Mello, encontrei acolhimento por parte do seu Secretário-geral, Dr. Jorge Quintas, que esteve profundamente ligado ao processo terminal dos Armazéns do Povo (que, como se sabe, integrava os Armazéns do Povo criados durante a luta armada e o acervo da Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosa e Comandita), cedeu-me um conjunto de publicações donde extraio hoje elementos que poderão ser úteis para entender como Alfredo da Silva, através da Sociedade Geral de Comércio Indústria e Transportes, incluiu no seu património a Casa Gouveia.

O professor Miguel Figueira de Faria [foto à direita] é o responsável por 3 livros editados por Publicações Dom Quixote em 2021 com os respetivos títulos: "Alfredo da Silva Biografia", "Alfredo da Silva e Salazar" e "Alfredo da Silva e a I República". É dessas publicações que procuraremos extrair algumas informações sobre a Sociedade Geral e como esta se veio articular com a Casa Gouveia. Sendo um visionário e homem de ação, procurava as melhores oportunidades para investir em negócios, percecionava a área dos transportes como fundamental. Esteve na Carris, mas as coisas não lhe terão corrido de feição, estamos em 1919, propõe a criação de uma nova empresa no conselho de administração da CUF, é assim que vai surgir a Sociedade Geral que tomará a forma de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, é batizada com o nome de Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Limitada.

A União Fabril e a Sociedade Geral tornar-se-ão desde logo entidades inseparáveis. Como escreve o autor, a Sociedade Geral irá cumprir os objetivos inicialmente propostos, estabelece ligações, envolve-se em negócios vários, por exemplo estará presente na administração da Companhia do Congo. E mais:
“Três anos depois da sua criação, em 1922, a mesma sociedade afirma-se definitivamente no mundo dos transportes marítimos com a compra de quatro navios em Inglaterra batizados respetivamente: "Costeiro", "Mello", "Pinhel" e "Maria Cristina". A Sociedade Geral alargaria no ano seguinte a sua frota ao tornar-se proprietária de mais quatro embarcações. Mas a Sociedade Geral dava outro passo importante, desta feita ao entrar no mercado das oleaginosas. Em 19 de março de 1921, estabeleceu-se uma nova companhia com o nome de António da Silva Gouveia, Ldª, na qual a Sociedade Geral entrava na condição de sócia maioritária. Tratava-se de uma sociedade por quotas, constituída com o capital de 55.000 libras, das quais 25.000 tomadas por António da Silva Gouveia e as restantes 30.000 pela Sociedade Geral. Esta nova sociedade vai adquirir a António da Silva Gouveia as propriedades e casas de comércio que esta possuía na Guiné, bem como tomara seu cargo todo o comércio exercido anteriormente por aquele sócio minoritário. A Sociedade Geral garantia, de forma direta, o abastecimento de matérias-primas fundamentais à atividade da CUF.”

Isto é o que se pode retirar da biografia, passando para o volume referente à I República, o autor retoma a questão da Sociedade Geral, descreve a sua constituição e refere a vocação marítima deste novo empreendimento, para além de ser gestora das participações sociais noutras empresas, separando-as do universo industrial da CUF. Recorda igualmente o autor que Alfredo da Silva tentou sem êxito, em 1921, comprar a Companhia Nacional de Navegação. Falhou esta intervenção, como alternativa a Sociedade Geral reforçou a sua capacidade naval. O processo inicia-se com a aquisição do Silva Gouveia, em 1922, unidade com a arqueação bruta de 1204 toneladas, originário de estaleiros ingleses. No Barreiro, as instalações de apoio à frota foram reforçadas com a entrada em atividade de uma cordoaria mecânica para o fabrico, em sisal e manila, de cordas para as fragatas. É um período turbulento, greves permanentes, paragens prolongadas nos portos, pensa-se mesmo que a frota é negócio ruinoso. Mas a frota da Sociedade Geral irá manter-se ativa: o "Costeiro" passou meses a transportar pirites e navegava já para Espanha com carga destinada à Solvay.

A CUF irá comprar embarcações dos Transportes Marítimos do Estado. E lembra o autor que as instalações de apoio à manutenção da frota vão ser melhoradas com o alvará concedido às instalações metalo-mecânicas do Barreiro, o que permitia aperfeiçoar a fundição, caldeiraria e soldadura, fundamentais nos processos de reparação naval. “A Sociedade Geral tem nesta altura diversas rotas de navegação e o vermelho e branco das chaminés dos seus navios navegavam também para a América do Sul, com destaque para Montevideu ou Buenos Aires, e o Brasil, transportando mercadorias para a Baía e Santos. O canal do Panamá era utilizado para fazer chegar nitratos provenientes do Chile a Portugal. Com destino aos portos do norte da Europa, eram regulares os fretes para transporte de cereais e para Inglaterra era feito o transporto de toros de pinho, na ida, e de carvão e sulfato de amónio no regresso. A Sociedade Geral chegava igualmente a Farim, na Guiné, ou Sfax, na Tunísia, onde eram garantidos fretes que ligavam o mediterrâneo ao norte da Europa, nomeadamente a Middlesbrough, Liverpool e Glasgow.”

Em 1926, a frota da Sociedade Geral é de 17 navios com a capacidade de abastecer a CUF de matérias-primas e de colocar nos principais mercados bens provenientes das suas unidades de produção. “Estavam lançadas as bases de uma das principais companhias de navegação a operar sob a bandeira portuguesa.”

Veremos seguidamente no volume dedicado a Alfredo da Silva e Salazar como a Sociedade Geral avançou para a carreira de África.

(continua)

Navio Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Outro ângulo do navio Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Trabalhadores da Sociedade Geral a bordo do Silva Gouveia, no porto de Lisboa, em 1941
Documento avulso, ainda não identificado, mas alusivos a pagamentos de uma exploração agrícola da Casa Gouveia, 20 de novembro de 1957, veja-se os aspetos curiosos do ordenado e os direitos a rações para alimentação humana. Amavelmente cedido pelo Arquivo Histórico CUF-Alfredo da Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24304: Historiografia da presença portuguesa em África (367): Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12956: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (26): Leiria, o pior tempo do meu início de vida militar; Santarém onde a Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente; Tavira, onde ia morrendo; Carregueira do bidonville; Mafra onde a instrução era levada a sério (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 5 de Abril de 2014:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Antes de mais, faço votos sinceros para que esteja tudo bem contigo e família. 
Inserido no tema em epígrafe, junto texto e fotos relacionados com o mesmo, que desde já agradeço revejas para possível publicação.
No caso de algo não estar correcto ou não te facilitar o teu trabalho de editor, solicito / agradeço que me informes para a respectiva correcção.
Como sempre, estás à vontade para editar quando bem entenderes ou alterar o que achares por bem. 

Recebe Um Grande e Forte Abraço com votos de muita saúde.
Augusto Silva Santos


A CIDADE OU VILA QUE EU MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA, ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG


LEIRIA

Bandeira da Cidade de Leiria


Vista parcial da Cidade de Leiria

Assentei praça no RI 7 (Regimento de Infantaria 7) em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, haveria de ser transferido para a EPC mas, no escasso tempo que estive nesta cidade, poderei dizer que foi onde passei o pior tempo do meu início de vida militar.

Logo no primeiro dia roubaram-me o colchão da cama e um cobertor, pelo que tive de dormir vestido em cima de outro cobertor, numa caserna que na altura nem luz tinha. Parte das coisas eram feitas com luz das lanternas ou das velas.

Na primeira semana fui designado para fazer faxina à cozinha / refeitório, onde assisti a coisas para mim absolutamente impensáveis, desde levar os panelões com as vassouras de varrer o chão, e a comida a ser confeccionada nas piores condições de higiene. Até uma aranha eu apanhei na sopa. Escusado será dizer que, a partir daí, poucas mais vezes eu voltei a comer do rancho. Só mesmo quando não tinha outra alternativa.

Ainda me lembro que, muito perto do quartel, havia um talho onde se comprava a carne para ser cozinhada no tasco que ficava ao lado. Era muitas vezes a nossa safa. Foi uma cidade que me marcou pela negativa, mas não ao ponto de a odiar.


Janeiro 1971. 2ª Companhia / 6º Pelotão. Sou o terceiro de pé, da direita para a esquerda.

J
aneiro 1971. Na caserna com o camarada de beliche.


SANTARÉM

Bandeira da Cidade de Santarém


Vista parcial da Cidade de Santarém

Felizmente que, passado pouco tempo, efectivou-se a minha transferência para a EPC (Escola Prática de Cavalaria), onde haveria de concluir a recruta. Aqui tudo era de facto muito diferente, daí é o lema por todos assumido de: “A Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente”.

Desde as condições das instalações, à comida, à disciplina, era tudo um mundo à parte, tendo em conta a minha primeira e traumatizante experiência. Foram 3 meses de intensa e particular actividade, que me haveriam de marcar para o resto da minha vida militar, pela positiva. Foi uma recruta difícil, debaixo de muita chuva e frio, sempre de capacete na cabeça (era uma das partes mais difíceis de aguentar), por vezes passada nas valas de esgoto a céu aberto, e de seguida lavagens à mangueirada em plena parada para limpar a lama agarrada à farda.

Acordar às tantas da madrugada com músicas da Tonicha, e apresentar-se em poucos minutos na parada invariavelmente com umas das fardas, era outra das situações que nos punha em “ponto de rebuçado”. Nunca mais me esqueci da frase, “terreno semeado é terreno minado”, quando colocados a uns bons quilómetros do quartel, e tínhamos de lá chegar sem ser detectados. Pela estrada também não era possível ir por estarem constantemente patrulhadas. Era um grande desafio…

Também não foi fácil assumir que não queria ir para os Comandos, apesar de me ter sido apresentada a possibilidade de ir frequentar o COM (Curso de Oficiais Milicianos), se a resposta fosse sim.

Foi uma cidade de que muito gostei, e tive pena de não ter feito aqui a especialidade. A população era extremamente agradável e compreensiva para com os militares. E Almeirim ficava ali tão perto, com os seus bons “tascos”…


Fevereiro 1971. 5º Esquadrão / 5º Pelotão. Sou o quarto sentado, da direita para a esquerda. O primeiro de pé é o Vicente “Passarinho” (Piu), e o segundo sentado é o Daniel Matos.


Março 1971. Eu em pose no Destacamento da EPC


Abril 1971. Junto à entrada da E.P.C., ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.


TAVIRA

Bandeira da Cidade de Tavira


Vista parcial do Quartel da Atalaia

Sou entretanto colocado no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Também aqui tive bons e maus momentos, mas efectivamente senti um pouco a diferença do ambiente vivido na arma de Cavalaria, embora a adaptação tenha sido feita rapidamente.

A formação trazida da EPC ajudou muito. Foi igualmente fácil, porque muitos dos camaradas que constituíam a Companhia, tinham vindo de Santarém. Foi aqui que voltei a encontrar o Daniel Matos e o Vicente “Passarinho” (Piu), também eles mais tarde mobilizados para a Guiné. Infelizmente ambos já não estão entre nós.

A situação mais traumatizante que aqui passei, relacionou-se com uma questão de saúde, que por pouco não viria a ter consequências graves para mim. Tendo na semana de campo apanhado uma forte gripe com febres altas, apesar de eu ter avisado os enfermeiros de que era alérgico à penicilina, foi-me dado algo relacionado com aquela droga, pelo que por pouco não bati as botas, como se costuma dizer.

Recordo ainda uma ocasião em que toda a Companhia foi formada, para que alguém do sexo feminino passasse “revista” à formatura… Tal só não aconteceu, porque o possível “infractor” ao ver a pessoa em questão, resolveu por antecipação dar o corpo ao manifesto. Mas deu para perceber que havia algum pessoal igualmente muito nervoso.

Gostei da cidade e das suas gentes. Sempre que possível uma ida à praia na Ilha de Tavira, era um bom escape.


Abril 1971. Na Caserna com mais três camaradas. Eu sou o primeiro da esquerda e o Vicente “Passarinho” (Piu) é o terceiro, de garrafa na mão.


Junho 1971. No centro da cidade com outro camarada.


Junho 1971. Na Ilha de Tavira, em pose.


SERRA DA CARREGUEIRA, SINTRA

Bandeira da Vila de Sintra


Vista parcial da Serra da Carregueira

Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (atirador especial de G3 e atirador de 1ª classe em HK 21), sou colocado no CTSC (Campo de Tiro da Serra da Carregueira), como Cabo Miliciano, para dar recrutas e instrução de tiro.

Foi aqui que vivi das situações mais caricatas na tropa, desde ver um Tenente a matar ratazanas a tiro de pistola Walter, a ter de dormir calçado com medo que aqueles roedores nos viessem morder os pés.
Era frequente vê-las passar por cima dos camaradas que estavam a dormir, e não menos frequente aparecerem peças de fardamento roídas.

Tirando esta parte mais ou menos “lúdica”, também assisti à situação mais estúpida.

Era hábito no Bar dos Sargentos (principalmente para assustar os recém chegados), alguém por brincadeira atirar uma granada de instrução para o meio da sala gritando “granada”, obrigando a que todo o pessoal saísse em correria mas, certo dia, alguém por engano ou ignorância atirou uma granada com detonador e descavilhada, que um camarada pensando tratar-se do habitual, agarrou… Pode-se imaginar o que aconteceu a seguir e as graves consequências de tal disparate.

Era um quartel estranho e sem grandes condições, na altura situado no meio da serra sem habitações por perto… Recordo-me que, na época, não existiam quaisquer muros ou vedações para além do pouco que era visível perto da porta de armas. Era uma unidade do tipo “campo aberto”, delimitado apenas por grandes silvados, arvoredo, e moitas. Escusado será dizer que só não entrava ou saía quem não queria, e os “desenfianços” eram o pão nosso de cada dia.

Os Cabos Milicianos dormiam em camaratas tipo “bidonville”. A parte melhor desta passagem pela Carregueira, foi a de poder ir jantar e dormir a casa, sempre que não estava de serviço, pois tínhamos transporte para o efeito.


Novembro 1971. Já como Cabo Miliciano, na instrução do 6º Pelotão da 2ª Companhia. Sou o quinto de pé, da direita para a esquerda.


MAFRA


Bandeira da Vila de Mafra


Entrada do Quartel do CMEFED

Algum tempo depois rumo ao CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), para ficar na EPI (Escola Prática de Infantaria) como instrutor de educação física. Com muita pena minha não viria a concluir este curso, por ter sido entretanto mobilizado para a Guiné.

Em Mafra, como se costuma dizer, nem deu para aquecer, pois só lá estive cerca de 2 meses, mas ainda passei as “passinhas do Algarve” na Tapada de Mafra.

Quem passou pelo CMEFED (mais conhecido pelo se me f….), sabe bem a que me refiro… Para a época, era já uma unidade muito à frente e com óptimas condições sobre todos os aspectos.

Tal como na EPC em Santarém, aqui não havia “baldas”. A instrução era levada muito a sério e com rigor. Curiosamente, na minha vida civil e trabalhando na Marinha Mercante, andando embarcado nos navios Rita Maria, Alfredo da Silva, e Niassa, já havia passado uma boa dezena de vezes pela Guiné, mais propriamente por Bissau. Tinha o destino marcado…


Abril 1970 (faz agora precisamente 44 anos), a bordo do N/M Alfredo da Silva, no porto de Bissau, com o restante “pessoal das máquinas”. Sou o primeiro da direita, ainda de barba.


Dezembro 1971. Pronto a seguir viagem para CTIG. Foto tirada com farda emprestada pelo fotógrafo. Julgo que acontecia com todos os Furriéis Milicianos obrigados a tirar esta foto.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4784: Em busca de... (83): Companheiros de viagem para a Guiné em 25OUT66 (António Delmar R. Pereira)

1. Mensagem de António Delmar Rodrigues Pereira, com data de 2 de Agosto de 2009:

Camarada Luís Graça.

Procuro camaradas da rendição individual que embarcaram para a Guiné no navio 'Alfredo da Silva' em 25 de Outubro de 1966; desembarque em Bissau em 03 de Novembro de 1966 e regressaram com embarque em Bissau no navio Niassa em 30 de Outubro de 1968; desembarque em Lisboa em 06 de Novembro de 1968.

Sendo leitor assíduo do blogue, é a primeira vez que me dirijo.

O meu nome é António Delmar Rodrigues Pereira e era conhecido, por alguns, por Delmar d'Âncora por, fazer uns desenhos e ter a mania das ciências e dos inventos, um camarada, por maldade, me comparou a Da Vinci.

Éramos cerca de oitenta camaradas e regressámos todos. Eu como alguns de nós, fomos combatentes do chamado ar condicionado dos quartéis e repartições de Bissau.

Bem Haja.

Cumprimentos.
António Delmar R. Pereira
adelmarodrigues@sapo.pt


Navio Alfredo da Slva

Navio Niassa

Fotos: © Navios Mercantes Portugueses. Com a devida vénia


Bissau, 1969 > Ponte Cais e Ihéu do Rei no Estuário do Rio Geba

Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados. Com a devida vénia

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4771: Em busca de... (82): Domingos Alves procura pessoal da CCAV 8352, Guiné 1973/74

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3064: Os nossos regressos (10): Uma ida atribulada, um regresso tranquilo...(Valentim Oliveira)

Valentim Oliveira, soldado condutor nº 784/63,
CCav 489/BCav 490
1963/1965

Assunto - A minha ida e volta

Sendo eu um leitor assíduo, isto é, não passa uma palavra escrita, seja por quem for, no Blogue da Tabanca Grande, que eu não leia e é através das mesmas que eu me revejo no sentido da palavra como amigo e camarada de todos os ex-combatentes da guerra na Guiné.

É certo que, no contexto e segundo o que é dito e escrito pela maioria dos participantes, esta guerra não era o nosso hóbi. Fomos atirados para a mesma, sem que tivéssemos uma pequena vontade de participar na mesma, mas por força do regime governamental que tínhamos na época, não nos era permitido recusar e a ordem era marchar em frente! E vai daqui o EU poder expressar-me sobre a minha ida e o meu regresso da tão malfadada guerra, que tantas maleitas deu, a quem por lá passou.

(i) Mau mar num mau navio


Lisboa ficou para trás no mês de Setembro de 1963. O Alfredo da Silva foi o meio de transporte que cruzou as águas do Atlântico rumo á Guiné. Eu e todo o contingente de condutores-auto e alguns oficiais lá fomos integrar-nos no Batalhão de Cavalaria 490, que já tinha saído em Julho no paquete Niassa com destino a Moçambique e que só por sorte malfadada foi desviado para a Guiné.

A minha viagem foi muito atribulada pela conjuntura das tempestades e do mar turbulento. Muitos dos meus Camaradas só sentiram paz quando saíram do navio. Paz que durou poucos dias, porque de seguida a conversa começou a ser outra...Isto foi a integração na Guiné.

(ii) Bom mar, no Niassa


O meu regresso. Bem, o regresso foi mais ou menos como todos os outros que se faziam na década de 60. Não vínhamos de avião, mas sim de barco. Por sorte foi um pouco melhor no regresso do que na ida, isto em termos de viagem. E porquê?

Porque para lá fui num cargueiro adaptado, para transportes das nossas tropas. E para cá rumo a Lisboa, viemos no Niassa, com condições melhoradas. E como a tropa manda desenrascar, eu lá me desenrasquei a comer do bom e do melhor na messe ou seja, no salão, onde se banqueteavam os oficiais, mas como pagamento tinha que servir e fazer limpeza ao salão. De qualquer maneira não dei por mal entregue esse meu trabalho.

Foram aproximadamente seis dias a cruzar as águas...e por fim, Lisboa á vista, novamente a 15 de Agosto de 1965.

Não fui nenhum sortudo, porque não tinha ninguém á minha espera. Saí do barco! Claro, houve a formatura de praxe. De seguida fomos conduzidos nas Berliets com a respectiva cobertura de lona, até parecia que estávamos novamente na Guiné.

Daí seguimos para outra doca, para entrarmos nos cacilheiros, com destino ao Barreiro. Um comboio esperava-nos, com destino a Estremoz e ao RCav 3, a unidade mobilizadora. Chegou-se a Estremoz a altas horas da noite, mas tudo estava preparado, para nessa mesma noite fazer o espólio, receber a guia de marcha e fora do quartel, que já não és cá preciso. Nem sequer disseram a simples frase: "Tens Fome? "

É evidente que a fome era a de sair de lá, quanto mais depressa melhor. Não fossem eles mandar-nos para trás novamente... Já de madrugada lá fui eu para a estação dos caminhos-de-ferro. Apanhei o primeiro comboio até ao Entroncamento, seguindo-se um outro até Pampilhosa e ainda mais outro até Viseu. Claro todos eles com horas de seca para os apanhar.

Cheguei a Viseu ás 22 horas da noite e a essa hora já não tinha transporte para a minha aldeia e nestas circunstâncias tinha ainda 18 km para chegar a casa dos meus pais, que nem sequer sabiam, que eu estava tão perto. Valeu-me os pesos convertidos em escudos, que eu trouxe da Guiné, para pagar o táxi, que me levou até casa.

Deviam ser aproximadamente 23 horas, quando bati á porta da casa dos meus pais, com uma pequena mala na mão, mala essa que me foi oferecida pelas senhoras do Movimento N. Feminino.

Foi o meu pai, que veio na escuridão abrir a porta...digo escuridão, porque nessa época não havia luz eléctrica nas aldeias, só mais tarde em 1968 é que apareceu. Ainda hoje tenho bem gravado na minha mente a primeira palavra do meu velhote:
- Ó Maria é ele! Está aqui, chegou!

Foi num ápice de segundos que a minha velhota saltou da cama e se agarrou a mim com as lágrimas a saltarem-lhe dos olhos, mas eram lágrimas de alegria.

E é assim que eu relato o meu regresso á pátria mãe, porque a Guiné é dos Guineenses!




Um abraço para todos Tertulianos e Camaradas da Guiné.

Valentim Oliveira
Companhia de Cavalaria 489
Batalhão de Cavalaria 490
Oio,Como
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Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.